Artigos
A correlação entre a Teoria Vygotskyana e a Teoria da Objetivação no processo de ensino e aprendizagem da Matemática
The correlation between Vygotskyan Theory and Objectification Theory in the teaching and learning process of Mathematics
Revista de Investigação e Divulgação em Educação Matemática
Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil
ISSN-e: 2594-4673
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 5, núm. 1, 2021
Recepção: 03 Dezembro 2020
Aprovação: 05 Abril 2021
Publicado: 14 Julho 2021
Autor correspondente: naiara.batista@uece.br
Resumo: A partir de estudos e seminários realizados na disciplina intitulada Teorias da Educação e Formação de Professores, realizada na Pós-graduação em Educação, na Universidade Estadual do Ceará, no semestre 2020.1, tivemos o contato com diferentes estudos realizados por teóricos no âmbito da educação, como Piaget, Saviani, John Dewey, Paulo Freire, entre outros. No entanto, neste artigo, vamos dar ênfase ao estudo da Teoria de Vygotsky (TV), principalmente, porque, por meio de pesquisas, percebemos que poderia existir uma relação com a Teoria da Objetivação (TO), desenvolvida por Luis Radford, com a qual estamos trabalhando no momento. Assim, empenhamo-nos nessa análise, com vistas a conhecer as relações existentes entre a TV e a TO como base para o ensino e a aprendizagem de Matemática. Este estudo se caracteriza como qualitativo, envolvendo aspectos exploratórios e descritivos. Por meio dessa metodologia, foi possível perceber que ambas consideram elementos como linguagem (signos), artefatos, interiorização e semiótica no processo de ensino e aprendizagem. Todavia, na TV, esses termos são levados para uma esfera mais psicológica, enquanto que, na TO, Radford procura vincular esses elementos ao processo de ensino e aprendizagem em uma concepção mais pedagógica. Dessa forma, este estudo visa contribuir para as pesquisas que vêm sendo realizadas, com o intuito de compreender como as teorias estão articuladas no processo de ensino e aprendizagem, principalmente, no campo da Educação Matemática.
Palavras-chave: Teoria Vygotskyana, Teoria da Objetivação, Vygotsky, Luis Radford, Educação Matemática.
Abstract: From studies and seminars carried out in the discipline entitled, Theories of Education and Teacher Training, held at the Postgraduate Course in Education at the State University of Ceará, in the 2020.1 semester, we had contact with different studies carried out by theoretical studies of Education, such as Piaget, Saviani, John Dewey, Paulo Freire, among others. However, in this study we will emphasize the study of Vigotsky's Theory (TV), mainly because from research, we realized that there could be a relationship with the Theory of Objectification (TO), developed by Luis Radford, a qualified working at the time. Thus, we are committed to this study, with a view to knowing the existing relationships between TV and TO as a basis for teaching and learning mathematics. This study describes it as qualitative, involving exploratory and descriptive aspects. And through this process, it was possible to perceive the two elements, as a language (signs), artifacts, interiorization and semiotics, without a teaching and learning process. However, on TV these terms are taken to a more psychological sphere, whereas in TO, Radford seeks to link these elements to the teaching and learning process in a more pedagogical way. Thus, this study aims to contribute to research that has been carried out in order to understand how theories are articulated in the teaching and learning process, mainly in the field of Mathematical Education.
Keywords: Vygotsky Theory, Objectification Theory, Vygotsky, Luis Radford, Mathematical Education.
Introdução
Estamos vivendo em um período de grandes transformações educacionais, com finalidades científicas, pedagógicas e tecnológicas, que nos conduzem, nesse processo, a utilizar diversas teorias de ensino e aprendizagem. Porém, na maioria das vezes, essas teorias nos são impostas ou experenciadas, sem sequer nos apropriarmos delas para o desenvolvimento de ações significativas em sala de aula.
Dessa maneira, seguindo essa compreensão e com base em conhecimentos, saberes e experiências vivenciadas na disciplina intitulada: Teorias da Educação e Formação de Professores, no Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE), na Universidade Estadual do Ceará (UECE), tivemos a oportunidade de conhecer e aprender sobre as diversas teorias que fomentam ações na educação até o século XXI.
Essa disciplina nos proporcionou aprofundamento teórico mediante as explanações e discussões nas aulas, a apreensão e o desenvolvimento de saberes, que favoreceram e potencializaram nossa práxis docente. Assim, Silva, Porto e Medeiros (2017, p.86) ressaltam que, na concepção de Vygotsky, “o contexto interfere diretamente no desenvolvimento do indivíduo. Ou seja, devemos refletir acerca do papel do professor como mediador em um momento cada vez mais moderno [...]”.
Nesse intuito, vimos a possibilidade de selecionar, entre várias teorias abordadas na disciplina, a Teoria de Vygotsky (TV), visando uma perspectiva futura de possíveis contribuições para a Educação Matemática por meio de estudos articulados com a Teoria da Objetivação (TO), de Luis Radford. Essa área corresponde ao contexto educacional que trata do cenário em que desenvolvemos práticas de pesquisa, entre estas, ações voltadas para a formação inicial e continuada de professores de Matemática, vislumbrando um alcance maior e direto na educação básica.
Seguindo essa percepção, inquientamo-nos em conhecer Lev Semenovich Vygotsky (1896 – 1934), acessando e apropriando-nos de sua vida e obra, com destaque às pesquisas e aos saberes desenvolvidos, que contemplavam noções como mediação simbólica, pensamento, linguagem, desenvolvimento e aprendizagem, que são elementos edificantes para ele, em sua teoria. Complementando as ideias tratadas anteriormente, Fontes (2001, p. 26) ressalta que “o resultado desse tipo de estudo é a conclusão de que os processos que movimentam a linguagem desempenham um grande papel, que assegura um melhor fluxo do pensamento”.
Com isso, diante dessa experiência e do desenvolvimento de saberes quanto à percepção de Vygotsky, adquirimos conhecimentos referentes à essência humana, ao conhecimento, à relação indivíduo-sociedade, à relação teoria-prática, à relação objetividade-subjetividade, à concepção quanto aos fins sociais da educação e do lugar do professor no processo educativo, no que se tange a essa teoria.
Além disso, por meio de nossos estudos, averiguamos certa relação da TV com a TO, que nos conduziu a percorrer um trajeto que nos amparou em perceber e conhecer quais similaridades, diferenças e parcerias das mesmas, no que diz respeito ao processo de ensino e aprendizagem de Matemática.
Dessa maneira, conforme Silva, Porto e Medeiros (2017), a Teoria Vygotskyana, conhecida como sócio-histórico-cultural, entende e destaca que o indivíduo evolui e aprende por meio de suas interações com o mundo exterior, das relações com a sociedade, de sua vida e história e, ainda, de sua cultura, que são meios favoráveis a situações cotidianas oportunas ao desenvolvimento do sujeito.
Nesse sentido, a TO, mediante Radford (2011), constitui o ensino e a aprendizagem, correspondente à teoria anterior, com características pautadas em concepções antropológicas e histórico-culturais, avaliando também que as intervenções e relações com o meio, no percurso social e cultural, são fundamentais para a aprendizagem.
Dessa forma, estabelecemos uma pergunta diretriz, que foi: “Quais as relações entre a TV e a TO?”, sendo norteadora de nossos estudos, pesquisas e contribuições adquiridas por meio das exposições e trocas de experiências na disciplina, às quais, depois, tivemos acesso, ainda que de maneira preliminar, pois nos inquietou, de sobremaneira, levantar respostas para a mesma.
Nessa perspectiva e visando identificar evidências que nos amparassem na busca por respostas para a pergunta anteriormente destacada, estabelecemos, ainda, um objetivo geral, que foi: “conhecer as relações existentes entre a Teoria de Vygotsky e a Teoria da Objetivação, como base para o ensino e a aprendizagem na Matemática”, podendo fornecer elementos pontuais quanto ao processo de pesquisa para tal problema.
Diante disso, para o alcance da pergunta diretriz e do objetivo geral, fizemos uso das teorias Vygotskyana e da Objetivação, como ferramentas potencializadoras e auxiliadoras nesse percurso, já que são objeto de estudo e que, possivelmente, podem permitir futuras práticas educacionais matemáticas, no âmbito da formação inicial e continuada de professores de Matemática, através dessas reflexões.
Nesse contexto, já visualizamos, de maneira ainda preliminar, que, por meio das peculiaridades e diferenças dessas teorias, há muito em comum entre elas para explorarmos, como, por exemplo, Radford (2011), que argumenta que o processo de objetivação se dá mediante as relações do sujeito com a sociedade e com suas práticas culturais e pela sua história.
Semelhantemente, Rego (1995, p.93) diz que “Vygotsky, inspirado nos princípios do materialismo dialético, considera o desenvolvimento da complexidade da estrutura humana como um processo de apropriação pelo homem da experiência histórica e cultural”, impulsionando-nos a investigar possíveis similaridades entre o que pensa esse teórico e a TO, no que se refere ao desenvolvimento e à aprendizagem do sujeito.
Portanto, esta pesquisa se caracteriza, de acordo com Araújo e Borba (2004), como uma pesquisa de cunho qualitativo, pois engloba a concepção do subjetivo, isto é, a possibilidade de contemplar noções referentes a percepções de diferenças e semelhanças de aspectos comparáveis de experiências, visto que, ao realizar este estudo, estabelecemos um paralelo entre as teorias TV e a TO.
No mais, ainda vale destacar que, consoante a Gil (2010), a pesquisa se caracteriza como descritiva, pelo propósito de descrever particularidades da determinada investigação, nesse caso, conhecer as relações estabelecidas entre as teorias anteriormente evidenciadas.
Breve contextualização da vida de Vygotsky
Na perspectiva de conhecer a Teoria de Vygotsky e seus elementos fundantes em relação ao ensino e à aprendizagem de saberes, da essência humana, do conhecimento e dos demais processos, necessitamos compreender quem foi esse teórico e, a partir dessa apropriação, perceber e entender o que foi e o que representa essa teoria para a educação.
Diante disso, destacamos algumas informações relevantes, principalmente, a de que Lev Semenovich Vygotsky nasceu em Orsha, cidade próxima de Mensk, capital de Bielarus, que hoje se trata da extinta União Soviética. Membro de família judia e o segundo de oito irmãos, vivia confortavelmente com sua família, pois possuíam uma excelente situação econômica e tinham oportunidades educacionais de alta qualidade (OLIVEIRA, 2009; REGO, 1995).
Além disso, é importante destacar que, por conta do ambiente favorável e propulsor ao qual teve acesso, desenvolveu-se significativamente, crescendo e trilhando uma carreira impactante, já que, desde sua infância, estava imerso em um cenário de grande estimulação intelectual, interessando-se, precocemente, por estudos e áreas variadas do conhecimento, aprendendo diversas línguas estrangeiras e estabelecendo muitas parcerias, mediante grupos de estudos com seus amigos.
Nesse sentido, trazemos ainda à tona, conforme Oliveira (2009), que, apesar do vasto conhecimento, competências e habilidades desenvolvidas em várias áreas do conhecimento, Vygotsky foi educado, em maior parte, fora da escola. Em sua casa, tutores particulares o conduziram para a construção de uma formação pontual e relevante para a comunidade acadêmica.
Com isso, faz-se necessário apresentar, também, a partir de Oliveira (2009), que ele teve toda uma trajetória de sucesso durante sua formação básica e superior, inicialmente, na Universidade de Moscou, no curso de Direito, em que formou-se em 1913. Sua inquietação constante pela busca por conhecimento o fez percorrer áreas distintas de sua formação inicial, como, por exemplo, os cursos de História e Filosofia na Universidade Popular de Shanyavskii, aprofundando-se, posteriormente, em Psicologia, Filosofia e Literatura, que foram importantes cronologicamente em sua vida profissional.
Prosseguindo nessa compreensão, Vygotsky, anos mais tarde, apresentou interesse, como relata Oliveira (2009), em trabalhar com problemas neurológicos, visando entender o funcionamento psicológico do ser humano, ficando, a posteriori, um tempo em Moscou e, depois, em Kharkov, para estudar Medicina, destacados como períodos de grande relevância para a construção de sua identidade como pesquisador.
A teoria de Vygotsky e seus elementos no ensino-aprendizagem
Dando seguimento, visualizamos, mediante estudos, que a psicologia de Vygotsky contempla os processos de desenvolvimento, na busca pela organização dos processos psicológicos e na recusa de reduzir a dinâmica complexidade psicológica a elementos já constituídos.
Desse modo, Vygotsky ficou conhecido por sua impactante atuação intelectual, possuindo vários admiradores de suas elaborações teóricas e projetos de pesquisa, isso sendo evidenciado por sua abordagem psicológica, que apresentava três ideias importantes, vindo a serem consideradas, posteriormente, como os “pilares” básicos do pensamento Vygotskyano, em que, no entendimento de Oliveira (2009, p. 24),
[...] as funções psicológicas têm um suporte biológico, pois são produtos da atividade cerebral; o funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo exterior, as quais se desenvolvem num processo histórico e a relação homem/mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos.
Por isso, identificamos, pela compreensão desses “pilares”, que o homem, enquanto ser biológico, está em constante transformação, possuindo, segundo suas estruturações biológicas, uma composição de limites e possibilidades frente ao desenvolvimento cognitivo, percebendo ainda que o cérebro não é sistema imutável e fixo, mas um sistema aberto, sendo passível de mudanças.
Avançando nessas reflexões, avaliamos que, para a TV, o funcionamento psicológico humano se dá através das relações e interações entre o indivíduo e o mundo exterior, que se apresenta como o meio precursor de experienciais, vivências e contínuo constructo para a aprendizagem. Portanto, Vygotsky (2001) destaca que a interação é importante para a aprendizagem, porque ajuda a desenvolver estratégias e habilidades gerais.
Um dos conceitos primordiais, para essa teoria, no processo de relação entre homem/mundo, é a mediação, que não é direta, mas pautada em uma relação mediada através de um sistema simbólico, que são estruturas fundantes entre os sujeitos e o mundo. Joenk (2002, p. 4) destaca que “mediação é o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação, que deixa de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento”.
Para isso, temos que essa relação mediada é estabelecida, nessa teoria, a partir de Joenk (2002, p. 4), por “[...] dois tipos de elementos mediadores: os instrumentos e os signos”, em que o primeiro se trata, de fato, de um instrumento que se apresenta entre o sujeito e o objeto do trabalho deste, ampliando e facilitando as práticas e ações na natureza, por meio da usabilidade dessa ferramenta.
Já os denominados, por Vygotsky, signos ou instrumentos psicológicos referem-se, consoante Oliveira (2009, p. 32), a “ferramentas que auxiliam nos processos psicológicos e não nas ações concretas, como os instrumentos”, podem se distinguir, dessa maneira, dos instrumentos anteriormente pontuados.
Em continuidade, destacamos, nessa teoria, a linguagem e o pensamento, que são conceitos fundamentais nessa direção e que desenvolvem, ainda que em percursos diferentes e independentes, uma estreita ligação entre esses dois fenômenos. O indivíduo é impulsionado, por causa da necessidade de se comunicar, a desenvolver a linguagem, meio facilitador de relações entre o homem e o mundo exterior. Para que essa comunicação seja compreensiva e sofisticada, cabível a entendimento de outros indivíduos da mesma espécie, faz-se necessária a utilização de signos, que traduzam ideias, sentimentos, vontades e pensamentos.
Portanto, para Oliveira (2009), é a compreensão entre essas relações, isto é, pensamento e linguagem, que favorecem e facilitam a essência para o entendimento do funcionamento psicológico do ser humano nessas relações constantes entre indivíduos e mundo exterior, sendo facilitadas através de instrumentos e signos, com o suporte da linguagem e do pensamento, pois, por meio do significado das palavras, consolidamos a união entre eles, na perspectiva do desenvolvimento significativo e contínuo da aprendizagem.
Com base nos conhecimentos adquiridos, passamos a compreender que a TV reconhece como temas centrais, para esta, o desenvolvimento humano, o aprendizado e as relações entre o desenvolvimento e a aprendizagem, conduzindo-nos à denominação desse processo como abordagem genética.
Essa abordagem genética, para Vygotsky, não se refere a caracteres hereditários, visto que, segundo Oliveira (2009, p. 56), “uma abordagem genética psicológica não é uma abordagem centrada na transmissão hereditária de características psicológicas, mas no processo de construção dos fenômenos psicológicos ao longo do desenvolvimento humano”.
Diante dessas concepções, apresentamos, ademais, que, nessa teoria, a compreensão de aprendizado é dada pelos conceitos de nível de desenvolvimento real, que são os conhecimentos, as competências e as habilidades já internalizadas pelo indivíduo, em suas relações com o mundo exterior.
Quanto ao nível de desenvolvimento potencial, este corresponde às possibilidades de desenvolvimento de aprendizado, mediante a ajuda de adultos ou de indivíduos mais capacitados e a zona de desenvolvimento proximal diz respeito à distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. Portanto, Rego (1995, p. 72) afirma que
Vygotsky identifica dois níveis de desenvolvimento: um se refere às conquistas já efetivadas, que ele chama de nível de desenvolvimento real ou eletivo, e o outro, o nível" de desenvolvimento potencial, que se relaciona às capacidades em vias de serem construídas.
Assim, inquietamo-nos em contemplar como se reconhece o cenário educacional segundo essa visão Vygotskyana e percebemos, conforme estudos e pesquisas, tais como Oliveira (2009), Joenk (2002) e, principalmente, Vygotsky (2001), que o professor é identificado e tem papel de destaque como mediador desse processo, podendo interferir na zona de desenvolvimento proximal dos alunos, permitindo e possibilitando avanços, que, possivelmente, não aconteceriam espontaneamente.
Portanto, visualizamos que, para a TV, o único bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento, permitindo ao indivíduo, nesse processo de relação com o mundo exterior, no ambiente escolar, em especial, relações de mediação, promovidas e estimuladas por docentes, viabilizando o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem significativa para além das expectativas estimadas, vislumbrando que o indivíduo é um ser capaz e em potencial constante rumo ao aprendizado dos mais variados saberes do conhecimento.
A teoria vygotskiniana e a teoria da objetivação no papel do ensino-aprendizagem de matemática
Na TV, o aluno não é o centro e nem o responsável por sua própria aprendizagem. Assim, Vygotsky enfatiza que o professor, também, não pode ser considerado como o detentor de todo o conhecimento, de maneira que não é admissível a noção de um processo de transmissão que se dá do professor para o aluno.
Segundo Rego (1995), na TV, o indivíduo (aluno) deve ser apontado como um sujeito interativo em meio ao processo de aprendizagem, considerando inclusive aspectos sociais, diferente de outros segmentos que defendem o aluno como um ser passivo, receptor de informações vindas da interação externa. Todavia, é relevante destacar a importância “[...] da intervenção do professor (entendido como alguém mais experiente da cultura) e, finalmente, as trocas efetivadas entre as crianças (que também contribuem para os desenvolvimentos individuais)” (REGO, 1995, p. 111).
Fundamentando-se nessa concepção, a TO se apoia em Vygotsky a partir do momento em que compartilha esse pensamento em relação ao professor e ao aluno, pois, na TO, professor e aluno não são seres autossuficientes e que se autoproduzem. Logo, não é reconhecido o posicionamento de mediador desse professor em sala de aula, mas a atitude de intervenção perante o trabalho com os alunos.
Na TO, o professor não é visto como fonte da qual emergem saberes, porém tanto alunos como professores são seres que estão em constante modificações, em fluxo de projetos inacabados para com o mundo e que se realizam quando interagem em conjunto para obtenção da realização de seus objetivos (RADFORD, 2016).
Portanto, o envolvimento, em sala de aula, no qual os alunos, o professor e sua própria intervenção formam um trabalho coletivo, na TO, é denominado de trabalho comum. De acordo com Radford (2016, p. 196), o trabalho comum “[...] é definido como a aparência sensível do conhecimento (por exemplo, a aparência sensível de um modo de pensar algébrico ou estatístico covariacional, através da colocação e resolução de problemas coletivos, e discussão e debate na sala de aula)”[4].
Radford (2016) ainda ressalta que é por meio desse trabalho comum que, na sala de aula, o saber começa a ser manifestado de maneira muito sutil através da ação, da linguagem, dos artefatos, dos símbolos, dos gestos, entre outros. É interessante frisar que essas teorias possuem, em correspondência, a atenção dada a esses elementos, como os que se encontram implicados no processo de ensino e aprendizagem entre professor e aluno.
Em especial, a linguagem e os artefatos possuem papel relevante no processo de ensino e aprendizagem, tanto na TV como na TO. Na concepção de Radford (2016), a partir de estudos de diferentes estudiosos, como Wilhelm von Humboldt (1998), Ernst Cassirer (1980) e Valentin Voloshinov (1973), chegou-se à concepção de que o elo que une a cultura e seus indivíduos é a linguagem (RADFORD, 2016).
Entre 1927 e 1931, é possível perceber que os temas centrais de discussão de Vygotsky eram “[...] o conceito de internalização e as ideias concomitantes de signos como ferramentas e mediação semiótica”[5] (RADFORD, 2016, p. 196). Logo, é interessante tratarmos, de maneira clara, cada um desses tópicos, enfatizando suas semelhanças e diferenças entre a TO.
O conceito de internalização e as ideias concomitantes de signos como ferramentas e mediação semiótica
Na TV, os signos são mediados pela interiorização, que “é a transformação dessas relações concretas entre os indivíduos para um plano interno”, todavia é importante deixar claro que essa interiorização, presente também na TO, possui sentido um pouco distinto (MORETTI; PANOSSIAN; RADFORD, 2018, p. 238). Segundo o autor, a interiorização, na concepção de Vygotsky, está relacionada às funções psicológicas, diferentemente da TO, que tem relação com o sentido pedagógico, com foco no professor e no aluno.
Um outro ponto levantado, por Moretti, Panossian e Radford (2018, p. 239), é que “[...] ao propor a interiorização como a transformação de algo externo em algo interno, parece-me que Vygotsky não pode evitar apresentar uma visão do sujeito como simples réplica da cultura”. Na TO, não há esse intuito, pois os saberes são interiorizados a partir do encontro do indivíduo com as formas culturais nas quais ele está inserido e, mediante o movimento do pensar sobre o mundo, esse saber vai sendo sentido e incorporado de modos diferentes, uma vez que cada indivíduo reflete sobre naturezas e culturas distintas (MORETTI; PANOSSIAN; RADFORD, 2018).
Nesse processo, os artefatos são fundamentais também, porque não “[...] são apenas auxiliares do pensamento e nem simples amplificadores, mas sim partes constitutivas e consubstanciais do pensamento” (RADFORD, 2011, p. 316). Pensamos com e por meio dos artefatos culturais. Então, a mediação entre o sujeito e a cultura não se dá de maneira direta, senão reflexiva, de forma que a natureza e o saber são mediados pelo pensamento.
Um outro componente importante é a semiótica, que é, segundo Morey (2020, p. 47),
[...] também chamada de semiologia, pode ser definida como o estudo dos signos e de seu uso na sociedade. Uma grande quantidade de textos didáticos sobre semiótica começa pela pré-história da semiótica apontando nomes de estudiosos que de certa forma se dedicaram ao estudo dos signos.
A semiótica possui uma relação muito profunda com os signos, pois tende a trabalhar com o processo de estruturação sistêmica e semântica no desenvolvimento do pensamento como forma de articulação desse aspecto com signos, por meio de artefatos em meio à sociedade.
Todavia, Radford (2017, p. 248) evidencia que, dentro do projeto de estudo de Vygotsky, “[...] pensamento e atividade se entrelaçaram. Tal movimento não significa que a importância dos signos e artefatos seja diminuída. Parece agora submetido a um conceito diferente e mais abrangente: o conceito de atividade”.
Surge, nesse momento, uma nova definição: o conceito de atividade, que se encontra no centro da TO e é responsável pela interação entre sujeito e cultura. Na TO, essa atividade vai além de realizar algo repetitivo e de forma mecânica, no entanto, é aquela atividade que impulsiona o sujeito sobre os saberes potenciais mediante a interação na cultura propriamente estabelecida. Conforme Radoford (2018, p. 234), o conceito de atividade, na TO, é caracterizado como “[...] uma energia, quer dizer que é algo que está formado, por vezes, por uma ativação e que nós nos colocamos por nossa própria ativação física-intelectual com o fim de fazer algo”.
Na TO, Radford (2017) apresenta que esse conceito de atividade não está ligado a uma sequência de passos para atingir determinado objetivo, mas está vinculado a um momento de relação do indivíduo com a sociedade, no qual ele passa a expressar a maneira de ser, levando em consideração aspectos de autoexpressão, desenvolvimento intelectual e social.
Por isso, Radford (2019, p. 330) traz como características da TO: “b) uma concepção da relação entre o indivíduo e seu contexto social e histórico que vem da obra de Vygotsky e sua escola e c) uma concepção de educação inspirada na obra de Paulo Freire”[6], de maneira a destacar que o saber existente, em determinada cultura, pode ir de encontro a sistemas de pensamento constituídos histórico e culturalmente, podendo ser matemático, científico, estético, jurídico, etc., como uma forma de desenvolvimento para se chegar a uma aprendizagem por meio da formação da consciência (RADFORD, 2020).
Considerações finais
No intuito de entender os elementos que se encontram por trás dos estudos de Vygotsky e de Radford em relação aos processos de ensino e aprendizagem, sobre os quais nos debruçamos, constatamos que grande parte das teorias carregam, em si, relações com os referidos estudiosos. Assim, percebemos que, na TV, há espaço para o professor e para os alunos, porém esse processo de aprendizagem se dá em um campo psicológico, distante um pouco de fatores didáticos e pedagógicos.
Entretanto, encontramos, na TO, um campo que trata de elementos discutidos por Vygotsky, como os signos, os artefatos, a interiorização e a semiótica, voltados para um espaço educacional, envolvendo saberes que emergem da interação desse sujeito com a cultura na qual está inserido. Além disso, o professor, nesse processo, é responsável por intervir em momentos que venham a estimular a reflexão crítica desse aluno sobre o seu processo de construção e interação com novos conhecimentos.
Contudo, isso só é possível porque a TO oferece um conceito muito importante, o de trabalho conjunto, que, segundo Radford (2017, p. 254), apresenta uma sala de aula com aspectos totalmente diferentes e que “[...] aparece como um espaço público de debates no qual os alunos são encorajados a mostrar abertura para com os outros, responsabilidade, solidariedade, cuidado e consciência crítica”.
Portanto, este estudo buscou demonstrar, de maneira objetiva, características da TV e, por meio da realização de outros estudos, constatamos a existência de uma relação desta com a TO, sendo que essa última se utiliza de elementos discutidos por Vygotsky, porém com uma concepção mais educacional do professor e do aluno mediante o processo de interação com o conhecimento matemático.
Referências
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Notas
Autor notes
naiara.batista@uece.br