Resumo: Conciliar razão/conhecimento com emoção/sentimentos para cativar o interesse e manter a atenção dos alunos é uma das maiores dificuldades e desafios dos professores. É esta busca que vamos comparar à ação do artesão, cujos conhecimentos teóricos são fundamentais, mas não suficientes, para que seja efetiva a realização da função docente. A Geografia pode não ter soluções para as agruras da humanidade, mas apresenta a possibilidade, em suas aulas, de refletir sobre elas com a humilde esperança de que não somos condenados a repetir nossos erros. Manter a reflexão sistematizada sobre os espaços e grupos sociais com a combinação de razão (saber) e emoção (conhecer o outro, praticar a empatia) pode auxiliar na ampliação de nossa capacidade de entender o outro e com ele conviver de forma pacífica e respeitosa: a Geografia como práxis existencial e ontológica. O educador pode muito pouco, mas este pouco não é nada desprezível. Tocar as novas gerações é uma possibilidade concreta de contribuirmos com a construção de uma sociedade menos desigual.
Palavras-chave:Ensino de Geografia, Formação de professores, Escola.
Resumen: Conciliar razón/conocimiento con emoción/sentimientos para cautivar el interés y mantener la atención de los alumnos es una de las mayores dificultades y desafíos de los profesores. Es esta búsqueda que vamos a comparar a la acción del artesano, cuyos conocimientos teóricos son fundamentales, pero no suficientes, para que sea efectiva la realización de la función docente. La Geografía puede no tener soluciones para las agruras de la humanidad, pero presenta la posibilidad, en sus clases, de reflexionar sobre ellas con la humilde esperanza de que no estamos condenados a repetir nuestros errores. Mantener la reflexión sistematizada sobre los espacios y grupos sociales con la combinación de razón (saber) y emoción (conocer al otro, practicar la empatía) puede auxiliar en la ampliación de nuestra capacidad de entender al otro y con él convivir de forma pacífica y respetuosa: la Geografía como praxis existencial y ontológica. El educador puede muy poco, pero este poco no es nada despreciable. Tocar las nuevas generaciones es una posibilidad concreta de contribuir con la construcción de una sociedad menos desigual.
Palabras clave: Enseñanza de la Geografia, Formacíon de profesores, Escuela.
Artigos
O menino irreflexivo e a demissão subjetiva da docência: razão e emoção para manter viva a chama do aprender a ensinar geografia com nossos alunos
El niño irreflexivo y la dimisión subjetiva de la docencia: razón y emoción para mantener viva la llama del aprender a enseñar geografía con nuestros alumnos
A noite foi também prodigiosa. Detive-me um momento diante da casa de meu conhecido e olhei para dentro através das janelas. Ali mora um homem, pensei, que leva avante seu trabalho ano após ano, que lê e comenta textos, procura inter-relações entre as mitologias pré-asiáticas e índicas, e sente satisfação com isso, pois crê no valor do seu trabalho, crê na ciência, de quem é fiel servidor, acredita no valor do saber, que se deva acumular cultura, pois crê no progresso e no desenvolvimento. [...] considera odiosos os judeus e os comunistas; é um bom menino, irreflexivo, alegre, que se considera importante e invejável. (HESSE, 2007, p. 89 - 90)
O presente trabalho pretende refletir sobre a necessidade da renovação do ensinar Geografia, seja no Ensino Superior, seja na Educação Básica, visto que os autores são licenciados em Geografia e tem no ensino desta disciplina e/ou na formação de seus futuros docentes o foco de sua atuação profissional, especificamente nas cidades de Porto Alegre (Rio Grande do Sul) e Videira (Santa Catarina).
A justificativa para este texto, além da divulgação de nossas reflexões e ações profissionais, é a de que é permanente a necessidade de (re)pensarmos o ensinar e aprender, pois os desafios de manter os alunos, sobretudo os do Ensino Fundamental e Médio, interessados nos temas propostos por esta disciplina são cotidianos, dado o crescente desinteresse, não raro demonstrado pelos alunos e pela instituição escola. Nossa crença é a de que este repensar o ensino exige que reflitamos epistemologicamente, isto é, pondo em cheque nossas ideias acerca do que seja ‘científico’ e sobre o que seja o conhecimento ‘útil’, ‘necessário’ (os adjetivos aqui poderiam ser vários e sempre em uma linha tênue entre o que é inquestionável e o que é controverso). Mais do que ter as respostas, advogamos que a lógica do saber escolar ainda se atém muito a reproduzir verdades e estas, em geral, limitam a capacidade criativa de pensar outras hipóteses que não as postas pelos professores e manuais didáticos. A partir desta constatação, queremos discutir nossas concepções de ciência e, consequentemente, a própria forma de escrever academicamente. Há um modelo único? Cremos que não.
As possibilidades de renovação do ensinar não se fundam em ‘novas’ metodologias ou técnicas, embora isso seja um constante e desejado desafio, já que ter a atenção e o desejo de reflexão dos alunos é um bem passível de ser almejado. Partimos da hipótese de que a docência é indubitavelmente atrelada aos pressupostos epistemológicos de nossa maneira de pensar a ciência geográfica ou a ciência da educação, mesmo que estes pressupostos não sejam factíveis de provas. Os objetivos deste trabalho buscam, ainda que sem a pretensão de dar respostas certeiras, a proposição de alguns princípios epistemológicos e também didáticos que orientem a prática docente, sobretudo aos iniciantes na docência.
O que desejamos com a citação de Hesse? Primeiro: ressaltar que todo cientista (‘homem que crê na ciência’) é um crente. Crê que ‘só faz’ ciência quando escreve ou fala sobre ciência. Crê que a ciência leva ao ‘progresso’. Crença que pode se realizar, mas não obrigatoriamente ocorrerá. Crê que discutir ‘o que é progresso?’ seja pouco prático, demasiado teórico. Julga-se não ideológico. Ideológico, no geral, são os outros, obviamente os que não pensam como ele próprio. Nenhum problema em ser crente e ter princípios ideológicos e/ou políticos. Aliás, inevitável tê- los. Sabemos que nossas concepções de ciência – e também de educar, de docenciar com a geografia, do que deva ser uma escola e seus alunos – são inevitavelmente ideológicas. Nada de mal nisso. Defendemos que, sejam quais forem as nossas/suas concepções, conquanto sejam explicitadas e postas em debate, louvável. Estaremos indo ao encontro da função da(s) ciência(s), qual seja, interpretar e explicar o mundo em que vivemos. O mundo, aqui, pode ser entendido tanto como por que meio são governados os países (microescala), como entender as relações entre professores e alunos em uma sala (macroescala). O debate de ideias divergentes é salutar para a ampliação da visão de mundo de todos, sobretudo os educandos da Educação Básica, sejam do Ensino Fundamental ou do Ensino Médio. Daí a acidez de Hesse (2007) ao citar que este honrado cidadão considera ‘odiosos’ os judeus e os comunistas. Aqui podemos substituir tal afirmação pelo grupo que quisermos, os alvos de nossos ‘ódios’, preconceitos e/ou juízos de valor.
Matthew White (2013) consegue criar espirituosa e sarcasticamente uma ‘equação’ que ‘livra a cara’ de todos, criando teses ad hoc convenientes aos nossos pontos de vista de antemão enraizados. Sarcasmo, pois ninguém tem a exclusividade da inteligência, razão e/ou ética. Vejamos White (2013, p. 637 – 38):
Tenho certeza de que alguns leitores (mas certamente você não) olharão para essa lista – das maiores atrocidades da humanidade - e dirão com ar satisfeito: “Aha! [alguém que odiamos] produziu seis megamortes, enquanto [alguém que gostamos] produziu apenas duas, o que prova que [alguém que odiamos] é muito pior do que [alguém que gostamos] e ponto final!
Preencha as lacunas com quem você quiser – africanos, belgas, cristãos, comunistas, franceses, ateístas, esquerdistas, muçulmanos, corporações multinacionais, racistas, russos ou brancos. Os boçais sempre são os outros (escolha você aí o grupo que ama odiar, tanto em questões políticas ou colegas de profissão, não raro colegas de instituição/departamento). Logo, crer-se ‘cientista’ não nos dá a razão de mão beijada, muito menos tira de nós as cegueiras da razão. Sim, cegueiras da razão. Evitando simplificações contemporâneas do tipo “Fora, Dilma” (Roussef, ex-Presidente da República, do Partido dos Trabalhadores, destituída por “impeachment”) ou “Fora, Temer” (Michel, o ex-Vice-Presidente que se tornou presidente após o referido “impeachment”, do Movimento Democrático Brasileiro) não podemos, entretanto, ignorar o quanto este debate político-partidário existe e nos influencia cotidianamente, seja nas escolas ou nas universidades, onde passamos muitas horas na semana.
Mas, recuando mais de 100 anos, podemos dar um outro exemplo que talvez nos ajude a pensar nas possíveis cegueiras da razão e na inevitabilidade do ser humano conviver com a Política e os projetos de nação e governabilidade das gentes que habitam os espaços, sejam o Ente Federal, Estados ou Municípios. No final do século XIX os debates acerca do ‘pré e pós-abolição’ eram feitos na imprensa e no parlamento brasileiros – ainda não se tinha uma comunidade universitária significativa –, buscando saídas para o fato do Brasil ser um país ‘negro’, com poucos brancos. Em nome de princípios ‘científicos’ da época, o diagnóstico (científico? Ideológico? Como se misturam, meu Deus!) era feito por deputados, jornalistas, escritores e outros homens ‘públicos e de bem’, em geral brancos e de bom nível econômico/cultural: o Brasil, muitos pensavam, só deixaria de ser um país atrasado se fosse ‘embranquecido’; se a migração, de preferência europeia, viesse a substituir a raça negra e mestiça que aqui estava em grande número. A lenta substituição dos negros por novas levas de migrantes brancos embranqueceria (e melhoraria, subentende-se) nossa gente. A vítima – os negros escravizados e seus descendentes – eram culpabilizados pelo ‘atraso’ do país. Não havia muito espaço para mostrar quão abjeta era a vida dos descendentes de escravizados, pois eles simplesmente não eram vistos como ‘cidadãos’, como pessoas que fizessem parte do debate. Se ampliarmos essa reflexão, poderíamos acrescentar quantas vezes mulheres, camponeses, indígenas, pobres, (semi)analfabetos foram também ‘apagados’ da História, da Geografia, dos livros didáticos, das discussões nos programas de rádio, TV e mídia impressa! A ideia de ‘democracia’, ‘inclusão’, ‘igualdade’, ‘combate às injustiças e às violências’ não estavam, não estão ainda entranhadas em nossa sociedade. No passado, a ideia de ‘raça’ era um debate científico da época. Sabemos que essa discussão atualmente está vencida (há a raça humana, ponto), mas é nítido como, cotidianamente, ‘explicamos’ as coisas de forma superficial ou a-científica! Como excluímos parcelas da população na discussão de nossa incipiente democracia e cidadania. Tais temas, não temos como deixá-los de fora do ambiente acadêmico ou fazer sua discussão de forma ‘apenas’ técnica ou neutra. Que confusão, saudável confusão!
Hoje em dia – escrevemos em fevereiro de 2018 – será que não estamos girando em círculos ao pensar que ‘mais polícia, mais repressão, mais Forças Armadas’ podem estancar o problema da violência, por exemplo, no Rio de Janeiro? Claro que a sensação de maior segurança virá como um bem-vindo alívio à sofrida população, mas estaremos trazendo com isso melhores condições de vida para os marginalizados moradores de comunidades empobrecidas e com pouco auxílio dos poderes públicos em serviços dignos de saúde, educação e, claro, segurança? Por outro lado, como ignorar o clamor da população, inclusive, ou sobretudo, as mais humildes, que desejam ‘mais polícia e mais repressão’? Taxá-los de ‘a’, ‘b’ ou ‘c’ não resolve. Não há soluções simples para problemas complexos. E todo fenômeno social/humano é extremamente complexo.
Quais são os teus ódios, leitor? Se formos ver no cotidiano das redes sociais, onde todos se acham protegidos por um certo anonimato ou diluição no meio da multidão, impera muito mais o ódio e a ofensa aos que divergem de mim do que a discussão franca e argumentada de ideias. Já se disse, ironicamente, que as redes sociais promovem o ‘idiota da aldeia’ à ‘sábio universal’, pois posso enviar de forma instantânea mensagens com todo o tipo de conteúdo sem, evidentemente, colocar as informações ou opiniões que propago em suspeição. Ao contrário, do milenar lema socrático ‘só sei que nada sei’, hoje é tão comum ser especialista sobre tudo. Deus Google nos ‘educa’ em poucos minutos sobre os mais variados temas. Algum problema em ser crente? Não! É inevitável. O passo adiante a dar é saber ‘desconfiar de si’. Tough (2017, p.170 – 171) nos ajuda:
No início do século XX, o filósofo austríaco Karl Popper escreveu que a natureza do pensamento científico era de tal ordem que ninguém jamais seria capaz de efetivamente comprovar teorias científicas; a única maneira de testar a validade de determinada teoria era comprovar que ela estava errada, processo que ele denominou falseamento. Essa ideia conquistou a ciência cognitiva com a observação de que a maioria das pessoas de fato é muito ruim em falseamento – não só na ciência como na vida cotidiana. Ao testar uma teoria, seja grande ou pequena, um indivíduo não busca instintivamente indícios que o contradigam; ele busca dados capazes de comprovar sua veracidade, tendência conhecida como viés de confirmação. [...] O motivo de sermos todos tão ruins em nos contradizer é a tendência para o viés de confirmação: é muito melhor encontrar provas que confirmem o que consideramos verdadeiro do que provas que refutem nossas hipóteses. Por que alguém haveria de buscar a decepção?
Com isso queremos alertar para a indissociabilidade entre fazer ciência e os valores e ideologias que carregamos, muitas vezes, inconscientemente. Não basta, portanto, nossa boa vontade ou bom caráter para garantir que nossas ideias sejam ‘corretas’ ou passíveis de prova indubitável. Logo, nas escolas de Educação Básica, tão ou mais importante que as provas e resultados de meus escritos ou pesquisas, é o processo permanente de diatribizar as nossas ideias, colocando-as em permanente reflexão. É aí, pensamos que a universidade e a escola cumprem um dos seus papéis, pois a ciência não avança só porque produz ‘conhecimento’ e nos traz respostas, mas, paradoxalmente, ela nos é cara porque produz ‘ignorância’, nos mostra os limites de nossos conhecimentos (e valores) e, com isso, nos joga novas dúvidas e perguntas, pondo assim a girar a roda da vida. E, não menos importante, convém ficar alerta para a ironia de Hesse (2007), pois quando há soberba por parte do educador (ou do cientista), parecemos mais importantes e sábios do que somos, e isso nos faz ou nos deixa imaturos (‘menino irreflexivo’), o que é nada invejável em nosso entendimento.
Praticar a arte da pergunta é saudável, necessário, mas não suficiente. Há que se ter a prática da escuta atenta, uma escuta qualificada para que o que o outro nos diz seja, de fato, refletido, posto em relevo e em questão para o grupo.
Tais alertas são importantes em nossa lida com a Geografia, área tão sensível a discussões polêmicas a toda hora, já que as salas de aula têm a vitalidade das novas gerações com suas questões trazidas pelo mundo da mídia, da família, amigos e seus aparatos tecnológicos. A Geografia tem uma boa fundamentação para lidar com as diferenças, desigualdades e divergências que povoam os espaços e povos/grupos por nós estudados.
– Sr. Pablo – disse-lhe – , o senhor é amigo de Hermínia e por este motivo me interesso pelo senhor. Mas, desculpe-me a franqueza, o senhor torna difícil a conversação. Já várias vezes tenho tentado falar-lhe a respeito de música; gostaria de conhecer sua opinião e conceitos, quer contradigam ou não os meus, entretanto o senhor nunca se dignou a me dar uma resposta. Sorriu com a maior cordialidade e desta vez não se furtou a dá-la, dizendo impassível:
- Bem, na minha opinião não há nenhum sentido em falar-se a respeito de música. Que responder, então, às suas observações eruditas e judiciosas? O senhor tem toda a razão naquilo que afirma. Mas, veja, eu sou um músico, não um erudito, e no que diz respeito à música acho que não há a menor importância em estar alguém com a razão, de termos bom gosto ou erudição musical e tudo o mais. (HESSE, 2007, p. 144 – 145)
Novamente valemo-nos de Hesse (literatura? ficção?) para propor a discussão acerca de uma preocupação pertinente a nós, que lecionamos Geografia, seja para alunos do ensino médio, seja para universitários: o ensino não pode ser apenas via reprodução do conhecimento já consolidado, ainda que empregue conceitos ‘corretos’, pertinentes e de acordo com as visões contemporâneas do fazer científico. Não se trata, aqui, de negar o óbvio: que a Ciência e que os acadêmicos produzem conhecimentos (teorias) importantes, úteis e ‘verdadeiros’. Não se nega a importância do saber já sistematizado pela humanidade. Seria um contrassenso, afinal, somos educadores e cremos que as escolas e universidades possuem um papel fundamental em nossa sociedade, que é o de sistematizar e propagar as muitas teorias e evidências que ela produz. O que estamos aqui propondo é que para o ensino, sobretudo das novas gerações, apenas ‘fatos’, ‘conceitos’ e ‘provas’ não são suficientes para estimular nossos alunos a buscarem o novo a partir do que já se sabe. A docência requererá então, um equilíbrio delicado: ser charneira entre o já sabido/consolidado e o novo/desconhecido. Teorias e fatos são imprescindíveis, mas não necessariamente são atrativos para as novas gerações. Se queremos a atenção dos alunos é por motivo muito simples: sem cooperação e a atenção deles não seremos ouvidos e entendidos, ou seja, não haverá ensino, muito menos educação. Educar não visa apenas agradar, ser ‘leve’, mas só o conhecimento técnico, por si, é insuficiente. A busca do equilíbrio entre disciplina e liberdade é dinâmico, instável e passa, às vezes, por tensões e gerenciamento de conflitos.
O mestre, portanto, é adulto de referência, pois ‘ele sabe’, ‘estudou’ e pode/deve professar seus conhecimentos e, inevitavelmente, seus valores, crenças e ideologias. Longe de negarmos o papel do professor como um moderno iluminista, crente no valor da ciência. Sim, cremos que a Geografia seja uma ciência e pode sim ajudar-nos a melhor compreender os espaços e as relações entre os grupos que aqui convivem. Mas, também advogamos o papel do educador como o de um ‘destruidor de ídolos’, um iconoclasta que sabe tirar seus alunos da zona de conforto, aquela caracterizada apenas pela reprodução do já sabido e aceito. Um educador iconoclasta que tensiona as verdades e os próprios mestres. Hesse (2007) também ‘traz’ outro alerta: em uma escola, entre crianças e adolescentes, não basta ‘erudição’, ‘razão’, ‘conceitos’. Há que ter tudo isso – e não é nada fácil –, mas é preciso também estimular todos os sentidos e sensações. Lemos os espaços e as paisagens não apenas com a razão. Todos os sentidos captam o mundo em que vivemos. Memórias que nos trazem espaços e vivências já conhecidos são acionadas, não raro, por cheiros, objetos, sons que nos trazem, às vezes de forma assistemática e pouco controlável, emoções e sentimentos. Como pode a escola descuidar de tantas emoções e sentimentos que entram pela janela da nossa imaginação? Até se pode deixar de fora da sala de aula sensações, emoções e sentimentos, mas restringir a docência ao estudo de fatos, provas, dados e conceitos, é limitado, é um desperdício. A vida pulsa também junto às incertezas e emoções que todos trazemos para dentro da sala. Teorizar sobre música, arte, a cidade, entre outros, é legal, mas ouvir, ver e sentir as coisas me interessa mais. Amar e mudar as coisas me interessa mais, já cantou o grande Belchior. Outro cara já nos disse – embora não convenha crer muito nele, posto que é um fingidor (PESSOA, 1980, p. 35):
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na natureza não é porque saiba o que ela é, Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem sabe por que ama, nem o que é amar... Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar [...]
Posto que é ‘impossível não pensar’, cabe aos educadores em Geografia pensar intencionalmente quais são as suas propostas de temas, conceitos e metodologias para educar as novas gerações. E a resposta à pergunta “o que ensinar?” não é científica. Como nos relembra Morin (2015), a resposta ao que é ciência não é científica. Requer uma opção que é mais que teórica, é ontológica, pois ao ensinar ensinamos muito do que somos e cremos.
Tais digressões podem trazer a questão: quem tem autoridade para falar em nome da Geografia, além de seus professores e livros? A profusão de fontes ‘não acadêmicas’ pode enfraquecer nossa ciência? Pelo contrário, é nas contradições e distintas visões de explicarmos os fenômenos, seja os da natureza, mas, sobretudo os sociais, que se pode fortalecer a ciência e a democracia. Ciência e democracia, valores genéricos, utópicos, mas um permanente pensamento desejado/desejante para um professor de Geografia que deseja marcar seus alunos positivamente com suas aulas. Ferry, (2011, p. 94 – 95) nos auxilia com seus apontamentos:
Porque o problema não é absolutamente saber “de onde fala o sábio” (a autoridade do pesquisador e ou do professor), analisar como e porque ele chegou a esta ou aquela hipótese, mas poder submeter a hipótese em questão à discussão comum e crítica. A objetividade de um enunciado científico não depende da maneira como ele é produzido, mas unicamente de sua “discutibilidade”. O critério da objetividade não se situa numa genealogia mais ou menos suspeita, mas numa “epistemologia” sem sujeito onde não nos preocupamos absolutamente com o inconsciente dos pesquisadores. Poderíamos certamente interessar-nos por isso [...] Todas as questões são legítimas e interessantes, mas com relação a objetividade científica [...] Popper (in Conjecturas e refutações) diz que não importa tanto a fonte ou as fontes de minhas crenças – as questões de origem ou de genealogia têm de fato muito pouco a ver com as questões de verdade, o que importa é por nossas hipóteses a crítica, refutando-a se for o caso.
Por ai se vê que o cientista não é um metafísico nem um filósofo da suspeita, mas alguém que, em princípio, não pode deixar de estar aberto à discussão pública. [...] Em sua “epistemologia sem sujeito”, o interesse recai sobre os enunciados, as ideias e conjeturas, mas não sobre o sexo, a origem social, étnica, religiosa ou cultural daqueles que os defendem. É também por isso que neste caso se pode “matar as ideias sem matar os homens”, refutar uma hipótese sem lançar de imediato o anátema sobre quem a emitiu. Dai o duplo laço que mantêm entre si ciência e democracia: não somente todo mundo é igual, pelo menos em princípio, diante da ciência, no sentido de que ninguém é excluído da discussão por “natureza”, em razão de sua classe social ou de qualquer outra pertença. Na ciência como numa verdadeira democracia, também nada escapa, salvo a esfera privada do “sujeito”, justamente, à discussão pública (parênteses nossos e com adaptações).
Tal citação, ainda que longa, evidencia que temos, como educadores que somos, o imperativo de organizar temas, conteúdos, textos e as formas de melhor trabalhá-los em aula, mas crucial também é que se democratize o acesso à palavra aos estudantes e que sejam permitidas questões que, originalmente, o professor não planejou. O professor tem objetivos e um programa. Tem planejamento, mas este está aberto a desvios e atalhos cujo destino nem sempre se sabe ou controla. Ter plano significa também ter uma habilidade que é reflexiva e artesanal: a de saber perceber quando é hora de abandonar seus planos e objetivos. Eles mudam. Pode-se voltar a eles noutro momento e, também, pode-se abandoná-los, pois novos planos surgem se o professor estiver pesquisando a si e aos seus alunos ao docenciar. Não é confiar demais no improviso, mas admitir o óbvio: o improviso muda nossos planos rotineiramente.
Longe de parecer um caos – alguém poderia usar o termo anarquia, mas este se presta a simplificações grosseiras - do tipo ‘tudo vale e pode’, implica um método de ação com intenções políticas e epistemológicas, qual seja, ampliar a democracia através de seu exercício cotidiano nas salas de aula. Não é permitir que todos falem de qualquer tema a qualquer hora. Seria um laissez faire com o qual não concordamos. Estar aberto ao novo vai exigir protagonismo, disciplina, planejamento e ordenamento, tanto do professor como da turma. A Geografia, diremos provocativamente, é uma ciência, um discurso da ordem: onde e por que as coisas e pessoas estão nestes e não em outros lugares? É no espaço da sala de aula que devemos buscar construir essa ordem, entendimento de espacialidade, estabelecendo noções sociais, econômicas e culturais para enxergar o espaço geográfico como uma construção e consequência dos tempos. Por isso determinados fenômenos ocorrem aqui ou ali. Por esse motivo pessoas residem em espaços distintos.
A Geografia é exercida em sala de aula de forma que ‘tudo tem tempo, lugar e forma’ de ser questionado. Encontrar esse(s) tempo(s), forma(s) e lugar(es) é a artesania, a ciência e a poesia da docência. Conflitos são inevitáveis. O que fazer quando as regras não são cumpridas? O professor que confundir democracia com a ausência de cobranças não é um educador. Não existe fórmula, mas a elaboração de perguntas e temas para discussão, bem como a busca organizada de respostas já é um valor da democracia e da construção de autonomia que almejamos com e para nossos alunos. É uma busca que pode ser relevante na sociedade extra-escola. (Re)criar, fortalecer os valores da democracia, bem como pensar a própria democracia - afinal, ela não é um modelo acabado -, nos parece ser um dos objetivos que a Geografia e a própria escola devem almejar e que justificam a permanência dessas vetustas instituições da nossa convivência.
A autoridade do professor não advém, portanto, da repressão e/ou do medo que ele incute, mas sim do conhecimento (técnico, mas não só) e da capacidade de organização e estímulo ao trabalho intelectual que é do cotidiano de uma escola. A autoridade não é um a priori, é um constructo, uma meta, um trabalho. Assim como o valor ou a importância (ou a ‘utilidade’) da Geografia não é um a priori. É uma construção (artesã) dos seus professores conjugando razões, sensações, emoções e empirias. Tudo no plural. Aliás, é o trabalho do professor. Para ele professar é preciso ter o que dizer (conhecimento técnico), saber como fazê-lo (didática), mas tudo isso sempre vai requerer pressupostos políticos e filosóficos (o que eu quero ensinando isso e não aquilo?). E, como cremos, o docenciar implica em existenciar-se. Docenciar é uma experiência ontológica. Quando docencio, mais do que falar de Geografia, falamos de nós, de minhas/nossas crenças, ideologias e sentimentos. Lembremos de Hesse (2007): saber não implica em deixar de ser preconceituoso. E a sala de aula é ágora (derivado do grego, ‘reúno, decido’, enfim, espaço público) do debate aberto onde inclusive nossos preconceitos podem ser repensados.
A ação docente, em graus variados conforme o nível da escolarização, requer um misto de ciência, emoção e artesania. Ainda que tênue ou imprecisas as referidas demarcações ou diferenças entre estas três palavras, acreditamos que a Geografia seja um conhecimento técnico/científico – que aqui não temos a pretensão de ‘provar’ – com seus métodos de busca de dados e verificação de hipóteses. Parece claro que o processo de sua divulgação, ou mais especificamente, seu ensino, vai requerer do profissional professor uma série de características e habilidades que não meramente racionais. A emoção, aqui entendida como um conjunto de afetos e rejeições que se traduzem em ações concretas, vai exigir deste profissional uma série de atributos que, em nosso entendimento, o aproximam de um artesão. Artesão no sentido de estar lidando em cada sala de aula com um grupo específico e irrepetível de seres. Cada aluno exigirá (exigiria) do professor uma atenção e ação específicas para que a relação pedagógica fosse potencializada. Ora, isso soa sensato no plano do ideal, mas na prática temos que ver as condições objetivas de trabalho dos envolvidos. Se por exemplo o professor se sente maltratado, desprestigiado (seja pelo salário baixo, seja pelo desinteresse ou hostilidade dos alunos) isso refletirá em sua ação cotidiana. O que há de objetivo nesse mal-estar docente? Como lidar com essa desmotivação e/ou desinteresse que rondam as escolas? Ou seja, mesmo que sejamos bons conhecedores dos fundamentos teóricos e/ou técnicos da ciência de base (no caso, a Geografia), isso é certamente insuficiente para a construção, divulgação, reconstrução deste conhecimento para as novas gerações. Como conciliar razão/conhecimento com a emoção/sentimentos para cativar o interesse e manter a atenção dos alunos é uma das maiores dificuldades e desafios dos professores. E é esta busca que vamos comparar à ação do artesão, cujos conhecimentos teóricos são fundamentais, mas não suficientes, para que seja efetiva a função docente.
Na sequência, queremos apresentar alguns eixos que podem auxiliar o leitor, sobretudo os principiantes na/da docência, a orientarem-se – sem que se tenha aqui certeza de ‘sucesso’. O pano de fundo do ‘programa’ que segue baseia-se em Morin (2015, p. 140 – 141):
O ser humano é simultaneamente biológico, psíquico, cultural, social, histórico. É uma unidade complexa natureza que se encontra completamente desintegrada no ensino disciplinar, e que torna impossível aprender o que significa ser humano. É necessário restaurá-la, de modo que cada indivíduo, onde quer que esteja, tenha conhecimento e consciência de sua identidade singular e, ao mesmo tempo, de sua identidade comum com todos os outros seres humanos.
Por isso, a condição humana deveria ser o objeto essencial de todo ensino. Trata-se de indicar como, a partir das disciplinas atuais, é possível reconhecer a unidade e a complexidade humanas, reunindo e organizando os conhecimentos dispersos nas Ciências da Terra, nas Ciências Humanas, na Literatura e na Filosofia, e mostrar a ligação indissociável entre a unidade e a diversidade de tudo o que é humano.
Como a Geografia pode ir na direção de pensar a condição humana? O próprio título do livro de Morin já é uma gigantesca pretensão: ensinar a viver?! Sejamos pretensiosos, tentemos, mas com os pés calçados nas sandálias da humildade, por favor. Estudar, ler, ouvir... sempre. O historiador Harari vai fazer algo semelhante ao propor o tema da ‘felicidade’ e do ‘sofrimento’ como pautas relevantes no ensino de História (KAERCHER, 2017).
Como proporíamos isso, por exemplo, em um minicurso? Vejamos. Em negrito, os eixos principais. A ordem em que são trabalhados é modificável.
. Educar-se com a Geografia
- Entre a Pedagogia e a Geografia há uma filosofia;
- Geografia Pastel de Vento e Geografia do Custo Zero (GCZ).
. A cidade como um livro aberto e que precisa ser decifrado
- O que ver /mostrar/refletir na sua cidade? (Mini saídas de campo por sua cidade);
- O que Porto Velho tem a nos ensinar a partir de suas paisagens e pessoal?;
- Onde e como estão/vivem as pessoas deste lugar?
. A (re)construção da identidade docente
- Não tem como docenciar sem existenciar-se;
- O que seus mestres lhe ensinam? E seus alunos?;
- O que você faz com o que ouve/fala com seus mestres e alunos?
. Razão e emoção na docência
- Ensinar com paixão, mas onde aprendê-la? (PDT: paixão, desejo, tesão);
- Quem são teus monstros? Machados nos seus/nossos mares congelados;
- O tripé: belezura, perguntação e imaginação. Tudo junto e misturado.
Material e Métodos? Kaercher (2014) propõe a Geografia do Custo Zero não como conformismo às pobrezas das escolas públicas, mas como incentivo à criatividade e maior interação com o entorno e com os alunos. Nossa proposta não contempla “análises laboratoriais empregadas”, mas como sugerimos acima, a cidade é um livro aberto para ser melhor lido e entendido.
Como mostrar os “resultados esperados”? Como ‘provar’ as hipóteses deste instigante texto de Pereira (2016, p. 154 - 155)?
Uma sensação de desistência parece acompanhar a maioria desses professores, o que resulta em prostração, distração e a perda de tempo com repetições [...] Atitudes de pessimismo com claros sentimentos de impotência e inferioridade levam estes professores a se inibirem e a se satisfazerem exatamente pelo fato de não se colocarem à prova, isto é, pelo fato de não necessitarem inventar soluções passíveis de questionamentos pelo outro e por si mesmo. [...] Logo, com essa fragilidade identificatória, tais sujeitos não se sentem impelidos à ação. No caso do professor, agir em nome de quê? Por qual motivo? Para estes [alunos] jovens pobres que nada querem saber? Para esta escola falida? Mover em nome de qual desejo? Os professores que escutamos, em sua grande maioria, não nos escondem o quanto se demitem subjetivamente. Não há outro que os motive a reagir. Isso parece se intensificar quando se trabalha com pessoas para as quais se tem pouquíssima ou nenhuma expectativa. Esses professores revelam uma explícita menos-valia atribuída aos adolescentes. Em geral, são jovens pobres, moradores de favelas, vilas ou bairros periféricos, atendidos por uma escola que não os oferece nem perspectiva, nem futuro. [...] como exercer uma profissão sem acreditar que o outro possa ser transformado?
Uma primeira leitura de Pereira poderia ser um discurso defensivo do tipo “lá vem mais um acadêmico culpabilizando o professor da Educação Básica” e um corolário muito comum disto seria ‘acusar’ e desqualificar o autor do texto. Não queremos aqui ter razão, muito menos acusar ou defender quem quer que seja. Queremos destacar uma expressão ‘demissão subjetiva’ do professor quando este, cansado do seu ofício – por várias razões, a maioria já muito bem diagnosticadas –, desiste da ação educativa com seus alunos. Ou seja, um quadro que pode ter razões materiais (salário ruim, atrasado) ou psicológicas (estou ‘farto’ da escola e dos alunos), leva a ações com consequências cognitivas (se eu deixo de ensinar, eles vão aprender muito pouco) e políticas (estes alunos ‘de periferia’ permanecerão bem menos capazes de desenvolver seus talentos), já que o círculo desvirtuoso se fortalece: alunos já desfavorecidos socialmente com baixa ou precária escolarização não terão condições de competir com as classes mais favorecidas social e culturalmente aquinhoadas. E a interpretação – que não é científica e apodítica – é variada: estes alunos são fracassados porque não estudam e não se esforçam ou eles pouco se identificam com o que lhes oferecemos nas escolas em termos de desafios cognitivos? Culpabilizar o aluno “explica” (teses ad hoc), mas não resolve. Nos ‘dá paz’ (eles não querem nada com nada), mas não diminui a frustração de minha demissão docente.
Nessa onda de terceirização em vista, busca-se terceirizar a culpa pelo não aprender-ensinar os jovens: tento, mas eles não querem. O que pode o educador, através da escuta dos jovens, construir para e com a Geografia? O exercício da escuta pode ser o primeiro passo para compreender que mundo nós (docentes) e eles (jovens) estamos compartilhando por intermédio da escola.
Podemos lecionar sem ser reflexivos? Até podemos. Porém, não estaremos cumprindo nosso papel como educadores. Estaremos nos reproduzindo em cada aula. Sendo nosso próprio “cover”, damos aula mas não construímos o conhecimento. Além de repensarmos em nossa docência, diariamente temos de buscar estabelecer relações com o local e o global. Onde e para quem eu leciono? Para que e para quem serve a minha Geografia? Essas perguntas constantemente norteiam a minha prática. (BOHRER, 2017, p. 45)
Refletir sobre a nossa prática é possibilitar entendermo-nos como seres ativos do processo de ensino e aprendizagem. Acreditar que nosso trabalho é uma possibilidade de mudança para aqueles jovens em determinado tempo e lugar. Para isso, deve-se desenvolver o movimento das “cabeças bem-feitas” (MORIN, 2004) em sala de aula, ou seja, não fazer da cabeça do estudante um acumulado de informações, mas tentar desenvolver uma aptidão geral de inteligência, capaz de colocar e tratar os problemas de maneira organizada e de permitir o estabelecimento de ligações entre os saberes, dando-lhes sentido. É necessário analisar os fenômenos e suas causas, despertar os sujeitos para a autoria e não para a reprodução de uma ideia. Para que isso seja possível, devemos escutá-los e nos projetarmos nos estudantes:
[...] temos que ter o conhecimento de adultos e profissionais em educação, mais a memória de alunos, sentimentos próximos a eles. Precisamos olhar para nossas aulas e enxergar nossos alunos e não nossas universidades e nossos professores. Dar excelentes aulas para nós mesmos não significa dar boas aulas para quem precisa aprender (COSTELLA, 2015, p. 32)
Professor e aluno se relacionam com o mundo através das relações que estabelecem mutuamente na escola. Esse processo culmina em uma forma de ler e viver o mundo, que nada mais é do que a Geografia. Entendemos que a escola deve ser um espaço de construção dos sujeitos – professor e aluno -, na qual todos saiam modificados. Para estar próximo dos alunos e da realidade que os circunda é necessário que exista diálogo em sala de aula. A escuta dos jovens serve, antes de mais nada, como instrumento de conhecimento de seus trajetória, geografias, vivências e ambições. Todos nós sonhamos em conhecer um país/município/região. Você sabe qual parcela do espaço geográfico seus alunos sonham em conhecer? Conhece as principais dificuldades encontradas no seu cotidiano – bairro/município? Quais são os principais pontos/espaços que eles frequentam – bairro/município? Parece ser simples, mas muitas vezes ignoramos os jovens para seguir fazendo mais do mesmo: nos escutar professando conteúdo.
Ensinar não poderia ser um simples vazio para mim e para eles. Teria que consistir na possibilidade de criar espaços de diálogo e construção do conhecimento, de permitir que os alunos se enxergassem como ativos dentro do processo de ensino que, daqui a três, quatros, cinco, dez ou vinte anos, eles lembrassem, não do meu nome, mas de uma aula ou reflexão que, de fato, tenha marcado e contribuído para a sua formação. Isso significa dizer que precisamos superar o tradicionalismo e o geocentrismo em nossas aulas, aspectos que nos levam ao esquecimento da subjetividade de nossos alunos. (BOHRER, 2017, p. 46)
Para existir o diálogo em sala de aula, é necessário que os sujeitos estejam abertos para o novo ou, pelo menos, abertos para o outro. Saliento o papel da comunicação – que é o primeiro contato entre os sujeitos em uma sala de aula – e do afeto no ensino como forma de criar mecanismos que permitam que os estudantes se sintam à vontade junto ao seu educador e, desta forma, tornem o ambiente da sala de aula um espaço aberto para as distintas experiências e contribuições. Para isso, o docente deve se despir da preocupação de impor algo e pensar sempre em construir uma sala de aula democrática, baseada em múltiplas Geografias – a do docente e a dos alunos. Através dos alunos, podemos identificar dificuldades e potencialidades em seus aprendizados, permitindo- lhes superar erros e fortalecer as relações pessoais.
Voltamos a Popper, aos critérios de demarcação do que seja ‘refutável’, ‘provado’. Nas ciências humanas, inclua-se aí a Geografia ou Educação, não temos raciocínios apodíticos, do tipo “2+2 = 4”, isto é, resultados inquestionáveis e baseados em provas empíricas. O contrário, nestes campos abundam aporias, isto é, temas cujas conclusões são opostas, mesmo quando baseados nas mesmas premissas ou ‘dados’! Um exemplo? Qual a solução para o problema – inegável – da violência urbana ou no campo? Uns dirão as causas, outros dirão outras causas. Uns apontarão tais soluções, outros dirão o oposto a estas soluções. Quem tem razão? Há quem tenha toda a razão? Há quem veja o problema de forma ‘total’ e ‘isenta’? Provável que não. Problemas complexos não possuem soluções simplistas. Não há fenômeno humano simples. Em geral, há a simplificação, não raro, redutora e empobrecedora. E mais, se alguém tiver a razão, isso garante o que? Saber, por exemplo, que as drogas ilícitas e/ou o álcool não combinam com a direção de veículos, afasta seus usuários do volante? Alguém desconhece que o tabaco faz mal à saúde? E quantos jovens – já criados sem as propagandas glamourosas dos cigarros na televisão – continuam ou começam a fumar? Vemos os limites da razão. Mudar hábitos não é fácil. Quem já não aprendeu que ‘lugar de lixo é no lixo’? Basta olhar pelas ruas da cidade ou nos lugares que percorremos para perceber quão difícil é fazer esta práxis geográfica: cada coisa nos seus lugares. Propomos uma leitura atenta para o que segue. Barbosa (2015) ao falar do trabalho de mulheres costureiras, nos convida a uma série de miradas atentas a personagens normalmente olvidados de nossas aulas e reflexões.
Conhecer a história de vida e de trabalho dessas mulheres tem demonstrado que essas formas de trabalho mais artesanais e com maior autonomia coexistem com o capitalismo industrial de maneira, até certo ponto, independente. Trata-se de perceber que existem outras formas de produzir a existência que se aproximem do trabalho como mundo liberdade. De que existem outras formas de aprender que não apenas a educação formal. Que existem outras formas de olhar para o trabalho sem que ele esteja relacionado à produtividade e à relação de competição com o outro. Que existem formas de viver e sobreviver mais emancipatória, que podem levar a uma criação e recriação de si e a um pouco mais de paz e no sentido que “o trabalho feito pelas mãos pode animar o trabalho da mente”. Não se trata de deixar de lado a precariedade que o trabalho autônomo e artesanal e, principalmente, o feminino, acarreta. Mas reconhecer, saber que isto é possível, abre nosso leque de escolhas dentro de uma sociedade tão desigual que deixa à margem a maioria. A partir dessa visibilidade, podemos pensar, de forma coletiva, com dialogicidade, em formas de lutar para reduzir e extinguir a precariedade nesta forma de trabalho das mulheres, que carrega muitos elementos de emancipação. (BARBOSA, 2015, p. 138-139).
A Educação escolar e/ou a Geografia não podem acabar com ignomínias que o ser humano produziu, mas pode trazer fatos e discussões para que melhor possamos conhecer a nossa sociedade, nossa espécie e a nós mesmos. Pôr em evidência que estamos condenados à liberdade de escolher nossos valores e atitudes. Valorar toda forma de combate às injustiças e violências que se cometem contra indivíduos e grupos. Fortalecer a prática democrática que respeita o direito de os grupos defenderem suas posições e ações, conquanto, claro, respeitem os demais, afinal, a liberdade não é total a ponto de permitir que ‘em nome da liberdade e da democracia’ eu possa atacar a vida e a dignidade dos demais.
A Geografia pode não ter soluções para as agruras da humanidade, mas tem em suas aulas a possibilidade de refletir sobre elas com a humilde esperança de que não somos condenados a repetir nossos erros. Manter a humilde esperança de que a combinação de razão (saber) e emoção (conhecer o outro, praticar a empatia) pode ajudar na ampliação de nossa capacidade de entender o outro e com ele conviver de forma pacífica e respeitosa.
O educador pode muito pouco, mas este pouco não é nada desprezível. Tocar, com razão e emoção, as novas gerações é uma possibilidade concreta de contribuirmos com a construção de uma sociedade menos desigual.