Seção Temática: Resolução de Problemas na Educação Matemática
Resolução de Problemas e a Educação Matemática Realística: contribuições para a Educação Financeira Escolar com Professores em Formação Inicial
Problem Solving and Realistic Mathematics Education: Contributions To School Financial Education with Initial Training Teachers
Resolución de Problemas y Educación Matemática Realista: contribuciones a la Educación Financiera Escolar con profesores de formación iniciale
Revista de Educação Matemática
Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Brasil
ISSN: 2526-9062
ISSN-e: 1676-8868
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 17, núm. 1, 2020
Recepção: 30 Junho 2019
Aprovação: 19 Janeiro 2020
Publicado: 01 Maio 2020
Resumo: Este artigo tem como objetivo descrever os resultados parciais de uma pesquisa que tem como foco a Resolução de Problemas. A partir do desenvolvimento de uma atividade com alunos em formação inicial de professores, procurou-se estabelecer uma conexão entre as ideias da Educação Matemática Realística-EMR, a metodologia de Resolução de Problemas e a Educação Financeira. As situações-problema, construídas segundo os princípios da EMR, foram voltadas para a construção de conceitos, relacionando os conteúdos sobre juros, porcentagem, progressões geométricas e as ideias fundamentais que promovem a articulação entre eles, como a comparação, variação e equivalência. O estudo realizado permitiu identificar que a proposição de situações-problema, segundo os princípios da EMR, favoreceu a criação de novos problemas, novas conjecturas, o estabelecimento de conexões entre conteúdos matemáticos e a realidade social que beneficiaram a compreensão da Matemática.
Palavras-chave: Resolução de Problemas, Educação Matemática Realística, Educação Financeira.
Abstract: This article aims to describe the partial results of a research that focuses on Problem Solving. From the development of an activity with students in initial teacher training, it was tried to establish a connection between the ideas of Realistic Mathematical Education-EMR, the Problem Solving methodology and Financial Education. The problem situations, built according to the principles of the EMR, are focused on the construction of concepts relating to financial rates, percentage, geometric progressions and the fundamental ideas that promote the articulation between them, such as comparison, variation and equivalence. The study made, allowed to identify that the proposition of a problem situations, according to the principles of the EMR, favored the creation of new problems, new conjectures, the establishment of connections between mathematical contents and the social reality that benefited the understanding of Mathematics.
Keywords: Problem Solving, Realistic Mathematics Education, Financial Education.
Resumen: Este artículo tiene como objetivo describir los resultados parciales de una investigación que tiene como foco la Resolución de Problemas. A partir del desarrollo de una actividad con alumnos en formación inicial de profesores, se buscó establecer una conexión entre las ideas de la Educación Matemática Realística-EMR, la metodología de Resolución de Problemas y la Educación Financiera. Las situaciones-problema, construidas según los principios de la EMR, se centran en la construcción de conceptos relacionando los contenidos sobre interés, porcentaje, progresiones geométricas y las ideas fundamentales que promueven la articulación entre ellos, como la comparación, la variación y la equivalencia. El estudio realizado permitió identificar que la proposición de situaciones-problema, según los principios de la EMR, favoreció la creación de nuevos problemas, nuevas conjeturas, el establecimiento de conexiones entre contenidos matemáticos y la realidad social que beneficiaron la comprensión de las Matemáticas.
Palabras clave: Resolución de problemas, Educación Matemática Realista, Educación Financiera.
1. Introdução
Pesquisas sobre formação de professores de matemática têm mostrado o crescimento do uso da metodologia de Resolução de Problemas como uma alternativa de trabalho de sala de aula que possibilita envolver os alunos, de forma ativa, nas atividades propostas pelo professor. Trabalhos de pesquisadores em nível nacional, como em Onuchic (1999), Allevato (2005), Nunes (2010) e em nível internacional, Schroeder e Lester (1989), Van de Walle (2009), Schoenfeld (1997), entre outros, têm mostrado que essa abordagem tem contribuído para o aperfeiçoamento da prática docente e a qualidade da aprendizagem em sala de aula, favorecendo a compreensão da Matemática.
A importância da Resolução de Problemas, no desenvolvimento do pensamento matemático, vem sendo discutida desde a década de sessenta, quando George Polya descreveu que resolver problemas faz parte da atividade humana. Para Polya “Resolver um problema significa encontrar um modo de superar uma dificuldade, uma maneira de contornar um obstáculo, de atingir um objetivo que não é imediatamente atingível”. (POLYA, 1962, p. 81).
Ao tratar da resolução de problemas como uma atividade humana, é necessário distinguir que tipo de problema colabora para o desenvolvimento do pensamento matemático. Para Schoenfeld (1997), resolver problemas é a arte de lidar com problemas não triviais e que ainda não são conhecidos. É buscar uma estratégia de solução que oportunize a criatividade e o desenvolvimento do raciocínio.
A Resolução de Problemas, proposta por Polya (1978), destaca passos a serem seguidos para solucionar um problema. O modelo descrito pelo autor sugere quatro fases: primeiramente compreender o problema, ou seja, saber claramente o que está sendo solicitado; estabelecer um plano observando como as incógnitas se relacionam, de que forma os dados estão relacionados; executar o plano, isto é, pôr em prática as estratégias que foram pensadas e fazer o retrospecto, revendo e discutindo a solução encontrada e verificando se os resultados consolidam o seu conhecimento.
No final dos anos 70 e a partir das ideias de Polya, a Resolução de Problemas passou a ter importância no mundo inteiro e começou a ser incorporada aos documentos curriculares, a fim de melhorar o ensino da Matemática. Nos Estados Unidos, o NCTM (National Council of Teacher of Mathematics) publicou, em 1980, uma agenda para ação com recomendações para o ensino da Matemática. O documento traz ações específicas de mudanças curriculares na disciplina, incluindo a Resolução de Problemas como metodologia de ensino. Esse documento traz a indicação de que a “Resolução de Problemas deve ser o foco da Matemática Escolar” (ONUCHIC, 1999, p. 204). No Brasil, os PCNs (BRASIL, 1998) foram elaborados para orientar os professores na busca de novas abordagens e metodologias, semelhante ao NCTM. Os PCNs estabelecem as competências básicas e orientam os professores para o uso dessa metodologia no ensino de Matemática. Na mesma direção, os documentos relacionados com a Base Nacional Comum Curricular-BNCC (2017), tanto para o Ensino Fundamental quanto para o Ensino Médio, recomendam a Resolução de Problemas como estratégia para o desenvolvimento de competências em todas as áreas temáticas.
De acordo com Nunes (2014), o papel da metodologia de Resolução de Problemas está em potencializar a compreensão de novos conceitos da Matemática, quando afirma que a “eficácia está em fazer com que o aluno compreenda novos conceitos, habilidades e técnicas matemáticas”. No entanto, a maneira como têm sido construídos os conceitos na escola privilegiam uma algebrização exacerbada com consequente prevalência das técnicas sobre o significado para o aluno (REZENDE, 2003). A resolução de problemas parece ser uma alternativa interessante a esse problema, uma vez que permite ao aluno a construção de conceitos matemáticos por meio da exploração, justificação, formulação e testes dando significado à atividade matemática. Segundo Van de Walle (2009), os alunos aprendem Matemática fazendo Matemática e acrescenta que aprendem quando exploram, justificam, formulam e testam questões que os levem, de fato, a perceber o sentido da Matemática.
Por outro lado, há a preocupação em relação ao papel do professor e o trabalho em sala de aula. Cardozo e Possamai (2019), apontam que o papel do professor no processo de ensino e aprendizagem é fundamental e o mesmo deve ter a preocupação de que os alunos compreendam e adquiram habilidades e técnicas que os levem a fazer e pensar matematicamente. A preocupação está em adequar o trabalho escolar às novas tendências, que leve a melhores formas de ensinar, de aprender e de avaliar os conteúdos matemáticos e que favoreça à construção de conceitos com significado. Por meio de um trabalho de sala de aula, tendo o professor como mediador, os alunos têm a oportunidade de ver os conhecimentos e procedimentos matemáticos surgirem com significado e, ao mesmo tempo, de desenvolver habilidades e competências matemáticas como o raciocínio matemático e a comunicação matemática.
Segundo as ideias contidas no documento NCTM (2000), a necessidade de dar sentido aos conhecimentos matemáticos é descrita quando o mesmo indica que, desde crianças, os alunos possuem a capacidade de entenderem e usarem a Matemática no seu dia a dia e afirma, ainda, que é esta capacidade que possibilita com que façam conexões entre conceitos matemáticos, entre diferentes ramos da Matemática e entre a Matemática e outras áreas do conhecimento.
Neste trabalho tem-se como objetivo descrever os resultados parciais de uma pesquisa com professores em formação inicial sobre a temática da Educação Financeira tendo como referencial teórico a Educação Matemática Realística e como metodologia de ensino a Resolução de Problemas. A proposta é voltada para a construção de conceitos por meio da Resolução de Problemas, relacionando os conteúdos sobre juros, porcentagem, progressão geométrica e as ideias fundamentais que promovem a articulação entre eles, como a comparação, variação e equivalência.
A Educação Matemática Realística, desenvolvida pelo matemático Hans Freudenthal (1905-1990), tem como propósito oportunizar aos alunos o contato com situações-problema da vida cotidiana, despertando o interesse, a criatividade e o aprendizado de conteúdos matemáticos. Por meio de problemas do dia a dia dos estudantes, como defendido pelas ideias da Educação Matemática Realística, os alunos têm a possiblidade de não somente aprenderem Matemática, mas também, conseguir estabelecer conexões entre os conteúdos matemáticos entre si e com a realidade, favorecendo a compreensão e sua aplicabilidade.
Para atingir o objetivo proposto foram analisadas as trajetórias seguidas pelos alunos no processo de Resolução de Problemas, para compreender como os estudantes conectam os conceitos sobre juros, porcentagem e progressões geométricas a partir da vivência de uma experiência concreta, que envolve diferentes problemas com contextos cotidianos e questões financeiras, ligados à temática da Educação Financeira, seguindo as ideias e princípios da Educação Matemática Realística.
2. Educação Matemática Realística: características no ensino e aprendizagem da matemática
A Educação Matemática Realística (EMR) é uma abordagem para o ensino de matemática que foi proposta pelo matemático Hans Freudenthal (1905-1990) e tem como propósito oportunizar aos alunos o contato com situações-problema da vida cotidiana, despertando o interesse, a criatividade e o aprendizado de conteúdos matemáticos.
Tem como princípios a contextualização e a utilização de situações-problema que devem estar ligados à realidade, na qual o aluno possa fazer uma representação mental, de algo concreto ou não, oportunizando experimentar a matemática como uma “atividade humana”.
Para Freudenthal, a matemática deve ser vista como uma atividade de organização, onde o conhecimento vai se construindo, estruturando, esquematizando, e modelando o mundo, matematicamente.
É uma atividade de resolução de problemas, de busca de problemas, mas também é uma atividade de organização de um assunto. Isso pode ser uma questão da realidade que deve ser organizada de acordo com padrões matemáticos, se os problemas da realidade tiverem de ser resolvidos. Também pode ser uma questão matemática, resultados novos ou antigos, próprios ou de outros, que devem ser organizados de acordo com novas ideias, para serem melhor compreendidos, em um contexto mais amplo ou por uma abordagem axiomática. (FREUDENTHAL, 1971, p. 413-414, tradução nossa).
Assim, a EMR é uma abordagem que se concentra nas atividades dos alunos para a construção do conhecimento. Com essa abordagem, os alunos têm a oportunidade de aprender ideias e conceitos matemáticos a partir de problemas contextuais, relacionados ao ambiente, ao cotidiano, ou seja, da realidade do aluno.
Para Gravemeijer (1999), na EMR, a experiência da vida cotidiana e matemática formal não são vistos como duas entidades disjuntas, e o que se pretende é que a matemática formal venha à tona como uma extensão natural da realidade experimental do aluno:
No lado do ensino, os alunos devem ter a oportunidade de construir sua própria bagagem de conhecimentos matemáticos com base em tal processo de aprendizagem. Em relação a isso, pode-se notar que a teoria da EMR é primariamente uma teoria sobre a construção do conhecimento; a ideia não é motivar os alunos com contextos cotidianos, mas buscar contextos que sejam experiencialmente reais para os alunos e que possam ser usados como pontos de partida para a matematização progressiva. (GRAVEMEIJER, 1999, p. 158, tradução nossa).
Essa ideia enfatiza a importância dos problemas contextuais, visto que na EMR os problemas de contexto são utilizados de forma mais abrangente, desde o início, para provocar o conhecimento informal dos alunos e dar sustentação para a reinvenção guiada da matemática pelos próprios alunos. Ou seja, os contextos são definidos como problemas nos quais a situação do problema é experiencialmente real para o aluno.
Enfim, dois pontos centrais caracterizam a EMR. O primeiro é de que a matemática deve estar conectada a problemas autênticos, ou seja, as situações devem fazer parte do cotidiano do aluno, e assim, fazer sentido a sua utilização, ser relevante e tornar-se algo real na mente dos alunos. O segundo ponto é de que a matemática é uma atividade humana, ou seja, as situações devem ser organizadas matematicamente, nas quais os alunos, sob a orientação do professor, têm a oportunidade de organizar e esquematizar a realidade matematicamente, denominada por Freudenthal de matematização.
Gravemeijer e Terwel (2000), seguidores de Freudenthal, explicam que ele usou a palavra “matematização” num sentido amplo, como forma de organização que incorpora a questão matemática. E, ao escolher a palavra organizar, ele indicou que a matematização não se restringe a uma tradução para um sistema de símbolos prontos, sem originalidade, mas a uma forma de simbolizar o que pode surgir durante o processo de organização de um assunto.
Nesse sentido, para o aluno aprender matemática ele tem que “resolver” um problema do mundo real, exigindo o uso de habilidades e competências que adquiriu em experiências anteriores, sendo que, nesse processo, a matematização exerce um papel fundamental.
Esse processo de matematização, idealizado por Freudenthal, é diferenciado por Treffers em duas fases, a matematização horizontal e a matematização vertical (TREFFERS, 1987). Na matematização horizontal, o autor refere-se à horizontal “como uma tarefa de tornar um assunto acessível para tratamento matemático” e a vertical “como uma tarefa de promover um processamento matemático mais sofisticado”.
De forma mais concreta, a matematização horizontal envolve a conversão de um problema contextual em um problema matemático, e a vertical envolve levar a matéria matemática para um plano superior, e pode ser provocada pela resolução de problemas que admitem soluções em diferentes níveis matemáticos (GRAVEMEIJER, TERWEL, 2000, p. 782).
De Lange (1999) explica, que na matematização horizontal, ocorre o “processo de ir do mundo real para o mundo matemático”, e a matematização vertical “está trabalhando no problema dentro do mundo matemático”, a partir do desenvolvimento de ferramentas matemáticas para resolver o problema.
Assim, na Educação Matemática Realística, deve-se valorizar os contextos e as conexões matemáticas na aprendizagem da matemática. É importante iniciar pela exploração e problematização dos problemas a partir da realidade, próximo e familiar para o aluno, ou seja, utilizar as situações práticas do dia a dia para que possam ser matematizadas ao invés de começar com problemas puramente matemáticos, ou pelas fórmulas e definições prontas.
Para Lopes (2014), não existem limites para explorar a matemática em contextos ricos de significados e estes são fundamentais para desenvolver as potencialidades dos alunos:
Freudenthal entende que, ao serem significativos para o estudante, os contextos realistas se constituem em pontos de partida de sua atividade matemática, contribuindo para promover o uso de seus conhecimentos prévios, a intuição e suas estratégias informais, para enfrentar e responder às questões colocadas, permitindo-lhes, em seguida, avançar por si próprios até níveis mais complexos de matematização. Problemas e situações realistas geram nos estudantes a necessidade de utilizar ferramentas matemáticas para sua organização. (LOPES, 2014, p. 25).
Nessa proposta, a EMR é fundamentada por seis princípios que evidenciam: o uso dos contextos em situações-problema, para gerar as atividades de matematização, o uso de modelos para a representação desses contextos e situações, a importância das construções dos alunos para o processo de ensino e aprendizagem, o papel do professor, a integração e a inter-relação dos conceitos matemáticos. No Quadro 1, a seguir, a descrição de cada princípio norteador da EMR.
Princípio | O que significa? | Como pode ser atingindo? |
Da Atividade | A finalidade da matemática é matematizar, organizar as situações que nos rodeiam, incluindo a própria matemática. A matematização é uma atividade de busca de soluções para os problemas, mas também uma atividade de organização de um tema. | Os alunos são participantes ativos, os atores principais e aprendem melhor matemática fazendo matemática, matematizando. Matematizar envolve diferentes características: simbolizar, esquematizar, modelar, definir, formalizar, generalizar e refletir. |
Da Realidade | A aprendizagem da matemática ocorre fazendo matemática em contextos reais. Um contexto real pode ser tanto uma situação-problema da vida cotidiana, como situações-problema que são reais na mente dos alunos. | O aluno deve fazer associação entre a matemática e os problemas de vida real, e a aprendizagem deve partir de situações que têm significado para os alunos, contextos matematizáveis, produzindo sentido às construções matemáticas na resolução de problemas. |
Dos Níveis | Significa que durante a aprendizagem os alunos passam por vários níveis de compreensão, do informal ao formal. | As situações-problema são matematizadas para formar relações cada vez mais formais, para se chegar nas estruturas mais abstratas. |
Da Orientação | Refere-se à ideia de Freudenthal de que o professor é proativo na aprendizagem dos alunos, tem o papel fundamental de levar os alunos a reinventar a matemática de forma guiada. | Dar oportunidade para os alunos mostrarem suas invenções e estratégias de soluções para os demais colegas e discutir a validade dessas estratégias utilizadas. |
Da Interação | Aprender matemática também é uma atividade social. A EMR favorece a interação, os trabalhos e discussões em grupos, o compartilhamento de ideias, invenções, provocando no aluno a reflexão e o desenvolvimento da compreensão. | Para se chegar aos níveis mais altos de compreensão da matemática, são utilizados elementos essenciais no processo de aprendizagem: a negociação, a intervenção, a discussão, a cooperação e a evolução dos conceitos matemáticos. |
Da Interconexão | O domínio de conteúdos matemáticos, não pode ser considerado como seções isoladas do currículo, mas com estreita ligação uns com os outros. | As situações-problema devem incluir os conteúdos matemáticos correlacionados e em sintonia. |
Espera-se que ao trabalhar com diferentes contextos, os alunos possam desenvolver habilidades de compreensão, interpretação, estratégias e ferramentas matemáticas para apoiar a resolução de problemas.
Para o desenvolvimento desse trabalho, alinhamos à Educação Matemática Realística uma estratégia de ensino, para que os alunos, ao explorar experiências cotidianas com problemas reais, tenham autonomia para pensar, discutir e compreender a realidade matematicamente, possibilitando desenvolver meios para a resolução de problemas e a capacidade de enfrentar problemas cada vez mais complexos: a Metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação através da Resolução de Problemas.
3. A Resolução de Problemas como metodologia de ensino e aprendizagem
A recomendação de tratar, na sala de aula, de problemas contextualizados abordando temas do dia a dia dos estudantes aparece em vários documentos oficiais e em livros didáticos com indicação de diferentes teorias de aprendizagem e de metodologias que podem ser utilizados pelos professores.
Os registros das primeiras pesquisas sobre a Resolução de Problemas referem-se aos estudos de George Polya, o qual, para encontrar uma forma de como ensinar a matemática, preocupava-se em como descobrir e ensinar estratégias para resolver problemas.
George Polya, considerado o “pai” da resolução de problemas, criou orientações que ajudariam os interessados na resolução de problemas a realizá-la com eficácia. Orientou para a importância de compreender o problema a ser trabalhado, de criar um plano para resolvê-lo, de executar o plano e de verificar a validade da solução obtida (POLYA, 1945). Essas recomendações ainda hoje são aceitas como diretrizes que, ao serem transmitidas pelos professores aos seus alunos, configuram o ensino sobre Resolução de Problemas. Nessa concepção, a Resolução de Problemas constitui-se como um novo conteúdo pedagógico, que fornece regras gerais e processos aos alunos permitindo-os resolverem qualquer situação problema, independente da disciplina envolvida. (TEIXEIRA; ALLEVATO, BRITO, 2016, p. 102).
Nos documentos oficiais mais recentes, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), homologada em 20 de dezembro de 2017 pelo MEC (para a Educação Infantil e Ensino Fundamental), traz para a área da Matemática a referência ao ensino contextualizado utilizando a matemática para a resolução de problemas:
No Ensino Fundamental, essa área, por meio da articulação de seus diversos campos – Aritmética, Álgebra, Geometria, Estatística e Probabilidade, precisa garantir que os alunos relacionem observações empíricas do mundo real a representações (tabelas, figuras e esquemas) e associem essas representações a uma atividade matemática (conceitos e propriedades), fazendo induções e conjecturas. Assim, espera-se que eles desenvolvam a capacidade de identificar oportunidades de utilização da matemática para resolver problemas, aplicando conceitos, procedimentos e resultados para obter soluções e interpretá-las segundo os contextos das situações. A dedução de algumas propriedades e a verificação de conjecturas, a partir de outras, podem ser estimuladas, sobretudo ao final do Ensino Fundamental. (BRASIL, 2017, p. 263).
Porém, os seguidores de Polya aprofundaram seus estudos e, atualmente, os pesquisadores seguem a concepção de utilizar o problema como ponto de partida para desenvolver os conceitos e habilidades matemáticas, ou seja, que o ensino e aprendizagem da matemática ocorram através da Resolução de Problemas.
A partir dos estudos de Onuchic e Allevato sobre a Resolução de Problemas, os pesquisadores desenvolveram uma proposta para o ensino da matemática como uma dinâmica para a sala de aula, denominada de Metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação, através da Resolução de Problemas. O detalhamento dessa proposta pode ser encontrado em Onuchic e Allevato (2011), e em outros trabalhos das autoras.
Essa metodologia de ensino tem como ideia principal trabalhar o ensino e a aprendizagem, simultaneamente, durante a construção do conhecimento, e a avaliação vai sendo construída durante a resolução de problemas, acompanhando o crescimento dos alunos e orientando o professor para o seu trabalho como guia e mediador da aprendizagem.
A Metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação através da Resolução de Problemas é uma perspectiva de ensino que está apoiada na tríade ensino-aprendizagem-avaliação e que utiliza o problema para desenvolver a construção do conhecimento de algum conceito matemático de forma que o aluno possa construir seu próprio aprendizado com compreensão e significado. (PAGANI, ALLEVATO, 2016, p. 92).
Segundo Nunes (2014), com essa metodologia, a concepção de avaliação é mais atual: “Ela deve ser expandida para além do conceito tradicional da realização de provas. Trabalhar a avaliação continuamente poderá ajudar a tornar o pensamento dos estudantes visíveis para eles mesmos, para seus colegas e para os professores”. (NUNES, 2014, p. 6).
Diferentes experiências com o uso da Resolução de Problemas têm mostrado que essa metodologia, não somente possibilita o ensinar e aprender novos conteúdos, mas também, estabelecer conexões com situações externas e intrínsecas à Matemática. Problemas autênticos, que partem do contexto externo ou interno da Matemática, têm uma conexão com as ideias da Educação Matemática Realística.
4. O entrelaçamento entre a Educação Matemática Realística e a Resolução de Problemas
A Matemática é uma parte da ciência muito importante na vida das pessoas, especialmente na resolução de problemas do cotidiano. Na escola, a Matemática tem o objetivo de fazer com que os alunos sejam capazes de compreender conceitos matemáticos, explicar as conexões entre os conceitos e aplicar esses conceitos ou algoritmos na resolução de problemas.
A Educação Matemática Realística é uma abordagem que apresenta uma compreensão da relevância da matemática para a vida cotidiana, visto que tem como objetivo trabalhar com situações-problema relacionadas à vida real no processo de aprendizagem. A partir dessas características, espera-se explorar essa abordagem direcionando os alunos para resolver problemas matemáticos e estabelecer conexões entre os conteúdos matemáticos, mas não só na escola, ou seja, desenvolver a capacidade de compreensão e aplicabilidade, resolvendo questões ligadas à sua realidade, fora da sala de aula.
Por isso, acredita-se que a Metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação através da Resolução de Problemas possa favorecer o desenvolvimento de habilidades matemáticas e ajudar a estabelecer conexões entre os conceitos, a partir da organização do ambiente proposto nessa metodologia.
A Metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação através da Resolução de Problemas apresenta várias convergências com a EMR, principalmente em relação às ações desenvolvidas pelo professor, considerado um guia e mediador desse processo de construção do conhecimento e os alunos como protagonistas dessa aprendizagem, tornando-se reinventores de ferramentas, procedimentos e conceitos matemáticos.
Além disso, evidenciam o papel do professor como observador, questionador e incentivador para a participação ativa e o trabalho colaborativo nos pequenos grupos. Em relação ao papel do aluno, a conexão é estabelecida quando essa metodologia proporciona caminhos para o aluno participar ativamente de todo o processo de construção do seu próprio conhecimento, discutindo e analisando as suas resoluções com o auxílio de seus colegas e do professor, desenvolvendo a autonomia e a interação, aprimorando suas compreensões sobre o conteúdo matemático e extra matemático.
Portanto, essa metodologia é um caminho para ensinar matemática e um recurso para colocar em prática as ideias da EMR através do uso de problemas relevantes como ponto de partida, para instigar o raciocínio informal dos alunos e propiciar novas aprendizagens. Assim, os conhecimentos prévios são utilizados pelos alunos na busca de estratégias de solução, pois o conteúdo matemático não é introduzido, mas desenvolvido a partir da resolução de problemas, e por fim, emerge uma aprendizagem baseada na experiência, na qual os alunos tornam-se capazes de fazer uso dela para resolver novos problemas.
5. Metodologia
Este trabalho tem como objetivo descrever os resultados parciais de uma pesquisa de natureza qualitativa, realizada com professores em formação inicial, envolvendo a temática da Educação Financeira. Para isso, tem-se como referencial teórico a Educação Matemática Realística e como metodologia de ensino a Resolução de Problemas.
Para atingir o objetivo proposto pela pesquisa, a coleta de dados se deu por meio da observação da dinâmica do ambiente proposto, dos registros dos alunos e da participação nos grupos de trabalho. Na análise, levou-se em conta as trajetórias seguidas pelos alunos no processo de resolução de problemas, para compreender como os estudantes constroem os conceitos matemáticos, as ligações e conexões que estabelecem durante o processo de aprendizagem.
As etapas sugeridas pela metodologia de ensino foram adaptadas para a aplicação de uma proposta didática desenvolvida sobre contextos cotidianos e questões financeiras, ou seja, ligadas à temática da Educação Financeira, relacionando os conteúdos sobre juros, porcentagem, progressão geométrica e as ideias fundamentais que promovem a articulação entre eles, como a comparação, variação e equivalência.
As situações-problema, apresentadas na próxima seção, foram desenvolvidas com acadêmicos do curso de Pedagogia, porém, salienta-se que essa proposta pode além de ser adaptada e utilizada com alunos do Ensino Regular, pode auxiliar na formação inicial ou continuada de professores que ensinam matemática.
6. Situação-problema: Poupar ou financiar, qual a melhor opção?
A aquisição de um bem de grande valor deve ser sempre realizada com muita consciência e cuidado. Vejamos a ilustração na figura abaixo:
Após a leitura da tirinha da Figura 1, a professora questionou:
Será que essa história corresponde com a realidade? Quanto custa verdadeiramente um crédito para a obtenção de um bem, a quitação de uma dívida ou a realização de um sonho?
A partir da ilustração, a professora solicitou aos alunos, reunidos em grupos, que elaborassem situações-problema para tentar responder o que a historinha contém.
Os alunos iniciaram uma discussão sobre as diferentes possibilidades de conseguir um crédito, como o fato de juntar o dinheiro ou fazer um consórcio, como as citadas na história. As possibilidades encontradas pelos alunos envolvendo a ideia de juntar o dinheiro foram fazer um cofrinho em casa, ou a aplicação do dinheiro em uma conta poupança e envolvendo a ideia de tomar o dinheiro emprestado por um conhecido ou realizando um financiamento em um banco.
Descreve-se, a seguir, as proposições de alguns grupos.
O grupo B propôs a seguinte situação-problema: vamos imaginar que uma pessoa queira adquirir um carro
O grupo B propôs a seguinte situação-problema: vamos imaginar que uma pessoa queira adquirir um carro, e para isso precisa de R$ 24.000,00. De que modo pode-se conseguir o valor necessário para efetuar a compra do carro?
Na busca de resposta para a situação proposta, o grupo, primeiramente, pensou na aquisição de um consórcio, e ,para isso, fizeram uma simulação para um crédito de R$24.000,00, num prazo de 36 meses, em um banco na modalidade consórcio, conforme a Figura 2.
Analisando o resultado da simulação, percebe-se que o valor de cada parcela é de R$ 808,67, com a descrição das seguintes taxas dessa modalidade: uma amortização mensal de 2,78%, uma taxa de Administração de 16%, Fundo de Reserva de 3% e mais o Seguro Prestamista de 0,0552% a.m. sobre o saldo deverdor.
A partir dos dados da simulação, o grupo questionou: o que significa amortização? O que é fundo de reserva e porque é necessário esta cobrança? O que é seguro prestamista ? Estas indagações foram discutidas e analisadas no grupo e, também, no grande grupo durante a realização da plenária.
Um outro grupo D, pensou em buscar um crédito em um banco. Para isso, também usaram uma simulação de financiamento em um banco, na modalidade de crédito pessoal, conforme a Figura 3.
Nesse caso, a simulação forneceu diferentes informações que foram discutidas pelos componentes. Chamou a atenção do grupo a alta taxa do custo efetivo total.
Um outro grupo, o F, questionou se era melhor economizar mensalmente e aplicar o valor na conta poupança. As discussões, neste caso, foram relacionadas com a baixa remuneração da poupança simples. Perceberam que, com o salário de um professor do ensino básico, conseguir o valor de R$24.000,00, levaria muito tempo e isso inviabilizaria a aquisição do carro .
Nas plenárias, as discussões levaram à reflexão sobre os seguintes pontos:
Professora: Tendo como base os valores informados nas simulações, qual das opções vocês escolheriam? Que cálculos vocês fariam para ter certeza de que a opção escolhida é um bom negócio? Quais as vantagens e desvantagens de cada modalidade de crédito: consórcio, financiamento e poupança?
O questionamento da professora instigou os alunos a comparar as três situações e encontrar uma solução que correspondesse à “melhor” maneira para adquirir o crédito. Ao mesmo tempo, surgiram questões relacionadas com problemas sociais que, segundo eles, devem ser levadas em conta na tomada de decisão. Essas discussões trouxeram para a sala de aula questões da realidade dos próprios alunos e, por isso, elas são relevantes.
Para comparar as três situações, os alunos, após as discussões e reunidos em grupos, realizaram os cálculos para cada uma das situações propostas.
Para o caso da aquisição de um consórcio, o grupo B, apresentou:
Valor da carta de crédito: R$ 24.000,00;
Prazo: 36 meses
Valor da parcela: R$ 808,67
Valor total pago = 36 x 808,67 = 29.112,12
Valor pago em taxas = 29.112,12 - 24.000,00 = 5.112,12
Taxa =
Ou seja, 17,56% do valor pago é correspondente as taxas cobradas no consórcio.
Após, analisaram as vantagens e desvantagens para esta modalidade e concluíram que se optarem por essa modalidade, as vantagens são: a taxa é mais reduzida em relação à do financiamento, a pessoa pode ser sorteada logo no início do consórcio ou então apresentar um lance (que corresponde a um percentual da carta de crédito), antecipando algumas prestações para ser contemplada. As desvantagens são: a parcela a ser paga pode sofrer reajuste todo o ano; o sorteio pode ocorrer só no final do consórcio e, assim, receber a carta de crédito sem correção e, portanto, estar desvalorizada em relação ao bem a ser adquirido.
Na análise da obtenção do crédito em um banco, o grupo F apresentou os seguintes cálculos:
Valor do crédito: R$ 24.000,00
Valor do imposto: R$ 827,86
Valor total financiado = 24.000,00 + 827,86 = 24.827,86
Prazo: 36 meses
Valor da parcela: R$ 2.232,74
Valor total pago : 36 x 2.232,74 = 80.378,64
Valor pago em taxas : 80.378,64- 24.000,00 = 56.378,64
Dado que então, 70,14% do valor pago é correspondente as taxas cobradas no financiamento.
Após, analisaram as vantagens e desvantagens dessa modalidade e concluíram que uma das vantagens é o financiamento, porque o valor , logo que liberado, fica disponibilizado de imediato e sem burocracia .A desvantagem é a taxa de juro elevada em relação ao consórcio.
No caso da opção pela aplicação na conta poupança, o grupo A, assim concluiu:
a) Caso a pessoa economizar o valor correspondente ao da parcela do consórcio:
Valor necessário: R$ 24.000,00
Valor da parcela (mesmo do consórcio): R$ 808,67
Taxa de aplicação: i = 0,37% =
Para determinar o prazo, é necessário considerar que todo mês é depositada uma parcela, e como é um investimento, esse valor sempre será reajustado mensalmente. Assim, para i=0,0037, tem-se para os primeiros quatro depósitos os seguintes rendimentos discriminados na tabela a seguir. E, portanto, os saldos da poupança podem ser representados por:
M1 = 808,67
M2=808,67 + 808,67(1+i)
M3=808,67 + 808,67(1+i) + 808,67(1+i)2
M4=808,67 + 808,67(1+i) + 808,67(1+i)2+ 808,67(1+i)3
1º Mês | 2º Mês | 3º Mês | 4º Mês | |
1º depósito | 808,67 | 808,67+808,67*i= 808,67(1+i) | 808,67(1+i)+ (808,67(1+i))*i= 808,67(1+i)*(1+i)= 808,67(1+i)2 | (808,67(1+i)2)*(1+i)= 808,67(1+i)3 |
2º depósito | 808,67 | 808,67(1+i) | 808,67(1+i)2 | |
3º depósito | 808,67 | 808,67(1+i) | ||
4º depósito | 808,67 |
Substituindo o valor da parcela por P, temos que:
M4 = P + P(1+i) + P(1+i)2+ P(1+i)3
E para chegarmos ao enésimo saldo, temos que:
Mn = P + P(1+i) + P(1+i)2+...+ P(1+i)n-1
Ou
Mn = P*[1 + (1+i) + (1+i)2+...+ (1+i)n-1]
Concluindo que o termo entre colchetes corresponde à soma dos n primeiros termos de uma P.G cujo primeiro termo é igual a 1 e razão igual a (1+i), tem-se a fórmula:
logo
chamado na matemática financeira de fator de acumulação de capital.
Assim:
Mn = P*Sn
Sendo P= 808,67 e i = 0,0037, tem-se:
E no caso do valor a ser economizado seja Mn = 24000, obtiveram que:
Assim,
(1,0037)n=1,10981
Para encontrar o valor de n, usaram os conhecimentos sobre logaritmos:
Concluiram que n representa o enésimo saldo, ou seja, a pessoa precisa realizar 28 depósitos de R$ 808,67 na poupança para acumular aproximadamente R$24000,00 porque, M28= 23810,89.
A outra possibilidade seria:
b) Caso a pessoa economizar o correspondente ao valor da parcela do financiamento:
Valor a ser economizado: R$ 24.000,00
Valor da parcela (mesmo do financiamento): R$ 2232,74
Taxa de aplicação: i = 0,37% =
Para calcular o prazo, utilizaram a mesma fórmula encontrada para Mn = P*Sn, ou seja,
Assim,
e
Assim, a pessoa precisa realizar 11 depósitos de R$ 2232,74 na poupança para acumular aproximadamente R$24000,00.
Nesse caso, analisaram as vantagens e desvantagens: se optar por essa modalidade, a vantagem é que com a conta poupança não há pagamento de taxas e ainda o dinheiro aplicado é corrigido mensalmente, e conforme a simulação realizada, pode-se verificar que o número de depósitos a ser realizado é menor do que o prazo do consórcio e do financiamento, e ainda, em caso de ocorrer algum imprevisto, o dinheiro aplicado pode ser utilizado, a qualquer momento, para suprir outra necessidade. A desvantagem é que na poupança a pessoa pode, por algum motivo, não depositar o valor todo mês e, assim, não conseguir o valor necessário no tempo planejado, além dessa aplicação ter a menor taxa de juros do mercado.
Para finalizar a atividade, a professora, com o intuito de buscar caminhos para despertar a criatividade e a aprendizagem de outros conteúdos matemáticos, propôs aos alunos que criassem novos problemas, a partir das ideias surgidas no início da atividade. A seguir, uma situação-problema que surgiu em um dos grupos:
· Sabendo que você gostaria de comprar um carro, um amigo ofereceu-se para emprestar o valor de R$24000,00 , para ser pago em 18 meses, de duas maneiras diferentes:
a) O pagamento de uma taxa de 25% sobre o valor emprestado, a ser pago no final dos 18 meses junto do valor emprestado;
b) o pagamento de 18 parcelas mensais corrigidas a uma taxa de 2,5% ao mês.
Qual das propostas é mais vantajosa?
Descreve-se a seguir as resoluções das duas propostas:
a) Para o pagamento de R$24000,00 após os 18 meses, tem-se que:
Ou seja, no final de 18 meses, deverá ser devolvido para o amigo o total de R$ 30.000,00.
b) Para o pagamento de R$24000,00 em 18 parcelas, a uma taxa i=2,5% a.m, os alunos perceberam que era necessário determinar quanto seria pago em cada mês, ou seja, qual o valor da parcela a ser paga nesse período?
Concluíram, que agora o valor pago todo mês, vai diminuir do valor devido, e seguindo esse raciocínio, chegaram á expressão:
que representa o Valor atual PV, em função da prestação P, a taxa i e n o número de parcelas do financiamento.
O problema é similar ao anterior, e colocando P em evidência, obtém-se:
Evidenciando , segue que:
Ou seja,
O termo entre colchetes corresponde à soma dos n primeiros termos de uma P.G, cujo primeiro termo é igual a 1 e cuja razão é igual a (1 + i). Assim, temos a fórmula:
E para obter o valor da prestação P, obtemos:
onde o termo é denominado de Coeficiente de financiamento e pode ser representado por CF, logo:
Assim, para i=0,025 e n = 18, temos CF = 0,069669 e substituindo PV por 24000, tem-se:
Ou seja, o valor de cada parcela será:
Para obter o total a ser pago pelo empréstimo, tem-se 18 x R$1672,06 = R$30.097,12, ou seja, será pago nessa modalidade o total de R$6.097,12 de juros.
Os alunos perceberam, após a comparação dos resultados, que a diferença em relação aos juros cobrados nas duas opções era bem pequena. Então, a escolha da melhor proposta ultrapassou o ponto de vista matemático, pois para analisar qual seria a proposta mais vantajosa, os alunos refletiram sobre qual a maneira mais viável de realizar o pagamento, levando em consideração a escolha pessoal, o contexto social e econômico, para pagar somente depois do período estabelecido, ou então, aos poucos quitar a dívida contraída do amigo.
7. Considerações Finais
Na perspectiva de evidenciar as conexões da Matemática com o contexto social em que os alunos vivem e tendo a preocupação de ensinar e aprender Matemática, neste artigo, optou-se trabalhar a Educação Financeira por meio de problemas que estão alinhados com os princípios da Educação Matemática Realística.
A tradução de uma situação real em linguagem matemática, embora considerada difícil pelos alunos envolvidos, possibilitou o enfrentamento de desafios como a criação de problemas, fazer questionamentos, propor conjecturas e análises comparativas das soluções encontradas. A busca de estratégias de solução da situação-problema proposta permitiu que os alunos fizessem conexões entre os conteúdos da própria Matemática e problemas oriundos do contexto financeiro e que fazem parte do cotidiano dos alunos.
Por meio de um trabalho de sala de aula que parta de problemas do dia a dia dos estudantes, como defendido pelas ideias da Educação Matemática Realística, os alunos têm a possiblidade de não somente aprenderem matemática, mas também, conseguirem estabelecer conexões entre os conteúdos matemáticos entre si e com a realidade, favorecendo a compreensão dos mesmos e a aplicabilidade no cotidiano das pessoas.
Ao tratar a Matemática como uma atividade humana, Freudenthal acentua que significa olhar como uma atividade do fazer real que consiste, predominantemente, em organizar ou matematizar temas retirados da realidade e do contexto em que os alunos estão inseridos. Significa, também, que os alunos aprendem matemática por meio da matematização de temas do contexto real, em vez de partir de uma visão tradicional da matemática em que se apresenta o conteúdo aos alunos como um sistema pronto e após a sua aplicabilidade.
As situações-problema incluíram conteúdos matemáticos correlacionados e interconectados e estão de acordo com os princípios da Educação Matemática Realística. A busca por soluções para as situações-problema permitiu que os alunos fizessem conexões entre os conteúdos da matemática e os problemas que fazem parte do cotidiano. As discussões para interpretar o problema e empregar o pensamento social e matemático despertaram o interesse, a curiosidade, a autonomia, a cooperação e a reflexão sobre as situações financeiras, ou seja, pré-requisitos que contribuem para a construção do conhecimento matemático, para o enfrentamento de novos problemas e a tomada de decisões financeiras.
Esses resultados apontam que os acadêmicos ao tentar compreender e resolver as situações-problema, desenvolveram modelos para interpretar, determinar, discutir, perceber e compreender os fenômenos cotidianos, em termos de conceitos matemáticos, desenvolvendo as características matemáticas fundamentais, que auxiliam na compreensão dos problemas ligados as questões que se relacionam com os objetivos da Educação Financeira.
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Notas
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