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CONTRIBUIÇÕES DE UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA A PROMOÇÃO DA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA NOS ANOS INICIAIS
Lucimara Fabrício; Leonir Lorenzetti; Alisson Antonio Martins
Lucimara Fabrício; Leonir Lorenzetti; Alisson Antonio Martins
CONTRIBUIÇÕES DE UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA A PROMOÇÃO DA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA NOS ANOS INICIAIS
CONTRIBUTIONS OF A TEACHING SEQUENCE FOR THE PROMOTION OF SCIENTIFIC LITERACY IN THE EARLY YEARS
REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, vol. 8, núm. 3, 2020
Universidade Federal de Mato Grosso
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Resumo: Esta pesquisa objetivou analisar as possíveis contribuições de uma sequência didática para a promoção da alfabetização científica junto aos alunos de uma turma de 5º ano que frequentam uma escola municipal de educação integral e jornada ampliada no município de Curitiba (PR). O método de pesquisa foi de natureza qualitativa, conduzido por intervenção pedagógica. A sequência didática foi planejada com base nos eixos estruturantes de alfabetização científica. A constituição dos dados se deu por meio de diálogos e produção de atividades experimentais desenvolvidas na oficina de Práticas de Ciência e Tecnologia e teve como temática as células. A análise dos dados ocorreu por meio da utilização de três categorias de alfabetização científica, denominadas: funcional, conceitual e processual, e multidimensional. Os resultados mostraram evidências de maior expressão das categorias funcional e a conceitual e processual em relação a multidimensional, ou seja, os alunos conseguiram mobilizar, progressivamente, os conceitos científicos apreendidos para a resolução das atividades experimentais propostas e puderam se posicionar de forma fundamentada frente às discussões promovidas. Concluímos que o uso de sequências didáticas planejadas, a partir dos referenciais propostos, pode potencializar a oportunidade de aprendizagem dos estudantes e incentivar a aplicação dos conhecimentos científicos adquiridos no seu cotidiano.

Palavras-chave: Alfabetização Científica, Ciências, Sequência Didática, Anos Iniciais, Célula.

Abstract: This research aimed to analyze the contributions of a didactic sequence for the promotion of scientific literacy to students of a 5th grade class of elementary school in a county school of integral education and extended hours in the city of Curitiba (PR). The research method was qualitative, conducted by pedagogical intervention. The didactic sequence was planned based on the structuring axes of scientific literacy. The constitution of the data took place through dialogues and production of experimental activities developed in the Science and Technology Practices workshop and had cells as the theme. The data analysis occurred through the use of three categories of scientific literacy, named: functional, conceptual and procedural, and multidimensional. The results showed evidence of greater expression of the functional and the conceptual and procedural categories in relation to the multidimensional, that is, the students were able to progressively mobilize the scientific concepts learned for the resolution of the proposed experimental activities and were able to position themselves in a reasoned way before the promoted discussions. We conclude that the use of planned didactic sequences, based on the proposed references, can enhance the students' learning opportunity and encourage the application of scientific knowledge acquired in their daily lives.

Keywords: Scientific Literacy, Sciences, Didactic Sequence, Elementary School, Cell.

Carátula del artículo

CONTRIBUIÇÕES DE UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA A PROMOÇÃO DA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA NOS ANOS INICIAIS

CONTRIBUTIONS OF A TEACHING SEQUENCE FOR THE PROMOTION OF SCIENTIFIC LITERACY IN THE EARLY YEARS

Lucimara Fabrício1
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Brasil
Leonir Lorenzetti2
Universidade Federal do Paraná (UFPR), Brasil
Alisson Antonio Martins3
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Atua também no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Brasil
REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil
ISSN-e: 2318-6674
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 8, núm. 3, 2020

Recepção: 23 Abril 2020

Aprovação: 19 Julho 2020


1 INTRODUÇÃO

Muito tem se discutido sobre uma necessária renovação do ensino de Ciências em todos os níveis da Educação Básica. A preocupação tem sido objeto de pesquisa em grande parte dos países e apresenta críticas aos problemas enfrentados no cotidiano escolar. Esses problemas atingem grande porcentagem de alunos e alunas que, muitas vezes, não participam de um ambiente escolar que incentive debates e discussões contextualizados e relacionados em torno de temas sociocientíficos e sociotecnológicos. Esses pressupostos estão em sintonia com autores como Lorenzetti (2001), Cachapuz et al. (2011), Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011), Gil-Pérez e Vilches-Peña (2001), Berto e Lorenzetti (2019) e Santos et al. (2006), entre outros, que discutem e apresentam a alfabetização científica (AC) como uma possibilidade para o desenvolvimento da cidadania no contexto da Educação Básica. Essa proposta de ensino e aprendizagem dentro da linguagem das Ciências Naturais visa a apropriação significativa dos conhecimentos científicos e a ampliação do universo de conhecimentos dos alunos. A perspectiva parte da necessidade de uma compreensão crítica do mundo, que possibilite o discernimento e as escolhas conscientes, com vistas a uma melhor qualidade de vida. Entende-se que esse processo educativo, aqui denominado AC, é uma construção que se prolonga por toda a vida. Contudo, ressalta-se que é importante empregar a abordagem desde a fase inicial da escolarização, conforme apontado por Lorenzetti e Delizoicov (2001) e Viecheneski e Carletto (2013).

Nutrindo-se dessas referências, o presente estudo teve por objetivo analisar as possíveis contribuições de uma sequência didática (SD) para a promoção da Alfabetização Científica. O local da pesquisa foi a Escola Municipal CEI Maestro Bento Mossurunga, em uma região periférica do município de Curitiba (PR). A SD teve sua temática relacionada a células e foi aplicada em uma turma de 30 alunos do 5º ano do Ensino Fundamental 1, nas aulas de Práticas de Ciência e Tecnologia[4], no período do contraturno em regime de educação integral de jornada ampliada.

O artigo discorre sobre a proposta, implementação e análise de uma SD elaborada com vistas a aproximar o conhecimento científico com os saberes comuns da realidade dos alunos. Para se refletir sobre o que significa promover a AC para os estudantes dos anos iniciais, procurou-se convergir a construção das atividades desenvolvidas com as ideias apresentadas por Sasseron e Carvalho (2008) sobre os eixos estruturantes da AC e analisar suas potencialidades de promoção de conhecimento utilizando os parâmetros indicadores apresentados por Bybee (1995).

2 OS EIXOS ESTRUTURANTES E OS PARÂMETROS DE ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA

Os eixos estruturantes da AC, propostos por Sasseron e Carvalho (2008), consistem em três pontos que servem de apoio na idealização, planejamento e análise das propostas de ensino. (1) O primeiro eixo refere-se à compreensão básica de termos, conhecimentos e conceitos científicos fundamentais. Ele é importante para que os alunos possam relacionar conceitos com informações e atividades do dia-a-dia. (2) O segundo eixo trata da compreensão da natureza da ciência, assim como dos fatores éticos e políticos que circundam a sua prática. Esse eixo exige reflexões de como as investigações científicas são realizadas e das análises cuidadosas frente às circunstâncias de nosso cotidiano que envolvam a ciência. (3) O terceiro eixo é relativo às relações CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) e como esses fatores se relacionam e afetam a nossa vida.

Um dos grandes anseios relativos à perspectiva da AC é tentar identificar “níveis” de progressão do estudante. Para isso, autores como Shen (1975), Fourez (1994), Bybee (1995) e Bocheco (2011) desenvolveram pesquisas sobre parâmetros que indicam níveis de apropriação da AC. Para este estudo, optou-se pelo trabalho de Bybee (1995), por estar relacionado aos níveis de apropriação da AC, mais especificamente, no contexto escolar. Segundo o autor, existem três dimensões graduais da AC: a funcional, a conceitual e processual e a multidimensional.

Na AC funcional a ênfase está na aquisição e no desenvolvimento de conceitos e vocabulários apropriados para a ciência e a tecnologia, ou seja, de acordo com a idade dos educandos, fase de desenvolvimento, e o nível de educação, os estudantes deveriam estar aptos a ler e escrever passagens que incluem vocabulário científico e tecnológico.

Na AC conceitual e processual os alunos atribuem significados próprios aos conceitos científicos. Aqui o entendimento não se restringe ao vocabulário e ao uso dos conceitos específicos da área, mas trata da apropriação desses conceitos pelos estudantes. Nessa dimensão, os alunos desenvolvem as habilidades e compreensões relativas aos procedimentos científicos, não os dicotomizando em conceitos e produtos.

...] nós temos de ajudar os estudantes a desenvolver perspectivas de ciência e tecnologia que incluam a história das ideias científicas, a natureza da ciência e da tecnologia, e o papel da ciência e da tecnologia na vida pessoal e na sociedade (BYBEE, 1995, p. 29).

Já a AC multifuncional ocorre quando os indivíduos são capazes de adquirir e explicar conhecimentos além de aplicá-los na solução de problemas do dia-a-dia.

Uma das críticas que Bybee (1995) destaca em seu trabalho, é a demasiada ênfase que os docentes de Ciências têm dado para a AC funcional em relação as outras categorias. Priorizam muito o aspecto quantitativo da aprendizagem, isto é, dando valor ao número de conceitos aprendidos e ao vocabulário científico, em detrimento do aspecto qualitativo, isto é, da contextualização desses conceitos e a real atribuição de significados a eles.

3 METODOLOGIA

O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, de intervenção pedagógica. Esse tipo de pesquisa apresenta as seguintes características:

1) são pesquisas aplicadas, em contraposição a pesquisas fundamentais;

2) partem de uma intenção de mudança ou inovação, constituindo-se, então, em práticas a serem analisadas;

3) trabalham com dados criados, em contraposição a dados já existentes, que são simplesmente coletados;

4) envolvem uma avaliação rigorosa e sistemática dos efeitos de tais práticas, isto é, uma avaliação apoiada em métodos científicos, em contraposição às simples descrições dos efeitos de práticas que visam a mudança ou inovação (DAMIANI et al., 2013, p. 7).

Para esses autores, as pesquisas de intervenção pedagógica são “investigações que envolvem o planejamento e a implementação de interferências (mudanças, inovações) - destinadas a produzir avanços, melhorias, nos processos de aprendizagem dos sujeitos que delas participam - e a posterior avaliação dos efeitos dessas interferências” (DAMIANI, et al., 2013, p. 58).

Nesse sentido o trabalho apresenta uma proposta de intervenção pedagógica, materializada por meio de uma sequência didática elaborada de acordo com os eixos estruturantes de AC propostos por Sasseron e Carvalho (2008).

Essa sequência teve como temática as células. A relevância do conteúdo está primeiramente em fazer parte do currículo municipal do 5º ano, e depois na possibilidade que oferece de despertar interesse nos alunos para a compreensão dos fenômenos científicos.

O trabalho pedagógico foi desenvolvido em 16 horas/aula, que aconteceram ao longo de aproximadamente 2 meses. As atividades da SD ocorreram de acordo com o esquema apresentado na Figura 1.


Figura 1
Esquema da sequência didátic
Fonte: Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 98).

A realização das atividades dentro dessas etapas se deu conforme descrito a seguir. (1) O conteúdo a ser trabalhado foi apresentado aos estudantes de forma dialógica, bem como as etapas da SD. (2) Na produção inicial, foi realizada uma avaliação diagnóstica na qual os alunos apresentaram oralmente seus conhecimentos prévios relacionados ao conteúdo. A utilização de perguntas, como elementos disparadores, foi uma estratégia utilizada para conduzir o diálogo. (3) Os módulos representam as atividades desenvolvidas durante as aulas. Nos módulos foram trabalhados os conteúdos e as questões levantadas na avaliação diagnóstica. (4) Na produção final, foi realizado o desenvolvimento prático dos módulos (Quadro 1) e avaliado o desenvolvimento dos alunos por meio de suas participações e avanços demonstrados durante as aulas. Para essa avaliação, houve montagem de portfólios com as atividades realizadas, utilizando: fotografias, registros de atividades, ilustrações e observações.

Quadro 1
Relação dos conteúdos e recursos didáticos utilizados em cada fase.

Fonte: dados da pesquisa.

Apresentamos a seguir alguns exemplos de atividades que foram trabalhadas em cada módulo e sua descrição a fim de reconhecer suas potencialidades.


Figura 2
Maquete de célula procariótica
Fonte: dados da pesquisa


Figura 3
Maquete de bactérias
Fonte: dados da pesquisa

A fase 1 da sequência didática tinha como foco apresentar uma visão geral da célula. Foram apresentadas aos alunos, de forma genérica, ideias gerais sobre a célula, sua importância e seus tipos: procarionte e eucarionte. Nesse módulo focou-se nas células procariontes, como mostra a Figura 2.

Na fase 2 (Célula Procariótica), os alunos realizaram diferentes atividades. Conheceram os diferentes conceitos e vocábulos envolvendo as partes da célula procariótica e suas funções, relacionando esses seres com sua importância ecológica, com as doenças e com a utilidade no dia-a-dia, conforme consta na Figura 3.


Figura 4
Maquete de célula animal
Fonte: dados da pesquisa


Figura 5
Maquete de célula vegetal
Fonte: dados da pesquisa

Na fase 3 (Célula Eucariótica), respeitando a faixa etária dos alunos e de seu desenvolvimento, os alunos apreenderam que a célula é mais complexa do que somente membrana, citoplasma e núcleo, como geralmente é apresentado nos livros didáticos (Figura 4). Com auxílio de pesquisas, leituras e reflexões de reportagens, eles puderam relacionar doenças às atividades das organelas.

Na fase 4 (Célula Vegetal), foi possível verificar as diferenças entre células vegetais e animais, relacionando as suas diferenças com o que podemos visualizar nas plantas, como por exemplo, os pigmentos (Figura 5).


Figura 6
Desenho de diferentes células humanas
Fonte: dados da pesquisa


Figura 7
Extração de DNA
Fonte: dados da pesquisa

Na fase 5 (Tipos de células no nosso corpo), com o auxílio do microscópio e de lâminas, foi possível visualizar diferentes tipos de células no nosso organismo e foi discutido o porquê de não podermos visualizar as organelas (FIGURA 6). Nessa prática, os alunos puderam conhecer um pouco a história da ciência, especialmente sobre o desenvolvimento e uso dos microscópios e lentes, as contribuições dos cientistas, e foi possível discutir, de forma genérica, como se dá a produção de novos conhecimentos.

Na fase 6 (DNA e testes de paternidade), os alunos aprenderam o que é DNA e fizeram leitura de reportagens sobre teste de paternidade e realizaram discussões e experimentos sobre esse assunto (FIGURA 7).


Figura 8
Bonecos de palitos
Fonte: dados da pesquisa

A fase 7 (Tópicos de genética - diversidade) envolveu a montagem de bonecos de palitos de sorvete (FIGURA 8) com o recorte de diferentes características do nosso corpo. Os alunos puderam, desse modo, perceber a diversidade genética expressa nos seres humanos, assim como nas outras espécies.

Na fase 8 (Jogo “A diversidade”), os alunos participaram de um jogo intitulado “A diversidade”. Através de conceitos e vocabulários científicos apropriados, puderam relacioná-los e internalizá-los de forma significativa e lúdica (FIGURA 9). Nesse jogo, após a apropriação dos conceitos científicos relacionados à Genética, tais como dominante e recessivo, a professora dava os comandos e os alunos deveriam criar um ser vivo de acordo com as características mencionadas (FIGURA 10). Exemplo da figura: sexo XY (macho), antena AA (vermelha), pintas nas asas pp (ausente), cauda CC (alongada) e Dedos Dd (presente).


Figura 9
Jogo “A diversidade”
Fonte: dados da pesquisa


Figura 10
Jogo “A diversidade”
Fonte: dados da pesquisa

A análise dos dados ocorreu por meio da análise de textual discursiva (MORAES; GALIAZZI, 2011), sendo que os parâmetros indicadores de AC propostas por Bybee (1995) foram considerados como categorias a priori.

4 ANÁLISES E RESULTADOS

Ao longo das aulas, percebeu-se, que os alunos apresentaram conhecimentos prévios muito limitados do tema proposto, restringindo-se de um modo geral a um famoso programa de TV, que tem um quadro titulado “Testes de DNA”, mas faltavam conhecimentos sobre células. Como podemos perceber no Quadro 2, no decorrer das atividades foi verificado nitidamente um progressivo avanço sobre esses temas.

Quadro 2
Potencial de AC em cada uma das fases desenvolvidos na sequência didática

Fonte: dados da pesquisa

A seguir, são discutidos os resultados dentro de cada uma das categorias.

4.1 Alfabetização Científica Funcional

No decorrer das atividades propostas, os alunos foram saindo do senso comum conforme adquiriam conceitos científicos e vocábulos apropriados a Ciência e Tecnologia, como, por exemplo, conceitos de DNA, célula, genética; vocábulos como testes de paternidade, doenças bacterianas, diversidade, os nomes científicos, entre outros, como apresentado no Quadro 3.

Quadro 3
Exemplo de elementos que caracterizam a ocorrência de A.C Funcional

Fonte: dados da pesquisa

A categoria Alfabetização Científica Funcional esteve expressa em todas as fases. Essas atividades ocorreram respeitando a idade, a fase de desenvolvimento e o nível de educação dos educandos. Essa aquisição ocorreu de forma gradativa, no decorrer do desenvolvimento dos módulos. Os alunos perceberam que no Ensino de Ciências há palavras específicas, termos e linguagens próprias e em todas as atividades percebeu-se um ganho no número de apropriações desses conceitos e vocábulos. Porém, esse ganho quantitativo de conceitos e vocábulos não é suficiente para a promoção da AC. Aliás, a restrição ao ganho de conceitos e vocábulos caracteriza uma abordagem tradicionalista da educação, que não é o foco deste trabalho. Porém, o acesso a esses conhecimentos é fundamental para que ocorra a ascensão a outros níveis de AC.

Como apontado por Sasseron e Carvalho (2008) é importante a compreensão básica de termos, conhecimentos e conceitos científicos fundamentais, pois são determinantes para compreender e responder a pequenas informações do dia-a-dia.

4.2 Alfabetização Científica Conceitual e Processual

Nesse nível espera-se que os educandos desenvolvam competências, ou seja, que consigam mobilizar os conhecimentos adquiridos, principalmente por meio de conceitos e vocábulos, para relacioná-los com as informações e fatos sobre a Ciência e Tecnologia no seu dia-a-dia. Espera-se que os estudantes possam relatar informações e experiências que unifiquem os campos da Ciência.

Na construção das atividades que visavam atender a essas expetativas, buscamos trazer atividades relacionadas à construção histórica da ciência e às investigações científicas frente às circunstâncias de nosso cotidiano. Quanto à contextualização dos temas da SD com o cotidiano dos alunos, os alunos identificaram como os significados e conceitos apreendidos se expressam na natureza (Quadro 4).

Quadro 4
Exemplo de atividades com ocorrência de AC conceitual e processual

Fonte: dados da pesquisa

Na fase 2, por exemplo, ao estudar as células procariontes, por meio de atividades como, a construção de maquetes, pesquisas na internet, leitura de rótulos e o experimento da produção do iogurte, os estudantes associaram as bactérias dos tipos Lactobacillus e Streptococcus com a função delas na fermentação e textura do iogurte. O mesmo ocorreu para o reconhecimento de suas estruturas com algumas doenças descritas na carteira de vacinação, como o tétano, que é uma doença causada pelo bacilo tetânico, a meningite, causada por uma bactéria tipo coccobacilar, entre outras. O reconhecimento da importância da vacinação foi outro fator muito importante dentro dessa categoria.

Na fase 3, os estudantes confrontaram o funcionamento das células com doenças. A leitura e a reflexão sobre reportagens introduziram os alunos no contexto do conteúdo que está sendo trabalhado. Foi uma atividade limitada, porém atendeu à expectativa de relacionar o estudo de células com doenças que ocorrem devido a falhas genéticas, ou seja, o reconhecimento que a célula é mais complexa do que geralmente aparece nos livros didáticos dos anos iniciais. Outro fator importante foi o reconhecimento de que o mecanismo celular é passível de falhas, e, no caso da leitura da reportagem pesquisada, a falha associava-se à genética dos pais. Aqui e em outras fases ficou claro que as atividades de leitura e materiais que não fossem somente os livros didáticos, como jornais, revistas, músicas, poemas e livros paradidáticos, são importantes instrumentos e estratégias didáticas que auxiliam o professor na mediação dialógica com seus alunos, para que melhor compreendam os assuntos expostos.

Na fase 4 foi possível explorar o porquê de o suco verde ser dessa cor, a partir da identificação de que as células vegetais são diferentes das células animais. No experimento da extração de pigmentos, foi visualizado o reconhecimento da existência de outros pigmentos nas plantas, além da clorofila, bem como suas funções. Já na fase 5, ao examinar no microscópio os diferentes tipos de células do nosso corpo, os alunos estudaram como são feitas as lentes desses equipamentos, sobre a sua história, que abordou desde as primeiras lentes de Galileu até as de Robert Hooke. Essa atividade visou o reconhecimento de que a ciência é uma construção histórica, que depende de fatores como, por exemplo, muitas pesquisas, lançamento de hipóteses, do papel da curiosidade e da criatividade.

As fases 6, 7 e 8, tiveram como objetivo conectar a temática da célula, especificamente a genética, com a expressão de seu conteúdo na natureza, seu fenótipo, como por exemplo, os testes de paternidade que são apresentados diariamente no famoso programa de TV. Destacamos que a ludicidade foi um fator importante para compreender alguns conceitos e tópicos básicos da genética. Essa ludicidade foi crucial diante de um assunto que, nos anos finais e ensino médio, é considerado de difícil compreensão pelos estudantes.

4.3 Alfabetização Científica Multifuncional

Para que ocorra a AC multifuncional, os estudantes devem demonstrar capacidade de adquirir e explicar conhecimentos, relacionando-os ao seu dia-a-dia, e de discernir que a ciência é um processo de natureza antropológica, ou seja, é uma construção humana. Na AC multifuncional os estudantes devem entender as perspectivas da Ciência e da Tecnologia que incluem ideias sobre a história da Natureza da Ciência, suas regras na vida pessoal e na sociedade (Quadro 5).

Quadro 5
Exemplo de atividade com ocorrência de AC multifuncional

Fonte: dados da pesquisa

O Quadro 5 aponta resultados relativos à importância da ciência na vida das pessoas seja ela de ordem econômica, cívica ou tecnológica, bem como a dependência desses fatores entre si. Nas Fases 2, 6 e 8 os alunos compreenderam, mesmo que de forma não aprofundada, visto que são alunos do ensino fundamental 1, que os conhecimentos científicos influenciam a economia, a saúde e a dependência por tecnologia.

Essa categoria expressou um desafio, tanto na elaboração da SD, no reconhecimento das relações CTS, quanto na avaliação dos alunos, pois os estudos nessa área demandam o conhecimento multi e interdisciplinar. Avaliar a expressão de um juízo de valores, principalmente éticos, baseado nesse conjunto de atividades, também representou uma outra dificuldade, principalmente, dada a importância para a formação do pensamento crítico.

5 CONSIDERAÇÕES

Nesse trabalho nos propusemos analisar as contribuições de uma sequência didática sobre células para a promoção da Alfabetização Científica. Ela apresentou alguns resultados positivos dentro de todas as categorias para sinais de promoção da alfabetização científica. Dado a esse cenário, podemos realizar algumas inferências.

A primeiro ponto está relacionado com as vivências dentro de escolas integrais de tempo ampliado. Essa ampliação, num contexto de contraturno escolar, aqui representada na Prática Pedagógica de Ciência e Tecnologia, possibilitou aos alunos acesso a estratégias de ensino e tempo de estudo diferenciado do que geralmente o ensino regular oferece. Os trabalhos em projetos dentro de uma metodologia ativa representam uma constante dialogicidade e cooperação entre os alunos, num cenário de constante investigação, uso da criatividade, respeito a seus pares, entre outros.

A segunda consideração diz respeito à experiência ter possibilitado reconhecer a importância da promoção da alfabetização científica já nos primeiros anos do ensino fundamental. Demonstrou também que sequências didáticas estruturadas dentro dos referenciais propostos podem oportunizar para os estudantes tanto aprendizado, quanto interação na cultura científica e aplicação dos conhecimentos adquiridos no seu cotidiano.

Outro aspecto diz respeito à necessidade de revisão e ampliação do que foi apresentado aqui. Os resultados demonstram que foram atingidas as três categorias, porém não em todas as fases da sequência didática. Pensando, principalmente, na categoria multifuncional, levantamos o questionamento de como trabalhar os conceitos científicos de forma que, já nos anos iniciais, a historicidade da ciência seja considerada, que a ciência deixe de ser vista como elemento neutro e linear, um ensino que fuja dos estereótipos e respeite a natureza da ciência. Outro fator pertinente, refere-se à avaliação. A coletânea de materiais, composta no portfólio por fotografias, registros, entre outros, se mostrou insuficiente. Assim, sugere-se o uso de gravações dos diálogos, o uso da análise discursiva, para melhor compreender o fenômeno estudado, além do uso de mapas conceituais, como proposto por Silva e Lorenzetti (2018).

Concluímos finalmente que, apesar de não atingir completamente todos os propósitos, esse artigo apresenta possíveis caminhos para reflexões de práticas pedagógicas, que assumam um caráter de pedagogia libertadora e que possa tirar os sujeitos do senso comum para dentro do conhecimento científico, filosófico e artístico.

Material suplementar
REFERÊNCIAS
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Notas
Notas
4 As escolas municipais integrais de tempo ampliado de Curitiba são aquelas em que o aluno realiza 4 horas em aulas regulares e 4 horas em período de contraturno escolar. Nesse contraturno são realizados projetos em oficinas em diversas práticas de ensino, sendo uma delas as Práticas de Ciência e Tecnologia.
Autor notes
1 Mestre em Educação Científica, Educacional e Tecnológica pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Professora da Educação Básica na Prefeitura Municipal de Curitiba, Paraná, Brasil. Endereço para correspondência: Rua Capitão Lopes Quintas,198, Alto Boqueirão, Curitiba, Paraná, Brasil, CEP: 81860-090.
2 Doutor em Educação Científica e Tecnológica pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor do Departamento de Química e do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e em Matemática da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atua também no Programa de Formação Científica, Educacional e Tecnológica da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Curitiba, Paraná, Brasil. Endereço para correspondência: Av. Cel. Francisco H. dos Santos, 100 - Jardim das Américas, Curitiba, Paraná, Brasil, CEP: 81530-000.
3 Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor do Departamento Acadêmico de Física e do Programa de Pós-Graduação em Formação Científica, Educacional e Tecnológica da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Atua também no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, Paraná, Brasil. Endereço para correspondência: Av. Sete de Setembro, 3165 – Rebouças, Curitiba, Paraná, Brasil, CEP: 80230-901.

Figura 1
Esquema da sequência didátic
Fonte: Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 98).
Quadro 1
Relação dos conteúdos e recursos didáticos utilizados em cada fase.

Fonte: dados da pesquisa.

Figura 2
Maquete de célula procariótica
Fonte: dados da pesquisa

Figura 3
Maquete de bactérias
Fonte: dados da pesquisa

Figura 4
Maquete de célula animal
Fonte: dados da pesquisa

Figura 5
Maquete de célula vegetal
Fonte: dados da pesquisa

Figura 6
Desenho de diferentes células humanas
Fonte: dados da pesquisa

Figura 7
Extração de DNA
Fonte: dados da pesquisa

Figura 8
Bonecos de palitos
Fonte: dados da pesquisa

Figura 9
Jogo “A diversidade”
Fonte: dados da pesquisa

Figura 10
Jogo “A diversidade”
Fonte: dados da pesquisa
Quadro 2
Potencial de AC em cada uma das fases desenvolvidos na sequência didática

Fonte: dados da pesquisa
Quadro 3
Exemplo de elementos que caracterizam a ocorrência de A.C Funcional

Fonte: dados da pesquisa
Quadro 4
Exemplo de atividades com ocorrência de AC conceitual e processual

Fonte: dados da pesquisa
Quadro 5
Exemplo de atividade com ocorrência de AC multifuncional

Fonte: dados da pesquisa
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