Artigos Científicos
INVESTIGAÇÕES MATEMÁTICAS NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: UMA EXPERIÊNCIA NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES
MATHEMATICAL INVESTIGATIONS IN MATHEMATICS EDUCATION: AN EXPERIENCE IN INITIAL TEACHER TRAINING
INVESTIGACIONES MATEMÁTICAS EN LA EDUCACIÓN MATEMÁTICA: UNA EXPERIENCIA EN LA FORMACIÓN INICIAL DE PROFESORES
Revista de Educação Matemática
Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Brasil
ISSN: 2526-9062
ISSN-e: 1676-8868
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 15, núm. 18, 2018
Recepção: 01 Maio 2017
Aprovação: 15 Setembro 2017
Publicado: 01 Janeiro 2018
Resumo: Este trabalho é oriundo do estágio docente do primeiro autor, orientado pelo segundo no decorrer do mestrado . O objetivo é compartilhar a experiência tida com a Investigação Matemática na formação inicial de professores de matemática e ensejar entre os professores do ensino básico e formadores de professores discussões possíveis. As reflexões efetuadas vêm reforçar a ideia da não linearidade (teórica e prática) nos processos de formação de professores, bem como da presença de elementos epistemológicos e práticos relacionados à Investigação Matemática; da experiência com práticas de aula e de (re)formulação de tarefas.
Palavras-chave: Formação de professores, Investigação Matemática, Modelos de formação.
Abstract: This work comes from the teaching stage of the first author, guided by the Second in the master’s course. The objective is to share the experience with the Mathematical Research in the initial formation of mathematics teachers and induction between teachers of basic education and teacher’s trainers possible discussions. The reflections carried out reinforce the idea of non-linearity (theoretical and practical) in teacher training processes, as well as the presence of epistemological and practical aspects related to Mathematical Research; experience with classroom practices and (re)formulation of tasks.
Keywords: Teacher training, Mathematical Research, Models of formation.
Resumen: Este trabajo es oriundo de la etapa docente del primer autor, orientado por el segundo en el curso del máster. El objetivo es compartir la experiencia con la Investigación Matemática en la formación inicial de profesores de matemáticas y enseñar entre los profesores de enseñanza básica y formadores de profesores posibles discusiones. Las reflexiones efectuadas vienen a reforzar la idea de la no linealidad (teórica y práctica) en los procesos de formación de profesores, así como de la presencia de elementos epistemológicos y prácticos relacionados a la Investigación Matemática; de la experiencia con prácticas de clase y de (re) formulación de tareas.
Palabras clave: Formación de profesores, Investigación Matemática, Modelos de formación.
Introdução
A formação de professores de matemática, tanto a inicial quanto a continuada, é uma das principais demandas da área de Educação Matemática, (GARNICA; MODESTO, 2005, NACARATO; PAIVA, 2013), embora o debate acerca do tema, no âmbito da formação geral, não seja recente e receba contribuições de autores como Schön (1983), Nóvoa (1997) e Garcia (1999).
Ainda que as questões decorrentes dos estudos dos autores supracitados se façam presentes ao discutir formação de professores, outras surgem como indicadores de debates e pesquisas, especificamente em Educação Matemática, bem como desafios a serem superados. Algumas surgem, por exemplo, a partir do I SIPEM - Seminário Internacional de Educação Matemática, no qual se constituiu oficialmente o GT 7 - Formação de professores que ensinam matemática. Dentre elas, podemos destacar as questões que se dirigem aos processos e às metodologias utilizadas na formação docente, sobre as quais Nacarato e Paiva (2013, p. 9), indagam: “Qual o domínio metodológico de investigação em formação do professor?”. Essa questão, ainda que pareça óbvia, é de suma importância para orientar a pesquisa sobre a formação de professores.
Ao que concerne à Investigação Matemática, enquanto tendência metodológica para o ensino de matemática, a formação inicial e continuada tem sido discutida de forma crescente no contexto da Educação Matemática. A título de exemplo, Wichnoski (2016) apresenta uma metacompreensão daquilo que se manifesta sobre a Investigação Matemática na formação de professores que ensinam matemática, num contexto de uma política pública de formação de professores.
No tocante ao trabalho prático, tanto a formação inicial quanto a continuada carecem de proximidade com a Investigação Matemática e experiências isoladas em algumas disciplinas que compõem a licenciatura como, por exemplo, tendências em Educação Matemática[1], são insuficientes para que os futuros professores venham a pôr em prática este tipo de trabalho.
Essa afirmação tem implicações estruturais às licenciaturas sugerindo que os professores que nela atuam, tenham, no mínimo, familiaridade, incluindo em seu repertório docente, o domínio da tendência e utilizando-a de modo frequente em suas aulas. No entanto, não é isso que tem ocorrido. Parece-nos que pouco tem se avançado em termos práticos, deixando a questão da formação de professores em Investigação Matemática somente na esfera dos discursos, salvaguardadas valorosas exceções.
Em face disso, Wichnoski (2014, p. 13) propõe “a inserção de disciplinas específicas que tratam da legitimidade conceitual da nomenclatura Investigação Matemática, bem como assumir seus pressupostos teóricos noutras disciplinas, tanto educacionais como de conteúdo específico de Matemática”.
A partir deste entendimento, assumimos o desafio de pensar a formação inicial de professores de matemática sob essa perspectiva no estágio docente[2] realizado pelo primeiro autor desse trabalho orientado pelo segundo, por meio de um trabalho no qual ambos estudavam, preparavam e decidiam sobre o encaminhamento das aulas.
Propusemos uma disciplina de caráter optativo, denominada Investigações Matemáticas no Ensino de Matemática aos alunos do terceiro ano do curso de licenciatura em matemática da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste, campus Cascavel[3].
A proposta de uma disciplina optativa, ainda que não contemple a dimensão que perpassa outras disciplinas, atende a dimensão da prática com a Investigação Matemática que não é contemplada em disciplinas mistas ou meramente informativas sobre a tendência. De modo semelhante, Fonseca (2002) ministrou uma disciplina num curso de formação inicial de professores inteiramente voltada à realização de investigações matemáticas.
A experiência de ministrar a disciplina pareceu-nos tão exitosa que consideramos pertinente compartilhá-la com o intuito de explicitar os modos que ela foi planejada e empreendida; e de dispor ao professor do ensino básico e também aos formadores de professores um modo pelo qual seja possível (re)construir a prática em sala de aula.
Outro incentivo à construção do referido artigo é a importância que a reflexão sobre a experiência, em qualquer âmbito, mas principalmente em sala de aula, tem para a nossa formação profissional enquanto professores de matemática. Reforçando esta ideia Polettini (1999, p. 250) evoca que
A experiência em si em nossa vida é importante, mas a análise dessa experiência é muito mais importante, e como a reflexão sobre as experiências passadas e presentes se realiza desempenha um papel fundamental para o desenvolvimento profissional do professor.
Trabalhos como de Oliveira (2014) que discute a Investigação Matemática a partir do relato de uma oficina voltada para futuros professores de matemática e de Paulo e Silva (2011) que a discutem num curso de formação de professores de matemática, fortalecem a pertinência deste que ora realizamos, uma vez que possuem perfis semelhantes e objetivos comuns, a saber, dialogar sobre aspectos referentes à Investigação Matemática a partir da experiência vivida.
A explicitação da experiência e do modo que organizamos o trabalho em sala de aula se faz necessária, uma vez que o compartilhamento das ideias corrobora para o refinamento da proposta e dos elementos que a subsidiaram, bem como se torna em um aporte para futuras práticas como esta que realizamos.
Com isso, o professor pode ter mais um subsídio, além daquilo que já é ofertado no âmbito das instituições de Ensino Superior. Ele próprio pode assumir a responsabilidade sobre a sua formação, simultaneamente à sua prática de sala de aula, num movimento de troca mutua de experiências e ideias com os demais colegas, parafraseando Freire (1998), formando e se re-formando com certa autonomia. Isso abre a possibilidade de formar-se na ação prática cotidiana, de tal maneira que tenha maior clareza sobre a sua formação e os reflexos que isso tem na sua prática docente.
Esse preâmbulo nos remete à explicitação da concepção de Investigação Matemática assumida na preparação e no desenvolvimento da disciplina.
Sobre a concepção de Investigação Matemática assumida
Pensando o termo concepção não apenas como visão e/ou percepção sobre determinados conceitos, mas sim como ato que começa com a compreensão da essência e culmina na elaboração de um dado conceito, assumimos aquilo que já conhecíamos sobre a Investigação Matemática, porém não de modo estático. Algumas ideias se aproximavam das perspectivas existentes na literatura sobre o tema, porém outras foram reconfiguradas de acordo com o nosso entendimento, fruto de seis anos de estudos dedicados a essa tendência.
De outro modo, não assumimos uma perspectiva única e estática a priori, uma vez que a própria disciplina tinha como um dos objetivos, ser um lócus da produção do conhecimento em Investigação Matemática. O que fizemos foi disparar as primeiras aulas de acordo com o exposto na literatura, abertos a novas formas de ver, pensar e compreender a Investigação Matemática no contexto a Educação Matemática.
Assim a concepção que tínhamos inicialmente sobre a Investigação Matemática era de uma tendência inserida no paradigma investigativo, numa acepção próxima ao descrito por Skovsmose (2000). Ademais, estruturamos e conduzimos a disciplina, amparados em nossa síntese compreensiva dos trabalhos de autores como Ponte, Brocardo e Oliveira (2013); Ponte (2003); Serrazina et al. (2002); Ponte et al. (1998) entre outros, porém, apresentando sempre que possível uma compreensão própria e considerando novas visões que porventura surgissem.
Diante do exposto, na próxima seção, explicitamos a postura com qual nos dirigimos à experiência vivida em sala de aula.
Sobre a postura metodológica assumida
De natureza qualitativa, a postura assumida desde a construção da disciplina até a do presente trabalho enfoca os sujeitos que vivenciaram a disciplina (professores formadores e futuros professores de matemática) e os diferentes modos que eles têm de produzir conhecimentos com vistas à matemática, à Investigação Matemática e à prática docente, buscando nos registros – dos futuros professores ao descreverem as atividades realizadas nos respectivos portfólios e dos professores formadores ao produzirem diários de aula – as sínteses compreensivas, as descrições que revelam uma aprendizagem.
Descrições são, para nós, expressões da experiência vivida em diferentes momentos de sua articulação e que trazem consigo o conhecimento produzido (PAULO; SILVA, 2011), portanto, tornam-se um aspecto fundamental para o olhar que se volta à experiência vivida, a qual nunca é abarcada na sua ocorrência presente, mas sempre retomada na imersão do passado vivido. Isso significa dizer que jamais é tomada “em sua riqueza de nuanças que diriam da totalidade da vida, mas sempre em destaques tidos intencionalmente como relevantes por aquele que as expressa” (BICUDO, 2001, p. 43).
Assim, ao nos remetermos à experiência vivida com a Investigação Matemática, explicitaremos aspectos inerentes àquilo que intencionalmente enfocamos, a saber, a produção de conhecimento dos sujeitos que vivenciaram a disciplina e a interferência na sua vida profissional.
A análise e discussão se deram de modo a evidenciar os feixes, as sutilezas do percebido e expresso pelos sujeitos acerca das concepções de ensino, bem como acerca do que é fazer Investigação Matemática e do que é ser professor ao estar-se[4] com a Investigação Matemática. Entretanto, antes da análise, esclarecemos na próxima seção o contexto da experiência vivida.
Sobre o contexto da experiência
A experiência ocorreu durante o segundo semestre do ano letivo de 2015 na disciplina intitulada Investigações Matemáticas no Ensino de Matemática. Os encontros ocorreram duas vezes por semana com duração de 2 horas-aula (h/a) cada um, perfazendo uma carga horária de 4 (h/a) semanais e 68 (h/a) em sua totalidade.
Essa disciplina não faz parte da grade curricular do curso no qual o estágio foi desenvolvido e a oferta se deu em caráter optativo pelo professor orientador. O enfoque na Investigação Matemática se deu tendo em vista que ela constitui uma das regiões de inquérito em que a pesquisa de mestrado se desenvolveu e tem seguimento, bem como por ser uma zona congruente de interesses dos autores, além dos argumentos já explicitados acima.
Matricularam-se e participaram da disciplina seis alunos do terceiro ano do curso de licenciatura em matemática, os quais já tiveram a oportunidade de estudar, em algum momento e sob algum aspecto, sobre as investigações matemáticas em outras disciplinas que, teoricamente, pudessem abordá-las no escopo das suas atividades.
Além disso, alguns alunos participavam do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID, estando, de alguma maneira, inseridos no contexto da Educação Matemática e Educação Básica. Isso abriu a possibilidade de discussões acerca de questões como a formação de professores, o ensino de matemática e das possibilidades de implementação da Investigação Matemática nesse contexto.
Dentre as 68 (h/a) para as quais a disciplina foi estruturada, 34 destinavam-se a aulas teóricas e 34 a aulas práticas, de maneira não linear e entrelaçada. Em outras palavras, não havia uma sequência pré-definida para trabalhar teoricamente, inclusive, priorizou-se a prática, como uma forma de apresentar a teoria de modo implícito.
Buscamos organizá-la de modo oposto ao carácter expositivo, cursista ou qualquer outro que faça menção ao pensamento racional e puramente técnico, tornando-se ela própria uma aprendizagem por investigação, tanto dos alunos como nossa enquanto formadores. Desejávamos inserir os alunos num estilo de pensamento (FLECK, 1986) próprio da Investigação Matemática, destoando do estilo convencional baseado na unilateralidade teoria → prática.
A metodologia adotada na disciplina priorizou os princípios/aspectos da própria Investigação Matemática e foi efetuada numa perspectiva baseada num paradigma investigativo, numa acepção próxima ao descrito por Skovsmose (2000). Podemos afirmar que ela articula a ação docente e a discente por intermédio de tarefas de Investigação Matemática (PONTE, 2003). Os princípios de problematização e diálogo a sustentaram. Frente a isso a dinâmica de sala de aula foi acentuada no trabalho em grupo.
Os procedimentos contemplaram, por exemplo: 1) implementação de atividades investigativas definidas previamente; 2) discussão de textos concernentes aos temas estudados; 3) apresentação de seminários; 4) exposição oral; 5) auxílio na construção das tarefas; 6) organização do trabalho em grupos; 7) monitoramento das atividades; 8) orientação dos grupos de trabalho.
Ainda que num primeiro momento esses procedimentos pareçam comuns a qualquer outra disciplina, eles foram moderados pelos aspectos da própria tendência, portanto, são reconfigurados e alinhados ao estilo de pensamento pautado na investigação, problematização e construção do conhecimento.
Desejávamos, também, imbricar na disciplina, a matemática (escolar e superior) do ponto de vista da sua construção e não da sua aplicação e replicação. Isso com o intuito de romper com eventuais visões de que as disciplinas de cunho pedagógico e as disciplinas voltadas à matemática pura e aplicada não possuem relações. Tais disciplinas, embora distintas do ponto de vista das suas estruturas, dos seus objetos de ensino e dos seus objetivos, se articulam no processo formativo, em analogia, são faces da mesma moeda.
Conforme mencionamos, a disciplina possuía um caráter de aprendizagem por investigação por parte de todos os envolvidos, o que inviabiliza utilizarmos o termo ensinar de maneira isolada, pois estamos nos referindo às ações e às atividades disparadas pelos professores formadores. Assim vamos adotar o termo estudar, uma vez que consideramos que os sujeitos envolvidos no processo não foram ensinados, mas se formaram à medida que, intencionalmente, buscaram isso. Em certo sentido, convergimos para a ideia de Freire (1998, p. 12): “quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado”.
Dito isso, de um modo geral, desejávamos estudar não apenas sobre a Investigação Matemática, mas por meio dela, ou seja, adotar os seus procedimentos na ação docente, objetivos estes que não foram concebidos como momentos intermitentes e lineares, mas entrelaçados e que se presentificaram no próprio decorrer do processo.
Ao estudar sobre a Investigação Matemática, desejávamos contemplar os elementos que a caracterizam do ponto de vista epistemológico e teórico. Todavia não apenas em aporte teórico por intermédio de literaturas ou informações, mas a partir da própria dinâmica, frente às ações e atividades realizadas em sala. Em suma, compreendemos que a ação docente contém e expressa uma epistemologia, um modo de pensar a produção do conhecimento em sala de aula.
Ao estudar sobre os procedimentos da ação docente amparada nessa tendência, buscávamos contemplar o aprender ser professor numa postura investigativa. Esses procedimentos não se restringem àqueles adotados em sala de aula, pois abordam, também, procedimentos intrínsecos à prática do professor, por exemplo, formulação e reformulação de tarefas de Investigação Matemática e avaliação do trabalho em sala.
Nesse sentido, os objetivos cunhados foram: 1) apresentar a Investigação Matemática como uma tendência metodológica aliada ao paradigma investigativo; 2) favorecer a compreensão da tendência a partir da construção de tarefas; 3) discutir as potencialidades e limitações desta tendência em Educação Matemática; 3) instrumentar, minimamente os docentes em formação inicial, para o trabalho com a Investigação Matemática em sala de aula.
Os conteúdos abordados dizem do histórico e do contexto da Investigação Matemática (PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2013); dos diferentes tipos de investigação (PONTE, 2003b); de questões voltadas à Investigação Matemática na formação de professores de Matemática (BRAUMANN, 2002) e; dos Paradigmas do Exercício e Investigativo (SKOVSMOSE, 2000).
No escopo das atividades práticas, estavam a reformulação e elaboração de questões ou problemas usuais de matemática em investigações matemáticas; construção de tarefas de Investigação Matemática; aplicação das tarefas e da prática pensada com elas para os colegas; seminários discentes e confecção de portfólio com as atividades desenvolvidas.
A avaliação foi definida em conjunto com os discentes, tendo em vista o estabelecimento de critérios. Dentre as possibilidades estavam: trabalhos curtos ou longos, apresentações de seminários, avaliações escritas e projetos em grupos; portfólio de atividades, as quais tiveram peso específico, pré-definido com os estudantes. Esses aspectos demarcaram a experiência vivida e serão descritos a seguir.
Descrevendo a experiência vivida
As primeiras aulas foram disparadas com algumas tarefas matemáticas, como as trazidas pelo quadro abaixo, por exemplo; e daí em diante a dinâmica de cada encontro definia o encontro seguinte, os textos a serem estudados e os aspectos a serem discutidos. De outro modo, o encontro subsequente era condicionado às tarefas propostas e às atividades desenvolvidas.
Esse modo de proceder nos colocava em uma situação instável porque, uma vez que o planejamento era pautado em investigação, não era fixo, não estava determinado, mas sim condicionado por macro aspectos que queríamos contemplar na disciplina, não de maneira diretiva-fechada, mas investigativa.
A instabilidade também se deu pelo fato de que nos encontros que ficaram sob a responsabilidade dos alunos, os professores formadores participaram ativamente das práticas propostas sem ter tido contato com as tarefas anteriormente. Assim, à medida que iam surgindo ideias, dúvidas e reflexões, os professores formadores discutiam de maneira horizontal com os alunos e, por vezes, as dúvidas partiram dos próprios professores formadores.
As discussões sobre estes aspectos e as necessidades sentidas pelos alunos e que direcionaram os próximos encontros, estavam relacionadas à construção ou adaptação desse tipo de tarefa. As discussões foram desencadeadas com aporte no texto intitulado “experienciando a prática da elaboração de atividades investigativas para o ensino da matemática” (WICHNOSKI;KLÜBER 2014). Isso abriu margem para que pudéssemos envolver os alunos neste tipo de ação e desse modo a tarefa subsequente consistiu em (re)construir tarefas de Investigação Matemática – observe-se que essa sequência não estava planejada a priori – o próprio movimento formativo foi solicitando esclarecimentos acerca destes aspectos, os quais foram abordados no momento oportuno. Um exemplo de tarefas de Investigação Matemática, construída por um aluno em formação é explicitado no quadro a seguir.
Ao ser reconstruída a tarefa apresentou outra forma de registro. Enquanto que a primeira utiliza-se do recurso tabela, a segunda utiliza-se de uma sequência, ambas passíveis de generalização e investigação. Contudo, a forma em que a tarefa reconstruída se apresenta, ganha a formalidade do cálculo diferencial e integral II e pode ser investigada sob este ponto de vista, por meio da ideia de limite de uma sequência.
A tarefa que inicialmente solicitava apenas que fossem efetuados os cálculos para diferentes valores de n, agora solicita o desenvolvimento do pensamento algébrico e a análise do comportamento da expressão em questão, chegando então ao conceito do número 𝑒 (número de Euler).
As tarefas (re)construídas foram colocadas em pauta nas aulas seguintes para engendrar discussões teóricas, epistemológicas e metodológicas, acerca delas, como por exemplo, o nível de dificuldade apresentado, a classificação em tarefas de exploração ou de investigação, os conteúdos abordados, os cenários em que eram construídas, bem como aspectos relacionados à sua natureza.
As discussões foram amparadas em textos como: Butts (1997), intitulado “formulando problemas adequadamente”, Ponte (2003b) “Investigar, Ensinar e Aprender”, Ponte, Brocardo e Oliveira (2013) “Investigações Matemáticas em Sala de Aula”, Skovsmose (2000) “Cenários para Investigação”.
O último aspecto supramencionado (natureza das tarefas de Investigação Matemática) foi discutido à luz das ideias do primeiro autor deste trabalho, fazendo um contraponto com o explicitado na literatura sobre o tema. Não as explicitaremos neste momento, haja vista que elas fazem parte de outro trabalho quem vem sendo desenvolvido. Todavia, ressaltamos que as discussões ensejadas pela disciplina, com a participação dos alunos, contribuíram significativamente para aclarar esses aspectos.
Nesse sentido, a disciplina parece ter cumprido seu papel, não se restringindo a informar sobre a Investigação Matemática, mas se tornou um lócus da produção do conhecimento nesta área, contribuindo com a reflexão, contestação e construção da própria teoria, colocando teoria e prática como elementos complementares no processo formativo, isto é, assumindo a prática como um “continuum com a teoria[6]” (KLUBER, 2013).
O contato com a literatura abriu margem para discutirmos as relações que se estabelecem entre exercícios, tarefas de Investigação Matemática e Resolução de Problemas, as quais, por vezes são vistas como perspectivas análogas. O diálogo efetuado em aula permitiu a construção de uma síntese analítica acerca das relações entre estes tipos de tarefas, as quais foram esquematizadas pelo segundo autor do trabalho conforme mostram as figuras abaixo:
Destacamos que as relações apontadas nos quadros acima, especialmente as relacionadas à resolução de problemas e investigações matemáticas não são absolutas, podendo, determinadas tarefas assumirem características de problemas e investigações. Mais do que classificá-las sob algum rótulo, o importante é o “fazer matemática” por elas propiciado.
Uma vez (re)construídas as tarefas, fomos direcionados a “testá-las” em situações práticas, o que culminou em aulas preparadas e ministradas pelos alunos. Posteriormente a cada aula, retomávamos os aspectos emergentes e discutíamos questões relacionadas à tarefa, (re)formulando-a, mais uma vez, se necessário, bem como ao papel assumido pelo aluno, enquanto professor no contexto investigativo e aos alunos (incluindo-se os professores formadores) enquanto alunos neste mesmo contexto. Novamente a teoria e a prática aparecem num movimento de teorizar e praticar que não se fecha em sim, mas que ocorre como extensão uma da outra.
Os trabalhos de Ponte et. al (1998) intitulado “O trabalho do professor numa aula de investigação matemática”, Assis, Godino e Frade (2012) “As dimensões normativa e metanormativa em um contexto de aulas exploratório-investigativas”, D’Amore (2007) “Epistemologia, Didática da Matemática e Práticas de Ensino”, foram alguns dos textos que nortearam as discussões e o resultado deste movimento pode ser sintetizados na figura abaixo.
A disciplina terminou com seminários discentes sobre aspectos gerais da Investigação Matemática juntamente com a análise do portfolio construído por cada participante ao longo da disciplina.
Considerações sobre a experiência vivida
A experiência vivida proporcionou, tanto aos formadores quanto aos alunos envolvidos, maior aproximação com a Investigação Matemática de modo a aclarar aspectos que se apresentavam, em certo sentido, confusos, com relação a essa tendência em termos práticos e teóricos. Acreditamos que ela se constituiu em um lócus de produção do conhecimento em Investigação Matemática, bem como de discussões acerca de questões relacionadas a esta temática e a formação de professores. Possibilitou (re)aprender a docência pautada nessa tendência e contribuiu para mudanças na postura profissional dos formadores e dos futuros professores de matemática além de contribuir para a mudança de concepção com relação ao papel do professor em sala de aula, tanto no ensino superior quanto no ensino básico e com relação à matemática, concebendo-a com sentido e significado para quem a aprende e a ensina.
Despertou maior sensibilidade para as dificuldades de aprendizagem em matemática, de modo a olhá-las como um problema envolvido, no mínimo, em aspectos psicológicos, sociais e históricos e que merece muita atenção, uma vez que a linguagem, os diferentes registros de representação, a abstração e a lógica, por exemplo, não se operam espontaneamente.
Embora disciplinas como esta possam contribuir para a formação inicial de professores em Investigação Matemática e despertarem uma visão crítica do processo ensino aprendizagem em matemática, é desejável que seu curso não se dê isoladamente. Dessa perspectiva, é razoável afirmar que na formação de professores de matemática inclinados e seguros ao que concerne à postura investigativa, faz-se necessário a oferta constante de disciplinas como esta durante a formação inicial, extrapolando-a para a formação continuada, haja vista que as competências profissionais são adquiridas no fazer constante.
Sobre isso destaca Serrazina et. al (2002, p. 51) que
Romper com a inércia construída durante anos de escolaridade e modificar as suas concepções implica conhecer e viver uma forma diferente de fazer Matemática, de aprender e ensinar Matemática. Se queremos que os futuros professores alterem as suas próprias ideias sobre o conhecimento matemático e a sua construção no contexto escolar, teremos que proporcionar situações formativas nas quais, mediante a investigação de problemas práticos profissionais, a dita mudança seja fazível.
A guisa de conclusão, reforçamos a ideia da não linearidade (teórica e prática) nos processos de formação de professores, da presença de elementos epistemológicos – como o sentido de Investigação Matemática em Educação Matemática, a estrutura das tarefas, as características que determinam o tipo de investigação, entre outros – e práticos, relacionados à Investigação Matemática, da experiência com práticas de aula e de formulação e reformulação de tarefas matemáticas em investigações matemáticas, bem como a presença dos princípios de problematização e diálogo entre formador e formando.
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Notas
Ligação alternative
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