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AUMENTO POPULACIONAL E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL: A CONTA QUE NÃO QUER FECHAR
POPULATION INCREASE AND ENVIRONMENTAL DEGRADATION: THE ACCOUNT YOU DON'T WANT TO CLOSE
Revista Augustus
Centro Universitário Augusto Motta, Brasil
ISSN-e: 1981-1986
Periodicidade: Trimestral
vol. 25, núm. 52, 2020
Recepção: 30 Setembro 2020
Aprovação: 06 Outubro 2020
Resumo: O presente artigo propõe uma reflexão sobre a relação entre crescimento populacional e desenvolvimento sustentável, questionando se o aumento populacional é um dos causadores da escassez de recursos e, consequentemente, um dos problemas que impedem o desenvolvimento sustentável. Discorre sobre algumas das causas constantemente associadas ao alardeado rompimento da estabilidade ambiental em que se encontra o planeta, citando, ainda, seus respectivos efeitos.
Palavras-chave: Causas, Consequências, Estabilidade Ambiental, Rompimento.
Abstract: This article proposes a reflection on the relationship between population growth and sustainable development, questioning whether the population increase is one of the causes of the scarcity of resources and, consequently, one of the problems that impede sustainable development. It discusses some of the causes constantly associated with the vaunted disruption of the environmental stability in which we find the planet, naming also their effects.
Keywords: Causes, Consequences, Environmental Stability, Disruption.
1 INTRODUÇÃO
A Revolução Industrial (1760) foi um divisor que provocou mudanças radicais nas relações de produção ao inserir processos de manufatura até então inéditos, dar início à produção de bens em massa, diminuir os preços dos produtos e aumentar o consumo. Sua característica principal está no fato de que, pela primeira vez de que se tem conhecimento, máquinas passaram a fazer parte do processo produtivo, substituindo métodos de produção artesanal.
Este marco temporal foi o ponto de partida para mudanças sentidas até os dias de hoje ao redor do globo, tais como a mecanização produtiva, o aumento populacional em virtude de melhores condições de vida, o desenvolvimento tecnológico e social etc. Mas, obviamente como ocorre em qualquer processo de mudança, a Revolução Industrial também trouxe problemas que apenas nas últimas décadas começaram a ser percebidos, bem como devidamente debatidos e enfrentados.
O primeiro problema que se percebeu foi a transformação ocorrida na relação do homem com a natureza:
A prática do homem frente à natureza passou por diversas esferas durante o próprio desenvolvimento da estrutura da sociedade, passando por considerações místicas até configurações materialistas (DUARTE, 1986). No processo de utilização dos recursos naturais, guiado principalmente pelo trabalho, o homem deixou um rastro de destruição em grande escala, apresentando grandes casos de degradação ambiental. A forma como a natureza é categorizada, servindo como base utilitária para a satisfação humana maximiza a sua exploração, sem uma gestão a nível nacional satisfatória, ampliando o descaso ambiental. (CIDREIRA-NETO; RODRIGUES, 2017, p. 142).
O homem estabeleceu com a natureza uma relação que, de acordo com o ponto de vista de alguns pesquisadores, coloca todo o planeta em risco, visto que a crença de que os recursos naturais se renovariam continuamente já está mais do que refutada. O uso indiscriminado destes recursos, como a água, por exemplo, causou impactos ambientais e desequilíbrio no ciclo vital. O desequilíbrio levou espécies da fauna e da flora à extinção, e até mesmo populações mais fragilizadas desapareceram quando o seu habitat natural entrou em risco.
O homem utiliza os recursos da natureza de forma exploratória, sem a projeção dos problemas que essa atitude pode ocasionar, gerando problemas de caráter social e/ou ambiental, podendo apresentar seus efeitos rapidamente ou em grande escala de tempo. Locais de descaso (baixa relevância) ambiental são ocupados por grupos marginalizados pela sociedade, resultando em precárias condições de moradia, assim como a exclusão dos grupos que vivem nesses locais. (CIDREIRA-NETO; RODRIGUES, 2017, p. 142).
O segundo problema se relaciona ao crescimento populacional, um tema polêmico que suscita discussões em diferentes campos do saber. Se antes a população mundial não era um fardo para o planeta, seu crescimento geométrico[1] tornou-se uma questão a ser tratada com enorme cuidado.
Como alimentar os habitantes de toda a Terra sem exaurir suas lavouras e sem causar a extinção de inúmeras espécies de animais? Ademais, como sustentar o aumento qualitativo nas condições de vida da humanidade se muitos recursos utilizados para esse fim já estão perto de seu esgotamento, existindo cálculos de que seria necessário aproximadamente um planeta e meio em recursos naturais para mantermos a capacidade de regeneração da Terra?
Segundo dados da Global Footprint Network(MATSUURA, 2018), a partir de 1º de agosto de 2018 a Humanidade entrou em déficit com o planeta, ou seja, o consumo nesse dia superou o que o planeta seria capaz de renovar em recursos naturais por um ano, fazendo com que a população começasse a usar os recursos que somente deveriam ser utilizados a partir de 1º de janeiro de 2019. Funciona como um cheque especial, você usa mais dinheiro do que tem disponível em sua conta e entra em débito com o banco, mas, em algum momento, é preciso que esse débito seja pago ou você será processado para quitar sua dívida. O planeta não tem como processar juridicamente a humanidade, resta saber como será feito esse acerto de contas, levando em consideração que "You cannot negotiate with nature"(THE ECONOMIST, 2009 apud CAVALCANTI, 2018).
No ano de 2018, 1,7 planetas Terra eram necessários para poder sustentar os níveis de consumo da população. Esse número foi obtido considerando a pegada ecológica da humanidade, cálculo usado para medir a quantidade em área de terra e água que se precisa para sustentar uma população humana em relação à capacidade da biosfera de se regenerar. (MATSUURA, 2018).
Entretanto, não obstante não se possa negar a relativa veracidade deste alerta que vem sendo constantemente mencionado pela mídia, é possível imaginar que talvez exista um acordo por parte de uma classe política com alguns dos principais estudiosos sobre o tema, no sentido de que a solução definitiva do problema deve se apoiar sobre o combate aos efeitos e não propriamente sobre as inúmeras causas primárias que conduzem (e historicamente vêm conduzindo) à origem do problema, dentre elas o já citado crescimento populacional.
Este artigo pretende fazer uma reflexão sobre a relação entre crescimento populacional e desenvolvimento, questionando se o aumento populacional é um dos causadores da escassez de recursos e, consequentemente, um dos problemas que impedem o desenvolvimento sustentável.
2 CRESCIMENTO POPULACIONAL: O VILÃO AMBIENTAL?
No documento “A transformação do nosso mundo: a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável” constam os novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que resultaram de negociações entre diversos governos, entre eles o Brasil. O conceito de desenvolvimento sustentável define o desenvolvimento que é capaz de atender às necessidades da sociedade sem comprometer o suprimento dessas necessidades às futuras gerações. A Agenda 2030 é importante porque, pela primeira vez, são reunidas dimensões para o desenvolvimento sustentável que até então foram pensadas separadamente: econômica, social e ambiental. É preciso se considerar que aspectos econômicos (atividades produtivas), sociais (população) e ambientais (desenvolvimento sustentável), por sua interdependência, formam um todo complexo e devem ser analisados em conjunto.
A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo em 1994, diz no parágrafo 1.2 de seu relatório:
O mundo passou por mudanças de longo alcance nas duas últimas décadas. Progresso significativo foi feito em muitos campos importantes para o bem-estar do homem, mediante esforços nacionais e internacionais. Entretanto, os países em desenvolvimento ainda enfrentam sérias dificuldades econômicas e um ambiente econômico internacional desfavorável, e aumentou em muitos países a quantidade de pessoas que vivem em estado de pobreza absoluta. Muitos dos recursos básicos de que dependerão as gerações futuras para sua sobrevivência e bem-estar estão sendo exauridos em todo o mundo, intensificando-se a degradação ambiental levada a efeito por sistemas não sustentáveis de produção e consumo, por um crescimento demográfico sem precedente, por uma pobreza generalizada e persistente e pela desigualdade social e econômica. Problemas ecológicos, como a mudança global do clima, em grande parte produzida por sistemas não sustentáveis de produção e consumo, somam-se às ameaças ao bem-estar das futuras gerações. (PATRIOTA, 1994).
No ano de 2017, segundo dados do Banco Mundial, o planeta Terra alcançou a marca de 7,53 bilhões de habitantes. Saber qual o número máximo de habitantes que o planeta é capaz de suportar não é uma conta tão simples de se fazer, isso depende de diferentes condicionantes sociais, econômicos, éticos, etc.
Saber quantas pessoas o planeta suporta depende do padrão de vida adotado pela população. Se calcularmos a partir de populações que consomem poucos produtos industrializados e, como consequência, pouco lixo descarta no planeta, teremos um número. Mas se fizermos esse cálculo considerando o número de pessoas que vivem no ambiente urbano e que, segundo dados das Organizações das Nações Unidas (ONU), será de dois terços da população mundial até o ano de 2050, chegaremos a um número preocupante. "Cerca de metade da população mundial (55%) vive atualmente em centros urbanos e, para 2050, estima-se que cerca de dois terços (68%) de todas as pessoas residam em áreas urbanas", afirmou John Wilmoth, diretor de divisão do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas. (WILMOTH, 2014).
O tamanho ideal da população depende da maneira como os seres humanos produzem os bens que irão ser consumidos, e qual o impacto que produção e consumo provocam no meio ambiente. Logo, podemos considerar que quanto maior a população, mais escassos serão os recursos pelos quais ela irá disputar e maior o número de bens produzidos para consumo. De acordo com a imagem 1, até o ano de 2050 a previsão, a partir de dois cenários distintos, é de um aumento populacional que fará com que os recursos sejam cada vez mais escassos. No cenário otimista a população mundial passará de nove bilhões de habitantes, no pessimista, de dez bilhões. Esses números somados ao fato de que, para a ONU, dois terços dessa população estarão residindo em áreas urbanas, traça um cenário inquietante. "Gerir áreas urbanas tem-se tornado um dos desafios mais importantes do Século XXI. O nosso sucesso ou fracasso na construção sustentável das cidades vai ser o principal fator de sucesso da agenda da ONU pós 2015". (WILMOTH, 2014).
Thomas Malthus já previra, em seu “Ensaio sobre o Princípio da População” (1789), que o crescimento do número de habitantes no planeta seria superior à capacidade de produção de alimentos, gerando uma situação que somente poderia ser remediada com um severo controle demográfico.
O debate sobre população e desenvolvimento teve início antes dos escritos de Thomas Malthus e começou de forma otimista, impulsionado pelas esperanças iluministas que apostavam todas as suas fichas no progresso (ou, nos termos atuais, desenvolvimento). Considerado o grande mentor da ciência econômica moderna, Adam Smith escreveu em 1776, na sua obra que explica como as nações ficam ricas, que "O marco mais decisivo da prosperidade de qualquer país é o aumento no número de seus habitantes" (SMITH, 1983, p. 56). Esta visão positiva do crescimento populacional fez parte do pensamento político do iluminismo e da economia clássica. Pensadores como o marquês de Condorcet e William Godwin - precursores do pensamento demográfico - tinham uma visão favorável do crescimento econômico e populacional. David Ricardo, influente economista inglês do início do século XIX, também via com bons olhos o crescimento demo econômico, considerando o desenvolvimento uma variável independente e a população uma variável dependente. Neste debate ocorrido no início da modernidade, a grande voz destoante veio de um pastor da Igreja Anglicana, que representava os interesses dos proprietários de terra contra os interesses dos trabalhadores e da burguesia nascente e defendia os princípios do antigo regime monárquico (aristocracia absolutista) contra a República e o Estado de Direito. Thomas Malthus formulou uma suposta lei de população para argumentar que a humanidade jamais seria capaz de promover o desenvolvimento econômico, reduzir a pobreza e as taxas de mortalidade e aumentar a qualidade de vida das pessoas. Para Malthus, o desenvolvimento econômico seria inviável historicamente, pois a população, sendo uma variável independente, tendia a crescer sempre acima da disponibilidade dos meios de subsistência, o que inviabilizaria qualquer tipo de progresso social. (ALVES, 2014, p. 220).
Segundo Lima (2013), a teoria Malthusiana, basicamente, se apoia em dois alicerces: o crescimento demográfico não está imune aos problemas sociais; o progresso técnico não é suficiente para eliminar a crise social gerada pelo excedente populacional, logo, são necessários mecanismos de controle social. Embora Malthus tenha escrito na segunda metade do século XVIII, no período do pós-guerra do século XX – em consequência das mudanças ocorridas nos centros urbanos como novos conhecimentos científicos, alteração nas condições de vida, saúde pública, que contribuíram para a diminuição das taxas de mortalidade e o aumento demográfico –, surge o movimento neomalthusiano (“neomalthusianismo”), que passa a teoria por uma revisão, como as de Paul e Anne Ehrlich (1974), Rachel Carson (1969) e Garrett Hardin (1967). Mas seu entendimento central se mantém, ou seja, o aumento demográfico aumenta a demanda industrial e isso vai atingir diretamente os recursos naturais. (LIMA, 2013).
As contribuições de Thomas Malthus referentes às leis da população, meios de subsistência e de controle social ainda impulsionam estudos acadêmicos, pesquisas cientificas e até políticas públicas, inclusive relacionadas ao meio ambiente e à sustentabilidade. Para essa corrente, na tentativa de satisfazer as necessidades vitais e materiais da população mundial, fica prejudicado o equilíbrio dinâmico da biosfera, por esse motivo seriam necessários mecanismos de controle demográfico com vistas à redução do consumo, que refletiria em menor produção industrial. (LIMA, 2013).
O diretor da Iniciativa em Pesquisa Populacional, da Universidade do Estado de Ohio, John Casterline, no mesmo sentido, adverte que “a crescente população (global) vai exacerbar problemas já existentes, como a degradação dos recursos naturais” (O GLOBO, 2011), informando, de forma complementar, em conjunto com os mais diversos especialistas em crescimento populacional que, nos últimos 20 anos, muito pouco foi investido em planejamento familiar, ressaltando, por conseguinte, a urgente necessidade de se investir mais recursos no controle do número de nascimentos, especialmente nos países em desenvolvimento.
A própria ONU, no relatório editado pelo seu Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e publicado em 2019, relembrando da criação desse Fundo, permite interpretar que ela reconhece que a expansão demográfica teria que ser controlada, ao defender o maior acesso das mulheres a métodos contraceptivos, ao planejamento familiar e à educação, com o discurso, o qual não se está questionando, da autonomia das famílias para decidirem sobre o momento de ter filhos.
Era o ano de 1969. A população mundial chegou a 3,6 bilhões, um aumento de cerca de 1 bilhão de habitantes em apenas 17 anos. As taxas de fecundidade em todo o mundo naquela época eram quase o dobro do que são hoje. Nos países menos desenvolvidos, a fecundidade era de cerca de seis nascimentos por mulher. A bomba populacional, obra de Paul Ehrlich, lançada no ano anterior, incitou um pânico global sobre a “superpopulação”, que o autor previu que levaria à fome em massa e a um “planeta em extinção”. Foi nesse contexto que o UNFPA foi criado para assessorar os países em desenvolvimento sobre as implicações sociais e econômicas do crescimento populacional e para oferecer apoio aos programas nacionais de população, os quais começaram a distribuir contraceptivos em uma escala sem precedentes. (KANEM, 2019, p. 4).
Ainda assim, a mesma UNFPA, em aparente contradição, deixa claro ser contra a imposição de uma consistente política de controle populacional, posicionando-se a favor da decisão quanto ao número de filhos continuar sendo um direito inalienável de cada mulher.
Desde a sua criação, em 1969, o UNFPA liderou um esforço multilateral para ajudar as mulheres nos países em desenvolvimento a navegar em um cenário instável de barreiras aos seus direitos reprodutivos. Esse esforço ganhou novo ímpeto e inspiração em 1994, quando 179 países se reuniram no Cairo para a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento e elaboraram um plano para o desenvolvimento sustentável baseado nos direitos, nas escolhas individuais e na conquista da saúde sexual e reprodutiva para todos. Esse plano, incorporado em um Programa de Ação, não apenas revitalizou o movimento global em prol dos direitos reprodutivos, mas também posicionou o UNFPA como o guardião do movimento. (KANEM, 2019, p. 4).
Sempre há um demógrafo a nos alertar sobre os supostos riscos inerentes a uma política de planejamento familiar (com a consequente alteração da pirâmide etária), mas não propriamente sobre as terríveis consequências de uma total ausência de uma mínima preocupação (e consequente ação) a respeito do tema.
Será justo manter bilhões de indivíduos da espécie humana, enquanto desaparecem os rinocerontes, os leões, os leopardos, os elefantes, as girafas, os gorilas, os tigres, os ursos polares, as abelhas, etc.? Será justo aumentar o asfalto e o cimento das cidades e do campo enquanto as áreas de floresta são transformadas em monoculturas e desertos e a defaunação se espalha pelo mundo? Será justo manter o alto padrão de vida humana enquanto os rios urbanos são enterrados vivos e transformados em esgotos e as fontes de água potável são monopolizadas por uma elite ou poluídas, sendo que o processo de acidificação e eutrofização ameaça todas as formas de vida aquática? Não há muitas alternativas viáveis: ou a população de 7,5 bilhões de habitantes, em 2017, abandona o modelo “Extrai-Produz-Descarta” e constrói um sistema de produção e consumo mais amigável ao meio ambiente ou o fluxo metabólico entrópico vai reduzir as atividades antrópicas por meio de um colapso ecológico. O fato é que o volume da população atual multiplicado pelo consumo médio global é incompatível com a capacidade de carga do Planeta. (ALVES, 2018).
Nesse sentido, não nos parece plausível cobrar um verdadeiro sacrifício de todos sem qualquer contrapartida com uma política global de planejamento familiar (e correspondente controle de natalidade) que permita, no longo prazo, verdadeiramente restabelecer o equilíbrio ambiental desejado (potencialidade de oferta de recursos planetários versus consumo quantitativo e qualitativo projetado), como uma possível tentativa de debelar os riscos ambientais que supostamente ameaçam a própria sobrevivência da espécie humana em longo prazo.
John Sulston, chefe do comitê de especialistas que produziu o relatório People and the Planet, no qual se recomenda a necessidade de se tomar medidas para conter o crescimento demográfico e o consumo excessivo, em entrevista concedida a Claudio Angelo (2012), foi questionado sobre o porquê de trazer esse tema para discussão, visto que muitas vezes os países pobres creem que o controle populacional é uma invenção dos países ricos para poder cerceá-los.
Bem, estamos dizendo que a combinação entre população e consumo é importante. E por que agora? Bem, porque os efeitos da população combinados com os do consumo estão ficando mais visíveis. A mudança climática, por exemplo, hoje é muito clara, coisa que não era há 20 anos, embora os modelos previssem que ela ocorreria. Nós também temos muita noção da taxa de extinção das espécies, que não tínhamos medido antes. O uso de nitrogênio mundo afora está poluindo estuários e causando algumas dessas extinções, e assim por diante. E essas tendências vão continuar se nós não fizermos nada. Quando começamos a analisá-las, chegamos a essa resposta de que nós não devemos olhar só para a população, mas tampouco deveríamos considerar apenas o consumo. Afinal, se tivéssemos apenas um décimo da população, o consumo não importaria tanto, e se tivéssemos um décimo do consumo, a população não importaria tanto. (SULSTON, 2012).
Entender de forma diversa, insistindo em apenas e tão somente restringir emissões de carbono na atmosfera, ou outras providências assemelhadas, não nos parece uma solução adequada, até porque não ataca diretamente o problema (em suas causas primárias) e, sim, apenas o que alude aos seus efeitos observáveis.
Retomando o conceito de desenvolvimento sustentável, definido como aquele que é capaz de atender às necessidades da sociedade sem comprometer o suprimento dessas necessidades às futuras gerações, vê-se que não existe forma do homem ou qualquer outra espécie viver sem lançar mão do meio ambiente. “A questão é como fazê-lo de forma inteligente, com uso da razão e o propósito de se viver melhor” (CAVALCANTI, 2010). O grande desafio do século XXI é como mudar o padrão de produção e consumo.
Há de se estabelecer, também, dentro do escopo do pensamento dominante das principais organizações ambientais, um mínimo de coerência lógica em relação ao tema discutido, ou seja: se procriar deve ser uma decisão livre de cada casal, mudar o estilo de vida (outra causa incisivamente apontada como fonte originária do aquecimento global), igualmente, não pode ser apontado como uma solução derradeira, - a ser necessariamente imposta a todos -, para resolver, em definitivo, o complexo problema ambiental.
3 CONCLUSÃO
De forma diversa do senso comum, não existe propriamente uma dicotomia entre o ser humano e o meio ambiente, uma vez que o primeiro integra necessariamente o segundo. Portanto, todo suposto conflito entre o ser humano e o meio ambiente é uma concepção decorrente do contexto social.
Assim como, para um ser humano sobreviver é fundamental existir o perfeito equilíbrio entre os seus órgãos componentes, podemos afirmar que todas as partes integrantes do meio ambiente, incluindo o homem, precisam estar em correspondente harmonia. Isso se traduz, em outras palavras, pelo necessário reconhecimento de que o desequilíbrio populacional é igualmente danoso para o meio ambiente assim como qualquer outra forma de desarmonia. Pensar de modo diverso é condenar a humanidade ao seu extermínio juntamente com o meio ambiente, do qual ela é parte como elemento indissociável.
Destarte, ignorar os malefícios de uma superpopulação, ou mesmo de uma sobrepopulação, acreditando ser possível a estabilidade ambiental em um contexto de hostilidade orgânica, é simplesmente desconhecer a concepção originária de que nós somos parte integrante do meio ambiente e, portanto, jamais poderíamos estar em conflito (real) com o mesmo.
Conforme afirmado, não nos parece plausível cobrar um sacrifício de todos sem qualquer contrapartida com uma política global de planejamento familiar que permita restabelecer o equilíbrio ambiental desejado, debelando os riscos ambientais que supostamente ameaçam a sobrevivência da espécie humana em longo prazo.
Portanto, devemos, o mais rápido possível, pensar seriamente sobre a raiz do presente desafio, deixando de lado a hipocrisia relacionada às questões ambientais que tanto nos tem desviado das verdadeiras soluções que devem ser implementadas para que a estabilidade ambiental não colapse, em nome da necessária continuação do pleno florescimento de nossa Civilização.
REFERÊNCIAS
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Notas