Artigos

CRIATIVIDADE E PRÁTICA MUSICAL DOCENTE: CONCEPÇÕES DE PROFESSORES

CREATIVITY AND TEACHING MUSICAL PRACTICE: TEACHER`S CONCEPTIONS

Rosane Cardoso de Araújo 1.
Universidade Federal do Paraná – UFPR, Brasil
Maitê Vitória Alonso 2.
Universidade Federal do Paraná – UFPR, Brasil
Thais Brasil Silveira 3.
Universidade Federal do Paraná – UFPR, Brasil
Ariane Leoni Ribas 4.
Universidade Federal do Paraná – UFPR, Brasil

Revista Orfeu

Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil

ISSN: 2525-5304

Periodicidade: Semestral

vol. 6, núm. 2, 2021

revistaorfeu@gmail.com

Recepção: 08 Novembro 2020

Aprovação: 11 Março 2021



DOI: https://doi.org/10.5965/2525530406022021164

Resumo: O tema deste estudo é a criatividade na prática musical de docentes de música. O objetivo foi investigar, por meio de delineamento qualitativo e quantitativo, concepções sobre criatividade musical, de professores atuantes como docentes autônomos ou em instituições específicas de ensino da música, da cidade de Curitiba e de regiões próximas. A metodologia utilizada foi um modelo híbrido que envolveu um estudo de levantamento e um estudo de caso, realizado em duas etapas (A e B). Os resultados da Etapa A, realizada com 71 professores de música, revelaram que 99% dos participantes acreditavam que o professor pode conduzir uma aula criativa e que 100% concordavam que a criatividade musical do aluno pode ser desenvolvida. Os docentes também apresentaram concepções/opiniões próprias sobre a presença da criatividade nos processos de ensino de música, destacando três categorias principais: a criatividade como ensino inovador, como autonomia do aluno e como resolução de problemas. A Etapa B, que teve a participação de um professor de instrumento, revelou que as suas práticas estavam de acordo com a perspectiva da criatividade docente como resolução de problemas, além de demonstrar sua produção criativa em congruência com os estudos sobre abordagens múltiplas da criatividade. Os resultados deste estudo corroboram com as pesquisas sobre criatividade na prática musical docente, auxiliando na reflexão sobre a necessidade de se considerar o potencial das práticas criativas para otimizar o processo de ensino.

Palavras-chave: Criatividade, Prática Docente, Educação Musical.

Abstract: The theme of this study was about creativity in the musical practice of music teachers. The objective was to investigate through qualitative and quantitative design, conceptions about musical creativity, of teachers acting as autonomous teachers or in specific institutions of music teaching, in the city of Curitiba and in nearby regions. The methodology used was a hybrid model that involved a Survey and a Case Study, carried out in two stages (A and B). The results of Stage A, carried out with 71 music teachers, revealed that 99% of the participants believed that the teacher can conduct a creative class and 100% agreed that the student’s musical creativity can be developed. The teachers also presented their own conceptions/opinions about the presence of creativity in the teaching of music, highlighting three main categories: creativity as innovative teaching; as student autonomy; and how to solve problems. Stage B, which had the participation of an instrument teacher, revealed that his practices were in line with the perspective of teaching creativity as problem solving, in addition to demonstrating his creative production in line with studies on multiple approaches to creativity. The results of this study corroborate the research on creativity in teaching music practice, helping to reflect on the need to consider the potential of creative practices to optimize the teaching process.

Keywords: Creativity, Teaching Practice, Musical Education.

Introdução

No presente artigo apresentamos o resultado de dois estudos realizados entre 2017 e 2019, como etapas desenvolvidas para um projeto de pesquisa maior, financiado pelo CNPq5 e cujo tema é a motivação e a criatividade nas práticas musicais. Participaram dos dois estudos, além da pesquisadora responsável, pesquisadoras participantes do Grupo de pesquisa PROFCEM.6 O foco dos dois estudos realizados foi no destaque de concepções de professores7 de música sobre a criatividade no contexto da educação musical. Ao propor uma investigação sobre o professor de música e suas concepções acerca da criatividade, procuramos associar nosso estudo a uma linha investigativa que tem sua origem na emergência das pesquisas focadas no professor, vertente desenvolvida especialmente a partir da década de 1980 (PERRENOUD et al., 2001; TARDIF, 2002). Segundo esses autores, é a partir dessa década que a reflexão sobre o papel do professor e sua importância passaram a ser mais priorizadas, fazendo com que a excelência na educação passasse a ser buscada também pela valorização do ofício do professor (ARAÚJO, 2006).

A criatividade pode ter várias definições, considerando-se diferentes perspectivas, porém, segundo Barrett (2000), apesar das diferentes perspectivas, existe uma convergência na ideia de que a criatividade é considerada uma característica positiva para os indivíduos. No campo da educação, existem muitas possibilidades para se analisar a criatividade, e, segundo Beineke (2019, p.53), as pesquisas sobre essa temática “são orientadas por perspectivas diversas, focalizando diferentes aspectos em trabalhos que vêm, ao longo da história, emoldurando e direcionando estudos nas áreas da educação e da educação musical”. Neste estudo, entendemos que a criatividade musical em sala de aula pode estar associada a muitas práticas diversificadas de ensino, que incluem desde atividades de improvisação e composição, performance, apreciação musical, regência, até seu uso no processo de estudo das diferentes disciplinas teóricas da música.

Beineke (2009, p.17) aponta que as dimensões que caracterizam o ensino criativo são “as relações sociais em sala de aula, o engajamento dos interesses dos alunos e a valorização das suas contribuições nas atividades”, e Levek e Santiago (2019) defendem a atuação do professor como fundamental no ensino criativo. Assim, o objetivo para o presente estudo foi investigar, por meio de delineamento qualitativo e quantitativo, concepções sobre criatividade musical de professores atuantes como docentes autônomos ou em instituições específicas8 de ensino da música, da cidade de Curitiba e de regiões próximas. Este objetivo foi alcançado mediante dois delineamentos metodológicos distintos: o primeiro desenvolvido por meio de estudo de levantamento, cujo instrumento de coleta de dados foi o questionário, e um segundo delineamento que seguiu como estudo de caso, realizado com um professor de instrumento por meio de entrevista e observação. A justificativa para os dois delineamentos parte da proposta de trazer, por meio de abordagem qualitativa e quantitativa, mais dados a respeito de concepções de professores sobre a criatividade nas práticas de educação musical em ambiente não vinculado à escola básica, mas ao ensino particular ou às escolas específicas de música. A realização desta pesquisa corrobora com as pesquisas sobre criatividade no ensino de música realizadas no contexto brasileiro ao trazer novas informações sobre prática musical docente, podendo, desta forma, auxiliar professores de música a refletirem sobre a necessidade de se considerar o potencial das práticas criativas para otimizar o processo de ensino em suas aulas.

Criatividade e educação musical

Criatividade em música (ou criatividade musical) pode ser entendida como o resultado de um determinado processo (criativo) desenvolvido pelo(s) indivíduo(s). Alencar e Fleith (2003) destacam que a criatividade é um produto da dedicação, do esforço consciente, do trabalho prolongado e do conhecimento do indivíduo como pré-requisitos para a produção criativa. Assim, um compositor, um performer ou um improvisador é considerado criativo quando ele ou ela não reproduz meramente o que aprendeu ou o que outros fizeram antes, mas quando introduz uma nova perspectiva ao domínio no qual está inserido (LEMAN, 1999).

Peter Webster (2002) argumenta que o estudo de criatividade em música envolve uma combinação complexa de variáveis cognitivas e afetivas. Para ele, a criatividade musical pode ser descrita como o engajamento da mente no processo ativo e estruturado de pensar no som em função de produzir algo considerado novo pelo criador. Para essa estrutura, o autor designou o termo “pensamento criativo” (WEBSTER, 1990). O pensamento criativo é um processo dinâmico que alterna entre pensamento convergente e pensamento divergente e é habilitado por capacidades inatas e desenvolvidas.

A educação criativa começa, segundo Goodkin (2002), a partir da premissa de que a criatividade é o nosso estado natural de ser e é a nossa estratégia primária para a adaptação. A educação, para o autor, é o meio pelo qual podemos assegurar que nossa criatividade está sendo cultivada e estimulada. Beineke (2015) analisou algumas tendências nas investigações sobre a criatividade no contexto educacional e as classificou como ensino criativo, ensino para a criatividade e aprendizagem criativa. Cremin (2009) distinguiu o ensino criativo do ensino para a criatividade: o ensino criativo é visto como o envolvimento dos professores em tornar o aprendizado mais interessante e efetivo e usar abordagens criativas na sala de aula. Ensinar para a criatividade, no entanto, inclui o comprometimento de identificar as forças criativas dos alunos e estimular essa criatividade. De acordo com os estudos de Beineke (2015), no início do século XXI, foi introduzido o conceito de aprendizagem criativa na educação. Dentro dessa perspectiva, a criatividade não é pensada como um complexo de habilidades cognitivas e traços de personalidade, mas como uma forma de ênfase nos processos criativos de indivíduos dentro de áreas específicas do conhecimento. A aprendizagem, no entanto, manifesta-se nos domínios específicos e requer o desenvolvimento de habilidades, técnicas e informações para que a criatividade ocorra.

Ainda segundo Cremin (2009), investigações a respeito de professores criativos reconhecem a relação entre a criatividade do educador e do aluno, enfatizando a natureza da prática criativa. Essas pesquisas, conforme o autor, propõem uma abordagem emergente do ensino criativo que ressalta três dimensões da prática criativa: as características pessoais do educador, sua pedagogia e o ethos da escola. Conforme aponta Cremin, há autores que consideram o professor criativo como alguém confortável com tomadas de decisões de risco, tanto em sua vida profissional como na vida pessoal; outros autores destacam a abordagem humanista dos professores criativos, como a abertura para sentimentos e emoções e o investimento moral e político no trabalho. A respeito da prática pedagógica desses profissionais, Cremin aponta que pesquisadores a encaram como a mais efetiva quando existe a promoção da autonomia e independência dos alunos, desde os anos iniciais. O ethos criativo da escola é visto, segundo Cremin, como as relações positivas e de confiança que são necessárias para assegurar um ambiente propício para o processo criativo.

Ao revisarem estudos sobre ensino criativo, Ayob, Hussain e Majid (2013) destacam que professores criativos compartilham algumas características semelhantes, como o grande foco no aluno, buscando promover o interesse dos alunos em sala de aula; grandes habilidades interpessoais; motivação intrínseca, baseada em valores; e disposição para correr riscos dentro de sua prática cotidiana. Grainger, Barnes e Scoffman (2004) consideram que a criatividade é vista como o processo de conectar duas estruturas de referência anteriormente desconexas.

Portanto, quando um professor ilustra um conceito com noções de uma outra área, ele está expressando a criatividade, está fazendo uso de metáforas e espontaneamente está exemplificando seus argumentos.

Webster (2002) aponta três maneiras fundamentais pelas quais os indivíduos se envolvem em comportamentos musicais: 1) a escuta, sendo o comportamento menos estudado como experiência criativa; 2) a composição, que ocorre com menos frequência, mas é o processo mais estudado; e 3) a performance. Para o autor, um indicador que identifica um professor de música bem-sucedido é aquele que averigua se os seus alunos podem tomar decisões estéticas sobre a música como ouvintes, compositores e intérpretes/improvisadores. Webster (2002) argumenta sobre o dever dos professores em relação ao desenvolvimento do senso de independência musical dos alunos a partir de práticas criativas:

Os ouvintes ativos precisam manter estruturas musicais na memória enquanto desenvolvem uma atividade. Os compositores precisam imaginar combinações sonoras. Intérpretes e improvisadores devem ter um objetivo de performance em mente. Os professores de música devem ajudar os alunos a adquirir essa habilidade de ouvir música em sua mente e manipular os sons de maneira cada vez mais abstrata. Tudo isso só é possível se os alunos forem incentivados a “criar” música por meio de todos esses comportamentos disponíveis. […] Por essas razões, faz sentido pensar na experiência musical criativa como um foco central da educação musical.9 (WEBSTER, 2002, p.4, tradução nossa).

Burnard e Murphy (2017) sugerem que os professores devem dar o tempo e os recursos necessários na prática pedagógica para produzir o aprendizado criativo. A participação criativa também é essencial para que os alunos aprendam efetivamente e, assim, desenvolvam suas habilidades musicais e criem formas de pensar, vivenciar e fazer música. As autoras afirmam que o professor criativo não é um instrutor, mas um cocriador que apoia as crianças enquanto elas desenvolvem suas próprias formas de aprendizagem musical e as encoraja a arriscar e tentar novas abordagens.

Metodologia

Para este estudo, trouxemos uma metodologia híbrida que envolveu um estudo de levantamento e um estudo de caso. Assim, dividimos este trabalho em duas partes: a Etapa A, conduzida por duas coletas de dados realizadas em estudo de levantamento, entre os anos de 2018 e 2019, e a Etapa B, conduzida por um estudo de caso realizado entre 2017 e 2018. A definição das etapas da pesquisa teve como propósito buscar, por meio de instrumentos qualitativos e quantitativos, a diversificação de fontes, incluindo questionário, entrevista e observação de aula. Além disso, as etapas da pesquisa também foram previstas no contexto de um projeto maior ao qual este estudo pertence, desenvolvido com recursos do CNPq entre os anos de 2016 e 202010.

Etapa A

Nessa etapa a metodologia utilizada foi o estudo de levantamento (ou survey). De acordo com Gil (2008) e Babbie (2001), esse modelo de pesquisa é um delineamento exploratório que permite verificar dados sobre comportamento de determinado grupo, por meio da interrogação direta. Para esta etapa, foram coletados dados por meio de dois levantamentos distintos:11 um levantamento realizado com 30 professores de música (instrumento, canto, teoria, musicalização, harmonia, entre outros) e outro levantamento realizado com 41 professores de instrumentos musicais e canto, totalizando, para esta etapa, 71 participantes (n=71). A justificativa para a realização do levantamento em duas partes é que foi seguido como dois projetos de iniciação científica (IC). As duas etapas de coleta de dados do estudo de levantamento ocorreram simultaneamente, conduzidas pela pesquisadora responsável e por duas pesquisadoras de IC. A amostra dos participantes das duas coletas foi por conveniência (GIL, 2008), isto é, por meio da proximidade com as pesquisadoras e por indicação dos próprios participantes sobre outros potenciais participantes. Os questionários foram enviados via internet. Todos os participantes eram professores que atuavam como docentes autônomos ou em instituições de ensino da música, da cidade de Curitiba e de regiões próximas.

As duas coletas de dados foram realizadas por meio de questionários cujas questões incluíam: dados gerais dos participantes, dados sobre motivação (que não serão apresentados neste artigo) e dados sobre criatividade, na qual os participantes foram indagados 1) se poderiam conduzir uma aula criativa, 2) se a criatividade musical poderia ser desenvolvida e 3) o que entendiam por criatividade na aprendizagem musical. Os dados obtidos por meio dos questionários foram quantificados no programa Excel e também foi realizada uma análise léxica para organização de categorias de respostas sobre criatividade musical.

Etapa B

Nessa etapa a metodologia utilizada foi o estudo de caso, que é um método do campo das ciências sociais que tem o propósito de explorar fenômenos da vida real (YIN, 2005) com o objetivo de descrevê-los. A seleção do estudo de caso seguiu o critério da Etapa A, isto é, que fosse um professor atuando com ensino de música como autônomo ou vinculado a alguma instituição de ensino específico de música. A Etapa B12 contou com a participação de um professor de instrumento que trabalhava em um projeto social ensinando violoncelo (ele não participou da Etapa A). Buscamos explorar mais aprofundadamente suas opiniões e ideias acerca da criatividade nas práticas docentes, além de atender a outras questões, como a formação do professor, a utilização e adaptação de métodos, crença na criatividade docente e elaboração de material para a iniciação ao violoncelo. A escolha do professor de violoncelo se deu pelo fato de o docente ter proximidade com as pesquisadoras, particularmente com aquela que conduziu as entrevistas (que também é violoncelista). Foram utilizados como instrumentos de coleta de dados a observação, a entrevista semiestruturada e a análise de documentos (programas e planos de ensino).

Resultados e discussões

Etapa A

Para este artigo optamos por apresentar parcialmente os dados dos questionários, buscando trazer destaque àqueles que consideramos mais relevantes para o propósito deste estudo. Participaram da Etapa A, 71 professores de música, dos quais a maioria tinha entre 19 e 36 anos de idade. A população de participantes desta pesquisa foi composta por professores que atuavam com o ensino de música em geral, abrangendo áreas como instrumento, canto, teoria, musicalização e harmonia, como docentes autônomos ou de instituições específicas de ensino de música, da cidade de Curitiba e de cidades próximas.

Em relação ao primeiro questionamento, isto é, à pergunta sobre a possibilidade da condução de aulas criativas, 70 professores indicaram que sim, que o professor é capaz de conduzir aulas criativas, enquanto um professor disse que não sabia responder a essa questão (ver Gráfico 1):

Gráfico 1: Possibilidade de condução de aulas criativas
Gráfico 1
Gráfico 1: Possibilidade de condução de aulas criativas

Este resultado é relevante, pois, segundo Bahia e Nogueira (2005), o professor pode conduzir aulas criativas por meio de estratégias que, em ambiente educacional, estimularão a criatividade do aluno. Burnard (2012) afirma também que cabe ao professor estimular a resposta criativa musical de seu aluno de forma constante; ela não deve ser isolada, mas incentivada para provocar conexões efetivas que favoreçam o desenvolvimento musical do educando. Neste sentido, é possível afirmar que o professor, ao abordar o aluno por meio de tarefas criativas, estará também estimulando o discente à criatividade.

Outra questão elaborada aos professores foi sobre a possibilidade do desenvolvimento da criatividade do aluno. 100% dos professores afirmaram que a criatividade dos alunos pode ser desenvolvida. Observamos, portanto, que todos os professores desta pesquisa possuíam ideias claras sobre o potencial de desenvolvimento da criatividade de seus estudantes. Essa clareza sobre a possibilidade de desenvolvimento da criatividade é relevante, uma vez que se sabe que a criatividade pode ser identificada em diferentes níveis, tanto aquela que se vivencia no cotidiano, em atividades corriqueiras, quanto aquela que resulta em produtos inéditos que podem até mesmo alterar diferentes segmentos/áreas da sociedade/ cultura. Nesse sentido, pode-se afirmar que qualquer pessoa pode produzir em diferentes níveis de criatividade. De acordo com Araújo, Veloso e Silva (2019), se o professor estiver comprometido a oferecer aos seus alunos uma variedade de atividades e recursos, promoverão um ambiente mais motivador e favorável também à criatividade do educando.

Os professores também foram perguntados sobre o que entendiam por criatividade na aprendizagem musical. Esta questão gerou várias respostas que propiciaram diferentes categorias, dentre as quais destacamos as principais: a) a criatividade como ensino inovador (ver Quadro 1), b) a criatividade como forma de autonomia do aluno (ver Quadro 2) e c) a criatividade como capacidade de resolução de problemas (ver Quadro 3).

As respostas direcionadas à renovação do ensino do professor indicaram aspectos que podem ser considerados relevantes para o ensino musical criativo, conduzido por meio de estratégias de ensino que gerem o pensamento criativo nos estudantes. Para este artigo, destacamos algumas das respostas apresentadas pelos participantes (ver Quadro 1):

Quadro 1
Quadro 1: Algumas respostas sobre a categoria “A criatividade como ensino inovador”
Quadro 1
“Criatividade na aprendizagem musical é a renovação do ensino do professor a cada dia, envolvendo ações interessantes do professor para que a aprendizagem do instrumento alcance o aluno.”
“Inventar diferentes maneiras do ensino instrumental.”
“Criar formar cativantes de ensinar o aluno, tornando a aula algo mais prazeroso”.
“Criatividade na aprendizagem é um fator que leva os alunos a se interessarem mais pela aula e a se desenvolverem como músicos.”
“Não cair sempre nas mesmices, inovando nas atividades.”
“É a capacidade de usar, também, as técnicas do construtivismo educacional na aula de música.”
“Forma de inovar o ensino, fazendo com que, por meio de didáticas, o aluno tenha melhor desempenho ao estudar música.”
“Trazer propostas diferentes de acordo com cada aluno, olhando suas dificuldades e trazendo sempre inovações naquela área específica para continuar motivando o aluno.”
“Buscar formas de inovar a prática de ensino, sempre tendo como objetivo cativar o aluno.”
“Desenvolver metodologias momentâneas para que o aluno se sinta solto e disponível para criar, respirar e sentir a música em todo tempo.”
“Criatividade é fugir dos padrões tradicionais buscando uma construção construtivista, lúdica, colaborativa e de sensibilização.”
“Entender a necessidade de cada aluno e ter uma didática flexível para cada um.”
“Induzir o aluno a perceber a música em contextos diferentes e incomuns.”
“Combinar a disponibilidade de recursos com as possibilidades de ensinos e as metodologias, de forma a explorar o máximo daquilo de que se dispõe. Em outras palavras, ser capaz de fazer muito com pouco. Além disso, criatividade consiste na capacidade de adaptação ao contexto, no caso do professor, ser capaz de adaptar uma atividade para determinada faixa etária, por exemplo.”
“Mostrar ao aluno possibilidades inerentes ao seu contexto, compor conjuntamente, valorizar a cultura musical que ele já traz e enriquecê-la aos poucos com a fundamentação adequada.”
“Atividades que se adaptam às qualidades e dificuldades de cada aluno, incentivando sempre o aluno a tentar superar dificuldades, adaptando o repertório das aulas de acordo com o gosto musical de cada aluno.”
“É o professor criar um ambiente onde o aluno perceba que aprender um instrumento musical o levará para a criatividade juntamente com o seu professor, onde ele estará motivando-o e criando situações em que ele se sinta seguro para desenvolver sua criatividade.”
“Explicar a mesma coisa de várias formas até que o aluno consiga entender. Ser efetivo nessa comunicação é primordial.”
“É criar aulas em que o aluno interaja com o professor sem ficar maçante ou chata.”

Segundo Levek e Santiago (2019), todas as atividades musicais são capazes de estimular o pensamento criativo, dependendo da forma como o professor aborda suas atividades. De acordo com essas mesmas autoras, a criatividade está presente em todas as pessoas e precisa ser incentivada por meio do desenvolvimento do pensamento criativo. Ensinar, dentro de um processo criativo, é ver o aluno não mais como um indivíduo passivo dentro da prática pedagógica, mas como um “criador” no campo a ser ensinado (MAZZOLA et al., 2011).

Outra categoria apontada pelos professores foi a criatividade como traço de autonomia e independência do aluno. Destacamos, abaixo, algumas das respostas relevantes indicadas pelos professores participantes (ver Quadro 2):

Quadro 2
Quadro 2: Algumas respostas sobre a categoria “A criatividade como autonomia do aluno”
Quadro 2
“Entendo por criatividade na aprendizagem a evolução de um caráter próprio do aluno ou seja, uma aprendizagem que se baseia não apenas no estudo de determinado método, mas também que gera o desenvolvimento de uma personalidade do instrumentista.”
“É ter autonomia para expressar corporalmente, pelo uso da voz ou de instrumentos musicais, qualquer ideia musical, seja a partir de elementos, ferramentas, instruções ou orientações predefinidas por um educador musical”.
“O aluno criativo é aquele que consegue inovar (dentro do seu contexto) sua interpretação, estudo e técnica do instrumento/canto”.
“Buscar a criação fora do conteúdo que o professor passa.”
“Utilização de conhecimento e técnica para aprender e relacionar conceitos novos.”
“A busca pela criação, e não somente a reprodução com base nos elementos aprendidos.”
“Tudo aquilo que o aluno apresenta a mais para o professor, não só o que ele está fazendo em aula.”
“Quando o aluno extrapola o conteúdo passado pelo professor.”
“Coisas que saiam do padrão preestabelecido, que se desenvolva a capacidade de fazer coisas novas ou utilize coisas já conhecidas para inovar na forma de usá-las.”
“Liberdade do aluno na escolha do que quer tocar/cantar e formas de explorar o conteúdo sem impor o que tocar.”
“A criatividade, creio eu, é a liberdade que o indivíduo tem para utilizar ferramentas aprendidas ao longo da sua formação musical, que o auxiliarão a se expressar de forma clara a respeito do que está realizando.”
“Internalização, autonomia e espontaneidade musical.”

Segundo Levek e Santiago (2019), quando é dada a oportunidade ao aluno de ser autônomo, também é dada a oportunidade ao pensamento criativo. Valorizar a autonomia permite que o aluno “consiga inovar, criar novas imagens, interpretações e associações” (BAHIA; NOGUEIRA, 2005, p.359). Neste sentido, Sternberg (2009) defende que alguns fatores favorecem o comportamento criativo, como as habilidades intelectuais, o conhecimento, o estilo de pensamento, a personalidade, a motivação e o ambiente no qual o indivíduo está inserido.

Alguns professores também associaram a criatividade na aprendizagem como uma forma de resolução de problemas. Trouxemos abaixo algumas das opiniões expressadas pelos participantes (ver Quadro 3).

Quadro 3
Quadro 3: Algumas respostas sobre a categoria “A criatividade como resolução de problemas”
Quadro 3
“Tem a ver com a resolução de problemas, atividades de criação musical também, mas, mesmo que não tenha criação na aula, ainda assim a criatividade pode estar presente.”
“Capacidade de solucionar problemas no momento em que eles aparecem e a curiosidade em descobrir novidades sonoras através da exploração do seu instrumento.”
“Formas alternativas ou próprias para alcançar um mesmo objetivo.”
“Maneiras personalizadas de enfrentar dificuldades, saídas que antes não eram viáveis.”
“Alta habilidade na resolução de ‘problemas’, habilidade esta que no meu entendimento pode ser oriunda de vários outros conhecimentos, sejam eles em música ou até mesmo em qualquer outro conhecimento geral.”
“Entender o conteúdo de forma diferente, inventar soluções próprias para certos problemas, aprendizagem de improvisação.”
“Capacidade de resolver problemas com agilidade e controle emocional, além de insights que geram sonoridades, maneiras de se expressar ou compor que diferem do que comumente ocorre.”
“A criatividade na aprendizagem musical apresenta-se nos momentos em que surge a necessidade de resolver um problema musical e o aluno dedica-se a encontrar soluções para chegar a um resultado satisfatório.”

A criatividade é, para Torrance (apud ALENCAR; FLEITH, 2003), um processo para se tornar sensível aos problemas. O autor se refere ao indivíduo criativo como alguém que, ao se deparar com um problema, busca por soluções formulando e experimentando hipóteses até desenvolver um resultado satisfatório. Barrett (2000) sugere que a pessoa criativa é aquela que resolve problemas de forma constante, encontrando alternativas ou novas formas de resolução. Conforme Csikszentmihalyi (1996), a resolução de problemas ocorre quando o indivíduo utiliza técnicas e estratégias apropriadas que se adéquem a cada um deles, trazendo uma elaboração inovadora. No campo da psicologia cognitiva, o estudo da resolução de problemas está associado ao estudo da criatividade (STERNBERG, 2009). Neste sentido, de acordo com Gardner (1999), a abordagem cognitiva da criatividade relaciona a ação criativa com os sistemas cognitivos que organizam o conhecimento adquirido pelo indivíduo.

Além destas categorias, outras respostas foram trazidas e abriram espaço para outras interpretações, dentre elas a ideia de que a criatividade na aprendizagem está associada, por exemplo, a traços de personalidade criativa. Seguem alguns exemplos de respostas dos questionários trazidas pelos participantes sobre o estudante criativo:

A capacidade de criar sons no instrumento, baseando-se nos sentimentos e capacidades que tem, além de seus conhecimentos musicais.

[…] espontaneidade musical.

[…] ter personalidade musical, o aluno anseia por fazer do seu jeito, então a criatividade entra nisso como uma ferramenta para efetivar essa personalidade musical.

Capacidade de produção e improviso.

Ativação e busca por referências a partir da espontaneidade, sentindo a música.

Os estudos realizados a respeito do indivíduo criativo consideram que as características de personalidade e de pensamento permitem que o sujeito se mantenha intensamente envolvido em suas tarefas (AMABILE, 1996). Essas características incluem flexibilidade cognitiva, persistência e dedicação ao trabalho, pensamento independente, maior tolerância à ambiguidade, espontaneidade e maior abertura às experiências e interesses não convencionais (ALENCAR; FLEITH, 2003).

Considerando-se as respostas dos professores, observamos, portanto, que elas seguem ao encontro das orientações da literatura sobre criatividade e música ao reconhecerem características, tanto referentes ao papel do professor como incentivador e propiciador de práticas musicais criativas, quanto aquelas referentes à autonomia e ao potencial criativo do próprio aluno.

Etapa B

A Etapa B foi elaborada a partir de um estudo de caso realizado com um professor de violoncelo que exercia a iniciação ao instrumento em um espaço informal de ensino musical. Buscamos observar a prática didática do professor, seus planejamentos de aula, sua concepção sobre a criatividade no ensino musical, seus métodos e suas influências teóricas na iniciação instrumental. Para o levantamento de dados, foram utilizadas as técnicas de entrevista semiestruturada, análise de vídeos da prática pedagógica do professor e documentos, como relatórios e planejamento de aulas. A entrevista foi elaborada de maneira a atender a algumas questões pertinentes à pesquisa, como a formação do professor, a utilização e adaptação de métodos, as percepções sobre a criatividade docente e a elaboração de materiais para a iniciação ao violoncelo.

As informações obtidas na entrevista semiestruturada, que foi inicialmente composta por dez questões, foram categorizadas da seguinte forma: a) Questões sobre formação e didática, que incluíram “formação musical do professor”, “experiência do professor com a docência”, “versatilidade do violoncelo” e “iniciação ao violoncelo” e b) questões sobre a criatividade em sua prática de ensino e suas concepções de criatividade que geraram as seguintes categorias: “percepções do professor sobre a criatividade docente como ferramenta didática”, “utilização de recursos além do tradicional para o ensino de violoncelo” e “utilização e adaptação de métodos”.

As categorias sobre formação docente e didática foram elaboradas com base nos dados obtidos por meio da entrevista semiestruturada com o professor de violoncelo e seguem abaixo:

As categorias sobre a criatividade em sua prática de ensino e suas concepções de criatividade foram elaboradas especialmente com base nos dados obtidos por meio da entrevista semiestruturada com o docente, mas também consideramos para essas categorias a análise de vídeos com imagens da prática pedagógica do professor:

Além da entrevista semiestruturada, o professor cedeu para a pesquisa quatro vídeos, dos quais dois apresentavam atividades práticas em sala de aula com recurso de áudio, ou seja, os alunos tocavam acompanhamentos para a melodia tocada em um aparelho de áudio. Nessas atividades, os alunos de iniciação geralmente tocam cordas soltas e ritmos simples. O terceiro vídeo continha imagens da apresentação dos alunos tocando em meio a uma peça de teatro. Ele informou que o processo de composição da sonoplastia da peça em questão foi orientado pelos alunos, que exploraram e criaram sons no violoncelo para acompanhar as cenas. O último vídeo, no entanto, tratava-se de um material de autorrelato feito pelo professor, a fim de registrar as atividades que criava para serem aplicadas.

Para complementar o levantamento de dados da pesquisa, o professor compartilhou alguns documentos relacionados à sua prática docente, como o planejamento semestral de aulas da primeira metade do ano de 2017 e quatro relatórios de aulas. Nesses arquivos, foi possível averiguar que o professor pretendia pesquisar e criar elementos sonoros e interpretá-los no instrumento, englobando as técnicas tradicionais e contemporâneas do violoncelo. A metodologia apontada pelo professor no planejamento de aulas incluía atividades musicais e de movimento que trabalhassem a coordenação motora e ritmos aplicados no corpo, em objetos sonoros e no violoncelo para executar repertórios tradicionais, folclóricos e populares.

Ao observar os dados concedidos pelo docente, é possível encontrar relações entre as teorias da criatividade e as práticas pedagógicas criativas do professor como um processo criativo, ao elaborar e adaptar os métodos para as aulas, bem como nas suas capacidades de gerenciar as atividades em sala de aula. Ao considerar a criatividade como um processo de produzir algo novo, original, útil, que satisfaça uma significativa quantidade de pessoas de um determinado período histórico e que pertença a um grupo com interesses e conhecimentos específicos (ALENCAR; FLEITH, 2003; AMABILE, 1996; STERNBERG; LUBART, 1995), a prática didático-pedagógica do professor em questão ilustra essa concepção, bem como os fatores conativos, cognitivos, emocionais e ambientais necessários para a produção criativa, conforme apontados por Lubart (2007).

De acordo com as abordagens observadas, é possível estudar os processos criativos sob a perspectiva da resolução de problemas. O professor mencionou na entrevista que as práticas de adaptação e de criação de métodos, materiais e conteúdo para as aulas foram resultados de uma necessidade: os alunos demonstravam dificuldades para compreender a notação e a leitura musical, e o ambiente em que professor e os alunos estavam inseridos permitia e, de certa maneira, solicitava uma nova abordagem. Portanto, ao se deparar com um ambiente educacional orientado por uma pedagogia inovadora (baseada em Paulo Freire) e com alunos entre 6 e 16 anos de idade que estavam iniciando na aprendizagem de violoncelo, pode-se notar a sensibilidade do professor com o problema da iniciação ao instrumento e no processo de elaborar uma solução por meio de suas práticas.

No ambiente social há fatores que podem estimular ou prejudicar a manifestação criativa, como estar sob uma situação avaliativa, ter um limite de escolhas, ser monitorado, depender de uma recompensa para produzir, estar diante de um contexto competitivo e sofrer influências de elementos extrínsecos (AMABILE, 1996). O ambiente em questão era orientado por uma pedagogia com foco na interdisciplinaridade e que promovia o desenvolvimento de novas abordagens para o ensino musical. Os fatores extrínsecos pareciam restringir pouco a prática do professor, e, portanto, o ambiente era propício para criar. Cremin (2009) considera o ethos da escola como uma dimensão relevante para se estudar a criatividade na educação. As relações entre professor e alunos e entre professor e ambiente onde ministrava aulas se mostraram positivas de acordo com os dados apresentados. Conclui-se, portanto, que essas relações favoreceram a manifestação da criatividade docente.

O esforço do professor de violoncelo para tornar as aulas mais interessantes e cativantes para os alunos demonstra seu envolvimento afetivo com a educação, segundo as concepções de Helson (1999) sobre a motivação intrínseca. De acordo com o autor, um indivíduo motivado se esforça mais e é disciplinado para realizar as tarefas de seu interesse. Ward (2007) considera que os sujeitos que fazem o que amam são capazes de gerar produtos criativos e que essa motivação interna é determinante para manter os esforços necessários para criar. Concebese, assim, que o docente estava envolvido e motivado pela tarefa, pois um professor desmotivado dificilmente teria desempenhado os esforços para elaborar uma aula agradável e proveitosa para todos os alunos.

Concebe-se que a criatividade musical, considerada presente nos processos de escuta, de composição e de performance (WEBSTER, 2002), é também manifestada nas práticas didático-pedagógicas, na elaboração de aulas e criação de métodos musicais, pois para tais realizações é necessário que ocorram esses mesmos processos de escuta, composição, improvisação e execução de músicas. Desse modo, entende-se que as práticas de ensino apresentadas nessa etapa do nosso estudo são expressões da criatividade musical do docente. Ao transmitir seus conhecimentos para os alunos, o professor possibilitou que eles desenvolvessem as habilidades necessárias para a criação e, ao mesmo tempo, ele agiu criativamente ao manipular esses componentes de modo a criar e adaptar os métodos de aulas, o que caracteriza a educação musical criativa definida por Beineke (2015).

Por fim, compreende-se que a prática pedagógica do professor foi criativa e que, por meio dela, foi possível transmitir os conceitos, habilidades e técnicas do violoncelo para os alunos, alcançando os objetivos apresentados no planejamento de aulas. A abordagem desses conceitos de forma mais livre, criativa e lúdica tornou os alunos mais motivados para o aprendizado do instrumento e, ao mesmo tempo, oportunizou o desenvolvimento de suas criatividades musicais.

Conclusão

O objetivo para o presente estudo foi investigar, por meio de delineamento qualitativo e quantitativo, concepções sobre criatividade musical de professores atuantes como docentes autônomos ou em instituições específicas de ensino da música, da cidade de Curitiba e de regiões próximas. Por meio da Etapa A desta pesquisa, que contou com 71 participantes (n=71), foi possível verificar que, em relação à criatividade, 99% dos participantes do levantamento acreditam que o professor pode conduzir uma aula criativa e que 100% concordam que a criatividade musical do aluno pode ser desenvolvida, seguindo em direção aos estudos de Barrett (2000), Beineke (2009), Levek e Santiago (2019), Araújo, Veloso e Silva (2019), dentre outros, que destacam a contribuição do professor para que as práticas voltadas ao desenvolvimento da criatividade sejam implementadas. Ao tratarem sobre o significado e as possibilidades de verificar a criatividade na prática musical, foi possível constatar que os professores possuíam concepções próprias sobre esse tema. A partir de suas contribuições, pudemos categorizar as proposições dos professores em três categorias principais: a criatividade como ensino inovador, a criatividade como autonomia do aluno e a criatividade como resolução de problemas. Esses enfoques são compatíveis com perspectivas de criatividade encontradas na literatura e vêm sendo discutidos por diferentes pesquisadores (BARRETT, 2000).

Já na Etapa B deste estudo, buscou-se, a partir de um estudo de caso realizado com um professor de violoncelo, a verificação das concepções sobre a criatividade no ensino musical do docente e a observação da criatividade em sua prática didática. O estudo teve como resultado a verificação de que a prática pedagógica do professor em questão estava de acordo com a perspectiva da criatividade como resolução de problemas (STERNBERG; LUBART, 1991), de modo que o docente resolveu diferentes desafios para ensinar violoncelo a alunos iniciantes, no espaço de um projeto social. A prática docente do professor também demonstrou sua produção criativa, conforme as abordagens múltiplas da criatividade (BEINEKE, 2009; ALENCAR; FLEITH, 2003; STERNBERG, 2006).

Ao analisarmos os resultados dos dois delineamentos (A e B), pudemos encontrar principalmente duas concepções comuns entre os professores que participaram do estudo de levantamento e o professor participante do estudo de caso: a) que o ensino criativo do professor é uma forma de inovar as práticas de ensino e suscitar o engajamento do aluno à aprendizagem e (b) que o uso de resolução de problemas é uma proposta facilitadora para se trabalhar a criatividade do aluno em sala de aula. A partir dos dados alcançados nas etapas A e B, portanto, foi possível concluir que a criatividade docente demanda motivação e envolvimento na tarefa de ensinar, incluindo conhecimento, esforço, dedicação e preparação. A criatividade docente é importante para desenvolver a autonomia do professor e, consequentemente, uma metodologia de aula cativante, de modo a incentivar os alunos a realizar adaptações conforme suas necessidades e superar obstáculos, possibilitando que a aprendizagem ocorra e que seja proveitosa para todos.

Esta investigação sobre o professor de música e suas concepções acerca da criatividade trouxe, por fim, o vínculo de nosso estudo à linha investigativa com foco no professor, sua formação e seus saberes, que, segundo Perrenoud et al. (2001) e Tardif (2002), é uma vertente que busca a excelência da educação a partir da distinção e da valorização do trabalho docente. Assim, considera-se a importância da criatividade docente no ensino musical como uma forma de otimizar o processo de ensino, dar maior espaço às tomadas de decisão do professor e propiciar aos alunos não apenas o desenvolvimento de suas habilidades técnico-musicais, mas auxiliá-los a se tornar cada vez mais sensíveis à música, mantendo-se motivados a continuar seus estudos de forma prazerosa.

REFERÊNCIAS

ALENCAR, E. S.; FLEITH, D. S. Criatividade: múltiplas perspectivas. 3. ed. Brasília: UnB, 2003.

AMABILE, T. M. Creativity in context. New York: Westview Press, 1996.

ARAÚJO, R. C. Os saberes docentes na prática pedagógica de professores de piano.Em Pauta, v. 17, n. 28, p. 39-69, 2006.

ARAÚJO, R. C.; VELOSO, F. D. D.; SILVA, F. A. C. Criatividade e motivação nas práticas musicais: uma perspectiva exploratória sobre a confluência dos estudos de Albert Bandura e Mihaly Csikszentmihalyi. In: ARAÚJO, R. C. (org.). Educação musical, criatividade e motivação. Curitiba: Appris, 2019. p. 17-39.

AYOB, A.; HUSSAIN, A.; MAJID, R. A. A review of research on creative teachers in higher education. International Education Studies, Toronto, v. 6, n. 6, p. 8-14, 2013.

BABBIE, E. Métodos de pesquisa de Survey. Belo Horizonte: UFMG, 2001.

BAHIA, S.; NOGUEIRA, S. I. Entre a teoria e a prática da criatividade. In: MIRANDA, G.; BAHIA, S. (ed.). Psicologia da Educação: temas de desenvolvimento, aprendizagem e ensino. Lisboa: Relógio D’Água, 2005. p. 332-363.

BARRETT, M. O Conto de um Elefante: Explorando o Quê, o Quando, o Onde, o Como, e o Porquê da criatividade. Música, psicologia e educação, Porto: CIPEM, n. 2, p. 31-46, 2000.

BEINEKE, V. Processos intersubjetivos na composição musical de crianças: um estudo sobre a aprendizagem criativa. 289 f. Tese (Doutorado em Educação Musical) – Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.

BEINEKE, V. Ensino musical criativo em atividades de composição na escola básica. Revista da Abem, Londrina, v. 23, n. 34, p. 42-57, 2015.

BEINEKE, V. Um olhar sistêmico para as práticas criativas na educação musical. In: ARAÚJO, R. C. (org.). Educação musical, criatividade e motivação. Curitiba: Appris, 2019. p. 53-90.

BURNARD, P. Musical Creativities in practice. Oxford: Oxford University Press, 2012.

BURNARD, P.; MURPHY, R. Teaching music creatively. 2. ed. New York: Routledge, 2017.

CREMIN, T. Creative teachers and creative teaching. In: WILSON, A. Creativity in primary education. London: Sage, 2009.

CSIKSZENTMIHALYI, M. Creativity: flow and the psychology of discovery and invention. New York: Harper Collins, 1996.

GARDNER, H. Arte, mente e cérebro: uma abordagem cognitiva da criatividade. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de Pesquisa Social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

GOODKIN, D. Creative education. In: SULLIVAN, T.; WILLINGHAM, L. Creativity and music education. Toronto: Canadian Music Educator’s Association, 2002. p. 2-15.

GRAINGER, T.; BARNES, J.; SCOFFMAN, S. A creative cocktail: creative teaching in initial teacher education. Journal of Education and Teaching, London, v. 38, p. 243-253, 2004.

HELSON, R. Personality. In: RUNCO, M. A.; PRITZKER, S. R. Encyclopedia of creativity. California: Academic Press, 1999b. p. 361-371.

LEMAN, M. Music. In: RUNCO, M. A.; PRITZKER, S. R. Encyclopedia of creativity. California: Academic Press, 1999. p. 285-296.

LEVEK, K.; SANTIAGO, D. Pensamento criativo, autonomia e fluxo na educação musical: para refletir, aplicar e viver. In: ARAÚJO, R. C. (org.) Educação musical, criatividade e motivação. Curitiba: Appris, 2019. p. 91-106.

LUBART, T. I. Psicologia da criatividade. Porto Alegre: Artmed, 2007.

MAZZOLA, G.; PARK, J.; THALMANN, F. Strategies and tools in composition and improvisation. New York: Springer-Verlag Berlin Heidelberg, 2011.

PERRENOUD, P.; PAQUAY, L.; ALTET, M.; CHARLIER, E. Formando professores profissionais. Porto Alegre: Artmed, 2001.

STERNBERG, R. J. Cognitive Psychology. 5. ed. Belmont: Wadsworth, Cengage Learning, 2009.

STERNBERG, R. J.; LUBART, T. I. An investment theory of creativity and its development. Human Development, California, v. 34, p. 1-32, 1991.

STERNBERG, R. J.; LUBART, T. I. An investment approach to creativity: theory and data. In: SMITH, S. M.; WARD, T. B.; FINKE, R. A. The creative cognition approach. London: MIT Press, 1995. p. 269-302.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

WARD, T. B. The multiple roles of educators in children’s creativity. In: TAN, A. G. Creativity: a handbook for teachers. Toh Tuck: World Scientific Publishing, 2007. p. 17-30.

WEBSTER, P. R. Creativity as creative thinking. Music Educators Journal, New York, v. 76, n. 9, p. 22-28, 1990.

WEBSTER, P. R. Creative thinking in music: advancing a model. In: SULLIVAN, T.; WILLINGHAM, L. Creativity and music education. Toronto: Canadian Music Educator’s Association, 2002. p. 16-34.

YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.

Notas

5. Projeto de pesquisa, cujo título é “Motivação e criatividade na prática e aprendizagem musical: perspectivas e confluências com base nos estudos de Mihaly Csikszentmihalyi e Albert Bandura”, coordenado pela professora Rosane Cardoso de Araújo.
6. Grupo de pesquisa PROFCEM – Processos Formativos e Cognitivos em Educação Musical coordenado pela professora Rosane Cardoso de Araújo, vinculado ao CNPq e certificado pela UFPR.
7. Neste artigo trazemos os termos “professor”/”professores” com indicação para todos os gêneros.
8. O termo instituições específicas de ensino da música neste estudo diz respeito aos ambientes de ensino de música, como academias, conservatórios, escolas privadas ou públicas, projetos sociais, ONGs, dentre outros ambientes nos quais as práticas de ensino musical podem ocorrer e que não estejam vinculadas à escolas de educação básica.
9. Original: “Active listeners need to hold musical structures in memory as a work unfolds. Composers need to imagine sound combinations. Performers/improvisers must have a target performance in mind. Music teachers must help students gain this ability to hear music in their heads and manipulate these sounds in increasingly more abstract ways. All of this is possible only if students are encouraged to “create” music through all the available behaviors. […] For all these reasons, it makes sense to think of creative experience in music as a central focus of music education”.
10. Título do Projeto: “Motivação e criatividade na prática e aprendizagem musical: perspectivas e confluências com base nos estudos de Mihaly Csikszentmihalyi e Albert Bandura” (CNPq, Bolsa de Produtividade 2016/2020).
11. Os levantamentos foram conduzidos como trabalhos de iniciação científica orientados pela professora Rosane Cardoso de Araújo e pelas coautoras deste artigo: Thais Brasil Silveira, cujo relatório final foi denominado “Motivação e criatividade na prática docente de professores de instrumentos musicais” (2020); e Ariane Leoni Ribas, cujo relatório final foi denominado “Motivação e criatividade na prática docente de professores de música” (2020).
12. O estudo de caso foi realizado por Maitê Vitória Alonso, orientado pela professora Rosane Cardoso de Araújo. Os resultados completos do estudo foram incluídos no trabalho de conclusão de curso intitulado “Criatividade na iniciação instrumental: um estudo de caso sobre a prática didático-pedagógica de um professor de violoncelo” (2018).

Autor notes

1. Professora Associada da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Docente nos cursos de graduação e pós-graduação em música. Bolsista de Produtividade do CNPq. Doutora em Música pela Universidade do Rio Grande do Sul; e pós-doutora em educação musical pela Universidade de Bolonha (Itália). Foi presidente da ABCM (Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais) entre 2017/2019 e Diretora Regional da ABEM/ Região Sul (Associação Brasileira de Educação Musical) entre 2006-2009. É Líder do grupo de pesquisa PROFCEM (Processos Formativos e Cognitivos em Educação Musical) da UFPR/CNPq.
2. É Mestre em Música pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e graduada em Licenciatura em Música pela mesma universidade. É professora de violoncelo e teoria musical da Escola de Música Dó Maior (Curitiba/PR) e é membro do grupo de pesquisa PROFCEM (Processos Formativos e Cognitivos em Educação Musical) da UFPR/CNPq.
3. Foi aluna de Iniciação Científica da Universidade Federal do Paraná (2019-2020) e é graduanda em Licenciatura em Música pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). É membro do grupo de pesquisa PROFCEM (Processos Formativos e Cognitivos em Educação Musical) da UFPR/CNPq e atua como cantora e professora de educação musical.
4. É membro do grupo de pesquisa PROFCEM (Processos Formativos e Cognitivos em Educação Musical) da UFPR/CNPq e graduanda do curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi aluna de Iniciação Científica da Universidade Federal do Paraná entre 20192020. Possui atuação como cantora e professora de educação musical.
Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
HMTL gerado a partir de XML JATS4R