ARTIGOS CIENTÍFICOS
Pensamento Algébrico: possiblidades de manifestação a partir de resolução de problemas
Algebraic Thinking: possibilities of manifestation based on problem solving
Pensamiento algebraico: posibilidades de manifestación basadas en la resolución de problemas
Revista de Educação Matemática
Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Brasil
ISSN: 2526-9062
ISSN-e: 1676-8868
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 19, núm. 4, e022045, 2022
Recepção: 02 Outubro 2021
Aprovação: 20 Dezembro 2021
Publicado: 12 Agosto 2022
Resumo: Trata-se do resultado de uma pesquisa em que, a partir da resolução de problemas, buscou-se identificar a manifestação de um pensamento algébrico no estudante, e entender como o professor poderia interferir para o desenvolvimento desse pensamento. Para que isso se cumprisse, foi elaborado e aplicado um plano de ensino em uma turma do sétimo ano do Ensino Fundamental, em dois momentos. Um de observação, em que o professor procurou entender se apenas o engajamento do estudante na resolução de um problema seria suficiente para fazer manifestar nele um pensamento algébrico. Outro, de mediação do professor, feita por meio de questionamentos que buscavam direcionar a linha de raciocínio do estudante para uma das vertentes do pensamento algébrico. Como resultado, evidenciou-se que, para fazer emergir um pensamento algébrico através da resolução de problemas, há a necessidade de se criarem/adaptarem problemas adequados para cada situação; e que a contextualização de um pensamento de generalização a partir de casos particulares, observados por meio de números, pode desencadear um aumento da capacidade do aluno de fazer manipulação do desconhecido como se fosse conhecido, levando-o a conceber objetos matemáticos, como variável, incógnita, constante, etc., necessários para o entendimento e a aprendizagem de conteúdos matemáticos.
Palavras-chave: Pensamento Algébrico, Resolução de Problemas, Aprendizagem Matemática.
Abstract: The present paper shows the result of a research that aimed to identify the manifestation of algebraic thinking in the students based on problem solving, and to understand in what way the teacher could interfere to develop such thinking. In order to reach that goal, we designed and applied a teaching plan to seventh grade students in two moments. First, the observation, when the teacher tried to understand whether just the students' engagement in problem solving would be enough to develop some algebraic thinking. Second, the mediation of the teacher through questions to guide the students' line of reasoning to one of the sides of algebraic thinking. As a result, it became clear that in order to arouse some algebraic thinking from problem solving, it is necessary to develop/adapt appropriate problems for each situation; the contextualization of generalization thinking from particular cases, observed through numbers, may trigger an increase of the students' ability to manipulate the unknown as if it was known, leading them to conceive mathematical objects, such as variable, unknown factor, constant, etc., which are necessary to understand and learn mathematical contents.
Keywords: Algebraic Thinking, Problem solving, Math Learning.
Resumen: Este es el resultado de una investigación en la que, a partir de la resolución de problemas, se buscó identificar la manifestación del pensamiento algebraico en el alumno, y comprender cómo el docente podría interferir en el desarrollo de este pensamiento. Para lograrlo, se elaboró un plan de enseñanza y se aplicó a un grupo de séptimo año de primaria, en dos momentos. Uno de observación, en el que el profesor trataba de comprender si sólo el compromiso del alumno por resolver un problema era suficiente para manifestar en él un pensamiento algebraico. Otro, de mediación por parte del profesor, realizado a través de preguntas que buscaban dirigir la línea de razonamiento del alumno hacia una de las vertientes del pensamiento algebraico. Como resultado, se evidenció que, para hacer emerger el pensamiento algebraico a través de la resolución de problemas, es necesario crear / adaptar problemas adecuados a cada situación; la contextualización de un pensamiento de generalización a partir de casos particulares, observado a través de números, puede desencadenar un aumento en la capacidad del alumno para manipular lo desconocido como si fuera conocido, llevándolo a concebir objetos matemáticos, como variable, desconocida, constante, etc., necesario para comprender y aprender contenido matemático.
Palabras clave: Pensamiento Algebraico, Solución de Problemas, Aprendizaje de Matematicas.
INTRODUÇÃO
Atualmente, o professor, principalmente o da Educação Básica, precisa exercer múltiplos papéis dentro e fora da sala de aula. Ele deve promover condições para ampliar, transformar, sistematizar e facilitar o processo de ensino de maneira a propiciar maior aprendizagem aos seus alunos. É importante que o professor evidencie a necessidade dos conteúdos de Matemática que ele irá trabalhar, no dia a dia do aluno ou dentro da própria Matemática, a fim de que os estudantes tenham maior interesse em estudá-los, pois, segundo BRASIL (2017, p. 263), “O conhecimento matemático é necessário para todos os alunos da Educação Básica, seja por sua grande aplicação na sociedade contemporânea, seja pelas suas potencialidades na formação de cidadãos críticos, cientes de suas responsabilidades sociais”.
Este trabalho buscou investigar e propor atividades para o desenvolvimento do pensamento algébrico dos estudantes, pois, de acordo com diversos estudos, as potencialidades desse tipo de pensamento são capazes de proporcionar mais condições para o aluno aprender. Com efeito, a construção ou ampliação desse tipo de pensamento pode, segundo diversos pesquisadores dessa linha, ampliar a capacidade cognitiva dos estudantes em relação ao entendimento de objetos algébricos, e até de não algébricos, e, consequentemente, facilitar a aprendizagem de conceitos e conteúdos matemáticos relacionados a esses objetos.
Com o intuito de “entender como fazer emergir, no estudante, um pensamento algébrico através da resolução de problemas”, propusemos um trabalho de campo que fez uso da Resolução de Problemas, e que teve por base a elaboração e execução de um plano de ensino investigativo, composto por trinta aulas de cinquenta minutos, para alunos do sétimo ano do Ensino Fundamental de uma Escola Municipal, onde levantamos questões relacionadas à metodologia de ensino aplicada na construção de conhecimentos de Matemática e nas dificuldades dos alunos para compreender conceitos como variável, incógnita, constante, equações do primeiro grau, dentre outros.
Diante desse cenário, investigamos também “como os alunos do sétimo ano concebem conceitos de objetos matemáticos por meio do desenvolvimento do pensamento algébrico, a partir de um ensino através da Resolução de Problemas, e de que forma isso poderia ser visto como uma possibilidade para o professor ensinar conteúdos de Matemática nos anos finais do Ensino Fundamental”.
Com base nas propostas de investigação apresentadas, efetivamos nosso objetivo principal de: a partir da Resolução de Problemas, buscar identificar a manifestação de um pensamento algébrico no estudante, e entender como o professor poderia interferir para o desenvolvimento desse pensamento.
Para situarmos o leitor em um dos principais temas da nossa investigação – Pensamento Algébrico – discutimos as concepções e caracterizações desse tipo pensamento, de acordo com algumas pesquisas nessa área, de Lins (1992), Blanton e Kaput (2005), Kaput e Blanton (2008) e Radford (2006). A partir daí, elucidamos, de forma exemplificada e pautada na fala de pesquisadores, formas de evidenciar e entender como um pensamento algébrico se manifesta e quais ações devem ser executadas pelo indivíduo para que esse tipo de pensamento emerja, e como o professor poderia interferir de maneira a promover essas ações.
De posse do entendimento das concepções e caracterizações de um pensamento algébrico e com uma ideia bem definida de quais atividades seriam capazes de fazer manifestar no estudante um pensamento algébrico, apresentaremos as caracterizações da nossa pesquisa: a abordagem metodológica, os procedimentos técnicos e o processo de análise. Com base nessa sistematização, aduziremos uma descrição detalhada de como se deu o processo de intervenção pedagógica, enfatizando as evidências levantadas, bem como a nossa interpretação frente ao nosso objetivo principal.
Por fim, apresentaremos nossas considerações, destacando as principais contribuições desta pesquisa para o ensino e aprendizagem de Matemática; uma síntese crítica de todo o movimento relevante da nossa pesquisa para o campo da Educação Matemática, com um forte posicionamento dos pesquisadores, e reflexões oriundas das observações e interpretações do processo de ensino e aprendizagem, por meio do desenvolvimento do pensamento.
PENSAMENTO ALGÉBRICO E SUAS CARACTERIZAÇÕES
Começa-se este assunto buscando entender o significado de Pensamento Algébrico de uma maneira mais ampla, observando principalmente como esse tipo de pensamento se configura e em que situação ele se manifesta. Marina Blanton e James Kaput, em um dos seus principais artigos sobre esse tema, afirmam: “Consideramos pensamento algébrico como um processo pelo qual os alunos generalizam ideias matemáticas a partir de um conjunto de situações particulares, manifestam essas generalizações por meio de um discurso argumentativo, e expressam-nas de forma progressivamente mais formais e adequadas à sua idade” (BLANTON; KAPUT, 2005, p. 413, tradução nossa)[4].
Segundo Kaput e Blanton (2008), a caracterização do pensamento algébrico é uma atividade exclusivamente humana (o conhecimento está no sujeito), que surge das generalizações, como resultado de conjecturas sobre dados e relações matemáticas e por meio de uma linguagem cada vez mais formal, usada na argumentação.
De acordo Lins (1992), pensamento algébrico e álgebra são duas coisas distintas. “Essa distinção não está relacionada à separação entre processo e produto, nem se destina a distinguir ‘o que está em nossas mentes’ do ‘que está fora de nossas mentes’ ’’(LINS, 1992, p.10, tradução nossa)[5]. Para ele, o pensamento algébrico se refere a uma maneira de produzir significados para objetos matemáticos, enquanto a álgebra é um conteúdo a ser entendido. É possível entender a álgebra de muitas maneiras, e o pensamento algébrico é apenas uma delas. Ainda nesse trabalho, o autor diz que a caracterização do pensamento algébrico é melhor entendida como uma intenção, isto é, “uma maneira pela qual eu quero fazer as coisas”, mesmo que os conceitos ou métodos necessários para realizar essa intenção não estejam disponíveis ou ainda não foram desenvolvidos.
Radford (2006) enfatiza que ainda não se tem uma definição nítida e concisa do pensamento algébrico, “pode ser por causa do amplo escopo de objetos algébricos (por exemplo, equações, funções, padrões...) e processos (inversão, simplificação...), bem como as diversas maneiras possíveis de se conceber o pensamento em geral” (p.2, tradução nossa)[6]. Ele também afirma que esse tipo de raciocínio se caracteriza como um tipo de reflexão e ação cultural muito sofisticada, um modo de pensamento que foi refinado sucessivamente ao longo de séculos antes de alcançar sua forma atual.
Assim, neste trabalho o pensamento algébrico é entendido como um tipo de raciocínio capaz de levar um indivíduo a generalizar ideias a partir de um conjunto de casos particulares, podendo, inclusive, promover condições para que esse indivíduo possa expressar essas ideias generalizadas por meio de discurso, de gestos ou de imagens e, até mesmo, escrevê-las em uma linguagem matemática formal.
A seguir, são apresentadas as caracterizações de um raciocínio que podem ocorrer no desenvolvimento do pensamento algébrico e como essas caracterizações se manifestam. As características que evidenciam um pensamento algébrico se constituem como vertentes de um raciocínio, as quais podem ser desenvolvidas ao longo de atividades que requerem um processo cognitivo específico. E para que isso aconteça, é preciso que os alunos resolvam tarefas matemáticas à sua maneira, com seu modo de pensar. Essas tarefas precisam ser bem escolhidas e deverão estar de acordo com a escolaridade do aluno.
COMO EVIDENCIAR A MANIFESTAÇÃO DE UM PENSAMENTO ALGÉBRICO
Para elucidar a existência de um pensamento algébrico durante a execução de alguma tarefa, é necessário saber como esse tipo de raciocínio se manifesta. Para isso, buscou-se entender, dentro dos referencias teóricos aqui apresentados, quais são os elementos essenciais para evidenciar a existência de um pensamento algébrico.
Buscando identificar uma manifestação de um pensamento algébrico, Lins (1992) classificou-os como: to think ARITHMETICALLY (pensar aritmeticamente), to think INTERNALLY (pensar internamente) e to think ANALITICALLY (pensar analiticamente). As denominações dadas por Radford (2006) para os tipos de pensamento algébrico são Factual, Contextual e Padrão. Para Kaput e Blanton (2005; 2008), esses tipos de pensamento são Aritmética Generalizada, Funcional e Modelação.
Apesar de os autores citados darem denominações diferentes para cada uma das três vertentes do pensamento algébrico, eles se referem aos mesmos tipos de pensamento ou a pensamentos similares. Com efeito, pensar aritmeticamente, ter um pensamento factual e pensar como aritmética generalizada são denominações usadas para se referirem ao mesmo tipo de pensamento. Da mesma forma, pensar internamente, ter um pensamento contextual e ter um pensamento funcional são denominações também referentes ao mesmo tipo de pensamento. E, também, pensamento analítico, padrão e de modelação são designações dadas a uma mesma forma de pensar.
Apesar disso, gostaríamos de enfatizar que dentro de uma mesma vertente de pensamento algébrico existem variações que podem ser observadas e interpretadas de muitas maneiras, visto que dois indivíduos, mesmo dentro de uma mesma linha de raciocínio, sempre terão pensamentos diferentes, pois possuem um rol de experiências diferentes. Além disso, uma mesma vertente pode aparecer em contextos diferentes, fazendo um indivíduo pensar ora de um jeito, ora de outro, mesmo dentro da mesma vertente. E a visualização da forma de pensamento de cada indivíduo também pode ser vista e interpretada de formas diferentes.
Por esse motivo, os pesquisadores mencionados, buscando simplificar seu entendimento sobre esses tipos de pensamento, classificaram-no nessas três vertentes e configuraram cada uma delas de acordo com sua interpretação. E nós, na hora do nosso processo de análise, utilizamos ora a interpretação de um autor, ora de outro, buscando sempre aquele que melhor nos puder auxiliar para visualizar e entender o pensamento do aluno durante a resolução de um problema.
A seguir, são apresentadas cada uma das vertentes do pensamento algébrico, na concepção de cada um dos teóricos citados.
1) A primeira vertente do Pensamento Algébrico
A primeira vertente do pensamento algébrico, na concepção de Lins (1992), é o pensar aritmeticamente (ou aritmeticidade), que significa “modelar, em números, o que naturalmente implica a utilização das operações aritméticas a fim de produzir as relações que constituem o modelo” (p. 12), sendo, portanto, os principais objetos de trabalho os números, as operações aritméticas e uma relação de igualdade, e estes são vistos como ferramentas dentro de determinadas situações.
Pensar aritmeticamente, que Lins (1992) também chamou de aritmeticidade[7], caracteriza-se pela produção de um modelo, de uma situação geral, por meio de números, “o que implica naturalmente o uso das operações aritméticas para produzir os relacionamentos que constituem o modelo” (LINS, 1992, p. 12, tradução nossa)[8]. Assim, os problemas que fazem manifestar esse tipo de raciocínio estão diretamente relacionados aos números. São problemas em que temos como resultado um valor numérico, e a busca por esse resultado leva em consideração apenas números e operações numéricas, desprezando outros elementos, como forma, unidade de medidas, cor, sua relação com outro objeto, etc.
Por exemplo, qual o número cuja soma do seu triplo com 150 dá 450? Mesmo que o enunciado desse problema viesse equacionado por poder-se-ia ter um pensar aritmeticamente se a resolução fosse algo do tipo: preciso somar duas partes e obter um total de 450. Como uma das partes a ser somada é 150, se eu retirasse essa parte, o total teria 150 a menos, ou seja, 450 – 150 = 300. Assim, o resultado desse problema deve ser um número cujo triplo seja 300, portanto, o resultado para esse problema é 100. Observe que não é o problema que faz manifestar esse tipo de pensamento, e sim o método usado para resolvê-lo. Logo, para identificar a existência de um pensar aritmeticamente, é preciso observar como o indivíduo pensa durante a resolução de um problema. E para promover esse tipo de raciocínio, é preciso instigar esse indivíduo a seguir uma linha de raciocínio baseada puramente em números e operações, e, principalmente, levá-lo a perceber que não se trata de um método particular para esse problema, mas um método geral para qualquer problema com determinadas especificidades.
Outra situação bem simples em que pode ser vista uma manifestação desse tipo de pensamento ocorre quando um aluno, ao estudar tabuada, percebe que 8 vezes 5 é igual a 5 vezes 8, e sabe que poderá fazer uso dessa propriedade não apenas para esse caso particular, mas para qualquer produto que ele precisar determinar; porém, ele ainda não formulou um discurso, tampouco uma representação, para manifestar esse tipo de pensamento, ou seja, ele só consegue expressar seu conhecimento dessa propriedade por meio de números.
Segundo Kaput e Blanton (2008), essa vertente, Aritmética Generalizada ou Pensamento Quantitativo, tem por base o potencial e o caráter algébrico da Aritmética, que devem ser explorados explicitamente de forma sistemática, revelando a sua generalidade. A generalização com operações e suas propriedades, e o raciocínio com números constituem o coração da álgebra como aritmética generalizada, logo existem outros aspectos que podem ser incluídos nesta vertente, como:
• Explorar propriedades e relações dos números inteiros (generalizar sobre adição e multiplicação de números pares e ímpares; generalizar propriedades como o resultado da subtração de um número de si mesmo, formalizando expressões como a – a = 0; decompor números inteiros em possíveis adições e examinar a estrutura dessas adições;...).
• Explorar propriedades das operações com números inteiros (explorar relações entre operações como a comutatividade da adição ou da multiplicação, ou a propriedade distributiva da adição em relação à multiplicação; procurar generalidades nas operações, como adicionar e subtrair a mesma quantidade;...).
• Explorar a igualdade como expressão de uma relação entre quantidades (explorar o papel algébrico do sinal de ‘=’ usando a ideia de equivalência ou expressões numéricas do tipo 7 + 4 = ? + 5; tratar equações como objetos que expressam relações quantitativas como ;...).
• Resolver expressões numéricas com número desconhecido em falta (sentido de incógnita), resolver equações simples com uma incógnita; resolver equações com incógnitas múltiplas ou repetidas, por exemplo, se K + K = 10, quanto é K + K + 9?; completar os números que faltam como no quadrado mágico, propor equações no contexto de problemas.
Na concepção de Radford (2006), a primeira vertente do pensamento algébrico, chamada factual, que está relacionada com situações mais particulares, é referente à indeterminação, ao desconhecido, à regularidade, etc. Para ele, apesar de a natureza desse tipo de pensamento ser aparentemente concreta, ele não é uma forma simples de reflexão matemática; na verdade, trata-se de um conjunto de mecanismos altamente evoluídos sobre percepções, sofisticada coordenação rítmica de gestos, palavras e símbolos. Nesse tipo de pensamento, encontra-se uma compreensão de regularidades e imaginação de figuras, em uma busca pela generalização do que é perceptível ou imaginável, fazendo com que essa forma de pensar seja ancorada em um profundo processo de mediação sensorial, evidenciando uma natureza multimodal do pensamento factual.
2) A Segunda Vertente do Pensamento Algébrico
Para Lins (1992), pensar internamente implica considerar os números e as operações apenas segundo suas propriedades, envolvendo igualdade e desigualdade. O foco desse pensamento está na possibilidade de “distinguir soluções internas, isto é, aquelas produzidas dentro das fronteiras dos campos semânticos[9] dos números e das operações aritméticas”.
Na concepção de Kaput e Blanton (2008) essa segunda vertente, pensamento funcional, caracteriza-se pela generalização de padrões numéricos para descrever relações funcionais, além de perceberem as relações de variações e (co)variações. Essas variações envolverão generalizações por meio da ideia de função, ou seja, a concepção de letras como variáveis, e não apenas como incógnitas.
Esses autores apresentam os aspectos que caracterizam esse tipo de pensamento: Simbolizar quantidades e operar com as expressões simbólicas (usar símbolos para modelar problemas; usar símbolos para operar com expressões simbólicas); Descobrir relações funcionais (explorar correspondência entre quantidades; explorar relações recursivas; desenvolver uma regra para descrever as relações, usar tabelas, simbolizar as regras descobertas); Prever resultados desconhecidos usando dados conhecidos (formular conjecturas acerca do que não se sabe, a partir do que se sabe, sem repetir todo o processo anterior); Identificar e descrever padrões numéricos e geométricos (identificar regularidades numéricas, por vezes, geradas geometricamente, identificar padrões em sequências de imagens, figuras geométricas; identificar padrões em conjuntos de expressões numéricas).
Em Radford (2009) apud Almeida e Santos (2017), é enfatizado que nesse tipo de pensamento, contextual, o nível de objetivação é mais profundo do que o da ação e percepção característica do pensamento factual. Destaca ainda que “no pensamento algébrico contextual a indeterminação se torna um objeto explícito do discurso. Gestos e ritmos são substituídos por dêiticos linguísticos, advérbios, etc.” (RADFORD, 2009, p. 49 apud ALMEIDA; SANTOS, 2017, p. 50).
3) A terceira Vertente do Pensamento Algébrico
Essa vertente de pensamento, de acordo com Lins (1992), é caracterizada como um “método de procura de verdades no qual o desconhecido é tratado como conhecido” (p.16, tradução nossa). Os números genéricos são apresentados como se fossem específicos e as incógnitas como dados. Por exemplo, as expressões algébricas que formam uma equação são manipuladas, como as que têm ‘x’, em que o elemento desconhecido é tratado como valores conhecidos, gerando equações equivalentes até que se consiga encontrar os valores desse elemento desconhecido (como o valor de ‘x’).
Para Kaput e Blanton (2008), essa vertente de pensamento, modelação, constitui-se de domínio para expressar e formalizar generalizações. Nessa perspectiva, ele se dá a partir de situações matemáticas ou de fenômenos, como a generalização de regularidades, em situações do cotidiano em que a regularidade é secundária, relativamente ao objeto mais geral da tarefa. E dentro desse pensamento, para representar um problema de estrutura algébrica, também é possível utilizar a linguagem gestual, pictórica, natural, numérica ou simbólica algébrica.
Radford (2006) diz que essa vertente, pensamento algébrico padrão, é onde o aluno começa a utilizar fórmulas alfanuméricas, ou seja, uma linguagem simbólica algébrica para expressar o pensamento. As fórmulas alfanuméricas são narrativas vivas dos fenômenos estudados como atividades de generalizações de padrões, como o tipo de imagem, ícones em que os alunos oferecem uma espécie de descrição espacial da imagem e as ações a serem realizadas.
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO ALGÉBRICO
Após um estudo teórico sobre Pensamento Algébrico, para melhor entendimento de como isso se configuraria como prática de ensino, fez-se necessário um trabalho em sala de aula, a partir de um plano de ensino que teve como objetivo, primeiramente, identificar a existência de manifestação de pensamento algébrico nos alunos investigados e, depois, por meio de intervenções adequadas de um dos pesquisadores, fazer emergir nesses alunos um pensamento algébrico em cada uma das vertentes aqui mencionadas. Esse trabalho, de caráter investigativo, foi a base da pesquisa que se materializou neste texto.
Diante do que foi exposto no parágrafo anterior, teve-se dois momentos que se fundamentaram em dois métodos de pesquisa. Primeiramente, o método observacional, que, segundo Gil (2019), é um método em que o pesquisador apenas observa o que está acontecendo ou o que aconteceu. E depois, o método experimental, que “consiste essencialmente em submeter os objetos de estudo à influência de certas variáveis, em condições controladas e conhecidas pelo investigador, para observar os resultados que a variável produz no objeto” (GIL, 2019, p. 16).
O plano de ensino mencionado foi aplicado a uma turma do sétimo ano do Ensino Fundamental de uma Escola Municipal, durante 30 aulas de 50 minutos cada. Todo o plano de ensino foi projetado e trabalhado a partir de problemas de Matemática. Primeiramente, os problemas eram propostos aos alunos e eles deveriam resolvê-los sem a intervenção do pesquisador. Esse processo tinha como objetivo observar a existência de pensamento algébrico e, se possível, classificar esse tipo de pensamento em uma das três vertentes postas pelos nossos referenciais teóricos, já discutidas neste texto. Posteriormente, esses problemas eram novamente propostos aos estudantes, dessa vez com o uso de um método experimental, em que um dos pesquisadores fazia intervenções adequadas, por meio de perguntas capazes de conduzir os estudantes a uma direção em que o entendimento dos dados e dos conceitos relacionados, ou dos procedimentos, ou dos métodos usados para resolver o problema, necessitasse de um raciocínio dentro de uma vertente específica esperada pelo pesquisador, a priori.
Foram trabalhados 22 problemas na mesma dinâmica mencionada. Apesar de cada problema trabalhado seguir um mesmo roteiro, diferenciando-se apenas nas especificidades dos problemas e não no método de trabalho, as perguntas feitas pela pesquisadora para conduzir o estudante, de forma que ele pudesse ter um pensamento da maneira esperada, sofriam variações de acordo com a vertente de pensamento desejada pelo pesquisador. E a quantidade, aparentemente grande, de problemas trabalhados com o mesmo intuito se justifica pelo fato de que, apesar da experiência dos pesquisadores com esse tipo de trabalho, uma intervenção pedagógica necessita de um tempo de adaptação, tanto do pesquisador quanto dos pesquisados. Ademais, como se trata de uma pesquisa, não é possível ter certeza, de antemão, de que os objetivos serão sempre alcançados em uma primeira tentativa, podendo necessitar de várias intervenções; porém, mesmo aquelas que não apresentam resultados satisfatórios podem, por meio de uma análise criteriosa, ajudar o pesquisador a entender fenômenos importantes para a edificação de resultados coerentes para a pesquisa.
Apesar de esta pesquisa fazer uso de dois momentos, um de observação e outro de experimentação, e de termos trabalhado 22 problemas em sala de aula, aqui é apresentado apenas a descrição e análise do desenvolvimento de três problemas, considerando somente o momento experimental. Isso se deve ao fato de o objetivo desta investigação ser o de, a partir da Resolução de Problemas, buscar identificar a manifestação de um pensamento algébrico no estudante, e entender como o professor poderia interferir para o desenvolvimento desse pensamento. E esse objetivo se configurou na seguinte pergunta: como utilizar Resolução de Problemas para fazer emergir no estudante um pensamento algébrico?
Do ponto de vista da abordagem, esta pesquisa se constituiu como uma pesquisa qualitativa, pois “[...] os dados qualitativos consistem em descrições detalhadas de situações com o objetivo de compreender os indivíduos em seus próprios termos. Esses dados não são padronizáveis [...] obrigando o pesquisador a ter flexibilidade e criatividade no momento de coletá-los e analisá-los” (GOLDENBERG, 2004, p. 53).
Como já foi mencionado, a coleta dos dados que compôs o nosso corpus de pesquisa, “[...] conjunto dos documentos tido em conta para serem submetidos aos procedimentos analíticos” (BARDIN, 2011, p. 126), teve dois momentos, observacional e experimental, e foi feita por meio de gravações em mídias (áudios e vídeos), diário de campo e materiais escritos produzidos pelos alunos. E a análise desses dados se iniciou com uma leitura flutuante que “consiste em estabelecer contato com os documentos a analisar e em conhecer o texto deixando-se invadir por impressões e orientações” (BARDIN, 2011, p.126). Depois, os dados foram retomados para uma nova leitura, e dessa vez, buscava-se evidenciar elementos (fala, material escrito, gestos, etc.) que pudessem caracterizar um pensamento algébrico dos estudantes, e depois, classificá-lo em uma das vertentes defendidas pelos nossos teóricos, aqui mencionadas.
Vale ressaltar que, como se trata de buscar entender o pensamento de um indivíduo, que é uma coisa muito complexa, o que se usará para justificar a existência de um pensamento algébrico, bem como sua caracterização, serão fundamentados, essencialmente, pela escrita e pelos discursos dos alunos durante todo o processo, enfatizando os momentos em que os estudantes foram estimulados a expressar oralmente seu entendimento do problema e sua justificativa para sua solução apresentada.
Problema 1) Sandra alugou um carro popular na locadora LOCBEM. O preço de locação estava indicado na porta da locadora pelo cartaz apresentado na Figura 1 a seguir.
Sabendo-se que Sandra alugou o carro por um dia e pagou pela locação R$ 270,00, quantos quilômetros ela percorreu?
A Figura 2 apresenta a resolução desse problema feita por uma das alunas da turma investigada.
Para tentar entender a resolução mostrada na Figura 2 e, principalmente, o raciocínio empregado pela estudante durante a resolução desse problema, foi necessário promover um diálogo, e parte dele será apresentado a seguir.
Professora: Por que você chegou à conclusão de que a resposta do problema era 70 km?
Aluna: Porque a locadora estipulou que o valor fixo por dia para alugar um carro era 130, então, concluí que o que não pode mudar é esse valor, o que muda é a quantidade de quilômetros rodados.
Professora: Por que você escreveu 130 + 2 (10), 130 + 2 (20),... até 130 + 2 (70)?
Aluna: Porque Sandra pagou um total de 270,00 reais, então, fui acrescentado valores à quantidade de quilômetros até encontrar o valor que multiplicado por dois e somado com 130 desse igual a 270,00. Assim, encontrei 70 km.
Professora: E se o valor pago por Sandra fosse outro, por exemplo, um valor bem maior?
Aluna: Eu faria da mesma forma, continuaria colocando valores para a quantidade de quilômetros, multiplicaria por 2 e somaria com 130, até que o resultado desse o valor pago por Sandra.
Pelo diálogo apresentado, pode-se perceber que a estudante desenvolveu um raciocínio que a levou a determinar um método capaz resolver esse problema e outros que se diferenciassem desse apenas pelo valor pago por Sandra. Observe que existe, nesse raciocínio, um processo de generalização, porém, essa aluna só conseguiu expressar e aplicar esse processo de generalização por meio de números. Apesar de a estudante entender que dispunha de um método capaz de resolver esse problema para qualquer valor dado, ela não possuía um discurso, ou uma contextualização, para expressar, por meio de uma linguagem, esse método, tampouco avaliar sua aplicabilidade. Seu raciocínio se encontrava dentro das dimensões estabelecidas por um sistema aritmético, revelando um pensamento algébrico dentro da primeira vertente. Com efeito, aparece claramente no pensamento da aluna, evidenciado pelo diálogo, o que Lins (1992) chama de aritmeticidade, fulgurada por uma modelagem em números, isto é, o uso das operações para estabelecer as relações que constituem esse modelo.
Problema 2) Uma fábrica de roupas produz 15 peças de calças por hora. A quantidade de calças é registrada pelos jovens aprendizes (são jovens menores contratados temporariamente pelas empresas). Preencha a tabela a seguir com o valor correspondente a cada quantidade de calças fabricadas, no tempo especificado.
Tempo (horas) | Número de calças |
2 | |
4 | |
6 | |
8 | |
10 | |
1000 |
Uma das estudantes apresentou a resolução indicada pela Figura 3, a seguir.
Para entender como se deu o processo de raciocínio que desencadeou essa solução apresentada para o problema, promoveu-se uma discussão por meio do seguinte diálogo:
Professora: Por que você chegou à conclusão apresentada na tabela, ou seja, 2x15 = 30, 4x15 = 60, e assim sucessivamente?
Aluna: Prestei atenção no que pedia no problema; quando relatou que a cada 1 hora esta fábrica produzia 15 peças de calças, percebi que o que mudava eram as horas e o que permanecia constante era o número 15, que correspondia à quantidade de calças produzidas por hora.
Professora: Então, se eu te pedisse para você determinar quantas calças poderiam ser produzidas por essa fábrica em 3 dias, o que você faria?
Aluna: Ah, professora, em 3 dias eu precisaria saber quantas horas daria, isto é, multiplicaria 24 vezes 3, depois era só fazer igual eu fiz.
Professora: Igual como?Você poderia fazer pra eu ver?
Aluna: Ah... 24x3 dá... 72 horas. Agora, basta multiplicar 72 por 15, que é a quantidade de calças produzidas em 1 hora. Assim, temos... 72x15 = 1080 calças.
Observando o material escrito pela aluna e o diálogo apresentado, pode-se evidenciar a presença de pensamento algébrico dentro da primeira e segunda vertentes. Com efeito, a percepção da aluna de um processo de generalização, originado pela interpretação do problema, juntamente com os cálculos apresentados, mostra um pensamento de busca da produção de um modelo que pudesse traduzir um mecanismo numérico em um processo para se determinar qualquer quantidade (neste caso, número de calças), a partir do conhecimento de outro número (quantidade de horas de produção) ou outra informação com base na aritmética, que, segundo Lins (1992), é uma das principais características da Aritmeticidade. Isso pode ser reforçado quando Kaput e Blanton (2008) enfatizam que esse tipo de generalização, ou seja, a busca por um processo geral para as soluções dentro das operações aritméticas elementares, fundamentada apenas nos números, isto é, sem fazer referência simbólica, demonstra claramente um Pensamento Quantitativo.
A percepção de que a estudante também teve um pensamento algébrico na segunda vertente advém da própria forma de ela apresentar os dados na tabela. Observe que ela não apenas colocou a resposta no local indicado, mas evidenciou os cálculos que precisaram ser feitos para se determinar a solução, por exemplo, para 2h, se tem 2x15 = 30. Isso instancia uma relação visual do número de horas com o processo aritmético para obtenção da quantidade de calças produzidas. Essa forma de escrever já caracteriza um meio para expressar o processo de generalização, produzindo uma percepção mais profunda que a do pensamento Factual, em que, segundo Radford (2006) apud Almeida e Santos (2017), a indeterminação, neste caso estabelecida pelas variáveis tempo e produção, passa a fazer parte do discurso, “[..] o que mudava eram as horas e o que permanecia constante era o número 15” (palavras distas por uma das estudantes no diálogo apresentado).
Nessa esteira, invocamos Kaput e Blanton (2008) para fortalecer a nossa justificativa da evidência de um pensamento dentro da segunda vertente. Dessa vez, fazendo referência à existência de um Pensamento Funcional, aquele que descreve relações funcionais, isto é, uma percepção de dependência entre valores em que a mudança de um valor provoca uma mudança sistemática nos outros. No nosso caso, uma mudança na quantidade de horas promoveu uma mudança na quantidade de calças produzidas, por meio de um sistema observável e previsível. Essa percepção da relação, juntamente com o entendimento da capacidade de controlar ou obter o segundo valor a partir do primeiro, estabelece um processo de generalização estruturado por uma linguagem ainda informal, mas passível de discurso, base do Pensamento Funcional.
Como já era esperado, pelo fato de os alunos da turma investigada ainda não terem tido contato formalmente com variáveis ou incógnitas, na forma estabelecida em Matemática, não foi possível evidenciar um pensamento algébrico dentro da terceira vertente, durante apenas a resolução dos problemas propostos, com intervenções discretas estabelecidas pelos pesquisadores. Diante disso, para que se pudesse fazer emergir esse tipo de pensamento, foi necessário um trabalho incisivo feito com a retomada de problemas já trabalhados, porém, dessa vez, os alunos eram incentivados a usar símbolos para representar dados do problema, que poderiam mudar de um item para outro, ou valores desconhecidos que deveriam ser determinados. Isso foi feito porque, segundo Radford (2006), nessa vertente de pensamento algébrico, o aluno começa a utilizar fórmulas alfanuméricas, ou seja, uma linguagem simbólica, algébrica, para expressar seu pensamento.
Mesmo que o estudante não tenha uma iniciativa própria de fazer uso de letras, ou de outros símbolos diferentes dos algarismos, para representar números, ele pode desenvolver um pensamento algébrico dentro da terceira vertente. De fato, esse tipo de pensamento pode ser evidenciado quando o estudante consegue manipular valores desconhecidos (ou variáveis) como se fossem conhecidos (ou fixados) (LINS, 1992). Assim, a evidência de um pensamento algébrico nessa vertente não aparece, necessariamente, pela criatividade de escolher representações para esses valores, mas pela familiaridade e segurança para fazer operações com símbolos alfanuméricos.
Nesse sentido, para que os estudantes inserissem símbolos alfanuméricos para representar valores, foi perguntado a eles se poderiam usar algo para representar um valor que eles não conheciam, ou que poderiam mudar de um item para outro. Porém, eles também foram incentivados a usar os símbolos que melhor os fizessem lembrar do que os símbolos representavam. Isso, em geral, é feito porque a relação de um sujeito (intérprete) com um objeto sempre é feita por meio de uma representação que produz um signo que faz a mediação entre o que o objeto realmente é com o significado produzido para esse objeto (interpretante). E, nesse caso, o ícone, signo que faz a mediação pela semelhança dele (representação) com o objeto, é capaz de produzir maior sensação de familiaridade com o objeto por meio da representação.
Por exemplo, se um problema traz valores atribuídos a uma pessoa, é adequado usar o nome dessa pessoa, ou a primeira letra do nome, para representar esse valor. Uma outra maneira é usar o símbolo de interrogação ‘?’ para representar um valor desconhecido, ou um quadrinho para representar um valor variável. No primeiro caso, a interrogação se assemelha ao desconhecido e, no segundo, um quadrinho pode ser imaginado como uma caixinha em que os valores podem ser colocados e retirados, consequentemente, alterados. Com o tempo, algumas letras como ‘x’, que inicialmente são símbolos, isto é, signos por convenção, tornam-se ícones, pois passam a significar (assemelhar-se com) o desconhecido ou variável. O leitor poderá obter mais informações sobre signo em Santaella (2002; 2012).
Na busca de fazer emergir nos estudantes um pensamento algébrico na terceira vertente, como já foi mencionado, foi solicitado aos estudantes que refizessem alguns dos problemas trabalhados. Nem todos os problemas foram refeitos, apenas alguns, escolhidos pelos pesquisadores, considerados mais propícios para que se fizesse emergir esse tipo de pensamento. Contudo, dessa vez, foi-lhes sugerido que usassem símbolos, como palavras ou letras, para representar valores desconhecidos ou variáveis. E, no início, percebeu-se certa confusão sobre construção do significado de variável e incógnita, como pode ser visto na Figura 4.
A Figura 4 traz novamente a resolução do Problema 2, apresentado anteriormente, feita por uma estudante. Observe que ela usou uma letra para representar cada hora, ou seja, as letras L, Z, Q, i, J e A representam, respectivamente, os números 2, 4, 6, 8, 10 e 100. Isso mostra que a estudante não havia concebido o conceito de variável e as letras usadas por ela representavam valores constantes. Diante disso, para fazer emergir um pensamento algébrico, seria preciso levar essa estudante, e outros que tiveram um pensamento nessa linha, a conceber a ideia de variável por meio de questionamentos que a fizessem perceber que uma única letra seria suficiente para representar todos os valores da primeira coluna da tabela, bastando que essa letra funcionasse como um local em que se pudesse guardar um valor numérico, com a possibilidade de trocá-lo quando conveniente. Para isso, bastaria fazer perguntas do tipo: “por que você usou uma letra para representar um número?”, “que vantagem se tem em usar uma letra para representar apenas um número?”, “não poderia usar uma única letra para representar qualquer um desses números, e a cada momento a gente escolheria que número essa letra representaria?”, etc.
É importante enfatizar que levar um estudante a conceber o conceito de variável, ou de incógnita, não faz emergir nele um pensamento algébrico dentro da terceira vertente, mas é um primeiro passo, pois para expressar um pensamento por meio de uma linguagem simbólica, manifestação dessa vertente de pensamento algébrico, segundo Radford (2006), é preciso compreender essa linguagem.
Em nossa pesquisa, evidenciamos que a contextualização da ideia usada para resolver um problema, isto é, a visualização de uma situação concreta que envolve os valores representados por variáveis ou incógnitas, produz maior compreensão do significado de variáveis, incógnitas e constantes, levando o estudante a uma familiarização com esses elementos, desencadeando um domínio para expressar e formalizar generalizações que, segundo Kaput e Blanton (2008), são evidências de um pensamento algébrico dentro da terceira vertente.
Para elucidarmos as evidências mencionadas no parágrafo anterior, será apresentado, a seguir, uma solução proposta por estudantes para o Problema 1, cientificado neste texto.
Observe que na solução apresentada na Figura 5, a estudante começou sua resolução estabelecendo a variável . e definindo o que essa variável iria representar, e no texto apresentado, ela enfatizou que esse valor iria variar, mostrando conhecimento do conceito de variável e usando corretamente esse conhecimento para determinar a solução. Esse procedimento evidencia uma capacidade, pelo menos primária, de tratar os números genéricos como se fossem específicos, e isso, de acordo com Lins (1992), é uma manifestação de um pensamento algébrico dentro da terceira vertente. Porém, a estudante resolveu o problema por tentativas, isto é, atribuindo valores inteiros e positivos para ., na expressão, até obter 270, como pode ser visto pela fala da estudante, no diálogo a seguir:
Professora: Por que você utilizou a letra a para resolver o problema proposto?
Aluna: Para representar o valor de quilômetros.
Professora: Como você chegou à resposta?
Aluna: Por estimativa, ou seja, testando valores como 30, 20, 10 e 7. Encontrei a resposta do problema na quarta tentativa.
A seguir, será apresentado outro problema com a respectiva solução dada por um estudante. Esse problema, chamado aqui de Problema 3, foi o décimo oitavo problema trabalhado em sala de aula, momento em que os estudantes já estavam familiarizados com equações de primeiro grau e conheciam métodos para resolvê-las. Esse problema é trazido aqui para evidenciar como um raciocínio algébrico surge das generalizações, como resultado de conjecturas sobre dados e relações matemáticas e por meio de uma linguagem cada vez mais formal, usada na argumentação (KAPUT; BLANTON, 2008).
Problema 3) Em uma partida de videogame, Jorge conseguiu 160 pontos em três rodadas. Na segunda rodada, ele fez 20 pontos a menos que na primeira, e na terceira rodada, ele fez o dobro de pontos da segunda. Quantos pontos Jorge fez em cada rodada?
Pela resolução apresentada na Figura 6, juntamente com a observação da fala e do comportamento dos estudantes durante o processo de investigação, pode-se evidenciar um processo de generalização quando o estudante utilizou letras para representar um valor variável e conseguiu, por meio de um discurso escrito (poderia também ser um discurso falado), revelar uma capacidade de explorar propriedades aritméticas, simbolizar quantidades e operar com expressões simbólicas, descobrir relações funcionais, modelar o problema em uma equação em que as incógnitas são tratadas como dados, entre outros, demonstrando pensamentos algébricos nas três vertentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso trabalho, a princípio, pareceu-nos muito ousado, pois não buscava investigar um método de ensino ou de aprendizagem, ou as ações de alunos ou de professores durante um trabalho em sala de aula, tampouco conteúdos ou conceitos relacionados à Matemática, ou qualquer outro objeto estático ou de cunho pedagógico; mas, buscava entender o processo de pensamentos de estudantes, de uma turma de sétimo ano do Ensino Fundamental, durante a resolução de problemas de Matemática, e como o professor poderia influenciar nesse processo, de uma maneira que pudesse levar esses estudantes a generalizar ideias matemáticas, a partir de um conjunto de casos particulares, expressá-las por meio de discursos e escrevê-las em uma linguagem matemática formal.
Durante todo o nosso processo de investigação, fundamentada em uma intervenção pedagógica, houve “altos e baixos”, ou seja, momentos em que tudo transcorreu da maneira esperada, produzindo resultados satisfatórios, e momentos em que houve alguns percalços que inviabilizaram ou demandaram mudanças no que havíamos programado. Por isso, gostaríamos de salientar que professores que desejam utilizar metodologias pedagógicas diferentes das habituais, como no nosso caso, precisam fazer uma preparação prévia dos estudantes, alertando-os sobre as dificuldades iniciais, e sempre enfatizar os ganhos em longo prazo, para que não ocorra rejeição por parte desses estudantes durante as atividades. O professor precisa também se preparar e acreditar na nova metodologia, mesmo que ele ainda não tenha a experiência que o torne capaz de conduzir com eficiência a aplicação das atividades.
Apesar de levantarmos a questão das dificuldades que alguns alunos tinham para aceitar mudanças no processo de ensino, que sempre foi pautado por um modelo tradicional de longa data, a maior dificuldade que enfrentamos residia em nós mesmos enquanto pesquisadores. Dificuldade essa para perceber, entender e interpretar evidências que surgiram durante a nossa pesquisa. Diante disso, vale ressaltar que a despeito de não termos dúvidas de que as evidências por nós levantadas eram suficientes para responder à nossa questão da pesquisa e, consequentemente, atingir nosso objetivo, muitas dessas evidências podem nos ter escapado e muitas não conseguimos interpretar. Diante disso, alertamos para essa grande dificuldade que o pesquisador, em geral, tem para conseguir perceber todas as evidências e interpretá-las corretamente. Isto posto, enfatizamos que nesta pesquisa, fizemos uso apenas daquelas evidências que se mostraram claras e puderam ser usadas de forma eficiente para nos ajudar a alcançar os objetivos propostos.
Chamamos a atenção para o que entendemos como “desenvolvimento do pensamento algébrico”. Diferentemente do que algumas pessoas possam pensar, o pensamento algébrico não é algo adquirido por um indivíduo, durante um processo executado por um longo período, e, depois que esse pensamento é adquirido por esse indivíduo, ele passa a fazer parte dele e pode ser usado sempre que quiser. Na verdade, o desenvolvimento do pensamento algébrico refere-se a algo dinâmico, em que algumas ações do aluno, mediadas pelo professor, desenvolvem (fazem emergir) nesse estudante, naquele instante, um pensamento de generalização, durante a observação de uma ou mais particularidades. Essa generalização pode desencadear um discurso oral, escrito, ou formulado por meio de imagens ou gestos e, até mesmo, culminar em uma formalização em linguagem matemática. E, é por meio dessas ações que o professor terá condições de identificar, no aluno, a manifestação desse tipo de pensamento.
Diante disso, para entendermos como o pensamento algébrico se manifesta, ou pode ser induzido a se manifestar por meio de ações docentes, ativemo-nos aos materiais produzidos pelos alunos; aos diálogos que obtivemos por meio de gravações, em áudio, das aulas; e aos comentários e gestos evidenciados e anotados no diário de campo por um dos pesquisadores. Esses materiais nos trouxeram dados suficientes para mostrar que, e como, emergiram, na maior parte dos estudantes investigados, as três vertentes do pensamento algébrico, como foi mostrado em detalhes durante a descrição e análise dos dados.
Com ênfase nas descrições, observamos que para se conseguir fazer emergir nos estudantes um pensamento algébrico, há a necessidade de se criarem/adaptarem problemas adequados aos alunos e ao contexto; é importante que o professor coloque o aluno como principal protagonista do processo de ensino-aprendizagem e, também, o professor deve ser um mediador capaz de colocar os alunos como co-construtores de seu próprio conhecimento. Enfatizamos também que durante as ações para o desenvolvimento de um pensamento algébrico, frequentemente, ocorrem transições entre as três vertentes do pensamento algébrico. Por exemplo, uma formulação ou contextualização de um pensamento de generalização a partir de casos particulares, observados por meio de números, pode desencadear um aumento da capacidade do aluno de fazer manipulação do desconhecido como se fosse conhecido, levando-o a conceber objetos matemáticos necessários para entender e aprender conteúdos matemáticos, como variável, incógnita, constante, equações de primeiro grau, etc., conceitos estes agregados a uma linguagem algébrica que pode ser visualizada dentro de um pensamento em terceira vertente.
Nessa perspectiva, uma metodologia pautada na Resolução de Problemas se colocou de forma adequada como um agente motivador; um campo de possibilidades para ser explorado pelo professor durante a condução de um plano de ensino voltado para uma aprendizagem significativa; uma área de investigação da prática do professor e do desenvolvimento cognitivo e conceitual do seu aluno; um método de avaliação formativa, com possibilidades de se fazerem intervenções imediatamente à detecção de eventuais problemas na aprendizagem; e, o que foi o foco principal desta pesquisa, uma contribuição para o desenvolvimento do Pensamento Algébrico por meio de um movimento que permeie as três vertentes desse tipo de pensamento, consequentemente, promovendo a aprendizagem de conteúdos como equação do primeiro grau, diminuindo as dificuldades que o aluno tem para entender conceitos relacionados à álgebra e também a outras áreas da Matemática.
REFERÊNCIAS
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Notas
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