Resumo: O presente texto constitui-se de um recorte de uma pesquisa mais ampla que teve por objetivo averiguar, utilizando-se o enfoque da competência informacional, como os estudantes universitários dos Cursos de Arquivologia e Biblioteconomia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) efetuam suas buscas informacionais para pesquisas acadêmicas. A metodologia teve abordagem quanti-qualitativa e utilizou um questionário para coleta de dados cuja base foi o instrumento desenvolvido por Campello e Abreu (2005) e buscou incorporar estágios do modelo Information Search Process (ISP) de Kuhlthau (1996). Os resultados evidenciam que o ISP foi significativo para a análise dos aspectos afetivos envolvidos nas práticas de pesquisa dos sujeitos investigados e permitiram inferir que a clareza e atenção das orientações iniciais oferecidas pelo professor para a execução das tarefas de pesquisa podem influenciar em aspectos afetivos dos estudantes e no processo de realização de investigações acadêmicas.
Palavras-chave: Competência Informacional, Curso de Biblioteconomia, Curso de Arquivologia, Ciência da Informação, Práticas de Pesquisa, Estudantes Universitários.
Abstract: This paper presents results of a more extensive study. The objective of the research was to investigate, focusing on the information literacy, how undergraduate students of Archival Science and Library Science Courses of Universidade Federal do Rio Grande (FURG) perform their informational seek for academic researches. The methodology was quantitative-qualitative approach and used a questionnaire as an instrument for data collection which was based the questionnaire developed by Campello and Abreu (2005) and sought to incorporate stages of model Information Search Process (ISP) of Kuhlthau (1996). The results indicate that the ISP was significant for the analysis of affective aspects involved in research practices of the investigated subjects and allowed to infer that the clarity and attention of the initial orientations offered by the professor to the execution of research tasks can influence in affective aspects of students and in the process of achievement of academic researches.
Keywords: Information Literacy, Library Science Course, Archival Science Course, Information Science, Practice Research, Undergraduate Students.
Artigos de Pesquisa
PRÁTICAS DE PESQUISA DE ESTUDANTES DE BIBLIOTECONOMIA E ARQUIVOLOGIA: UMA ABORDAGEM SOBRE OS ASPECTOS AFETIVOS ENVOLVIDOS E A COMPETÊNCIA INFORMACIONAL1
Recepção: 15 Julho 2014
Publicado: 15 Julho 2014
Os trabalhos desenvolvidos na Academia, principalmente os relacionados a pesquisas, geralmente exigem dos estudantes universitários a capacidade de identificar suas necessidades de informação, as quais são entendidas por Belkin (1980 apud CHOO, 2003, p.102) como “[...] um estado anômalo de conhecimento, no qual o indivíduo não é capaz de expressar prontamente sua necessidade, já que não consegue especificar o que ainda não sabe ou o que está faltando”.
Assim, identificar essas lacunas no conhecimento é o primeiro passo a ser dado para atender suas demandas informacionais. Após faz-se necessário saber localizar informações em catálogos de bibliotecas, repositórios, bases de dados, entre outros e avaliar as fontes consultadas quanto ao seu conteúdo, à autoria, atualidade, enfim dependerá dos objetivos a que se destina a informação. Após esses passos o estudante voltar-se-á ao uso efetivo desses conteúdos visando atender a uma tarefa específica, complementar um assunto de interesse, investigar um problema, entre outros.
Esse processo de busca e uso da informação que consiste em vários estágios foi designado pela American Library Association (ALA), em 1989, como competência informacional, pois para “[...] ser competente em informação a pessoa deve ser capaz de reconhecer quando precisa de informação e possuir habilidade para localizar, avaliar e usar efetivamente a informação”. Para proceder dessa forma é necessário que o estudante saiba como se organizam as informações, procedendo à busca e uso destas de forma autônoma, de tal maneira que domine sua própria aprendizagem, ou como salientado por essa Associação, indivíduos que possuem competência informacional são aqueles “[...] que aprenderam a aprender” (ACRL, 1989). Também, para que o desenvolvimento da competência informacional ocorra dentro das universidades é relevante que esse conceito seja integrado “[...] em seus programas de ensino e que desempenhem um papel de liderança preparando indivíduos e instituições para aproveitarem as oportunidades inerentes à sociedade da informação” (ACRL, 1989).
Em relação à tradução do conceito de information literacy, a International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA) (2012) apresenta em sua Information Literacy Section vários termos utilizados em diferentes países que são: destrezas de información; literacia da informação; competências informacionais; desarrollo de habilidades informativas; competência em informação, entre outros.
Gasque (2012, p.50) aborda a competência informacional sob a designação de letramento informacional e aponta a tradução do conceito no âmbito espanhol e português, como segue:
A literatura mostra o uso do termo information literacy e suas diversas traduções, quais sejam: letramento informacional, alfabetização informacional, habilidade informacional e competência informacional, para se referir à mesma ideia. Na Espanha, a tradução mais usada é alfabetização informacional, e em Portugal, ‘literacia da informação’.
Por outro lado Pereira (2010, p.38) indica o termo ‘competência em informação’ como uma das traduções mais utilizadas para o termo ‘information literacy’.
Este estudo tem como sujeitos estudantes de Arquivologia e Biblioteconomia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). O Curso de Biblioteconomia da FURG foi criado em 1974. O reconhecimento legal ocorreu em 12/5/1978, por meio do Decreto n.º 81.655 do Governo Federal. Atualmente o curso conta com um ingresso anual de quarenta vagas (SILVEIRA; GONÇALVES, 2009). O Curso de Arquivologia é mais recente, sendo criado em 2008, a partir de uma proposta do Departamento de Biblioteconomia e História (DBH) (SILVA; SCHIAVON; SANTOS, 2010), possui ingresso anual de quarenta vagas no turno da noite, e em 2012 formará a primeira turma.
Verifica-se que o profissional da área da Arquivologia, conforme aponta Ramírez Aceves (2011, p.44, tradução nossa) terá atribuições em que predominam tarefas como “[...] identificação, classificação, ordenação, valoração, seleção, eliminação, expurgo, descrição e armazenamento” de documentos. Esses serviços são voltados para atender as necessidades seja de instituições como também de usuários. Da mesma forma, o profissional bibliotecário tem atribuições referentes à aquisição do acervo e o tratamento documental com a finalidade de atender às necessidades de sua comunidade de usuários.
Os acadêmicos dessas áreas, futuros profissionais da informação, além de desenvolver suas próprias competências informacionais necessitam aprender a promover a educação de seus usuários incentivando para que esses também atuem de forma autônoma.
Uma ferramenta que tem sido considerada particularmente interessante para desenvolver a capacidade de busca e uso da informação é a pesquisa acadêmica. Le Coadic (1996, p.27) destaca que “[...] a atividade de pesquisa constitui, com efeito, a aplicação do raciocínio ao corpo de conhecimentos acumulados ao longo do tempo e armazenados nas bibliotecas e centros de documentação”.
Também, Gasque (2012, p.46, grifo nosso) defende a prática da pesquisa para o desenvolvimento da competência informacional, indicando que:
Ser letrado informacionalmente é saber buscar e usar a informação para produzir conhecimento, isto é, desenvolver a capacidade de investigar problemas, visando a chegar às conclusões, mesmo que provisórias. Por isso, torna-se importante entender como ocorrem as práticas de pesquisas no contexto educacional, desde a educação básica até o ensino superior.
Assim, torna-se relevante a análise dos processos envolvidos nas práticas de pesquisa dos alunos para investigar como estas atividades estão se desenvolvendo dentro da universidade. Para isso se obteve apoio nas investigações da pesquisadora norte-americana Carol Kuhlthau (2012) que desenvolveu o modelo Information Search Process (ISP) a partir de 1985.
Com os resultados dessa investigação pretende-se apontar indicadores que possam ser utilizados para a tomada de decisão, planejamento e desenvolvimento de ações que visem à competência informacional dos estudantes universitários. Essas ações poderão ser desenvolvidas tanto no âmbito das bibliotecas universitárias quanto em sala de aula pelos professores da instituição. Além disso, a pesquisa pretende contribuir para a produção científica nacional sobre essa temática, uma vez que, como evidencia Campello (2009), ainda carece de trabalhos que abordem a realidade brasileira.
Este trabalho tem como objetivo geral averiguar, utilizando-se o enfoque da competência informacional, como os estudantes universitários do 3º ano dos Cursos de Graduação de Arquivologia e Biblioteconomia da FURG efetuam suas buscas informacionais para pesquisas acadêmicas. Com metodologia de abordagem quanti- qualitativa, após extensa revisão de literatura foi estabelecido um recorte que abrangeu 23 graduandos dos Cursos de Arquivologia, e 22 do Curso de Biblioteconomia, sendo escolhido o 3º ano para este estudo porque se supõe que esses acadêmicos tenham alguma vivência na realização de pesquisas acadêmicas, porém ainda não estão em fase de conclusão, o que faria com que já refletissem sobre essa prática antes da realização do trabalho de conclusão de curso.
Como instrumento de coleta de dados, utilizou-se um questionário contendo perguntas abertas e fechadas totalizando 44 questões, o qual foi baseado no questionário de Campello e Abreu (2005). Para isso foi solicitado que cada respondente se apoiasse, para responder as questões, em um trabalho de pesquisa já concluído elaborado nas disciplinas anteriormente cursadas, e comparando assim esses dados com o Modelo Information Search Process (ISP) de Kuhlthau.
O modelo ISP é voltado a entender o comportamento de indivíduos em processos de busca de informação levando em consideração aspectos cognitivos (pensamentos); afetivos (sentimentos) e físicos (ações). Assim ele é centrado no usuário e se divide em 6 (seis) estágios (iniciação, seleção exploração, formulação, coleta e apresentação).
O termo ‘information literacy’ surgiu em 1974 com o bibliotecário Paul Zurkowski no relatório intitulado ‘The information service environment relationships and priorities’, nesse documento ele levanta a possibilidade do ensino de técnicas e habilidades que possibilitassem melhor uso dos recursos informacionais para solucionar problemas no âmbito do trabalho (DUDZIAK, 2003, p.24).
Em concordância Pereira (2010, p.38) salienta que Zurkowski pregava a discussão dessa temática “[...] a fim de se abrirem caminhos para que a população daquele país utilizasse os mais diversos produtos informacionais disponíveis no mercado”.
Em conceito bem semelhante, Burchinall em 1976 apresenta o conceito de Information Literacy também voltado a habilidades de localização e uso das informações que contribuiriam na resolução de problemas, bem como na tomada de decisões eficazes e eficientes. No mesmo ano Owens usa o termo considerando a importância das informações para a prática da cidadania (BAWDEN, 2002, p.376).
Em 1987, Kuhlthau apresenta seu trabalho intitulado ‘Information skills for an Information Society: A review of research’ levantando a importância da information literacy no contexto educacional, através de sua inserção no currículo bem como ao acesso das tecnologias de informação pelos estudantes (DUDZIAK, 2003, p.25).
O trabalho de Breivik e Gee na Década de 1980, intitulado ‘Information literacy: Revolution in the library’ levanta a importância da integração entre professores, alunos e bibliotecários para fomentar a information literacy, observando que “[...] os processos de construção do conhecimento estão relacionados à busca e ao uso da informação” (BREIVIK; GEE apud HATSCHBACH, 2002, p.54).
Doyle (1994) defende a “[...] implementação da Information Literacy como disciplina no currículo escolar”, apresentando dez atributos para identificar se um indivíduo apresenta ‘information literate’ (DOYLE, 1994 apud HATSCHBACH, 2002, p.19-20).
Em outra perspectiva, Bruce (2003) considerando a visão de educadores sobre a competência informacional publica em 1997 o artigo ‘Seven faces of information literacy in higher education’ em que apresenta sete categorias para descrever as diferentes concepções sobre o tema. Segundo ele, essas concepções mostram a diversidade de perspectivas que suscita a competência informacional dificultando sua aplicação prática, por outro lado promove uma teorização do tema que possibilita a escolha de uma ou mais categorias para a elaboração de atividades voltadas ao desempenho da competência informacional.
A Association of College and Research Libraries (ACRL) (2000) criou normas destinadas a identificar se um estudante é competente no acesso e uso da informação voltada ao ensino superior. Elas foram intituladas ‘Information Literacy Competency Standards for Higher Education’, e aprovadas pela ACRL, divisão da ALA, em 2000. São constituídas por 5 (cinco) tópicos principais.
Caregnato foi uma das primeiras autoras a introduzir a temática no Brasil em 2000, e sugeriu a tradução do termo ‘information literacy’ para alfabetização informacional (CAMPELLO, 2009, p.35). Essa autora ressaltou a abordagem do conceito voltada ao “[...] serviço educacional oferecido pelas bibliotecas a seus leitores” (CAREGNATO, 2000, p.50). Isso encontra apoio em Santos (2011, p.37), indicando que na realidade brasileira o tema sobre competência informacional iniciou-se na área de estudos de usuários de bibliotecas através de programas voltados ao uso de recursos informacionais.
Bawden (2002, p.385) explica que apesar de o conceito ter sido amplamente utilizado no âmbito das bibliotecas, “[...] se originou no contexto dos serviços de informação para o setor privado” e cita o informe da ACRL de 1989 que enfatiza, entre outros aspectos “[...] o valor da informação relevante para o mundo empresarial”. No âmbito bibliotecário a competência informacional se deu “[...] talvez, como uma consequência da tradicional ‘educação de usuários’, às ‘destrezas bibliotecárias’, ou, talvez mais diretamente, à ‘instrução bibliográfica’” (BAWDEN, 2002, p.382).
Dois importantes trabalhos no Brasil apresentados em 2001 sobre o tema são: a apresentação de Belluzzo em Simpósio em que aborda a multidisciplinaridade da competência em informação espraiando-se da área de Ciência da Informação e envolvendo áreas de Engenharia de Produção, Educação, entre outras. O segundo trabalho trata-se da dissertação de Dudziak que traz importante levantamento sobre a evolução da competência informacional no exterior (SANTOS, 2011, p.38).
O “Colóquio em Nível Superior sobre Competência Informacional e Aprendizado ao Longo da Vida” que ocorreu em 2005 na Biblioteca de Alexandria, aponta que “[...] a competência informacional e o aprendizado ao longo da vida são os faróis da Sociedade da Informação”. Nesse encontro afirma-se que a competência informacional vai além da aprendizagem momentânea, ela se baseia na capacidade do indivíduo aprender a criar autonomia em seu aprendizado o qual se dará ao longo da vida, e ressalta sua função social, pois:
A competência informacional está no cerne do aprendizado ao longo da vida. Ele capacita as pessoas em todos os caminhos da vida para buscar, avaliar, usar e criar a informação de forma efetiva para atingir suas metas pessoais, sociais, ocupacionais e educacionais. É um direito humano básico em um mundo digital e promove a inclusão social em todas as nações (IFLA, 2005).
Cabe salientar o artigo de Dudziak (2008) que discute a Declaração de Alexandria no âmbito brasileiro, e ressalta que:
Com base na análise da realidade brasileira, conclui-se que o contexto considerado e que serviu de base de construção das recomendações dos especialistas diz respeito a uma visão consolidada nos países centrais, plenamente desenvolvidos, cuja realidade é bastante distinta do Brasil (DUDZIAK, 2008, p.50).
Em relação às tecnologias computacionais e a competência informacional, Bawden (2002) traz uma extensa revisão de literatura abordando os conceitos de alfabetização informacional e alfabetização digital. Também, percebe-se a interligação entre as duas competências no contexto universitário no estudo de Hatschbach (2002, p.95) que traz a seguinte conceituação de information literacy:
A ‘Competência em Informação’ é uma área de estudos e de práticas que trata das habilidades acerca do uso da informação em relação à sua busca, localização, avaliação e divulgação, integrando a utilização de novas tecnologias e a capacidade de resolução de problemas de informação.
Da mesma forma Cavalcante (2006, p.48) ressalta a importância das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) indicando a relação entre essas e as competências em informação no ensino universitário, pois:
Na educação superior [o tema competência informacional] está relacionado principalmente com o uso das tecnologias, em diferentes suportes de informação, para favorecer o desenvolvimento das competências dos estudantes, o que beneficiará o crescimento profissional, a capacidade de realização de pesquisa, planejamento, gestão e avaliação no uso de fontes de informação.
Por fim, a Declaração de Maceió sobre a Competência em Informação (2011) revela que na realidade brasileira os recursos que possibilitam “[...] acesso, uso avaliação e comunicação” da informação são “[...] insuficientes para atender às demandas da cidadania” e a aclamada Sociedade da Informação. Assim, entre outros tópicos, indica a importância das bibliotecas para a educação e ressalta a importância da inserção da competência informacional nos currículos de Biblioteconomia e Ciência da Informação.
Kuhlthau percebeu a presença de sentimentos ‘negativos’ de incerteza e frustração principalmente em fases inicias das tarefas de busca de informação. No primeiro estágio do modelo ISP denominado de Início, os indivíduos se tornam conscientes de uma lacuna em seu conhecimento e são comuns sentimentos de incerteza e apreensão.
Em conformidade com o modelo ISP, os resultados desta pesquisa também apresentaram significativo número de indivíduos que manifestaram sentimentos de confusão, insegurança e dúvida no momento em que o professor propôs o trabalho, enquanto que os sentimentos positivos, em menor número, refletiram-se principalmente em satisfação, otimismo e confiança. Dos 45 acadêmicos investigados, 34 manifestaram apenas sentimentos negativos; 6 apresentaram sentimentos positivos e também negativos; apenas 3 apresentaram apenas sentimentos positivos e 2 estudantes não preencheram essa questão.
As Tabelas 1 e 2 mostram, respectivamente, a frequência dos tipos de sentimentos negativos e positivos apontados pelos estudantes quando o professor propôs o trabalho, tendo como base uma questão de múltipla escolha, conforme seguem:
O Princípio da Incerteza definido por Kuhlthau (1994 apud SOUSA, 2009, p.47) pressupõem que em etapas iniciais do processo de busca da informação são esperados sentimentos de incerteza que geram ansiedade e falta de confiança, “[...] é quando o estudante não sabe direito o que pesquisar, nem como fazê-lo”. Assim, a atuação do professor nesse estágio inicial definindo a tarefa de forma clara poderá ser um facilitador para o aluno que experimenta esses sentimentos negativos.
Campello e Abreu (2005, p.189) também perceberam a “[...] predominância de sentimentos negativos no início do processo”, o que ratificou “[...] o princípio da incerteza de Kuhlthau, resultante de falhas na compreensão de significados”. As autoras sugerem, nesses estágios iniciais, que a mediação adequada do professor possa auxiliar na formação da aprendizagem independente dos estudantes. Essas autoras destacaram que ter ou não familiaridade com o tema teve influência sobre os sentimentos dos estudantes, e também que “[...] o comportamento do professor foi outro fator que afetou fortemente os sentimentos no início do trabalho”. Assim, “[...] quando o professor falhou em fazer o aluno compreender o objetivo do trabalho, em não conseguir fazê-lo entender o que queria com a tarefa proposta, surgiram sentimentos de confusão, dúvida e insegurança” (CAMPELLO; ABREU, 2005, p.183).
Da mesma forma, nos resultados percebeu-se que dos 17 acadêmicos para os quais a tarefa proposta pelo professor não ficou clara, 12 apontaram sentimentos de insegurança, 7 sentiram-se confusos, e 12 ficaram com dúvidas (em questão de múltipla escolha). Isso sugere que a definição clara da proposta de trabalho pelo docente poderá influenciar no tipo de sentimentos experimentados pelos estudantes. Ao serem inquiridos quanto à clareza da tarefa proposta pelo professor alguns alunos responderam que ela não havia ficado clara, e comentaram que a atividade de pesquisa era uma atividade nova, o que se percebe nos seguintes discursos: “porque nunca tinha feito um projeto de pesquisa” (entrevistado 21c); “No começo, como era algo novo, encontramos dificuldades que estão sendo superadas” (entrevistado 15b); e “como não tinha muita afinidade com pesquisa ficou difícil” (entrevistado 17b).
De igual modo, quando se solicitou que os acadêmicos explicassem o motivo dos sentimentos manifestados durante a proposta da tarefa, alguns deles indicaram que seus sentimentos negativos se deram devido ao pouco conhecimento na prática de pesquisa, como se percebe em seus discursos: “Porque não tinha feito nenhum trabalho desse tipo” (entrevistado 7c); “Pois não tinha feito nenhum projeto anteriormente” (entrevistado 8c); “Pois nunca tinha feito esse trabalho antes” (entrevistado 19c); “Insegurança de nunca ter feito um projeto e por ter 2 projetos para fazer” (entrevistado 21c); “Por ser o primeiro trabalho acadêmico de minha vida” (entrevistado 3b); “Porque não me sinto com conhecimento suficiente para realizar” (entrevistado 12b).
Nesse aspecto, Gasque (2012, p.130), sugere a possibilidade de “[...] não haver diferenças expressivas entre as atividades de pesquisa na educação básica e
na graduação, pois ambas demonstram ser superficiais e pouco orientadas”. Da mesma forma, Campello e Abreu (2005, p.183), em suas análises sobre os trabalhos acadêmicos de estudantes de Biblioteconomia, apontam que alguns dos acadêmicos estavam elaborando projetos ou monografias por primeira vez e indicam haver uma relação entre os sentimentos negativos no início do processo e a “[...] falta de familiaridade com o tipo de trabalho proposto”.
Em relação às Normas 1 e 3 da ACRL, anteriormente citadas, um indivíduo competente no acesso e uso de informação compreende seus processos cognitivos na medida em que percebe uma lacuna ou gap em seu conhecimento e tem capacidade, para “[...] determinar a natureza e o nível da informação que necessita” e “[...] avaliar a informação e suas fontes de forma crítica”. Porém percebeu-se na análise dos resultados que 42,2% dos acadêmicos definiram como atividades mais difíceis durante a realização da pesquisa a identificação de necessidades iniciais de informação e análise de quais informações seriam relevantes. Também 33,3% dos respondentes salientaram dificuldades em produzir a redação final da pesquisa de forma coerente e estruturada e proceder à normalização do trabalho.
Se pensarmos que a amostra da pesquisa totaliza 45 acadêmicos, ou seja, cerca de uma turma de estudantes, as percentagens obtidas tornam-se significativas quando mostradas em frações aproximadas, ou seja, cerca de metade dos alunos encontraram dificuldades em determinar suas necessidades informacionais e cerca de ¼ dos alunos acreditaram ser complexa a redação final e normalização da pesquisa. Esses dados sugerem que a pesquisa não seja uma prática efetiva em escolaridades anteriores à graduação, e que alguns acadêmicos estejam sendo confrontados com a prática de pesquisa apenas na universidade.
A Norma 5 da ACRL (2000), evidencia que o indivíduo competente em informação usa a informação de “forma ética e legal”, dessa forma, o estudante deve utilizar normas acadêmicas de citação e referências para preservar os direitos intelectuais dos autores. O plágio é questão enfatizada por diversos professores e isso parece se refletir no elevado número de acadêmicos que se utilizaram de citações e referências preservando os direitos autorais. Porém, percebeu-se que três acadêmicos não fizeram citação dos autores utilizados em suas pesquisas e dois desses estudantes não descreveram as referências das obras utilizadas, mesmo utilizando mais de um autor para “completar o trabalho” (entrevistado 1c); “possibilitar mais de uma visão do assunto” (entrevistado 21c); ou porque “fez parte do referencial teórico” (entrevistado 1b).
Kuhlthau em concordância com a Teoria de Kelly (1963) ressalta que para gerar novos conhecimentos os indivíduos apoiam-se em conhecimentos que já trazem consigo (KUHLTHAU, 1996 apud CAMPELLO; ABREU, 2005, p.179). Da mesma forma, observou-se que muitos acadêmicos (55,5%) aproveitaram conhecimentos anteriores para realizar sua pesquisa, o que se percebe nas respostas: “Sim. A pesquisa feita na disciplina estatística descritiva” (entrevistado 11c); “Sim, aproveitei a fundamentação teórica obtida anteriormente no curso” (entrevistado 10b); “Sim, trabalhos e seminários” (entrevistado 7c); e “Referência de outros livros e disciplinas” (entrevistado 8c).
Também, a Norma 3 da ACRL (2000) destaca que a competência em informação se dá nos indivíduos que incorporam “[...] a informação selecionada a sua própria base de conhecimentos e a seu sistema de valores”. Assim, supõe-se que a percentagem dos pesquisados, citada no parágrafo anterior, tenha desenvolvido habilidades informacionais nesse sentido e que a prática da pesquisa possa ter auxiliado no processo de aquisição dessa competência.
No final do processo de busca de informação o modelo ISP indica sentimentos de alívio, “[...] satisfação se a atividade de pesquisa foi bem sucedida, ou de desapontamento, caso contrário” (KUHLTHAU, 2004 apud FIALHO, 2010, p.169). De igual forma, os resultados encontrados corroboram o modelo de Kuhlthau, pois apenas 3 (três) acadêmicos tiveram sentimentos negativos enquanto que houve prevalência dos sentimentos positivos em 26 dos estudantes; 5 (cinco) marcaram sentimentos positivos e também negativos e 11 deixaram a questão em branco. A seguir se apresentam Tabelas 3 e 4 em que se descrevem os tipos de sentimentos manifestados pelos acadêmicos e sua frequência, considerando que o total de estudantes foi de 45 e a questão de múltipla escolha.
Quando solicitados a responder o porquê dos sentimentos manifestados, percebe-se que os sentimentos negativos de dúvidas se relacionaram à falta de segurança quanto à temática do trabalho o que se observa na frase “Porque não tínhamos total compreendimento (sic) do assunto” (entrevistado 1b). Também esse sentimento se relacionou ao resultado final do trabalho: “Não estava seguro de ter feito um bom trabalho” (entrevistado 9b); e pode ter surgido em relação à mediação do professor: “Por achar que não ficou tudo bem esclarecido como devia” (entrevistado 13b) e “Porque a professora nos confundia muito” (entrevistado 18b). Um aluno respondeu apenas “Não sei” (entrevistado 11b) o que parece demonstrar dificuldade em avaliar seus sentimentos ou talvez seu processo global de pesquisa. Um aluno ressaltou que tinha ficado com dúvidas, mas parece indicar um sentimento positivo em relação à curiosidade por mais informações sobre a temática: “Aliviado, pois já tinha passado otimista com o que viria e com dúvidas, pois queria saber mais” (entrevistado 17b).
Se comparados os resultados das Tabelas 1 e 2 aos demonstrados nas Tabelas 4 e 5, eles parecem corroborar com o modelo ISP em relação aos sentimentos dos indivíduos – os quais podem interferir no processo de busca de informação e construção do conhecimento –, ou seja, em estágios iniciais do processo de busca de informação há uma tendência a prevalecer o Princípio da Incerteza, anteriormente citado. Conforme a busca tem prosseguimento e o indivíduo adquire mais conhecimento e domínio sobre o tema de sua pesquisa há uma transformação em que predominam sentimentos de satisfação e alívio.
Fialho (2009, p.154) não explicita claramente a predominância de sentimentos negativos ou positivos em etapas iniciais e finais em seu estudo com os acadêmicos que haviam anteriormente vencido o Prêmio Jovem Cientista, porém evidencia que: “Os sentimentos no início da pesquisa oscilaram entre ansiedade, desânimo, dúvida, frustração, curiosidade, empolgação, desorientação e desconfiança”. Nesse estudo a autora observou quanto aos sentimentos dos estudantes no final de suas pesquisas que houve “[...] predomínio de sentimentos de alívio e satisfação, caso se tenha obtido sucesso. Esse depende, na visão dos estudantes, de características como disciplina, dedicação, interesse, perseverança, gosto pelo tema e boa administração do tempo” (FIALHO, 2009, p.159).
Pode-se inferir dos resultados dessa autora que os sentimentos negativos no início da tarefa se apresentaram em maior variedade que os sentimentos positivos, e também que ao finalizar a tarefa houve a presença dos sentimentos apontados por Kuhlthau de alívio e satisfação. Cabe destacar que segundo a percepção desses estudantes, atitudes positivas (disciplina, dedicação, entre outras) podem influenciar no sucesso ou fracasso de seus trabalhos, o que encontra respaldo na concepção de information literacy de Breivik, em que atitudes como a persistência, a atenção ao detalhe, entre outras, podem auxiliar no desenvolvimento de habilidades e conhecimentos (BREIVIK, 1985 apud DUDZIAK, 2001, p.27).
Os acadêmicos, acima citados por Fialho (2009) evidenciaram o gosto pelo tema como um fator ligado ao sucesso, já Campello e Abreu (2005, p.182) indicam que “Conhecer previamente o tema, gostar do assunto, [...] foram fatores que despertaram sentimentos positivos no início do trabalho”.
Assim, a escolha do tema parece ser um fator de motivação para os acadêmicos, nesta pesquisa, porém, poucos estudantes manifestaram sentimentos positivos em relação ao tema quando o professor propôs o trabalho: um acadêmico indicou ser devido a já ter um tema definido: “Por ter desde o início o tema para trabalhar” (entrevistado 20b); e outro, pela possibilidade de escolha da temática: “Pois fiquei empolgada e interessada em realizar uma pesquisa que escolhi o tema” (entrevistado 17c). Cabe ressaltar que nem sempre será possível no ambiente acadêmico que a escolha do tema possa ser uma opção, pois se faz necessário que o estudante aprimore seus conhecimentos através da investigação de temáticas compatíveis com o programa curricular.
A competência informacional se relaciona com a aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes, que permitem a um indivíduo agir de forma eficaz num universo cada vez mais envolto em um ‘caos’ informacional. Esse ambiente em constantes modificações requer do indivíduo uma postura receptiva a novas informações, conhecimentos e tecnologias, que possibilitem o aprendizado contínuo por toda a vida. Além disso, os sujeitos devem desenvolver a capacidade de discernimento para avaliar as informações e utilizá-las de forma ética e legal.
Para que isso seja uma realidade na formação dos estudantes é relevante o estudo investigativo para perceber como está se dando esse processo dentro da universidade. Este trabalho buscou averiguar, através das percepções dos estudantes, o processo de busca e uso das informações para a realização de pesquisas acadêmicas, procurando identificar competências informacionais, uma vez que esses dois tópicos – processo de busca e uso de informações e as competências informacionais – se inter-relacionam. Através do Modelo ISP de Kuhlthau procurou-se identificar o comportamento dos estudantes, principalmente em relação aos aspectos afetivos que permeiam a busca de informação e que podem influenciar na realização das pesquisas acadêmicas dando-se maior enfoque aos sentimentos no início e final das tarefas de forma a observar a compatibilidade do ISP com a amostra investigada.
Os resultados apontaram que o ISP mostrou-se significativo para analisar os sentimentos dos estudantes durante a realização de suas pesquisas acadêmicas, pois ele aponta zonas em que a mediação de professores e bibliotecários pode ser mais atuante, ou seja, em estágios iniciais do processo de busca de informação, pois grande parcela dos investigados manifestaram sentimentos de dúvida, insegurança e confusão.
Também, o estudo apontou que a atuação do docente na apresentação da tarefa parece ser um fator relevante para auxiliar o estudante a iniciar sua jornada investigativa, principalmente quanto à explanação clara dos objetivos do trabalho.
Por fim, as dificuldades encontradas por alguns estudantes em relação a seus trabalhos acadêmicos, bem como as sugestões encontradas na literatura parecem apontar que ocorreram falhas em escolaridades anteriores a universidade no que diz respeito ao ensino de práticas de pesquisa. Dessa forma, no âmbito brasileiro, para contribuir na formação de um profissional competente na busca e uso da informação e que possa auxiliar na educação de seus usuários, parece ser pertinente que as pesquisas e projetos para desenvolvimento dessas competências levem em consideração a realidade educacional brasileira.