Resumo: Este trabalho é resultado de pesquisa bibliográfica de relativa densidade e aprofundamento sucedida de levantamento etnográfico com considerável aporte na semiótica sincrética e na observação participante, com o propósito de desvendar as origens do povo Mamaindê Cabixi estabelecidos na região noroeste do estado do Mato Grosso – Brasil, para por meio destes compreender e registrar os limitadores e facilitadores cotidianos que propiciam o pensar e o saber-fazer matemático próprios dos Mamaindê, com dados que remontam a meados de 1.727 e até hoje, aqui nos aproximamos bastante da identificação exata das origens do povo Mamaindê. Nos apoiamos para tanto nos registros etno históricos e antropológicos produzidos por Antonio Pires de Campos, Edgar Roquette Pinto, Alfred Metraux, David Price e Levi Strauss, além das entrevistas, gravações de áudio e de vídeo realizadas junto as lideranças indígenas da aldeia Mamaindê Cabixi, sob autorização expressa dos mesmos por meio de termo de consentimento livre e esclarecido e autorização da Funai.
Palavras-chave: saber-fazer matemático, nação Mamaindê, Vale do rio Guaporé.
Abstract: This work is the result of bibliographic research of relative density and successful deepening of ethnographic survey with considerable contribution in syncretic semiotics and participant observation, in order to unravel the origins of Mamaindê Cabixi people established in the northwest of Mato Grosso - Brazil, for through them understand and record limiters and daily facilitators who provide thinking and know-how themselves mathematician of Mamaindê, with data going back to mid-1727 and to this day, here we approach quite the exact identification of the origins of Mamaindê people. In support for both historical and anthropological ethno records produced by Antonio Pires de Campos, Edgar Roquette Pinto, Alfred Metraux, David Price and Claude Levi Strauss, in addition to interviews, audio and video recordings made with the indigenous leaders of the village Mamaindê Cabixi, under the express permission of the same through free and informed consent and authorization of Funai.
Keywords: mathematical know-how, Mamaindê nation, coomb of Guaporé river.
Artigos
CARACTERIZAÇÃO SÓCIO GEOGRÁFICA DOS ÍNDIOS MAMAINDÊ CABIXI: A EMERGÊNCIA DOS SABERES A PARTIR DA SUA PRÁTICA SOCIAL.
CHARACTERIZATION PARTNER OF GEOGRAPHICAL MAMAINDÊ CABIXI INDIANS: THE EMERGENCE OF KNOWLEDGE FROM YOUR PRACTICE SOCIAL.
URL: http://portal.amelica.org/ameli/jatsRepo/437/4372128006/index.html
DOI: https://doi.org/10.26571/2318-6674.a2015.v3.n1.p71-86.i5307
As etnias indígenas do Brasil, nos programas sociais não vem sendo consideradas uma prioridade, mas em forma desigual e discriminatória, o que levou os indígenas a se organizassem em associações, para demandar a sua participação ou inclusão nas políticas públicas de fato antiexcludentes. Infelizmente hoje vê se um verdadeiro congelamento nas tramitações dos processos de demarcações de terras indígenas em todo país, no caso dos Mamaindê Cabixi por serem aldeia estabelecida já a 27 anos, foi já demarcada e devidamente documentada, porém atendimentos básicos como agua encanada, luz elétrica, esgoto, etc, continuam sendo mazelas locais.
Neste trabalho, utilizaremos uma metodologia de pesquisa que oriente o foco na construção histórico cultural patrimônio dos povos indígenas Nambiquara Mamaindê, nos membros da Tribo Mamaindê Cabixi que vivem de maneira análoga a de selvagem em aldeia própria no interior do Município de Comodoro - MT, com coordenadas geográficas S – 13º12‟37,33” e W – 60º18‟47,35” às margens do Rio Cabixi a 30 km do distrito de Nova conquista no município de Vilhena, Sul do estado de Rondônia, de maneira a abordar não somente a importância da manutenção de hábitos e costumes mas também promover o resgate cultural e comparativo dos elementos culturais, língua, adornos festivos, de guerra, organização social no sentido de propiciar uma difusão destes elementos culturais.
Esta etapa da proposta de trabalho visa esclarecer aos leitores a atual conjuntura social em que vivem os Mamaindê Cabixi e que nos provocou tais inquietações em relação a comunidade indígena, antes disso se faz necessário desbravar e conhecer algumas dinâmicas e conceitos sociais presentes na sua sociedade para tanto procedemos com a abordagem centrada sempre na Etnociência que nos trás a uma realidade complexa exigindo que tratemos de um Referencial Teórico que possibilite a contextualização dos sujeitos da pesquisa, avançando para uma valoração do desenvolvimento do etnoconhecimento, para posteriormente fornecer argumentação às questões antropológicas e sobre o real saber dos Mamaindê, seu papel e como a subjetividade dos nativos o dominam e manifestam.
Naturalmente tal proposta de enlace científico não se dará unicamente nos dias atuais, propomos inicialmente situar o leitor em uma base epistemológica que mesmo distante da realidade mundana atual e mesmo cronológica, possui importância basilar no sentido da busca da adoção de um método especifico de pesquisa, de validação e compreensão de mundo e do pensamento científico numa perspectiva que valorize o potencial empírico que o cenário nos trás.
Propomos tratar a associação a correntes epistemológicas principalmente o estruturalismo entre outras além da valoração dos elementos relacionados ao saber-fazer prático destes sem preocupação de situar o trabalho numa única corrente epistêmica. Para em seguida suscitar um debate à luz de uma discussão sobre a importância dos métodos de pesquisa voltada para o conhecimento e o reconhecimento científico do que entendemos sobre ciência no sentido de envolver e destacar a necessidade da ruptura com o paradigma hegemônico da Educação escolar formal em comunidades indígenas.
Apresentamos na sequencia um referencial metodológico que julgamos adequado as necessidades que temos pela frente em relação a definição de métodos de pesquisa, instrumentos de pesquisa, uso apropriado de documentos, equipamentos e informações de maneira a construir mais fielmente nosso corpus científico e a conduzir nossos apontamentos a uma melhor abordagem do nosso problema e objeto de estudo.
Apresentaremos aqui uma construção teórica onde de fato nos apoiaremos quase que exclusivamente nas técnicas e estratégias do saber-fazer matemático característico dos Mamaindê onde se buscará identificar técnicas de contagem dos nativos, estudos relacionados a vestimenta, alimentação, enfeites corporais, ferramentas de trabalho, técnicas de construção de suas habitações, suas relações com a fitoterapia, meios, equipamentos e estratégias utilizados para orientação na mata e na água por ocasião de caçadas e pescarias.
Propomos na sequencia uma melhor abordagem do objeto de estudo que é debater a profunda e confusa Relação existente entre o saber-fazer indígena e o ambiente escolar formal sempre buscando um enfoque matemático. Que pretendemos estudar no sentido de deixar uma contribuição baseada em nossas experiências para a eterna construção dos estudos antropológicos muito explorados na Educação Matemática como Etnomatemática.
Esperamos ainda, futuramente deixar um contributo para a melhoria da qualidade do ensino prestado nestas comunidades e indiretamente com diversos outros fatores que pretendemos lançam mão durante os trabalhos de construção e apropriação de dados, observação e entrevistas junto ao povo Mamaindê. Num sentido amplo, permeando a Legislação vigente atualmente, mesmo com alguns avanços Normativos a favorecer o processo de ensino aprendizagem em aldeias, constatações de cenários alarmantes de limitação de infraestrutura básica que vão além de questões de ordem formativa que interferem diretamente no bom aprendizado dos indígenas que estudam lá e dependem disso para combater sua própria exclusão social.
A Aldeia da tribo Mamainde Cabixi situa se no município de Comodoro - MT entre Vilhena e Colorado do Oeste (≈60 km) no distrito de Nova Conquista no cone sul de Rondônia com coordenadas geodésicas S – 13º12‟37,33” e W – 60º18‟47,35”. Consta de mais de 48 membros na tribo identificados.
Se recortarmos simples do Google Earth é possível traçar um comparativo preliminar acerca da distancia terrestre. Aproximadamente a 50 km de altitude vemos claramente o traçado da RO 399 (atual BR 435) por onde, para acessar a aldeia, nos deslocamos do município de Vilhena – RO até a localidade Nova Conquista – RO, ainda município de Vilhena por onde acessamos estrada vicinal por aproximadamente 40 km até chegar ao Rio Cabixi principal via de acesso à aldeia.
Atravessando o rio Cabixi está a rodovia MT 440 que liga os municípios de Vilhena – RO a Comodoro – RO, nossa via de acesso à aldeia durante 9 (nove) meses do ano sendo exclusivamente por água. A distância entre a ponte do Rio Cabixi e a aldeia é de aproximadamente 35 km acompanhando demarcações do Satélite.
O Rio possui pouco mais de 50 metros de leito, em período de seca o rio tem aproximadamente trinta metros de largura em média, em períodos das águas, dadas as características da região de vale e tortuosidade do Rio não é possível precisar pelo fato da região toda próxima ao rio ficar alagada deixando este em alguns pontos com mais de 200 metros de largura. Ao lado da ponte sobre este rio ha uma entrada com vegetação desgastada; trata se de um local, aproximadamente 70 metros da estrada margeando o leito, que serve como embarcadouro para os agentes da Secretaria de Saúde indígena (SESAI), Secretaria de Educação de Rondônia (SEDUC) e demais pessoas deixarem seus veículos quando dirigem se a aldeia.
O solo é predominantemente arenoso que e em pontos isolados nas proximidades da aldeia totalmente argiloso, liso e sem a presença de areia. Há também um embarcadouro à esquerda da Ponte, os dois pontos de embarque não possuem qualquer estrutura fixa de madeira ou concreto somente vegetação rasteira com solo argiloso nos locais de embarque.
Já nos limites da aldeia há um caminho de aproximadamente 200 metros entre o desembarcadouro e as construções, esta região fica submersa por vários meses do ano, é possível destacar da fala de moradores que, em época de chuvas intensas, a agua já adentrou aos limites da aldeia por várias vezes.
A distância entre o desembarcadouro e o centro da aldeia é de aproximadamente 400 metros, é possível destacar que em períodos de cheia o pequeno porto é transferido para a região ao lado das residências a aprox. 30 metros. As características de solo da região são resultado de décadas de formação de bancos de areia. Paralelamente aos limites da aldeia e quase que perpendicularmente ao leito do rio há um igarapé onde é possível encontrar vegetação bastante densa e mata fechada, os índios o utilizam para lavar roupas, banhos, beber, etc...
É perceptível nos sete pontos de habitações da aldeia que todas possuem características bastante comuns, não se preserva o habito da construção de ocas e malocas para usos permanentes, as residências existentes ainda hoje são construídas de tabuas de madeira tiradas da mata da própria aldeia cortadas em motosserra e cobertas com telhas de amianto. Segundo o Cacique Paulo Eduardo Mamaindê
...é muito cansativo ficar fazendo as malocas e mudando todo ano e a gente não tem muita palha de buriti por aqui, aí as casas de madeira aguentam muito mais aí as malocas a gente faz só nas épocas que tem que prendê a menina moça ali no centro [destaque nosso: a festa da menina moça é tradicional e a habitação feita para a reclusão da menina ou das meninas é sempre no centro da aldeia seguindo tod os os preceitos tradicionais] e aí, depois da festa e dos parente irem embora, a gente já tira. (gravação realizada em 11/02/2014, dados do autor[6])
As construções que servem de habitação para as famílias constam de aproximadamente 8 metros de largura e 10 de comprimento, com apenas uma porta e sem janelas, característica da maioria das habitações, que possui ainda uma divisão interna apenas que a divide em duas partes dimensionalmente semelhantes.
Não é possível afirmar que os Mamaindê Cabixi abandonaram por completo o uso de construções rusticas de palha, porém, a realidade atual aponta para outros tipos de habitações e neste sentido as construções de palha quando utilizadas são agregadas às residências como cozinha externa da casa, à frente da porta ou ao lado, sempre coberta de folhas de Buriti (espécie de palmeira encontrada com fartura na região).
Os formatos são os mais variados possíveis, exemplificaremos 1 em particular que possui raio de aproximadamente 2,5 metros em formato octogonal com altura total de aproximadamente 3 metros, sendo que a altura da cobertura é de aproximadamente 1,2 metro e a parte aberta inferior pouco menor que 1,80 metro, destacando que tais alturas são determinadas conforme o tamanho dos moradores, geralmente para determinar a altura a partir do chão onde começam se a colocar as palhas é adotada a altura do dono com o braço levantado (sem a preocupação em associar isso a uma outra unidade de medida).
É possível verificar que há uma disposição geométrica das vigas para sustentar a construção assim como existem diferentes técnicas de corte, montagem, dobragem, fixação e maturação das folhas de palmeiras que recobrem a choupana, detalhes estes que serão melhor abordados por ocasião das observações que faremos acerca das técnicas e saberes matemáticos desenvolvidos e empregados pelos Mamaindê Cabixi em estudo posterior.
Os limites territoriais das regiões reconhecidas como de domínio dos Nambiquara estão intrinsecamente relacionados com as limitações de navegabilidade dos rios, podendo indicar que os obstáculos aquáticos foram fatores determinantes na ocupação desta região durante os séculos XVIII, XIX e XX, mesmo com sérias limitações quanto aos recursos da época o Antropólogo David Price no início da década de 70 conseguiu elaborar um mapa aproximado da região.
De acordo com nossas pesquisas, até o momento a primeira ocasião em que os índios Cabixis (Cavihis) foram contatados nesta região por meio dos registros etnográficos do Capitão Antonio Pires de Campos publicados em 1862, foram na forma como segue;
Todos os rios por d‟onde habitam os Parecis, e todos mais que não posso nomear correm as suas águas para o Gram-Pará e d‟esta chapada indo para baixo também habitam outras nações que confinam com o Gram-Pará. Os do fronteiro chamam se poritacas, estes visinham com outra nação chamados Cavihis, estes vivem de andar a corso matando gente para seu sustento e com a mesma carne criam seus filhos, por cuja causa são muito temidos, (...), como foi no ano de 1727 no sertão dos Cavihis, entrando em uma aldeia, cujos moradores andavam a corso, dando nos um grande fétido que se não podia suportar, entrando nas casas que eram boas achamos n‟elas muitas vasilhas cheias de carnes humanas, que tinham a apodrecer para fazerem seus vinhos e mais guisados de que usam: achamos as casas por cima esteiradas de páos, e n‟aquelles sobrados muitas caveiras, canelas e mais ossos de corpo humano, o que guardam aqueles bárbaros para seu timbre, porque quem mais ossada tem mais honra adquire entre aquela gentilidade, e andando e observando estas e outras cousas semelhantes. (CAMPOS, 1862, p. 445-446)
Na redação o autor destaca contato anterior ocorrido em 1727 onde pode presenciar um tipo de alimentação a base de carne humana, já descrito em outros documentos e que convergem com o que nos foi declarado também pelo atual Cacique dos Mamaindê Cabixi acerca dos antigos costumes de seus ancestrais sobre se alimentar de carne humana e constituindo inclusive hierarquia entre os guerreiros mais bravos da nação o numero de crânios cultivados.
Os Nambiquara originalmente ocuparam as terras do noroeste do Mato Grosso vivendo numa área de aproximadamente 5 milhões de hectares, sendo que foram documentadas no início de 1900 pela comissão Rondon estimativa de 20 mil índios, com as atuais observações é possível verificar que o grupo dos Nambiquaras que originou os Mamaindê já não preservam os modelos de casa (sisu) provisória usada em viagens como naquele tempo o faziam. Também não é possível verificar mais o habito Uaicoacorês[7] documentado por Rondon em 1922.
Os contextos históricos que possibilitaram o estabelecimento dos atuais Cabixis está fortemente relacionada segundo Metraux (1942) com os Parecis, a miscigenação entre os dois grupos fica claro para o autor quando aponta uma relação de hierarquia entre os grupos.
The northern groups of Paressi, however, regarded the Paressi-Kabishi as an inferior Branch of their nation. Some pure blooded Paressi were attemping by ruse or by force to establish their predominance over the Paressi-Kabishi communities.(METRAUX, 1942, p.161)
No entendimento dos dados deste autor, os Parecis do Norte miscigenados aos Cabixis são considerados raça não “puro sangue” e neste sentido seriam inferiores e não aceitos em todo o clã Pareci. Com tais elementos aos poucos construímos a teia da origem dos Mamaindê que ainda hoje vivo tem como patriarca um membro Parecis que embora a pouco tempo resida na aldeia Cabixi é nativo Parecis e pai de 5 filhas da Matriarca Mamaindê dona Ana de origem reconhecidamente Cabixi, que teve sua família dizimada por inimigos Parecis e Nambiquaras aliados ao Sarampo e malária[8].
De acordo com dados de Metraux, por astucia ou por meio de lutas mortais os Parecis se estabeleceram junto aos Cabixis que ainda segundo o autor “The Kabishi had no blowguns and went naked”(METRAUX, 1942, p.153) além de lutarem nus, alimentavam se de seus oponentes e não usavam zarabatanas.
A construção da BR 364 na década de 60 que liga até hoje Cuiabá a Porto Velho dividiu praticamente ao meio o território Nambikwara. E nesta mesma leva vários empresários vindos no mesmo passo implantaram industrias madeireiras e grandes fazendas de gado. A região do Vale do Rio Guaporé onde moram até hoje os Mamaindê foi invadida mais agressivamente com apoio e consentimento do governo federal, na mesma época ocorreram manobras que deixaram isso muito claro, em 1966 foi criada a SUDAM Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia, foi aprovada ainda neste ano o Plano de valorização da Amazônia e a Lei 174 de 27/10/1966 que previa auxilio imediato àqueles que quisessem se deslocar de outros lugares do pais para investir em agricultura, extração mineral, vegetal e principalmente na pecuária. Além da extinção do SPI – Serviço de Proteção ao Índio em 1967.
Por interesses governamentais a reserva indígena que lhes pertencia historicamente foi remarcada por decreto pegando somente áreas de cerrado e chapada dos Parecis deixando regiões do vale para grandes latifundiários em 1968, pouco mais de uma semana depois da remarcação a própria FUNAI recém fundada já emitia laudos atestando que nas regiões do vale já não haviam mais índios. Muitos índios morreram com tal transição por terem que ir para região onde não havia alimentos, de clima diferente além de ser habitat de outros grupos inimigos, no cerrado e na Chapada dos Parecis, tem se registros de que 1974 muitos grupos já haviam retornado para a região de origem no Vale do Guaporé, mas ao chegarem, geralmente doentes, os fazendeiros agora residentes negavam atendimento.
Estas terras da região do Vale do Guaporé só foram oficialmente homologadas no ano de 1985 e mais tarde registradas oficialmente em cartório. A partir daí, este povo voltou a crescer formando novas aldeias e ramificando se em novos subgrupos linguísticos. Nesta época, os grupos Nambikwara identificados foram de 28 diferentes grupos que, entre si, organizavam a divisão de suas próprias terras, entre eles os Mamaindê.
De uma maneira pouco rigorosa mas, fiel aos escritos de Roquette-Pinto (1910 a 1912) é possível destacar as limitações do território Nambikwara, segue desde a região do Rio Pimenta pelo Rio Guaporé descendo até o Rio Sararé já em Vila Bela-MT, seguindo seu contorno pela chapada dos Parecis em linha reta, acompanhando o curso do Rio Juína e subindo em direção ao norte passando pelo Rio Formiga limitando se com o curso do Rio Papagaio no vale do Juruena, subindo até a foz do Rio Papagaio e Rio Juruena confrontandose com território dos Índios Salumã, dirige-se para oeste cortando o que hoje é a BR 174 na altura do cruzamento com o Rio Tenente Marques, sobe-se o rio até confrontação com o território Cinta Larga seguindo para oeste, atravessando o Rio Roosevelt passando pelo Rio Comemoração no sentido sudoeste até encontrar, novamente, com o Rio Pimenta e Guaporé.
A maioria dos nativos já teve contato com a civilização, recebem auxilio de saúde dos órgãos competentes da região e alguns desses índios tem contato frequente com o meio externo, o caso das lideranças por exemplo. Seu principal meio de locomoção é o barco, por rio, e caronas em veículos da FUNAI, SESAI e visitantes entidades ou pessoa física, que os transportam para as cidades mais próximas quando necessário, pois os mesmos não possuem automóvel.
A Professora Maria Aparecida Mamaindê, educadora indígena de séries de alfabetização, esposa do Cacique Paulo Eduardo Mamaindê manifesta sua preocupação já no primeiro momento de contato dizendo que um dos motivos de terem concordado com o nosso contato foi a necessidade de uma maior valorização de sua língua e cultura, sem suas palavras.
Professor, assim, a gente se preocupa muito com nossos parentes e com a cultura do nosso povo, tem bastante dança e festa que a gente já não faz mais, boa parte dos nossos meninos vem rejeitando o Mamaindê como língua e querem aprender só o português, tem criança pequena que tem vergonha de fala dos nossos costumes. (gravação realizada em 11/02/2014, dados do autor)
A professora, uma das filhas mais velhas da Matriarca do Clã Mamaindê dona Ana Maria Mamaindê (67 anos) faz apontamentos preocupantes e que mais tarde pudemos constatar por ocasião de preenchimento de planilha de identificação dos índios, onde percebemos que de todos os nativos identificados nenhum deles com idade abaixo de 20 anos lê ou escreve na língua mãe, embora mais de 50% do total tenha declarado compreender quando os mais velhos falam, mesmo não conseguindo falar.
A estatura média dos homens gravita em torno de 162,8 cm enquanto das mulheres em torno de 153,67 cm, sendo que a razão de pessoas do sexo feminino em relação às do sexo masculino é de 1,33. Dada a variabilidade de idades não foi possível identificar um padrão de peso médio entre os sujeitos medidos e pesados.
Existem limitações que podemos considerar calamitosas, como o fato de não haver chuveiro nas dependências da aldeia, somente um igarapé, apenas na manhã do segundo dia de conversações foi possível após uma caminhada por mata fechada em estrada de chão arenoso acessar um chuveiro (frio evidentemente) mas, em condições de nos garantir um banho sem que fosse necessário causar qualquer tipo de contato visual ou de costume mais abrupto para os nativos que naturalmente não tem habito de tomar banho em banheiros e muito menos de ver “brancos” tomando banho.
Foi perceptível o desconforto do Professor Osmar Silveira, educador indígena não indígena que trabalha com séries finais do ensino fundamental na aldeia ao comentar sobre a questão da água na tribo;
eu muitas vezes trago de Vilhena[onde mora] minha água por medo de tomar água daqui pois temos um poço só e nem sempre atende a necessidade de todos, não temos instalação de água na escola nem nas casas e da dó dos meninos[referindo-se a todos os alunos] que muitas vezes tomam a agua do próprio rio sem tratamento nenhum. (gravação em áudio em 11/02/2014, dados do autor[9])
O docente citado leciona na aldeia em períodos de 15 dias sendo intermitentes, ou seja, 2 (duas) semanas por mês, acima ele revela sua preocupação pelo fato de a água consumida ali ser não ser clorada nem fervida, além de existirem fatores químicos, pois a reserva é limitada pelo Rio Cabixi, donde na margem Rondoniense existem várias fazendas que fazem uso de agrotóxicos para realizar controle de cigarrinha pastagem do gado ou mesmo outros venenos para controle de pragas da lavoura, elementos que em maior ou maior quantidade dispersos na água causam por muita indisposição, diarreia e por vezes até vômitos nos infantes.
Buscamos através deste trabalhar o mapeamento e a construção do saber-fazer matemático indígena não no sentido de discretamente “atualizar” a etnia em questão sobre alguns fenômenos, fatores, linguagens e normas do homem branco, mas almejamos sim tratar e lapidar uma metodologia de trabalhado elaborada a partir de fatos e elementos do cotidiano e da cultura dos nativos, e o presente estudo é um dos elementos iniciais e fundamentais para esta construção.
Sejam estes saberes concretos ou não, acreditamos que, posteriormente, esta metodologia possa servir como instrumento de uma aprendizagem matemática voltada a discutir na ótica dos valores culturais intrínsecos ao modo de vida da etnia, mais dinâmica, efetiva, atraente e capaz, de por meio deste saber-fazer, potencializarmos uma política publica centrada em manter o indígena em seu habitat natural e não evadindo se para cidades próximas.
Estamos tratando o objeto do saber-fazer matemático Indígena na perspectiva de compreender como prover uma Educação voltada para a preservação e difusão da língua, cultura, fitoterapia, lendas/espiritualidade, organização social, etc, de maneira que tais elementos possam ser preservados e sirvam de integradores da Sociedade indígena constituída com a sociedade dos “homens brancos”.
Uma vez identificado o saber-fazer matemático em sua prática cotidiana, pode se utilizar o conhecimento detectado na pratica escolar da aldeia e almeja-se que tal utilização propicie uma aprendizagem mais espontânea no sentido da completude e valorização da percepção extraída do contexto onde estão eles inseridos.
Uma vez apropriados tais saberes, propomos uma discussão entre a educação escolar indígena e o aprendizado espontâneo por entendermos e acreditarmos que é possível uma construção teórico cientifica centrado nos saberes Matemáticos emergidos da prática social e relacionada com a historicidade do individuo.
Esta pesquisa será caracterizada de acordo com padrões metodológicos como Pesquisa exploratória que tem como finalidade desenvolver, esclarecer e modificar os conceitos e as ideias coletadas e discutidas dentro das ocasiões agendadas para a pesquisa. De acordo com Gil (2008) a pesquisa exploratória admite uma rigidez moderada no seu planejamento, dando margem a utilização de mais de um instrumento de coleta de dados.
Optamos por adotar estruturação de uma pesquisa Qualitativa e o fato de explorar este método deve-se a sua modernidade e dinamicidade enquanto método e ao “alto grau de precisão nas ciências sociais” (Gil, 2008) que ele oferece no sentido de permitir que ajustemos os instrumentos de coleta de dados ao nível de conhecimento dos indivíduos na forma necessária.
Para esta pesquisa, vamos utilizar um delineamento metodológico de estudo de caso, metodologia que entre suas várias vantagens pode ser vista como estratégia qualitativa de coleta de dados, que segundo Yin (2005, p. 19), é a estratégia preferida quando se colocam questões do tipo “como” e “por que”, quando o pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real.
De acordo com Yin (2005, p. 32), o estudo de caso é um estudo empírico que investiga um fenômeno atual dentro do seu contexto de realidade, quando as fronteiras entre o fenômeno e o contexto não são claramente definidas e no qual são utilizadas várias fontes de evidencia (GIL, 2008, p.58).
Desejamos aqui descrever o comportamento de certo grupo social na era informacional por meio da descrição cultural local a cerca da utilização dos seus saberes na perspectiva da construção matemática, para isso é pertinente que lancemos mão de um estudo de caso do tipo etnográfico que em razão de sua relativização, flexibilidade, requer o uso de observação participante. Para André (2008) a importância do uso desta técnica metodológica é fundamental em pesquisa qualitativa por não alterar o ambiente natural do pesquisado.
A observação é chamada participante quando se admite que o pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação estudada, afetando-a e sendo por ela afetado. Isso implica uma atitude de constante vigilância por parte do pesquisador, para não impor seus pontos de vista, crenças e preconceitos (ANDRÉ, 2008, p.26).
Creswell (2007, p. 32) salienta ainda que o estudo de caso é utilizado como estratégia de investigação quando o pesquisador quer explorar em profundidade um programa, um fato, uma atividade, um processo ou uma ou mais pessoas, no qual serão coletadas diversas informações por meio de vários instrumentos e procedimentos tendo como objetivo principal o levantamento de elementos significativos para a compreensão do fenômeno observando os significados múltiplos das experiências dos sujeitos.
A metodologia utilizada junto aos nativos para a obtenção dos dados da pesquisa foi, a observação participante, apoiada em aportes etnográficos na medida da necessidade interacionista e guiada pela necessidade estruturalista[10], foram feitas entrevistas não estruturadas com algumas lideranças, além de registro fotográfico e áudio visual em ocasiões de contações de histórias e na confecção de artefatos como cestanias.
Pretendemos deixar claro que ao estudar um problema o pesquisador adota o método mais adequado em seu entendimento, para realizar a prática do resgate epistemológico e construção do corpus[11] do estudo, porém, não há parâmetro visível capaz de indicar a este se o método escolhido está em franco processo de crescimento e uso ou esta passando por um processo de degenerescência, e assim o fizemos, buscamos os instrumentos metodológicos que julgamos mais adequados devido a natureza do estudo e às limitações de acesso.
A primeira visita com registro de diário de bordo foi em 10 de fevereiro de 2014 e logo houveram limitações no sentido do registro de dados antropométricos básicos como altura e peso devido a dispersão dos índios pela reserva e ao fato de alguns estarem fora da comunidade por dias, o processo de contato e identificação pesquisador/sujeitos foi desgastante num primeiro momento dada a resistências dos membros em compreender a necessidade da presença do pesquisador na aldeia, mesmo anteriormente já tendo havido reunião e assinatura de termos de consentimento livre e esclarecido por parte das lideranças e boa parte dos demais sujeitos, em torno de 16 adultos o preencheram.
Seja para atender os interesses do Senso comum ou da ciência já estabelecida, o progresso cientifico, como podemos verificar, vem sempre carregado de historicidade dentro da qual o contexto sociológico interfere diretamente nas decisões que levam a adoção do paradigma mais adequado à analise de determinado objeto.
Nestes termos, já é possível verificar abertura no cenário cientifico para discutirmos o desenvolvimento de tema relacionado a maximização dos valores religiosos, históricos e culturais de determinado agrupamento étnico, por onde pretendemos aprofundar nossa discussão acerca da etnociência.
Não temos a pretensão de encontrar as respostas ideais para as indagações acerca da situação atual dos sócio-política dos Mamaindê Cabixi, mas propomos aqui um registro fiel mesmo que breve sobre localização, organização e posteriormente da prática social dos mesmos que possam servir de aporte científico para estudos futuros no sentido de documentar fatos hábitos e saberes culturais do subgrupo e língua Mamaindê Cabixi originários do Vale do Guaporé, mais precisamente do segmento linguístico Mamaindê, da família linguística Nambiquara do norte, do grupo Nambiquara, do tronco linguístico Tupi, nesta ordem de ascendência.
Os conceitos mais ínfimos do saber matemático indígena sugerem uma transvaloração da importância da escrita no papel que ocupa de documentar as sociedades, o verbo traduz a ideia de garantir o não esquecimento de determinada informação, e essa é a nossa noção de escrita e a partir dela é que pretendemos avançar nossos entendimentos acerca do Saber-fazer Mamaindê.
Não há um método mágico para se fazer educação, assim como não há indivíduos educados e não educados (concepção Freireana) o que há sim é um processo constante que pressupõe interação e que pode culminar num maior ou menor domínio dos valores sociais da sociedade estudada, e é neste contexto cabe a discussão entre a matemática escolar e a matemática indígena que versaremos nos nossos próximos estudos.
E do outro uma matemática indígena cercada de valores culturais, muitas das vezes construídas e transmitidas fazendo uso exclusivo de técnicas mentais e verbalizada para desta forma proteger a informação dentro da tribo posto que esta é símbolo de poder, esta matemática, envolta na regionalidade, ensinada em linguagem específica para integrantes da tribo também com uniformidade em sua apresentação, elaborada com as especificidades que o contexto geográfico permite e ensinadas de pai para filho através de exemplos genuínos e comprovados com suas habilidades cognitivas vem provar de maneira contundente que é possível viver e sobreviver sem uma matemática totalmente escrita, fria e presa a regras a tal ponto que muitas vezes não é capaz de traduzir fenômenos simples da natureza.
https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/reamec/article/view/5307 (pdf)