Tema Central

“Sherlock Holmes no Brasil”: Elysio de Carvalho e o primeiro convenio policial brasilero (1912)

Marília Rodrigues de Oliveira
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil

Claves. Revista de Historia

Universidad de la República, Uruguay

ISSN-e: 2393-6584

Periodicidade: Semestral

vol. 4, núm. 7, 2018

revistaclaves@fhuce.edu.uy

Recepção: 03 Outubro 2018

Aprovação: 02 Novembro 2018



Resumo: No ano de 1912, o Instituto Histórico Geográfico de São Paulo recebeu o Primeiro Convênio Policial Brasileiro que tinha como objetivo organizar uma unidade de métodos e ações repressivas policiais no território nacional do Brasil. Neste trabalho procurarei investigar como tal empenho em unificar os instrumentos que compunham os aparatos burocráticos policiais nacionais não necessariamente obedecia a dinâmicas restritas às fronteiras geográficas brasileiras. A partir da atuação e trajetória do escritor e diretor do Gabinete de Identificação do Rio de Janeiro, Elysio de Carvalho, procurarei analisar como os esforços de estandardização no Brasil dos métodos de identificação de criminosos e de investigação das cenas de crime eram perpassados por formas de cooperação e trocas de saberes policiais no espaço atlântico, assim como da formação de uma rede de polícia científica exclusivamente sul-americana.

Palavras-chave: convênio policial, polícia científica, circulação de saberes, cooperação policial.

Abstract: In 1912, the Historical Geographic Institute of São Paulo (“Instituto Histórico Geográfico de São Paulo”) received the First Brazilian Police Convention (“Primeiro Convênio Policial Brasileiro”) that had the objective of organizing a unit of methods and repressive police actions throughout Brazilian national territory. In this paper, I aim to investigate how such an effort of unifying the instruments of the national bureaucratic police apparatus has non-necessarily been restricted to Brazilian geographic borders. From the point of view of writer and director of the Identification Office of Rio de Janeiro (“Gabinete de Identificação do Rio de Janeiro”) Elysio de Carvalho, I aim to analyze how the standardization efforts of the identification methods of criminals and investigation of crime scenes have been influenced by the cooperation and police knowledge exchange in the Atlantic area, as well as the constitution of a Latin-American scientific police network.

Keywords: police convention, scientific police, circulation of knowledge, police’s cooperation.

Introdução

No dia 7 de abril de 1912, o escritor e policial, Elysio de Carvalho, discursou na sessão de abertura do Primeiro Convênio Policial Brasileiro chamando atenção para a necessidade de fundar “a unidade dos métodos e processos de repressão e prevenção das polícias dos Estados Unidos do Brasil”.[1] Não seria a primeira vez que a necessidade de criação de formas de cooperação entre as polícias dos estados brasileiros seria colocado em debate. Em 1908, o chefe da polícia brasileira, Alfredo Pinto[2], dirigiu uma circular a todos os membros dirigentes das polícias estaduais com o fim de realizar um convênio policial frente a problemas que desafiavam a república brasileira. No final do século XIX, com o advento dos novos meios de comunicação -como o telégrafo e da locomotiva elétrica- cresciam as inquietações frente às novas formas de criminalidade que escapavam as fronteiras nacionais, em uma velocidade até então de difícil apreensão. Atentados anarquistas, tráfico de mulheres e criminosos viajantes eram objeto de preocupação pela dificuldade de ser consolidado um sistema de identificação capaz de alcançar todo território nacional. No entanto, apenas alguns chefes dos governos estaduais aderiram a proposta, o que não permitiu que o projeto fosse colocado em prática.

Seis anos depois, o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro de São Paulo recebeu o Primeiro Convênio Policial Brasileiro, contando com a presença de dezessete representantes de Estados de diferentes regiões do país. As preocupações que motivaram Alfredo Pinto em 1908 a propor o congresso ainda se faziam presentes entre os membros da polícia que compunham os grupos de trabalho do convênio. Havia quatro eixos de debate que nortearam o encontro durante os seis dias de sua realização: estabelecer um sistema de permuta de fichas de identidade de criminosos sob base do sistema datiloscópico desenvolvido na Argentina por Juan Vucetich; criar um código telegráfico policial; adotar medidas para identificar e capturar criminosos foragidos nos diferentes estados brasileiros e estabelecer as bases de um Congresso Policial Sul-Americano. Seria justamente nos grupos de trabalho destinados aos debates sobre ‘investigação’ e ‘identificação’ que o diretor do Gabinete de Identificação da Polícia do Rio de Janeiro, Elysio de Carvalho estaria inserido, exercendo um papel fundamental para o desenvolvimento destas temáticas no Primeiro Convênio Policial Brasileiro.

O presente trabalho tem como objetivo analisar através da atuação de Elysio de Carvalho os intercâmbios transnacionais que marcaram os esforços de unificação dos métodos e ações policiais no território brasileiro durante o Primeiro Convênio Policial (1912). Escritor e ex-propagandista do anarquismo, a trajetória do autor será levada em consideração para pensar seu protagonismo no Convênio Policial, no que tange às temáticas de identificação de criminosos, investigação das cenas de crime e à consolidação de bases para a realização de um Congresso Policial Sulamericano. Desta forma, irei analisar seus trabalhos teóricos apresentados durante o congresso, assim como a recepção por especialistas internacionais. Por último, procurarei compreender como o esforço de uma unificação de instrumentos que compunham os aparatos burocráticos nacionais não necessariamente obedeciam dinâmicas e lógicas restritas às fronteiras geográficas brasileiras, mas que pelo contrário, esbarravam tanto na autonomia e dificuldade de articulação entre os estados locais, como também ocorriam em meio a intercâmbios e trocas transnacionais.

Se eu fosse Sherlock Holmes

No ano de 1910, a revista Careta publicou uma fotografia do agente policial Elysio de Carvalho, trazendo a seguinte legenda: “Elysio de Carvalho, pirata litero-policial esperando o momento do assobio”.[3] A princípio confuso, tal referência em nada fugia à trajetória multifacetada do escritor. Literato, Elysio de Carvalho era também responsável pela seção de Informações do Gabinete de Identificação e Estatística do Rio de Janeiro, vindo um ano depois a ocupar o cargo de diretor deste departamento. Nascido em 29 de janeiro de 1880 na cidade de Penedo do estado de Alagoas, Elysio residiu até os treze anos em sua cidade natal, quando em 1893 ingressou no Seminário Episcopal da cidade de Olinda.[4] A carreira eclesiástica do escritor durou apenas três anos, sem que ele viesse a concluir seus estudos. Sua saída definitiva de Alagoas ocorreu no ano de 1898, quando embarcou em um vapor para o Rio de Janeiro com o objetivo –não concretizado- de formar-se em medicina[5].

Inúmeras foram as estratégias do jovem escritor de participação nos meios intelectuais que atravessavam a capital federal brasileira da primeira década do século XX. Naturista, decadentista e anarquista, Elysio de Carvalho circulou em movimentos políticos e artísticos diversos até tornar-se um membro da polícia do Rio de Janeiro no ano de 1907. Segundo o próprio autor, a aproximação com o anarquismo ocorreu graças à influência dos escritos de Émile Zola, com quem vislumbrou “os crimes e vícios da burguesia” e os “tormentos da classe operária, vítimas da torpe exploração do homem pelo homem”.[6] O olhar despertado para questões sociais faria com o que o escritor alagoano se voltasse para os estudos de intelectuais anarquistas -como Proudhon, Bakunin e Kropotkin- considerados por Elysio de Carvalho, como “a única doutrina que oferece possível solução a questão social”.[7]

No entanto, tal atuação política não se estenderia por muito tempo. A decepção com o movimento anarquista ocorreu quando já trabalhava como encarregado da sessão de Informação da Polícia do Rio de Janeiro, em 1907. Em 1909, o autor publicou sua obra Five O’Clock, na qual explicitou seu desencanto com este movimento político. Neste momento, para Elysio de Carvalho, o anarquismo constituía-se como uma “atitude absurda”, somente sendo possível uma “transformação radical” se esta fosse “obra de uma aristocracia esclarecida.”[8]. Junto a um aprofundamento de uma postura elitista, a inquietação frente aos problemas sociais que emergiam nas metrópoles modernas permaneceria em seus escritos. No entanto, após assumir um cargo no Gabinete de Identificação, tal problemática será vista a partir de uma ótica cientificista e criminalista. Em conferência realizada em 1914, Elysio colocou a urgência do estudo das práticas sociais desviantes, afirmando que “o grande problema de nosso tempo não é Deus nem a natureza – mas sim, o crime”, devendo os intelectuais se dedicarem “analisar a alma dos criminosos para melhor combater todas as múltiplas manifestações da atividade anti-social”.[9]

Não por acaso, na sessão de abertura do Convênio Policial Brasileiro, Elysio de Carvalho defendia a realização de um convênio interestadual de polícia para compreensão “do complexo e magno problema da luta contra o crime, o mais doloroso dos problemas sociais, e por isso mesmo, talvez o mais delicado e difícil”.[10] Frente a uma trajetória intelectual não linear, seria principalmente uma crítica à modernidade e um interesse pela Questão Social[11] que conduziria o escritor aos estudos de polícia científica e ao posto de represente do Distrito Federal no Primeiro Convênio Policial Brasileiro.

Promovido junto à Secretaria da Justiça e da Segurança Pública, o congresso contou com a presença de dezessete representantes de quatorze estados brasileiros e foi organizado a partir da composição de uma mesa, cujos membros deveriam ser eleitos por aclamação. Indicado por Elysio de Carvalho, Dr. Manoel Viotti ocupou o cargo de presidente; junto a Ascânio Cerquera, eleito como vice-presidente; e os Drs. Theophilo Nóbrega e Sebastião Nogueira de Lima, aclamados como primeiro e segundo secretários.[12] Junto à mesa, o convênio organizou-se em torno dos trabalhos de cinco comissões: identificação, investigação, código telegráfico, processo policial, polícia em geral.

Em seu discurso de abertura, Dr. Manoel Viotti colocou como o espaço dos congressos científicos tornaram-se um foro privilegiado para os debates sobre a temática da criminalidade. Para o Presidente do Convênio, “não somente a América, mas o próprio Velho Mundo, parece que se vão desprendendo das velhas normas que os regiam para buscar novas fórmulas para sua existência social. E para esta solução, muito concorrem os congressos, os convênios e as conferências”.[13] De fato, o Primeiro Convênio Policial Brasileiro inseria-se em uma série de convênios criminalísticos que ocorriam na América Latina e na Europa desde as últimas décadas do século XIX. Desde o primeiro Congresso de Antropologia Criminal ocorrido em Roma no ano de 1885, ao Terceiro Congresso Científico Latinoamericano, realizado em Rio de Janeiro em 1905, estes eventos se constituíam como espaços para difusão, intercâmbio e consolidação de saberes criminalísticos, assim como locus de confrontos e construção de polos científicos e intelectuais. [14] Não por acaso, Dr. Manoel Viotti associava a realização destes convênios como um triunfo da razão, “concílios da inteligência humana”, chegando o dia em que “todas as magnas questões que interessam os povos serão apenas debatidas no tablado pacífico dos salões onde se reunirem os congressos”.[15]

Nesse sentido que o presidente do convênio elogiava a difusão do sistema de identificação desenvolvido por Juan Vucetich através da realização de congressos latino-americanos.[16] Desde a proibição da marcação a ferro em brasa na pele dos criminosos, tornou-se um desafio para as polícias do mundo precisar a identidade daqueles que já haviam praticado crimes e reincidiam nas práticas delitivas. No final do século XIX, especialistas de diferentes locais dedicaram-se a analisar distintas formas de recuperação e arquivamento das identidades de criminosos. Duas propostas principais circulavam nos debates criminalistas internacionais: a antropometria desenvolvida por Alphonse Bertillon e a datiloscopia de Juan Vucetich. O precursor sistema inventado por pelo criminalista francês Alphonse Bertillon, ganhou ampla receptividade nas instituições policiais sul-americanas, por trazer a possibilidade de identificar indivíduos através de medidas corporais, reforçando um marco científico de métodos de observação sobre o corpo. A bertillonage partia da premissa da fixidez da ossatura a partir do vigésimo ano de idade e estabelecia nove medições específicas como uma forma de estabelecer a identidade dos indivíduos. O sistema de organização das fichas antropométricas, que contavam com fotografias e descrições de marcas e medidas corporais se propunha ainda a solucionar o desafio de associar a identidade daqueles que chegavam nas delegacias às fichas identitárias que cresciam em grande volume nas instituições policiais.[17] Através de viagens de estudo e traduções das obras de Bertillon formavam-se especialistas no método da antropométrica em países como Equador, Peru, Chile, Brasil e Argentina.[18]

No entanto, em pouco tempo, a bertillonage já concorria com o sistema de identificação datiloscópico, desenvolvido em Buenos Aires por Juan Vucetich. A partir deste método tornava-se possível extrair a unicidade dos indivíduos através de uma forma bem menos complexa: por meio das impressões digitais. O sistema datiloscópico mostrava vantagens frente à bertillonage por não apresentar limitações etárias. As impressões digitais eram imutáveis desde os últimos meses de vida uterina até o processo de decomposição dos corpos, permitindo a identificação desde delinquentes infantis e até de restos mortais. Além disso, o método de Vucetich trazia maior precisão ao processo de identificação do que o desenvolvido por Bertillon, uma vez que este último se baseava principalmente na probabilidade de dois indivíduos não apresentarem nove medidas corporais similares.

Assim como o perito francês, Vucetich também possuía a ambição que seu sistema de identificação se internacionalizasse e fosse adotado como um sistema de cooperação capaz de conter e controlar as práticas criminais que atravessassem as fronteiras nacionais. Através de palestras e conferências, como o II Congresso Científico Latino-Americano (Montevidéu, 1901), Vucetich expôs, pela primeira vez no exterior, as ideias básicas de seu sistema de identificação. Como argumento, o criminalista defendia que seu sistema era não somente menos vexatório, mas também facilitava “a troca internacional de capturas e pedido de antecedentes, posto que o sistema datiloscópico pode se considerar um idioma legível corrente para todas as polícias do mundo”.[19]

Não por acaso, a permuta de fichas de criminosos que buscavam refúgio em outros estados foi uma das temáticas centrais do Primeiro Convênio Policial Brasileiro. Por mais que o método de identificação datiloscópico tenha chegado ao Brasil através da interlocução de Félix Pacheco com Juan Vucetich, e sobretudo, através da realização do Terceiro Congresso Latinoamericano que ocorrera no Rio de Janeiro (1905), a instalação de gabinetes datiloscópicos se restringia apenas as principais capitais brasileiras. Neste sentido, que Elysio de Carvalho realizou uma exposição no congresso defendendo a necessidade de uniformização dos métodos de identificação no território brasileiro, além de demonstrar de forma prática o sistema de apreensão das impressões datiloscópicas apanhadas em locais de delitos. O escritor alagoano expôs aos demais representantes do Congresso diversas fotografias feitas pelo Gabinete de Identificação do Distrito Federal de impressões digitais deixadas por criminosos em locais de delitos, considerando-as como fundamentais para elucidação de inquéritos criminais. Junto a esta exposição, o intelectual alagoano apresentou no convênio quatro trabalhos de sua autoria que se relacionavam a esta temática: A função da fotografia nos inquéritos judiciários, A inspeção fotográfica nos locais do crime, Escola de Polícia e Estatística criminal.

A atuação de Elysio de Carvalho recebeu elogios no congresso por parte de Sr. Dr. Albuquerque Lins, o presidente do Estado de São Paulo, principalmente por sua participação nas comissões de ‘Investigação’ e ‘Identificação’. Apesar dos trabalhos não constarem na íntegra nas atas do Primeiro Convênio Policial Brasileiro, é possível recuperar alguns destes no periódico oficial do Gabinete de Identificação, editado por Elysio de Carvalho e intitulado como, Boletim Policial[20]. Desta forma, foi possível encontrar dois destes artigos ‘A função da fotografia nos inquéritos judiciários’ e ‘Escola de Polícia’. Nestes trabalhos, Elysio de Carvalho desenvolveu um posicionamento bastante particular sobre a temática da investigação criminal e da identificação.

Assim como a seus colegas, as novas formas de criminalidade que marcavam as primeiras décadas da república brasileira impressionavam o escritor Elysio de Carvalho. Para este, o “crime evoluiu, adquiriu novos aspectos, tornou-se intelectual, fraudulento, internacional, associativo, o criminoso de hoje sendo dotado de qualidades de inteligência apuradíssimas, possui[21] recursos inúmeros para escapar à ação da justiça”.[22] Desta forma, junto aos avanços tecnológicos e científicos que marcavam o fim do século XIX e o início do século XX, a modernidade traria uma segunda face: a evolução e apropriação de novas tecnologias como instrumentos para que os criminosos escapassem às punições das práticas delitivas. No entanto, este aparente desencanto com a ideia de progresso possuía uma solução para o autor. A polícia deveria reinventar-se, afastar-se de suas práticas coercitivas e agressivas para modernizar-se, aproximando-se de saberes científicos para ser capaz de conter tais formas de criminalidade.

Seria justamente pelo novo caráter científico que se revestia o trabalho policial –com a criação de departamentos, como o Serviço Médico Legal e o Gabinete de Identificação e Estatística– que intelectuais, como Félix Pacheco e Elysio de Carvalho ingressavam neste campo, chegando a protagonizar convênio policiais. [23] Neste sentido, que o escritor alagoano defendeu durante a realização deste congresso seu projeto de criação de uma Escola de Polícia, para fornecer uma “aprendizagem teórica e prática”, que “apurando-lhe a vocação, familiarize (o policial) com todos os métodos, processos e praxes, utilizados na luta contra o crime”.[24] Para que os agentes de polícia abandonassem as práticas de violência e coerção, estes deveriam obter uma formação que os aproximassem dos saberes de uma polícia científica. E através de práticas e saberes intelectualizados estes seriam capazes de desmontar os engenhosos golpes dos criminosos modernos.

O ensino que seria obrigatório a todos os funcionários do corpo de segurança pública, assim como aos candidatos a cargos policiais, contava com a datiloscopia, “não só como processos de identificação judiciaria, mas como método eficaz na descoberta de autores de crimes” e como disciplina obrigatória e “base do estudo”[25] da temática de identificação. A fala de Elysio de Carvalho encontrou ressonância no trabalho apresentado por Francisco de Paula Pereira Faustino, diretor do Gabinete de Identificação do Estado do Rio de Janeiro, que também compôs a comissão de ‘Identificação’ do Primeiro Convênio Policial Brasileiro. Segundo este, a datiloscopia era a “base a qualquer convênio de polícia interestadual, desde que seja um e único o método empregado, para que não haja necessidade de interpretar ou traduzir a individual apresentada”.[26]

Não por acaso, a exaltação do método datiloscópico resultou no elogio de Juan Vucetich à realização do congresso. Em carta redigida a Elysio de Carvalho, o diretor do Gabinete de Identificação de La Plata considerou o evento como um “grande passo no sentido de unificação de procedimentos no Brasil”.[27] A correspondência evidenciava os esforços de construção e manutenção de redes de cooperação entre a polícia argentina e brasileira, mesmo após a saída do Gabinete de Identificação do Rio de Janeiro do maior interlocutor brasileiro de Juan Vucetich, o escritor e policial, Félix Pacheco. Em sua carta, Vucetich elogiou a obra ‘A identificação como fundamento da vida jurídica’ de autoria de Elysio de Carvalho que lhe fora enviada pelo próprio policial. Além deste título, o criminalista de Buenos Aires comentou como acompanhava os estudos publicados pelo policial brasileiro na revista Boletim Policial, graças ao auxílio de seu amigo Dr. Reyna Almandos. Junto a correspondência, o diretor do Gabinete de Identificação de La Plata enviava um pacote contendo leis, formulários e um exemplar da “La Libreta del Inmigrado”, com o fim de intercambiar informações e métodos sobre a temática de identificação individual. Assim como apresentado no Primeiro Convênio Policial Brasileiro, o criminalista de Buenos Aires também mostrava preocupação frente à dificuldade de implantação completa do sistema datiloscópico nos territórios brasileiros e argentinos. Desta forma, mais que apenas uma inspiração para o Gabinete de Identificação do Rio de Janeiro, a aproximação que Elysio de Carvalho procurava fazer com a polícia de Buenos Aires tinha como intuito reiterar um dos vínculos policiais mais fortes no espaço sul-americano, através de intercâmbios de saberes teóricos e técnicos sobre as formas identificação desenvolvidas nestes países.

No ano de 1912, a datiloscopia já era considerada em diferentes nações do mundo como o método mais eficaz de identificação e responsável pela superação da técnica da bertillonage. No entanto, em seu segundo trabalho apresentado no Convênio Policial, Elysio de Carvalho apresentou a pertinência dos estudos de Alphonse Bertillon para os processos de investigação dos crimes e daqueles que os praticavam. Longe de criticar o método datiloscópico desenvolvido por Juan Vucetich, Elysio de Carvalho vinha demonstrar como os estudos desenvolvidos por Alphonse Bertillon não estariam completamente esvaziados. Mas, ao contrário, se para o desenvolvimento de um sistema de identificação dos indivíduos suas teorias estariam ultrapassadas, seus estudos sobre a fotografia judiciária “prestavam relevantes serviços, estabelecendo a veracidade de certas afirmações ou mostrando a falsidade de testemunhos, quando se procura resolver questões relacionadas com o fato”.[28] Além disso, no que tange “a identificação dos cadáveres desconhecidos, também a fotografia é realizada com excelentes resultados sendo até mais necessária e aplicável que o assinalamento antropométrico”.[29] Colocando como desafio as dificuldades de inspeção de locais de cena de crimes, a fotografia métrica era defendida por Elysio de Carvalho como um método capaz de recuperar detalhes e indícios quase imperceptíveis que poderiam ser fundamentais para elucidação de um crime. Criada por Alphonse Bertillon, frente aos recorrentes equívocos cometidos pelos operadores fotográficos, a fotografia métrica foi descrita por Elysio de Carvalho como:

“um conjunto de métodos que permitem tornar uma fotografia, tomada pelos processos ordinários, suscetíveis de ser, quando se quer, medida e, ainda mais, transformada em plano de escala de redução uniforme conhecida. Aplicando-se à fotografia judiciaria os princípios fundamentais de perspectiva de que se servem os arquitetos no levantamento das plantas fotográficas e no estabelecimento das cartas geográficas, pode-se conseguir fotografias que fornecem os meios de reconstruir, sobre a própria prova, as distâncias e as dimensões reais dos objetos representados, quer sejam vistas externas e internas de prédios, quer se trate de cadáveres, móveis, impressões, manchas, etc.”.[30]

Desta forma, a fotografia métrica permitia a reconstrução das cenas de crimes, através das análises de vestígios deixados pelos criminosos -desde impressões digitais, a pegadas, machas de sangue e objetos deixados pelo chão– tornando-se um instrumento eficaz para elucidação de intricados crimes. Tal posicionamento de Elysio de Carvalho não ocorria por acaso. Considerando Alphonse Bertillon como “criador da moderna técnica policial”[31], o diretor do Gabinete de Identificação do Distrito Federal posicionava-se de forma bastante conciliatória frente à rivalidade entre os polos policiais argentino e francês. Sem deixar de defender e endossar a datiloscopia, desenvolvida por Juan Vucetich, Elysio de Carvalho procurava sempre ressaltar a pertinência e as reais contribuições dos estudos de Bertillon.[32] Em um artigo publicado anteriormente à realização do Convênio Policial Brasileiro, o diretor do Gabinete de Identificação do Rio de Janeiro já assumia esta postura ao declarar que havia sido “o sistema de Vucetich, juntamente com a antropometria de Bertillon –a mensuração de certas partes imutáveis e características do corpo humano-, que operaram uma radical transformação na técnica policial”.[33]

Desta forma, o escritor alagoano reforçava tanto as relações com a polícia portenha, e com o próprio Vucetich; como também, com Alphonse Bertillon e seus pupilos, Edmond Locard (diretor do Laboratório de Polícia Técnica em Lyon) e Rudolph Archibald Reiss (diretor do Laboratório de Polícia Técnica da Universidade de Lausanne/ Suíça), considerados protagonistas dos polos de polícia científica francófonos do século XX.[34] Não por acaso, foi possível localizar duas cartas escritas por Alphonse Bertillon a Elysio de Carvalho, meses após a realização do Convênio Policial Brasileiro. Em agradecimento, Bertillon felicitou o policial alagoano por este ter lhe enviado duas obras de sua autoria -“Identificação como fundamento da vida jurídica” e “Função da fotografia nos inquéritos judiciários”-, tendo sido esta última apresentada no Primeiro Convênio Policial Brasileiro. Além do intercâmbio de obras, Bertillon parabenizou o diretor do Gabinete de Identificação por sua participação em diferentes congressos científicos, afirmando que sua atuação “logo conduziria a uma desejável unificação dos métodos de identificação”.[35] Junto ao diálogo travado com Bertillon, Reiss e Locard foram interlocutores profícuos do policial brasileiro, promovendo uma série de intercâmbios entre as polícias de Lyon, Lausanne e Rio de Janeiro. Em visita a capital brasileira, por exemplo, Reiss realizou uma série de palestras na Escola de Polícia sobre a temática de investigação das cenas de crime. Suas explanações foram resumidas e traduzidas pelo diretor do Gabinete de Identificação do Distrito Federal e publicadas no livro intitulado ‘O Professor Reiss no Brasil’. Enquanto, por sua vez, Locard escrevera um estudo sobre a mesma Escola de Polícia brasileira que fora publicado em brochura na coleção da Biblioteca do Boletim Policial, dirigida também por Elysio de Carvalho.

Se o estudo sobre a fotografia métrica publicado na revista do Boletim Policial e explanado no Primeiro Convênio Policial Brasileiro indicava como o diretor do Gabinete de Identificação do Rio de Janeiro procurava estabelecer vínculos entre diferentes polos de polícias internacionais; por outro lado, este também evidenciava um possível nexo que levara o escritor aos estudos de polícia científica e a própria participação neste congresso. A ideia que o método da fotografia métrica permitia que os agentes policiais pudessem reconstruir, de forma imparcial e precisa, crimes que aparentemente não eram possíveis de serem solucionados, remetia a emergência de um paradigma indiciário que marcou o início do século XX. A relação entre um método indiciário e uma ação detetivesca foi discutida por Carlo Ginzburg[36] ao analisar o paradigma de conhecimento expresso pela forma de interpretação de crimes característica do detetive Sherlock Holmes, criado no final do século XIX pelo escritor Arthur Conan Doyle. O detetive desenvolvera um método de análise partindo da concatenação de resíduos, dados marginais, que através de um olhar apurado se constituíam enquanto reveladores para resolução de complexos mistérios. Nos romances de Conan Doyle são recorrentes as soluções de crimes a partir de pegadas na lama, cinzas de cigarro, orelhas cortadas do corpo da vítima, que graças à capacidade racional do detetive revelavam segredos e solucionavam intricados crimes. Não por acaso, Elysio de Carvalho publicou um conjunto de seus artigos policiais sob o título “Sherlock Holmes no Brasil” durante a década de 1920, quando já não mais pertencia ao corpo de agentes de polícia do Rio de Janeiro. A aproximação do escritor alagoano com os estudos criminalísticos relacionava-se com a emergência de um paradigma de pensamento que atravessa tanto o campo da ciência, como também o da literatura. Não por acaso, eram constantes em seus textos referências a personagens fictícios, como Arsène Lupin, criado por Maurice Leblanc, para designar criminosos que por sua inteligência conseguiam escapar à ação policial; assim como Monsieur Dupin, criado por Edgard Allan Poe, em comparação aos agentes do campo de polícia científica. Seria assim, transitando justamente entre os campos literários e criminalísticos, que Elysio de Carvalho viria defender a construção de uma polícia científica brasileira -capaz de lidar de forma astuta e racional com as práticas criminais modernas– cuja forma de atuação não deveria se restringir às fronteiras geográficas nacionais, mas justamente articular-se dentro e fora destes limites.

A polícia brasileira através das fronteiras

Os debates sobre a unificação dos métodos datiloscópicos que marcaram as atividades dos grupos de trabalho de ‘Identificação’ e ‘Investigação’ do Primeiro Convênio Policial Brasileiro estavam atrelados ao esforço de estabelecer de modo mais seguro e eficaz a captura de criminosos foragidos que transitavam entre as fronteiras dos estados do Brasil. Nesse sentido, os representantes das instituições policiais que se reuniam em São Paulo no ano de 1912 vinham enfrentar um desafio que marcava o Brasil da Primeira República: articular os diferentes estados brasileiros, que separados por grandes extensões de terra e com dinâmicas socioeconômicas profundamente distintas, muitas vezes tornavam-se incomunicáveis entre si. Tal problema foi sinalizado pelo jornal O Correio da Manhã ao comentarem a realização do Convênio Policial Brasileiro. De vinte seis estados, apenas quatorze haviam mandado representantes para a realização do evento. Por mais que posteriormente os estados ausentes pudessem acatar as propostas e os encaminhamentos do Congresso, o correspondente deste periódico ressaltava como

“seria melhor que comparecessem, tomando parte direta e ativa em todas as deliberações, apresentando ideias, aviltando providências, colaborando, enfim, de modo eficaz, para que o êxito dessa solene assembleia de Estados correspondesse ao desejo de seus iniciadores e fosse de grande alcance para o serviços policial em todo o país”.[37]

De fato, se para as instituições policiais dos estados da região sudeste tornava-se um desafio lidar com os “criminosos viajantes” e os considerados “moços bonitos” –que utilizavam-se da graça e elegância para realizar engenhosos delitos- os representantes dos estados do nordeste viam-se constantemente as voltas com fenômeno do banditismo, cujos os homens e mulheres do cangaço desafiavam as autoridades locais e transitavam entre as fronteiras dos estados limítrofes na medida em que percebiam que estavam sendo procurados pela polícia.[38] Em editorial, o jornal O Paiz colocou como as formas de atuação deste grupos ocorriam justamente através da permeabilidade das fronteiras destes estados:

“as maltas dos cangaceiros vivem uma vida perfeitamente nômade, sem ponto fixo, mas conhecem suficientemente os limites entre dois Estados para se retirar para o outro lado da fronteira Estadual, quando percebem que a ação da polícia se faz sentir no Estado em que se encontram. Não ignoram esses homens o benefício do regime federativo, que impede a polícia de um Estado, na perseguição de criminosos, invadir o território do Estado limítrofe, e fugindo para Paraíba quando percebem que é a polícia de Pernambuco que os está perseguindo”.[39]

Foram inúmeros os esforços de cooperações entre as provinciais regionais nordestinas, como Pernambuco e Paraíba, que desde meados do século XIX viam as práticas de banditismo ganhar dimensões endêmicas pela miséria da seca. Não por acaso, no ano de 1912, mesmo ano da realização do convênio policial, os estados de Recife, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte procuraram estabelecer formas de cooperação policial oficiais para enfrentar homens como Rifle de Ouro, João Donato e Cobra Preta.[40] As campanhas repressivas que se estenderiam até a década de 1920, com o intuito de capturar tais lideranças de banditismo sertanejo possuíam resultados localizados, mas não resultavam na formação de redes sólidas de cooperação policiais entre os estados nordestinos.

Em meio a este cenário, que o presidente do Convênio Policial Brasileiro, Dr. Manoel Viotti, citou o estadista americano Elihu Root para ressaltar a necessidade de retomar as relações de amizade e associação entre os estados brasileiros. No entanto, o problema de articulação entre estes estados para realização de um Convênio Policial refletia as dificuldades de adoção de um sistema republicano -justamente inspirado em um modelo federalista estadunidense -, frente às radicais diferenças socioeconômicas que atravessavam o território nacional brasileiro. A Carta constitucional brasileira de 1891, imbuída do legado revolucionário norte-americano, legitimava um sistema político baseado no federalismo, no presidencialismo e no regime representativo democrático. No entanto tal dispositivo legal que forjava a república do Brasil mostrava-se distante da realidade específica do país, marcada pelo domínio dos poderes e autoridades locais, baseados na concentração da propriedade de terra e em vínculos patrimoniais.[41] A centralidade conferida aos estados no sistema federalista radicalizava as lutas entre grupos políticos presentes em cada estado, tornando a composição do Parlamento imprevisível e criando um problema de governabilidade ao Executivo. A contradição entre os ideais fundadores do regime republicano e os desafios característicos da herança histórico-social do país foi conceituada por Oliveira Vianna, através da oposição entre um país legal/país real, indicando os limites da imposição de uma “cultura política anglo-saxã, sem enfrentar os temas da revolução agrária, da extinção do monopólio de terra e da elevação do homem do campo à condição de cidadão livre e portador de direitos”.[42]

Neste sentido, o esforço de criação de um sistema policial nacional capaz de capturar os criminosos que transitavam entre as fronteiras dos estados brasileiros esbarrava em um traço fundamental do sistema federalista: a autonomia dos estados no que tange à gestão de segurança de seus territórios. Frente a tal problema, o delegado representante do Rio Grande do Sul, Dr. Thompson Flores, afirmou durante a realização do congresso que a organização da polícia do Rio Grande do Sul seria de “ordem constitucional”, não sendo possível “dar o seu voto para que esta organização seja modificada, mesmo porque este voto seria perfeitamente inócuo”.[43] Apesar de ser a favor da permuta de fichas de identidade e da elaboração de um código telegráfico nacional, Dr. Thompson Flores afirmou que uma vez que nenhuma organização policial seria melhor que a do seu estado, sua função seria apenas levar “a boa impressão”[44] que lhe teria causado a organização da polícia de São Paulo para o Rio Grande do Sul. E, somente em época oportuna, isto é, quando fosse modificada a constituição do seu estado, esta “boa impressão” poderia gerar modificações do aparelho burocrático policial rio-grandense.

Em resposta a fala de Dr. Thompson Flores, Elysio de Carvalho procurou recuperar qual seria o papel do Convênio Policial Brasileiro, afirmando que esta associação entre as polícias não tinha como intuito “ir de encontro à organização do que é próprio a cada Estado.”[45] No entanto, este tinha a clareza que toda medida proposta pelo Convênio pudesse afetar as respectivas polícias estatais. Como solução o escritor alagoano ainda propunha que os delegados votassem com restrições, ou mesmo, ad referendum, pois assim, colocavam que as medidas aprovadas no convênio deveriam ainda ser aprovadas pelos governos de cada estado. Desta forma, mesmo em meio a problemas comuns que afetavam as polícias que pertenciam ao território brasileiro, as articulações entre os órgãos policiais estatais enfrentavam problemas na criação de vínculos de cooperação nacional que esbarravam na própria natureza do sistema federativo da república brasileira.

Mesmo em meio a tal debate foi possível estabelecer alguns consensos frente aos problemas de identificação, captura e extradição de criminosos. Os delegados representantes dos estados brasileiros decidiram tornar permanente a permuta dos antecedentes de indivíduos perigosos ao convívio social dos cidadãos brasileiros. Entre estes eram considerados: “a) os deportados e expulsos do território nacional e os que exercerem o lenocínio e o abigeato; b) os envolvidos em delitos graves contra as pessoas ou contra a propriedade; c) os envolvidos em delitos de falsificações de moeda nacional ou estrangeira, títulos ou valores de fé pública, fórmulas fiscais ou postais de qualquer natureza e de qualquer país; d) os incitadores de greves, ‘meetings’, motins, etc. quer pela imprensa, quer pelas reuniões públicas, de sociedades ou mesmo particulares, com o fim de subverter a ordem social e perturbar o trabalho livre”.[46] Desta forma, os delegados dos Estados evidenciavam quais tipos de desviantes e delitos se tornavam alvo de preocupação a ponto de reunir os representantes de diferentes estados para criar estratégias para reprimi-los. Entre estes, destacavam-se aqueles que atentavam contra a propriedade dos indivíduos, sobretudo, aqueles cuja forma de sobrevivência baseava-se na realização de consecutivos golpes de estelionato. A preocupação com os falsificadores de dinheiro, colocando novamente, como a preservação da propriedade privada e a contenção das práticas de fraudes eram dois desafios presentes na ordem capitalista brasileira do início do século XX. Além disso, também se encaixavam na categoria de periculosidade, os cáftens e aqueles considerados como criminosos políticos[47], cujo modo de atuação muitas vezes implicava na formação de redes de atuação que atravessavam as fronteiras dos estados brasileiros. Os Estados ainda se comprometeram a envidar esforços juntos ao Congresso Nacional no sentido de modificar a lei de extradição brasileira (decreto federal n.39 de 30 de janeiro de 1892), para que fosse fixado um prazo determinado em que os criminosos fossem mantidos em prisão provisória até que os documentos necessários à extradição fossem enviados à organização do estado que abrigasse o criminoso foragido.

No entanto, a elaboração no Convênio Policial de uma categoria de “indivíduos perigosos à sociedade”[48] mais que uma construção de tipos criminosos nacionais brasileiros era fruto de diálogos e intercâmbios entre as organizações policiais da América Latina. Não por acaso, em memória apresentada no convênio brasileiro, Francisco de Paula Pereira Faustino tomou como exemplo a resolução da Conferência Internacional de Polícia (1905) que determinava os tipos de pessoas perigosas cujos antecedentes deveriam ser intercambiados entre as polícias latino-americanas.[49] Ocorrida em Buenos Aires, tal conferência que contou com a presença de representantes das polícias de Uruguai, Argentina, Chile e Brasil, apresentou um perfil de indivíduos considerados hostis que era bastante similar ao elaborado no Convênio Policial Brasileiro. Ambas as conferências assinalavam a periculosidade daqueles que cometiam crimes contra a propriedade[50]; os falsificadores de moeda, de títulos ou valores mobiliários; aqueles que estariam envolvidos em delitos graves contra pessoas; os agitadores de grêmios operários e o os traficantes de escravas brancas. Realizada em Buenos Aires sete anos antes do Primeiro Convênio Policial Brasileiro, a Conferência Internacional Policial era tomada como um elemento norteador para pensar as formas de cooperação policiais entre os estados do Brasil, demonstrando como o próprio esforço de organizar uma unidade de métodos e ações repressivas nacionais era perpassado por intercâmbios policiais transnacionais.

Tal fenômeno ocorria menos por uma ineficiência da polícia brasileira e mais pela natureza de um tipo de criminalidade que ocorria nas fronteiras destes países. Talvez por isso que Francisco de Paula Pereira Faustino tenha ressaltado a necessidade de cooperação das polícias latino-americanas frente “aos delinquentes que escorraçados das Repúblicas do Prata, acodem aos portos de Santos, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco onde julgam que podem passar despercebidos pela insuficiência dos meios de fiscalização.”[51] No final no século XIX, o espaço atlântico sul-americano aparece como um local marcado pela mobilidade.[52] Com o advento das locomotivas e navios movidos a vapor, distâncias que até então pareciam imensas ganhavam proporções menores, facilitando o trânsito de pessoas entre os países sul-americanos. O desenvolvimento das metrópoles latinas foi acompanhado de uma intensificação dos fluxos migratórios, o que permitia a presença massiva nas cidades sul-americanas de imigrantes das mais diversas origens nacionais. A condição do anonimato que marcava muitas vezes aqueles que partilhavam da condição de estrangeiros permitia que os indivíduos que incidissem em práticas delitivas pudessem escapar das malhas da justiça através do deslocamento no espaço sul-americano. Não por acaso, em 1911, um ano antes do Convênio Policial Brasileiro decretava-se no Brasil uma nova lei de extradição de nacionais e estrangeiros que regulava as formas de cooperação entre as polícias internacionais e o encaminhamento dos criminosos para os países onde estes deveriam ser julgados. Logo, para um problema cuja lógica obedecia a dinâmicas transnacionais, a polícia brasileira instituía dispositivos locais que previam formas de atuações repressivas que ocorressem através e para além dos seus limites geográficos nacionais.

O próprio desejo de unificar os métodos de identificação no território nacional brasileiro era perpassado por esforços e articulações policiais que extrapolavam as fronteiras deste estado-nação. Com o intuito de facilitar o intercâmbio de antecedentes criminais entre os estados do Brasil, o Convênio Policial Brasileiro (1912) previu a adoção de uma ficha de permuta bastante similar à que havia sido ratificada na Conferência Internacional de Polícia de Buenos de Aires (1905). Os antecedentes deveriam conter “a individual datiloscópica e a planilha de filiação morfológica segundo o sistema ‘Vucetich’”, nas quais deveriam constar “filiação morfológica, exame descritivo, notas cromáticas, traços característicos, peculiaridades, marcas e sinais particulares, cicatrizes, tatuagens, anomalias, etc.”. Em alguns casos de “deportados, expulsos, proxenetas, ladrões perigosos, anarquistas” deveria ser anexada uma “fotografia de frente e de perfil, na escala de 9 X 13” que deveriam ser “tiradas em distâncias uniformes, na escala de 1/32 milímetros para a cabeça”. Diferente da Conferência Internacional, o Convênio Policial Brasileiro recomendava o uso do aparelho fotográfico de Bertillon demonstrando como os esforços de construção de um aparelho burocrático nacional eram perpassados por intercâmbios de saberes que envolviam tanto as polícias europeias como latino-americanas que compunham o espaço atlântico.

Por fim, o último ponto de discussão do Primeiro Convênio Policial Brasileiro extrapolava os próprios limites geográficos nacionais propostos pelo congresso. O Dr. Elysio de Carvalho colocou como uma das cláusulas do programa de estudos desta conferência a necessidade de ser organizado um Congresso Policial Sul-Americano. Tal proposta que também tinha como objetivo “unificar os métodos e medidas repressivas”, apresentava desta vez uma dimensão continental por procurar coordenar uma “unidade de ação de várias polícias do continente”.[53] Nesse sentido, o Primeiro Convênio Policial Brasileiro seria como um “prólogo brilhante dessa obra valiosa e utilíssima de defesa social”.[54] E, não por acaso, durante a primeira sessão do Convênio, o escritor alagoano já pedia que fosse enviados telegramas para as organizações policias de La Plata, Montevidéu, Buenos Aires e Santiago do Chile.[55]

A ideia de Elysio de Carvalho sobre a organização de um Congresso Policial Sulamericano tinha também como referência, o Terceiro Congresso Científico Latino Americano realizado no Rio de Janeiro, no ano de 1905. Talvez, por este ter sido o primeiro encontro de polícias latino-americanas da qual o Brasil participou oficialmente, chegando a abrigar o evento em seu próprio território, este se tornara uma referência para os agentes policiais brasileiros durante a realização de seu primeiro convênio policial. O congresso que contou com um quantidade menor de representantes argentinos, por outro lado, apresentou uma composição latino-americana mais diversificada, como representantes de países da América Central, como Nicarágua, Cuba e Guatemala.[56] Entre seus efeitos o encontro de 1905 representou não apenas um triunfo do sistema datiloscópico, mas também, a emergência de uma postura essencialmente latino-americana frente às polícias do mundo, a ponto do método datiloscópico desenvolvido por Vucetich ter seu nome trocado para “Sistema Sul-Americano”. [57] Como uma de suas conclusões, o Terceiro Congresso Científico Latinoamericano lançou bases para a realização de um Congresso Policial Americano, com o fim de uniformizar as formas de funcionamento das distintas policias deste continente. Tal projeto que nunca se realizou foi retomado no Primeiro Convênio Policial Brasileiro por Elysio de Carvalho, também com o intuito de criar uma união policial sul-americana frente às demais polícias do mundo.

Nesse sentido, que o escritor alagoano afirmou que em meio ao “momento da raça e da civilização latina, modificada sob o céu da América, há mister que saibamos proteger a sociedade contra os elementos perturbadores de sua marcha natural”.[58] E, parafraseando um discurso citado pelo policial Edgard Costa –investigador brasileiro presente em ambos destes eventos- a realização de um congresso policial americano seria “um meio de reunirmos esforços parcelados em prol da segurança comum de nossos países; constituindo uma verdadeira muralha, pondo, previdentemente, nossas plagas ao abrigo dos malfeitores escorraçados da Europa e de outras partes do mundo”.[59] O esforço de construção de um espaço sul-americano policial ocorria em meio a um contexto de emergência das nações imperialistas europeias, assim como de uma postura expansionista dos Estados Unidos no continente americano. Desta forma, o sistema datiloscópico de Vucetich e a própria realização dos congressos científicos latinos acabavam por desenvolver uma dupla função. Por um lado, vinham deslocar o continente da América do Sul do lugar de mero receptor das ideias científicas europeias para um lugar ativo de construtor de conhecimento; enquanto, por outro, propunham como postura política, a ideia de resguardar uma força e autonomia latino-americana frente aos demais países do mundo.[60] No entanto, o esforço de construção de uma identidade regional independente da Europa e dos Estados Unidos não foi suficiente para realização de um convênio policial latino-americano. Em 1909, os organizadores do Quarto Congresso Científico e Primeiro Panamericano, ocorrido no Chile, incluíram a participação dos Estados Unidos na realização do evento. E, por sua vez, a proposta de um encontro policial latino-americano que tivera lugar no Primeiro Convenio Policial Brasileiro não encontrara ecos entre os países do continente.

Contudo, as dinâmicas e os intercâmbios que movimentavam tais congressos nos levam a refletir sobre o processo específico de construção de um aparelho burocrático policial brasileiro e da própria formação deste estado nação. A dificuldade de articulação entre as instâncias regionais nos mostram como a consolidação de um estado nacional não necessariamente obedecia às dinâmicas sociais atreladas às fronteiras geográficas brasileiras. Ao contrário, as fronteiras nacionais por mais que concretas podiam adquirir feições virtuais frente às dinâmicas que aproximavam muitas vezes cidades cosmopolitas não pertencentes a um mesmo território nacional -como Rio de janeiro e Buenos Aires-; ao mesmo tempo em que se percebia um claro afastamento entre o estado da Amazônia e o de São Paulo. Nesse sentido, o estudo de Nina Glick Schiller[61] nos oferece uma chave de leitura interessante para pensarmos como a própria formação de fronteiras e o processo consolidação dos estados-nações seriam frutos de intercâmbios e interações sociais múltiplas, ao invés de simples “zonas de contato” inerentes a determinados países. Em crítica a um nacionalismo metodológico que teria dominado as ciências sociais durante o século XX, a antropóloga destaca os equívocos de uma sacralidade dada à noção de fronteira para pensarmos a formação dos estados nações. O nacionalismo metodológico que muitas vezes trata as fronteiras como unidades naturais de estudo negligencia como a própria construção das comunidades nacionais constituía-se como um processo trans-fronteiriço, cujas articulações entre diferentes grupos sociais desenvolviam-se mais através dos limites destes estados do que dentro de espaços territorialmente fixos. Neste sentido, torna-se compreensível pensar como o estado brasileiro teria primeiramente participado do Congresso Científico Latinoamericano (1905) -no qual se discutira os métodos de identificação de criminosos que fora adotado pela polícia brasileira– antes de organizar o seu Primeiro Convênio Policial. A formação deste estado-nação longe de obedecer a um processo histórico linear estava atrelada a dinâmicas e intercâmbios transnacionais que seriam responsáveis pela própria construção dos aparatos policiais regionais e nacionais.

Considerações finais

As primeiras décadas do século XX foram marcadas pela emergência no território brasileiro de práticas criminais cujo modus operandi residia na constante circulação e atravessamento de fronteiras daqueles que procuravam escapar às malhas da justiça brasileira. Frente a este problema que assolava diferentes regiões do país, o Estado de São Paulo organizou o Primeiro Convênio Policial Brasileiro, ocorrido no ano de 1912, com o intuito de unificar os métodos de identificação e estabelecer formas de cooperação entre as polícias regionais do país.

Neste encontro, o diretor do Gabinete de Identificação do Distrito Federal, Elysio de Carvalho desempenhou um papel importante nos grupos de trabalho de investigação e identificação de criminosos. A permuta entre os estados brasileiros de fichas de identificação de delinquentes foi um dos pontos centrais deste convênio que tomou como desafio estandardizar as formas de identificação no território nacional. A datiloscopia desenvolvida por Juan Vucetich foi escolhida não somente como método de identificação, mas foi considerada como a própria base do convênio policial brasileiro. Defensor do método de identificação de Vucetich, Elysio de Carvalho não hesitou em também defender os usos da fotografia métrica, desenvolvida pelo criminalista francês, Alphonse Bertillon, para analisar cenas de crime e elucidar a autoria dos atos criminais. A conciliação teórica entre estas duas personalidades evidenciava um esforço protagonizado por Elysio de Carvalho de inserção do Gabinete de Identificação e Estatística em redes policiais que cruzavam espaço atlântico, tanto latino-americanas como europeias.

Dentre os indivíduos perigosos ao convívio social dos cidadãos brasileiros, os delegados representantes dos estados convencionaram tornar permanente a permuta dos antecedentes daqueles que feriam o direito à propriedade privada, os criminosos políticos, os cáftens e aqueles praticassem delitos graves contra as pessoas. No entanto, a elaboração de uma categoria de indivíduos perigosos brasileiros mais que uma construção de tipos delinquentes nacionais era fruto de intercâmbios entre as organizações policiais da América Latina. O perfil de indivíduos considerados hostis assim como a proposta de ficha de identificação de criminosos era bastante similar ao desenvolvido pela Conferência Internacional de Polícia (1905), ocorrida em Buenos Aires. Desta forma, a Conferência Internacional Policial era tomada como guia para pensar as formas de cooperação policiais entre os estados do Brasil, demonstrando como o próprio esforço de organizar uma unidade de métodos e ações repressivas nacionais era perpassado por intercâmbios policiais transnacionais.

A articulação com polos e personalidades policiais internacionais longe de uma postura subserviente e estrangeirista mostrava como o aparato burocrático policial brasileiro se construía através de intercâmbios entre polos de polícia científica do espaço atlântico. As tensões entre os estados brasileiros durante a realização do Congresso evidenciavam os conflitos do sistema federativo republicano e as dificuldades de estabelecer políticas nacionais frente as diversidades socioeconômicas do extenso território nacional. Nesse sentido, a realização do Primeiro Convênio Policial Brasileiro e a proposta de um Congresso Latino-Americano evidenciavam como o próprio processo de construção de um aparelho burocrático policial nacional não obedecia a lógicas e dinâmicas restritas às fronteiras geográficas de um país. Ao contrário, era justamente através destes limites que se pretendia construir práticas unificadas entre as polícias dos estados que compunham o território nacional brasileiro.♦

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Notas

[2] Nascido em Pernambuco, em 1847, Alfredo Pinto formou-se em Direito, ocupando os cargos de promotor, juiz de direito em Minas Gerais, e chefe de polícia na gestão de Afonso Pena (1894-1897). Com o falecimento do presidente, demitiu-se do cargo policial. Ver: SAMET, Henrique. Construção de um Padrão de Controle e Repressão na Polícia Civil do Distrito Federal por Meio do Corpo de Investigação e Segurança Pública (1907-1920), Rio de Janeiro, UFRJ, Tese de Doutorado, 2008.
[3] A alusão à figura de um pirata provavelmente está atrelada à acusação de plágio feita a Elysio de Carvalho quando este era um literato recém-chegado à cidade do Rio de Janeiro. Em 1899, o escritor alagoano foi acusado de ter plagiado três poemas de Aristeu de Andrade, escritor e irmão do redator-chefe do jornal alagoano Guttenberg. Sobre o caso, ver: ELYZIO DE Carvalho: o Afonso Coelho da Literatura. Guttenberg. Rio de Janeiro, 14 de abril de 1899, p.1.
[8] CARVALHO, Elysio de. Five o’clock. Rio de Janeiro, Garnier, 1909, p.113-114.
[11] Manoel Viotti foi advogado e chefe do gabinete de identificação de São Paulo. No convênio policial atuou junto ao delegado da polícia de São Paulo, Ascânio Cerqueira, o delegado auxiliar Theophilo Nobrega e o delegado Sebastião Nogueira de Lima. Sobre os membros do Convenio Policial Brasileiro, ver: MARTINS, Marcelo Thadeu Quintanilha. Modernidade, polícia e sociedade em São Paulo nas primeiras décadas da República, 1889-1930. Tese de Doutorado em História Social, Universidade de São Paulo, 2011.
[12] Em diversos escritos de Elysio de Carvalho é possível perceber uma crítica à modernidade atrelada às problemáticas ligadas às questões sociais. Na medida que o mundo moderno trazia consigo uma série de avanços socioeconômicos – como a industrialização, urbanização e as novas invenções tecnológicas – o mesmo apresentava uma face obscura: o aperfeiçoamento das técnicas dos delitos dos criminosos. A solução pensada por Elysio de Carvalho para tal questão seria a construção de um campo de polícia científica capaz de combater tais práticas criminais. Tal perspectiva que pensa o aprofundamento e sofisticação das práticas criminais como fruto da modernidade pode ser vista em: CARVALHO, Elysio de. “História Natural dos Malfeitores: Apontamentos”. Boletim Policial. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, ano VII, nº6, junho de 1913.
[18] Como exemplo, o estudo de Marco Antonio León León que nos permite analisar as formas de apropriação do método de identificação desenvolvido por Bertillon que ocorreram no Chile através do estudo das chamadas ‘galerias dos delinquentes’, presentes nos sistemas policiais e carcerários. Ver: LÉON LEÓN, Marco Antonio. Construyendo un sueto criminal. Criminologia, criminalidade y sociedade en Chile. Siglos XIX e XX. Santiago, Centro de Investigaciones Diego Barros Arana – DIBAM – Editorial Universitaria, 2015. Sobre o caso brasileiro, ver: GALEANO, Diego. “Identidade cifrada no corpo: o bertillonnage e o Gabinete Antropométrico na Polícia do Rio de Janeiro, 1894-1903”. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.7, n. 3, p.721-742, set-dez 2012.
[21] No original consta ‘possuindo’.
[32] Em outros países da América Latina, a adoção do método datiloscópico de Vucetich não implicou consecutivamente em um abandono das teorias do criminalista Alphonse Bertillon. No México, por exemplo, o método de identificação antropométrico coexistiu com a datiloscopia de Vucetich. Sobre o caso mexicano, ver: SPECKMAN GUERRA, Elisa. “En la inmensa urbe y el laberinto de los archivos: la identificación de criminales en la ciudad de México”. In: Galeano, Diego; Kaminsky, Gregorio (Ed.). Mirada (de) uniforme: historia y crítica de la razón policial. Buenos Aires: Teseo, 2011. p.111-151.
[34] A importância do debate sobre se Alphonse Bertillon ser ou não o “pai da polícia científica” pode ser percebida no seguinte episódio. Em crítica à aula inaugural de R. A. Reiss na Universidade de Lausanne –aula que foi traduzida no primeiro número do Boletim Policial- Ottollenghi escrevera um artigo defendendo que ao contrário do que Reiss afirmara, o pai fundador da polícia científica seria Lombroso, figura chave do campo da medicina legal, ao invés de Lacassagne. Cf: QUINCHE, Nicolas. Sur les traces du crime: De la naissance du regard indicial à l’institutionnalisation de la police scientifique et technique en Suisse et en France. Genebra, Slatkine, 2011.
[35] BERTILLON, Alphonse. In: “Relatório do Diretor do Gabinete de Identificação e de Estatística, correspondente ao ano de 1912, apresentado ao Exm. Sr. Dr. Chefe de Polícia do Distrito Federal”. Boletim Policial. Rio de Janeiro, ano VII, nº1/2/3, jan.-mar.1913, p. 25. [tradução da autora].
[36] GINZBURG, Carlo. Sinais: Raízes de um paradigma indiciário. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p.169 -180.
[44] Idem.
[47] Em sua tese de doutorado, Diego Galeano destaca como o anarquismo por excelência emergia a partir de dinâmicas transnacionais que atravessavam dos países latino americanos e europeus. Ver: GALEANO, Diego. Criminosos viajantes: circulações policiais entre Rio de Janeiro e Buenos Aires (1890-1930). Rio de Janeiro: UFRJ, Tese de Doutorado, 2012.
[50] É importante identificar que diferente da Conferência Internacional de Polícia realizada em Buenos Aires, o Primeiro Convênio Policial Brasileiro incluiu como indivíduos perigosos aqueles que praticavam abigeato. Tal inserção pode ser justificada por este se constituir como um crime de furto de animais de carga ou de abate, característico das zonas rurais brasileiras. Desta maneira, procurava-se também pleitear os representantes do estados que possuíam realidades socio-econômicas rurais que compunham o território nacional.
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