Seção Temática: Resolução de Problemas na Educação Matemática
Formulação de Problemas no desenvolvimento de um Jogo Educacional Digital de Matemática
Problem Formulation in the development of a Digital Mathematics Educational Game
Formulación de Problemas en el desarrollo de un Juego Educativo Digital de Matemática
Revista de Educação Matemática
Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Brasil
ISSN: 2526-9062
ISSN-e: 1676-8868
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 17, núm. 1, 2020
Recepção: 15 Julho 2019
Aprovação: 19 Janeiro 2020
Publicado: 01 Maio 2020
Resumo: A Formulação de Problemas se apresenta como um campo de pesquisa emergente que demanda de relatos coerentes e abrangentes de sua utilização na rotina do ensino de Matemática ou de pesquisas sistemáticas que tratem do assunto. Entre suas contribuições aos processos de ensino, aprendizagem e avaliação de Matemática podemos elencar: revelações com relação às concepções dos alunos que formulam o problema; possibilidade de compreensão do pensamento matemático dos alunos; um reflexo de suas experiências matemáticas e oportunidade para explorar a interação entre as dimensões cognitiva e afetiva da aprendizagem matemática. Diante deste cenário, esse artigo tem como objetivo analisar o momento em que ocorrem as tarefas de formulação, suas atividades e os processos envolvidos. Além disso, analisar a influência das experiências metacognitivas no processo de formulação de problemas no desenvolvimento de um jogo educacional digital de Matemática, por estudantes do curso Tecnológico em Jogos Digitais. A pesquisa realizada é de cunho qualitativo e foi utilizado um questionário semiestruturado para coleta dos dados, o jogo desenvolvido e gravações de áudio e vídeo registradas durante as reuniões com os alunos. Após a análise dos dados é possível inferir que as experiências cognitivas que foram pontuadas no questionário estão em consonância com os resultados observados no processo de formulação de problemas no desenvolvimento do jogo educacional digital de Matemática, demostrando que podem ter influenciado de alguma forma este processo.
Palavras-chave: Formulação de Problemas, Resolução de Problemas, Jogo Educacional Digital.
Abstract: Problem Formulation constitutes an emerging field of investigation that requires consistent, comprehensive reporting of its application in the routines of mathematics teaching, as well as solid research addressing the subject. The contributions of Problem Formulation to the processes of mathematics teaching, learning, and assessment include insights on the conceptions held by students while they formulate a problem; the chance to understand students’ mathematical thinking; a reflex of their mathematical experiences; and the opportunity to explore the interaction between the cognitive and affective dimensions of mathematical learning. This article analyzes the step in which formulation tasks take place and the activities and processes involved in it. The study also analyzes the influence metacognitive experiences involved in the formulation process have on the development of a digital mathematics educational game by students attending a Digital Games Technology Program. Data sources for this qualitative investigation included a semi-structured questionnaire, the game developed, and audio and video recording of the meetings held with students. Data analysis suggested that the cognitive experiences evident in the questionnaire were consistent with the results obtained in the process of formulating problems throughout the development of the educational game, indicating that these experiences may have influenced this process.
Keywords: Problem Formulation, Solving Problem, Digital Mathematics Educational Game.
Resumen: La Formulación de Problemas se presenta como un campo de investigación emergente que demanda relatos coherentes y amplios de su utilización en la rutina de la enseñanza de Matemática o de investigaciones sistemáticas que traten del asunto. Entre sus contribuciones a los procesos de enseñanza, aprendizaje y evaluación de Matemática, se pueden listar: las revelaciones sobre las concepciones de los alumnos que formulan un problema; la posibilidad de comprensión del pensamiento matemático de los alumnos; un reflejo de sus experiencias matemáticas; y la oportunidad de explorar la interacción entre la dimensión cognitiva y la afectiva del aprendizaje matemático. Ante este escenario, el presente artículo analiza el momento en que ocurren las tareas de formulación, sus actividades y los procesos involucrados. Analiza también la influencia que tienen las experiencias metacognitivas en el proceso de formulación de problemas en el desarrollo de un juego educativo digital de Matemática por estudiantes de un Curso Tecnológico en Juegos Digitales. En la recolección de datos para esta investigación de carácter cualitativo se utilizaron un cuestionario semiestructurado, el juego desarrollado y las grabaciones de audio y vídeo registradas durante las reuniones con los alumnos. El análisis de los datos permitió inferir que las experiencias cognitivas identificadas en el cuestionario se alineaban a los resultados observados en el proceso de formulación de problemas durante el desarrollo del juego educativo, demostrando así que pueden haber influido de alguna manera en este proceso.
Palabras clave: Formulación de Problemas, Solución de problemas, Juego Educativo Digital de Matemática.
Introdução
A Resolução de Problemas é a espinha dorsal da Matemática, porém, não é sua única forma de desenvolvimento. Há também a Formulação de Problemas uma atividade tão importante quanto a própria Resolução de Problemas (MEDEIROS; SANTOS, 2007). No entanto, existem poucas pesquisas sobre o tema, configurando-a como um campo emergente que carece de estudos consistentes.
Segundo estudos realizados por Cai e Hwang (2003), o desempenho em resolução de problemas está altamente relacionado à formulação de problemas, uma vez que bons solucionadores de problemas, em sua maioria, geram mais problemas e com maior complexidade. Nesse contexto, pesquisas voltadas a Formulação de Problemas poderão contribuir com os processos de ensino, de aprendizagem e de avaliação de Matemática ao revelar concepções dos alunos que formulam o problema (SPINILLO et. al 2017), além de proporcionar a possibilidade de compreensão do pensamento matemático dos alunos; um reflexo de suas experiências matemáticas, e a oportunidade para explorar a interação entre as dimensões cognitiva e afetiva da aprendizagem matemática (SILVER, 1994).
Ainda, diversos pesquisadores utilizam o termo Problem Posing para referir-se à formulação de problemas, outros usam denominações como: proposição de problemas, descoberta de problemas, entre outras. Neste artigo a nomenclatura que será utilizada é: Formulação de Problemas. E buscando contribuir com esse cenário de discussão sobre Formulação de Problemas, este artigo tem como objetivo analisar o momento em que ocorrem as tarefas de formulação (SILVER, 1994) suas atividades (STOYANOVA; ELLERTON, 1996) e os processos envolvidos (CHRISTOU et al. 2005). Além disso, analisar a influência das experiências metacognitivas no processo de formulação de problemas no desenvolvimento de um jogo educacional digital de Matemática.
Para uma melhor compreensão o artigo está estruturado em seis seções, começando por esta introdução na qual é apontada a nomenclatura a ser utilizada e explicitado o objetivo a ser alcançado neste trabalho. Em seguida, na seção dois, são apresentadas algumas definições, concepções e formas de caracterização: (1) dos momentos em que ocorre a formulação de problemas, tendo como ponto de partida a resolução de problemas; (2) das atividades de formulação; e (3) dos processos envolvidos em seu desenvolvimento. Na seção três são apontadas algumas atividades que fazem parte do processo de formulação de problemas. Em seguida, na seção quatro, é explicada a metodologia utilizada na condução da pesquisa que gerou o presente trabalho, e são apresentados os participantes e as atividades realizadas. Na seção cinco, é apresentada uma descrição e análise dos dados coletados. E na última seção são tecidas algumas considerações finais sobre o tema e a investigação realizada.
Sobre Formulação de Problemas
Muita atenção tem sido destinada à Resolução de Problemas, tanto nas salas de aula quanto nas pesquisas, mas esse fato não é observado quando o assunto é a Formulação de Problemas (SILVER, 1994; RAMÍREZ, 2006; FELMER; PEHKONEN; KILPATRICK, 2016). Para Medeiros e Santos (2007) a Resolução de Problemas é a espinha dorsal da Matemática, porém, não é a única forma de desenvolvimento da Matemática, sendo a Formulação de Problemas uma atividade tão importante quanto à Resolução de Problemas.
Corroborando com essa visão, Andrade (2017), que vem trabalhando com a metodologia de Ensino-Aprendizagem de Matemática via Exploração, Resolução exploração, Proposição exploração, Codificação e Decodificação de Problemas (ERPCDP) em suas pesquisas e orientações, aponta a importância da formulação de problemas nos processos de resolução e exploração de problemas.
Cabe ressaltar que um problema será assumido, nesta pesquisa, como uma situação nova ou diferente, que possibilitará ao aluno a utilização de conceitos, conteúdos, habilidades, técnicas, algoritmos ou procedimentos heurísticos, diferentemente de um exercício em que o aluno utiliza habilidades e técnicas automatizadas para solucionar tarefas já conhecidas, seguindo caminhos ou meios habituais (ANDRADE, 2017; ECHEVERRÍA; POZO, 1998).
Buscando contribuir com os estudos sobre o tema, alguns pesquisadores como Silver (1994), Stoyanova e Ellerton (1996) e Christou, Mousoulides, Pittalis, Pitta-Pantazi e Sriraman (2005) apontam concepções e classificações das tarefas e dos processos envolvidos na formulação de problemas.
A Formulação de Problemas refere-se à formulação de novos problemas ou à sua reformulação (SILVER, 1994), buscando envolver os alunos em processos de investigação, análise e reflexão, e possibilitando pensamento criativo e crítico sobre suas produções, interesses e curiosidades (ALTOÉ; FREITAS, 2016).
Stoyanova e Ellerton (1996, p. 1, tradução nossa) consideram a Formulação de Problemas como “o processo pelo qual, com base em sua experiência matemática, os alunos constroem interpretações pessoais de situações concretas e as formulam como problemas matemáticos significativos”.
De acordo com Chica (2001, p. 151), para elaborar seus próprios problemas de Matemática o aluno deve organizar seu conhecimento sobre o assunto ao produzir o texto, dando-lhe sentido e estrutura adequada, buscando comunicar o que pretende, e aproximando a língua materna e a Matemática. Além disso, conforme Spinillo et. al (2017), o aluno ao formular um problema realiza ações intelectuais como antecipação de resultados e de procedimentos de resolução, além de pensar sobre os conceitos matemáticos envolvidos. Dessa forma, passa a ser um formulador de problemas e vivencia o controle sobre o texto e sobre as ideias matemáticas nele envolvidas.
Ainda, para Silver (1994), a formulação de problemas pode ocorrer antes, durante ou depois da resolução de problemas. Diante disto, a formulação ou reformulação de problemas pode ocorrer durante o processo de resolução de um problema não trivial, de modo que o aluno pode envolver-se no processo de recriação de um determinado problema, tornando-o mais acessível e visualizando sua resolução (SILVER, 1994).
Para Polya (2006)[3], ao formular um problema, o aluno busca utilizar informações tais como o resultado que obteve, o método que utilizou ou a experiência que adquiriu ao resolver um problema anterior. Caso isso não seja possível, o aluno irá procurar por outro problema que possua alguma semelhança com aquele que deseja elaborar ou resolver.
Além disso, poderá utilizar na formulação de novos problemas, segundo Polya (2006), formas de variação de um dado problema, entre elas a generalização e a particularização. Na generalização, passa-se a considerar um conjunto maior que contém um elemento, buscando a criação de um problema mais geral que aborde o elemento do problema original que acabou de resolver. A particularização, ao contrário, busca reduzir um problema mais geral a um caso particular. Conforme Polya (2006, p. 124), a generalização “é a passagem da consideração de um dado conjunto de elementos para a consideração de um conjunto maior” e, no caso da particularização, “para a de apenas um dos elementos contidos no conjunto dado”. Esse último revela-se um processo útil na resolução de problemas, especialmente, na verificação da solução obtida.
Elaborar um problema auxiliar é outro recurso que pode ser utilizado como meio para alcançar o objetivo desejado; nesse caso, um problema menos difícil, menos ambicioso e particular, poderá servir como intermediário na resolução do problema original. No entanto, deve-se tomar cuidado, para que não se gaste demasiado tempo e esforço na elaboração e resolução do problema auxiliar, e não se tenha o retorno pretendido com relação ao problema original. Contudo, formular um problema auxiliar é uma importante operação mental; logo, aprender ou ensinar a manipulação com inteligência de problemas auxiliares é uma importante tarefa (POLYA, 2006).
A formulação pode ocorrer, também, após a solução de um determinado problema (SILVER, 1994). Nesse momento, o aluno examina aspectos do problema resolvido que poderão lhe ser úteis na criação de um novo problema; esse processo ocorre na fase de retrospectiva (POLYA, 2006). E, também, a formulação de problemas poderá ocorrer antes da resolução de um problema; neste caso, seu objetivo não é a resolução, mas a criação de um novo problema, a partir de uma situação ou experiência (SILVER, 1994, p. 20, tradução nossa). Esses problemas poderiam ser gerados a partir de uma situação artificial ou natural.
Para Stoyanova e Ellerton (1996), as situações de formulação de problemas podem ser classificadas em três categorias: livre, semiestruturada e estruturada. Na categoria livre, é solicitada ao aluno a criação de um problema, a partir de uma dada situação artificial ou real, com algumas orientações do que se espera que seja alcançado. Na semiestruturada, é dada uma situação aberta aos alunos, de forma que possa explorá-la e completá-la a partir de suas experiências matemáticas anteriores, aplicando seus conhecimentos, habilidades e conceitos. E por fim, na estruturada, é solicitada ao aluno a formulação de problemas a partir de um problema especifico, de forma a alterar o modo de resolução.
O modelo proposto por Christou et al. (2005) tem como foco os processos cognitivos que os alunos mobilizam ao formular seus próprios problemas. Este modelo busca analisar as respostas dos alunos de forma a identificar os quatro processos presentes na formulação de problemas: edição, seleção, compreensão e tradução.
A edição está associada a tarefas da formulação de um problema sem qualquer limitação da informação fornecida, histórias ou avisos. A seleção refere-se as tarefas que exigem do aluno a formulação de problemas ou questões apropriadas a respostas especificas. Nesse caso, as respostas dadas caracterizam-se como restrições. Na compreensão, os alunos formulam problemas a partir de equações matemáticas ou cálculos, exigindo deste o entendimento das operações e a utilização de algoritmos. E, por último, no caso da tradução, a formulação de problemas será desenvolvida a partir de gráficos, diagramas ou tabelas. A tradução exige a compreensão de diferentes representações das relações matemáticas (CHRISTOU et al. 2005).
Portanto, uma vez assumida a nomenclatura a ser utilizada nessa comunicação, e tendo em consideração os aspectos aqui discutidos, vale refletir sobre quais atividades estão envolvidas no processo de formulação, tópico que será abordado na próxima seção.
Atividades desenvolvidas na Formulação de Problemas
Para Ramírez (2006), a formulação de problemas envolve a realização de três procedimentos: formular, resolver e melhorar, que atendem ao processo de ensino e aprendizagem.
[...] a macroestrutura do processo de formulação de novos problemas, supõe o acompanhamento das três etapas principais. Na primeira etapa, uma pergunta é feita, sendo essa uma semente para um possível exercício de tomada de decisão; no estágio intermediário, a capacidade de resposta a essa pergunta é materializada no valor didático do exercício; as mudanças no problema são feitas no último nível, no qual ocorre a melhoria do problema, com o objetivo de ajustá-lo às necessidades reais que provocaram sua formulação (RAMÍREZ, 2006, p. 4, tradução nossa).
Os procedimentos interagem entre si em diversos momentos, conforme Figura 1, tendo denominado esse processo de metaproblema.
O autor considera que o processo começa com as Necessidades Educativas, que podem ser reais ou fictícias e que constituirão um Objetivo a ser alcançado (1). Diante desse cenário, o professor ou aluno, começa o processo de Formulação de Problemas (2) e, em seguida, a Resolução de Problemas (3). Nessa fase poderá ocorrer, entre outras coisas, a necessidade de retornar à Formulação (4). Após a Resolução dos Problemas, é preciso retornar ao problema formulado, buscando possíveis correções, melhorias ou variações no grau de complexidade, chegando a Melhorias do Problema (5), verificando se o problema formulado atende ao Objetivo traçado no início do processo (6). No caso de não atender, há duas possibilidades: recomeçar, a partir da atividade de Formulação de Problemas (8), descartando o que foi realizado; ou retornar a Melhorias do Problema (7) para possíveis ajustes, de forma a atender ao Objetivo especificado (6).
Diante dessas atividades desenvolvidas no processo de formulação de problemas, podemos inferir que sua utilização poderá contribuir com a formação dos alunos de forma a promover: a criatividade e a mobilização de processos cognitivos superiores; da instrução orientada para a investigação, fundamental para a disciplina de Matemática e para o desenvolvimento do pensamento matemático; o estabelecimento de um meio para melhorar a Resolução de Problemas; e a constituição de uma “janela” para a compreensão da “Matemática dos alunos”; e de um meio para estimular o interesse do estudante pela Matemática (SILVER, 1994). Segundo Bairac (2005), a resolução de problemas contribui, ainda, para o desenvolvimento da criatividade, mas essa acontece mais fortemente na formulação de problemas.
Logo, ao formular problemas, o aluno percebe uma estrutura necessária, desenvolve seu pensamento crítico e capacidade de raciocínio, além de melhorar sua maneira de expor ideias, pois é desafiado a problematizar situações do cotidiano usando sua linguagem, vivências e conhecimentos (BOAVIDA et al. 2008).
Diante do exposto, há alguns aspectos que poderão servir como base para análise do processo de formulação de problemas, no que tange às ações do aluno. Neste artigo, o aspecto a ser tratado é a metacognição, que será descrita na próxima seção.
Metacognição
Um aspecto que pode contribuir com o entendimento do processo de formulação de problemas é o metaconhecimento, que está associado à metacognição e refere-se ao conhecimento sobre os próprios processos cognitivos e sobre qualquer coisa relacionada a eles (GAROFADO; LESTER, 1985), e está envolvido na escolha e no planejamento do que fazer e no monitoramento do que está sendo feito.
Diante disso, Efklides (2006), em sua pesquisa, busca identificar o papel da experiência metacognitiva na aprendizagem, com ênfase nos sentimentos e nos juízos presentes em situações de aprendizagem de resolução problemas, elencando sentimentos como a familiaridade e a dificuldade, sendo que esse último apresenta o esforço e o tempo necessário como parâmetros para os juízos.
Além disso, outras experiências metacognitivas presentes em uma situação de resolução de problemas são o julgamento da correção da solução, a sensação de confiança e a sensação de satisfação. O julgamento da correção da solução refere-se à qualidade da resposta, certa ou errada. O sentimento de confiança trata de como a pessoa chegou à solução, de forma fluente ou com interrupções no processo. E a sensação de satisfação, monitora o atendimento da solução a critérios e padrões, do aluno, com relação à qualidade da solução (EFKLIDES, 2006).
Cabe ressaltar que, para Efklides (2006), a metacognição está relacionada às funções de controle e monitoramento, sendo divididas em: conhecimento metacognitivo e experiências metacognitivas, classificadas como funções de monitoramento; e habilidades metacognitivas, classificadas como função de controle, conforme
Quadro 1. O conhecimento metacognitivo está relacionado à memória de longo prazo e compreende o conhecimento implícito ou explicito, ideias, crenças e teorias. As habilidades metacognitivas referem-se ao conhecimento processual, e compreendem, entre outras, atividades de compreensão dos requisitos de uma tarefa e planejamento das etapas para sua execução.
Neste artigo, diferentemente do estudo realizado por Efklides (2006), utilizamos a experiência metacognitva para realizar uma análise do processo de formulação de problemas, buscando identificar as experiências matemáticas, e explorar a interação entre as dimensões cognitiva e afetiva da aprendizagem matemática dos alunos envolvidos. Uma vez definido que o artigo trata de formulação de problemas, apresentadas as atividades envolvidas nesse processo, bem como apontado o aspecto de metacognição que será analisado, na próxima seção será apresentada a metodologia utilizada.
Metodologia de pesquisa, participantes e atividades realizadas
A presente pesquisa se caracteriza como qualitativa, cujo fenômeno foi estudado no ambiente natural (a disciplina de Estágio Curricular Supervisionado do curso de Tecnologia em Jogos Digitais), na qual os alunos estavam matriculados, desta maneira procurando atribuir sentido ou interpretá-lo em termos de seus significados para os indivíduos (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). Além disso, constituem características de uma investigação qualitativa, apontadas por Bogdan e Biklen (1994): (1) fonte direta de dados (os discentes e o questionário); (2) apresentação descritiva, contribuindo com uma visão holística do fenômeno em questão; (3) interesse maior pelo processo (aprendizagem e ensino); e (4) análise indutiva (que ganhou forma à medida que as partes do jogo foram sendo desenvolvidas e examinadas).
Os sujeitos de pesquisa foram os discentes do 4º semestre do curso de Tecnologia em Jogos Digitais de uma Instituição de Ensino Superior do Estado de São Paulo, que cursaram, no segundo semestre de 2018, a disciplina de Estágio Curricular Supervisionado. A disciplina faz parte do Projeto Pedagógico do Curso e é ofertada aos alunos, a partir do 3º semestre, que ainda não conseguiram comprovar horas de estágio obrigatório na área de estudo. Neste caso, os alunos realizam a matricula na disciplina e são apresentados pelo professor responsável, aos projetos de desenvolvimento de jogos que foram submetidos e aprovados pelo colegiado de curso. Esses projetos são submetidos pelos professores do curso e podem ser relacionados a qualquer área de conhecimento, desde que seja sistematizado em um projeto que tenha claramente definido os objetivos de aprendizagem a serem alcançados.
Uma vez escolhido, pelos alunos, o projeto de que irão participar, eles são divididos em grupos de até cinco integrantes. Durante o desenvolvimento os alunos contam com o auxílio de uma equipe multidisciplinar formada pelo professor responsável pelo projeto, professores da área de programação e professor de inteligência artificial. Para ser aprovado na disciplina o aluno é avaliado por essa equipe e deve realizar o upload do jogo e da documentação solicitada na plataforma disponibilizada pela instituição. A partir desse momento o jogo desenvolvido se torna propriedade da instituição, com todos os créditos sendo atribuídos aos seus desenvolvedores, no caso os alunos, e poderá ser utilizado por seus professores e alunos.
No 2º semestre de 2018 foram submetidos quatro projetos, nas áreas de conhecimento de Matemática, Física, Português e Inglês. No projeto de Matemática treze alunos se inscreveram e foram divididos em três grupos, pelo professor responsável pela disciplina. O projeto consistia em desenvolver um jogo educacional digital de Matemática que abordasse a Lógica Proposicional, por meio dos operadores lógicos “and”, “or”, condicional e bicondicional. Aos alunos foi explicado que os jogos desenvolvidos, seriam utilizados pelos discentes dos cursos tecnológicos da instituição parceira, nas aulas de Nivelamento de Matemática e Matemática Discreta, e que deveriam ajudar esses alunos na compreensão da Lógica Proposicional de forma lúdica, sendo um conteúdo a ser abordado extraclasse.
Cabe ressaltar que a pesquisadora foi a professora responsável pelo projeto. As aulas de Nivelamento de Matemática são ministradas pela pesquisadora desde de 2016, e é ofertada aos alunos ingressantes dos cursos tecnológicos da instituição. Sua necessidade surgiu da constatação do baixo desempenho e das dificuldades apresentadas pelos alunos e relatadas pelos professores em disciplinas como Matemática Discreta, Física, Cálculo, entre outras, que envolvem cálculo matemático. Ainda, todos os alunos envolvidos na pesquisa já tinham cursado a disciplina de Matemática Discreta; logo, já haviam estudado o conteúdo a ser aplicado no jogo.
O desenvolvimento do jogo educacional digital de Matemática analisado neste artigo foi realizado no período de setembro a dezembro de 2018, sendo acompanhado pela pesquisadora por meio de reuniões semanais, com duração aproximada de 1 hora para cada grupo, nas dependências da instituição e em horários que antecediam as aulas regulares dos alunos envolvidos. No total foram aproximadamente 12 reuniões por grupo.
Nas reuniões a pesquisadora procurou criar um ambiente de troca de ideias entre os integrantes do grupo e entre os alunos e a pesquisadora, de forma que cada integrante socializasse suas ideias sobre o jogo a ser desenvolvido e sanasse as dúvidas existentes. A codificação do jogo era realizada pelos alunos, em horário diferente das reuniões. As primeiras reuniões serviram para apresentar o projeto e os objetivos a serem alcançados, solicitar a cada aluno o preenchimento de um questionário semiestruturado, conforme Apêndice A. Ele continha perguntas sobre o perfil e formação, concepções de Matemática, Matemática e tecnologia, Matemática Discreta, jogo educacional e sentimentos quanto à Matemática. Ainda, na primeira reunião, foi solicitado o preenchimento do Game Design Canvas para Jogo Educacional Digital (DUARTE; ALLEVATO, 2018b), que tinha como objetivo auxiliar no planejamento do desenvolvimento do jogo.
Os objetivos traçados na primeira reunião, com os grupos, foram: (1) o jogo deveria atender aos aspectos de entretenimento e pedagógico; (2) o jogo deveria contemplar a Taxinomia Revisada de Bloom, em suas diferentes fases; (3) cada fase deveria estar relacionada com uma operação lógica sobre proposições e, no final do jogo, uma fase deveria “juntar” todas as proposições.
Vale ressaltar que o objetivo “atender aos aspecto de entretenimento e pedagógico”, tem como base o desencontro apontado por Alves (2008) e constatado por Duarte e Allevato (2018a), entre os objetivos pedagógicos pretendidos pelas práticas escolares e a narrativa dos jogos, que tanto cativam os jovens, que é ligado ao entretenimento. Todavia, mesmo com linguagens distintas, os dois podem, juntos, construir um diálogo que contemple suas diferenças, contribuindo com novas perspectivas na produção de jogos digitais no contexto pedagógico.
Na fase de teste os grupos disponibilizavam no Google Drive uma versão do jogo desenvolvido e avisavam à pesquisadora por e-mail. Foi estipulado como dia de entrega a segunda-feira, para que a pesquisadora tivesse tempo hábil de verifica-lo antes da reunião. Nas reuniões, desta fase, os alunos explicavam o funcionamento do jogo, seus objetivos em cada fase e como mobilizaram o conteúdo de Lógica Proposicional. Na última reunião os alunos puderam visualizar o jogo desenvolvido pelos outros grupos e apresentar suas considerações. Além disso, foi solicitado a cada grupo que respondesse um novo questionário, também semiestruturado, de fechamento do projeto, que continha perguntas que versavam sobre: o jogo entregue, operadores utilizados no jogo, dificuldades encontradas, recursos utilizados no desenvolvimento, melhorias e contribuições para a formação matemática do tecnólogo. Todas as reuniões foram registradas por meio de gravação de áudio e vídeo, e anotadas em um diário de bordo da pesquisadora. Também, os três jogos desenvolvidos pelos grupos, bem como os códigos e alguns rascunhos da fase de planejamento servem como registros dos dados.
Com relação a organização, os 13 alunos matriculados na disciplina foram divididos em três grupos, aqui denominados GAGRW, GLVPM e GVFLLP, em que foi utilizada a letra “G” que significa grupo e, em seguida, as iniciais dos nomes dos integrantes. Assim, nos GAGRW e GLVPM temos quatro integrantes cada, e no GVFLLP cinco integrantes. Vale lembrar: cada grupo neste projeto deveria desenvolver um jogo educacional digital de Matemática, que abordasse o conteúdo de Lógica Proposicional.
No presente artigo será analisado o questionário que foi preenchido por cada aluno do grupo GLVPM e entregue à pesquisadora na segunda reunião, o jogo educacional desenvolvido e entregue, e os vídeos e áudios gravados nas reuniões diárias. Os dados construídos serão analisados e descritos na próxima seção.
Descrição e análise dos dados
Diante do exposto, a pesquisa desenvolvida trata da formulação de novos problemas, tendo envolvido grupos de alunos em um processo de investigação, análise e reflexão. Para formular os problemas os alunos tiveram que organizar seus conhecimentos sobre Lógica Proposicional, atribuindo-lhe sentido e uma estrutura adequada, de forma a comunicar o que pretendiam, e aproximar a língua materna e a Matemática, proporcionando sua aplicação ao jogo em desenvolvimento. Ainda, tiveram que realizar durante o processo ações como procedimentos de resolução e de antecipação de resultados, e pensar sobre os conceitos matemáticos envolvidos em cada fase do jogo desenvolvido.
Neste processo de formulação de problemas os alunos buscaram utilizar informações de exercícios que haviam resolvido na disciplina de Matemática Discreta, conforme relato dos integrantes do grupo GLVPM que será objeto de nossas análises nesta seção. No entanto, por se tratar de listas de exercícios, não conseguiram contextualizá-las em situações-problemas no jogo educacional. Diante disso, um dos integrantes responsável pela codificação do jogo, relatou que foi buscar na Internet problemas que utilizavam o conteúdo de Lógica Proposicional para servir como “modelo”. O grupo utilizou a particularização, buscando reduzir o problema mais geral, o desenvolvimento de um jogo educacional digital de Matemática que abordasse o conteúdo de Lógica Proposicional, em casos particulares, desenvolvimento de fases individuais para cada um dos operadores lógicos: "and", "or", condicional, bicondicional e “juntando” todos na última fase do jogo.
Ainda, trata-se de uma situação de formulação de problemas semiestruturada, pois aos alunos foi dada uma situação aberta, que possibilitou a sua exploração a partir de suas experiências vivenciadas na disciplina de Matemática Discreta, de forma a aplicar seus conhecimentos, habilidades e conceitos sobre o conteúdo. Os processos cognitivos presentes na formulação de problemas no jogo desenvolvido pelo grupo GLVPM foram a edição e compreensão. A edição porque os alunos desenvolveram o jogo educacional diante de alguns objetivos apresentados na primeira reunião pela pesquisadora.
E a compreensão, pois partiram de sentenças matemáticas para criação das situações-problemas contextualizadas no jogo, mostrando entendimento das operações com os operadores lógicos, fato que pode ser observado nas mensagens de erro e acerto no jogo, conforme
Figura 2, e nas discussões entre os integrantes do grupo nas reuniões semanais. As mensagens de erro e acerto são apresentadas no jogo por meio de uma tela de terminal, na qual é possível ao aluno, no papel do jogador, visualizar as operações com os operadores lógicos.
Na pesquisa a necessidade educativa foi o desenvolvimento de um jogo educacional digital de Matemática que abordasse o conteúdo de Lógica Proposicional. Vale ressaltar que a necessidade surgiu diante da dificuldade observada, pela pesquisadora, dos alunos de primeiro semestre dos cursos tecnológicos, que frequentavam a disciplina de Nivelamento de Matemática, caracterizando-se como uma necessidade real. O objetivo a ser alcançado era criar um jogo que atendesse os aspectos pedagógicos e de entretenimento, ainda que existissem fases no jogo que apresentassem os conectivos “and”, “or”, condicional, bicondicional e uma última fase que trabalhasse com todos ao mesmo tempo. Uma vez apresentada a necessidade educativa e objetivos expostos, os alunos começaram a etapa de formulação dos problemas, seguida pela resolução dos problemas e da melhoria, sendo acompanhados pela pesquisadora em encontros semanais, durante um semestre. O jogo desenvolvido pelo grupo GLVPM foi o Roblight, conforme
A história do jogo desenvolvida pelos alunos é: “Em um futuro não tão distante, o planeta Terra está devastado pela poluição; um dos últimos seres humanos sobrevive, e deve construir robôs capazes de limpar o planeta. Para construir os robôs é necessário visitar três fábricas que possuem inteligência artificial apta à tarefa, montando corpos que atendam às suas exigências. A fábrica de metal produz robôs dedicados à viajar em ruínas, recicladores de destroços e purificadores de solo. A segunda fábrica é a de vapor, que cria robôs preparados para purificação da água, seja de detritos, impurezas ou até radiação. Por fim, a fábrica high-tec é especializada em robôs capazes de viajar rapidamente, purificando o ar enquanto transportam outros robôs”.
A duração do jogo é de 30 minutos, aproximadamente, e os alunos tiveram como inspiração para criação dos cenários o movimento steampunk. Os operadores lógicos foram apresentados na construção do corpo do robô, conforme Figura 2, sendo que na primeira fábrica, de metal, o operador utilizado foi o “and” e refere-se à primeira fase do jogo; na segunda fábrica, de vapor, que corresponde à segunda fase, o operador utilizado foi o “or”; e na última fábrica, high-tec, o operador utilizado foi o condicional. A dinâmica do jogo na primeira fase, conforme descrito pelos alunos, é: “após o jogador confirmar as peças, o jogo compara a peça selecionada com a solicitada pela inteligência artificial, utilizando o operador “and”. Caso ambas estejam corretas ele acopla as peças. Caso contrário, o jogador perde uma vida. O jogo ainda verifica quais peças o jogador acertou e depois mostra ao jogador a tabela verdade e qual sentença ele colocou. As peças e as operações são aleatórias”. Essa dinâmica está presente nas outras duas fases, que trazem as especificidades dos outros operadores. As informações quanto às jogadas são armazenadas em um arquivo que poderá ser utilizado pelo professor, em aula, para avaliar o desempenho dos alunos, usuários do jogo.
Assim, é possível constatar, diante do jogo desenvolvido, que os alunos do grupo GLVPM conseguiram mobilizar conhecimentos de Lógica Proposicional no desenvolvimento do jogo, formulando problemas contextualizados para serem resolvidos pelos futuros jogadores. No entanto, não conseguiram cumprir todas as fases solicitadas no início do projeto, sendo necessário que a pesquisadora diminuísse o escopo especificado durante o desenvolvimento, em prol da qualidade, ou seja, do objetivo inicial os alunos só conseguiram entregar os operadores lógicos “and”, “or” e condicional, não sendo entregue o operador bicondicional e juntar todos os operadores na última fase.
Buscando entender o que pode ter acontecido nesse processo que gerou o não cumprimento dos objetivos especificados, a seguir será analisado o questionário, Apêndice A, entregue na segunda reunião, mas especificamente as categorias correspondentes a: perfil e formação, concepções de Matemática e sentimentos quanto à Matemática.
A categoria perfil e formação nos permite entender quem é o aluno que está participando da pesquisa. O grupo GLVPM é formado por dois integrantes que cursaram médio integrado ao curso técnico em informática, um deles especifico para desenvolvimento web.
Em concepções de Matemática, buscamos compreender as facilidades e dificuldades dos alunos com relação à Matemática, as formas utilizadas pelos professores para ensinar o conteúdo de Matemática, a forma que o aluno considera mais adequada para ensinar Matemática, e se o aluno se sente seguro em realizar articulações dos conteúdos de Matemática com outras disciplinas ou atividades do cotidiano. Por meio das respostas dos alunos procuramos identificar seus sentimentos e experiências metacognitivas. Com relação às facilidades e/ou dificuldades no aprendizado de Matemática durante a vida escolar, os alunos do grupo GLVPM teceram os seguintes comentários: “Nunca tive dificuldades em aprender matemática, sempre gostei da matéria”; “Facilidade de aprender com exercícios práticos ou depois que a lógica é bem explicada. Dificuldade quando há muita teoria e pouca prática e falta de exercícios de problema do cotidiano”; “Dificuldade de entender fórmulas”; e “Sempre tive muita facilidade com pensamento lógico”.
O grupo GLVPM ficou dividido, com relação aos modos que seus professores de Matemática ensinam o conteúdo de Matemática, entre as opções: (1) apresentar conceitos matemáticos a serem utilizados para resolver problemas que se relacionam com o cotidiano do aluno e (2) explicar a resolução de exercícios e dar uma relação de outros exercícios semelhantes para fixação. Dois alunos consideram que a segunda forma é mais adequada, um integrante acredita que seria mais adequada a primeira, e um escolheu a opção “outro” e apresentou o seguinte comentário: “suponho que utilizar diferentes estratégias com os mesmos alunos ajude a encontrar a estratégia com a qual os alunos se identificam, e abrange as minorias”.
Para os integrantes do grupo GLVPM, a articulação da Matemática com outras disciplinas ou atividades do cotidiano não é simples; e eles apresentam os seguintes argumentos: “Não, pois não aprendemos de uma forma em que os conceitos foram ligados a vida real”; “Não, pois falta conhecimento específico para aquela atividade, onde procuro na internet sobre”; “Parcialmente, nem todos os conceitos apresentados ficaram claros quanto à forma de se usar no cotidiano”; e “Depende se é um conteúdo que domino”.
Na categoria sentimentos quanto à Matemática procuramos obter, junto aos alunos, lembranças quanto à Matemática, para uma melhor compreensão de suas experiências metacognitivas. Com relação as lembranças da aprendizagem e ensino dos conceitos/conteúdos da Matemática, os integrantes do grupo GLVPM apontaram as seguintes lembranças: “Dolorosa e angustiante”; “Difícil quando havia falta de exercícios. Gratificante quando bem ensinada”; “Desespero e angústia”; e “Boas, no geral”. Três integrantes deste grupo apresentaram situações marcantes que vivenciaram na aprendizagem Matemática: “Quando peguei DP em Física”; “Professor explicar de forma péssima e ter que aprender a matéria sozinho”; e “Ir mal na prova e pegar DP”. Essas lembranças provocaram sentimentos como: “Triste” ; “Péssimo, em vez de ver matemática como algo útil, vi como uma obrigação que não sabia como fazer”; e “Triste e cansado”.
Em síntese, podemos inferir que a maioria dos integrantes do grupo aponta possuir facilidade com relação à Matemática, e apenas um integrante coloca a dificuldade de entendimento de fórmulas. Com relação ao modo utilizado pelo professor para ensinar os conteúdos de Matemática, os alunos se dividem em duas opções: dois concordam com a explicação e depois os exercícios de fixação, um concorda com a apresentação de conceitos para serem utilizados no cotidiano e outro sugere a utilização de várias estratégias. Os integrantes, deste grupo, não se sentem seguros em realizar a articulação da Matemática com outras disciplinas ou com atividades do cotidiano. Mesmo apontando facilidade com a Matemática, apenas um integrante do grupo expressa como boa sua lembrança a respeito da aprendizagem e ensino dos conceitos/conteúdos da Matemática, os outros apontam sentimentos como dolorosa, angustiante e desespero. Com relação a situações marcantes relacionadas à aprendizagem de Matemática, apenas um aluno não registrou nada, dois apontaram o fato de ter ficado de DP em disciplinas que envolviam Matemática, e um o fato de ter que buscar outros meios de aprender Matemática, além da aula em sala. Essas lembranças provocaram sentimentos como tristeza, cansaço e desamparo.
No processo de desenvolvimento do jogo educacional o grupo GLVPM apresentou dificuldades com relação ao planejamento, à formulação dos problemas, ao conteúdo de lógica proposicional e à programação do jogo. O integrante responsável pela programação do jogo tinha muita dificuldade em compreender a dinâmica das situações problema criadas pelo grupo, o que gerava várias discussões na fase de resolução do problema formulado, e um grande número de correções para que o problema atendesse ao objetivo traçado. O grupo conseguiu entregar o jogo, porém, não conseguiu entregar todas as fases solicitadas. Do objetivo inicial os alunos só conseguiram entregar os operadores lógicos “and”, “or” e condicional, não sendo entregue o operador bicondicional e juntar todos os operadores na última fase. No processo, foi possível confirmar a dificuldade na articulação do conteúdo de Matemática com outras disciplinas ou atividades do cotidiano, fato apontado pelos integrantes em seus questionários. Ainda, é possível que a forma com que o professor ensinou o conteúdo de Matemática, na formação dos alunos, tenham influenciado na dificuldade de formulação dos problemas. O jogo desenvolvido apresenta, em sua dinâmica, exercícios de utilização dos operadores, que ficam mais evidentes na tela em que aparece a tabela verdade. É interessante pontuar que a maioria dos integrantes do grupo declarou ter facilidade em Matemática, porém, durante o processo de desenvolvimento, algumas reuniões precisaram ser destinadas a esclarecer dúvidas quanto ao conteúdo e alguns integrantes relataram que estavam assistindo aulas na Internet sobre lógica proposicional.
Considerações finais
O presente artigo tem como objetivo analisar o momento em que ocorrem as tarefas de formulação (SILVER, 1994) suas atividades (STOYANOVA; ELLERTON, 1996) e os processos envolvidos (CHRISTOU et al. 2005). Além disso, analisar a influência das experiências metacognitivas no processo de formulação de problemas no desenvolvimento de um jogo educacional digital de Matemática. Assim, nesta pesquisa, o momento que ocorreu a formulação de problemas foi durante a resolução de problemas, suas atividades são situações semiestruturadas e os processos cognitivos envolvidos no desenvolvimento do jogo foram a edição e compreensão.
Diante dos dados coletados e analisados, é possível inferir que as concepções de Matemática relacionadas aos sentimentos, que referem-se a experiências cognitivas, estão em consonância com os resultados observados no processo de formulação de problemas no desenvolvimento do jogo educacional digital de Matemática. Os dados apontam, nessa comunicação, que os integrantes do grupo GLVPM relataram sentimento de insegurança com relação à articulação do conteúdo de Matemática com outras disciplinas ou atividades do cotidiano, logo, dificuldade.
Ainda, há indícios de que a forma com que os alunos tiveram o conteúdo de Matemática apresentado em sua formação se mostrou no desenvolvimento do jogo educacional, pois pudemos observar que o jogo Roblight contém uma sequência de operações com os operadores lógicos a serem resolvidos pelo jogador, fato que pode estar relacionado à utilização de listas de exercícios pelo professor da disciplina de Matemática Discreta, a qual os alunos já haviam cursado.
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Apêndice A
Notas
Ligação alternative
https://www.revistasbemsp.com.br/REMat-SP/article/view/284/pdf (pdf)