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Comunicação, Género e Sexualidades: Construindo Imaginários
Communication, Gender, and Sexualities: Building Imaginaries
Comunicación, Género y Sexualidades: Construyendo Imaginarios
Revista Comunicando, vol. 12, núm. 2, e023014, 2023
Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação

Nota Introdutória

Revista Comunicando
Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação, Portugal
ISSN: 2184-0636
ISSN-e: 2182-4037
Periodicidade: Semestral
vol. 12, núm. 2, e023014, 2023

Publicado: 11 Julho 2023

Uma Breve Nota Sobre a Secção Temática

Plural e disruptiva, a investigação centrada no género e na sexualidade tem direcionado a sua atenção para estes conceitos como categorias sociopolíticas, que representam os indivíduos, mas também como modelos analíticos a partir dos quais a subalternização e a dominação têm sido descritas e combatidas. Grande parte do pensamento neste âmbito tem-se dedicado à desestabilização das fronteiras entre o essencialismo biológico e as representações sociais e culturais, revelando como o corpo humano é sempre construído material e provisoriamente por meio de relações de poder (e.g. Rees, 2022). O género é, assim, expressão, mas também norma utilizada com frequência pelo saber especializado como reguladora de comportamentos, como dispositivo, no sentido proposto por Foucault (1999), alinhado com o sexo biológico, considerado não raro por esses saberes como seu precedente. Daí que, por exemplo, quando entendido como performance (Butler, 1990, p. 175) através da qual as pessoas repetem e normalizam certas formas de autoexpressão em detrimento de outras, o género ajuda a compreender como são as normas de género que dão sentido ao sexo e como estas influenciam a subjetividade. Já quando encarado como estrutura ideológica (Lazar, 2005) incorporada nos discursos, o género permite colocar em evidência como são naturalizadas as visões binárias da identidade e como é fixada a diferença entre o plano da normatividade e da desviância e das hierarquias que a este plano se sobrepõem.

A partir de uma perspetiva comunicacional, é no espaço público e, em particular, no desempenho simbólico dos média, que o género e a sexualidade podem ser vistos como construtos ativamente produzidos no âmbito dos imaginários que nos são oferecidos para representar o mundo e que são, pela sua omnipresença e projeção, fontes de conhecimento triunfante (Ross & Byerly, 2004). Os estudos feministas e de género têm visto nos imaginários mediáticos o poder de reforçar guiões normativos (Kim et al., 2007) e relações desiguais (Silveirinha, 2004; Simões, 2016; Tuchman, 2004[1978]), sem deixar de reconhecer o seu importante papel no estabelecimento de uma teia de sociabilidade mais justa, nomeadamente quando desafiam determinados entendimentos cristalizados da ordem social e ressignificam expressões de género (Simões & Amaral, 2022). A investigação, frequentemente alinhada com formas de ativismo intelectual, tem procurado mobilizar as agendas públicas, nacionais, europeias e internacionais para promover o aumento da participação e do acesso de mulheres e de minorias sociais à expressão nos meios de comunicação e às novas tecnologias de comunicação, bem como ao processo de tomada de decisão no setor mediático (Gallagher, 2001; Ross & Padovani, 2017). Além disso, a pesquisa também tem incidido sobre as formas de instrumentalização das lógicas de intermediação mediática contemporâneas por parte de atores políticos e sociais, com o objetivo de fixar projetos ideológicos que restauram o essencialismo biológico e lhe fazem corresponder identidades, matrizes de valores e comportamentos sociais nos planos de género e sexualidade de recorte conservador (Martins & Cabrera, 2023).

Reforçando o papel do plano simbólico na construção das identidades, legitimando dessa forma a importância dos média como um campo de análise das relações sociais, e influenciando o desenvolvimento de políticas públicas, o investimento epistemológico no género e na sexualidade a partir de uma perspetiva comunicacional oferece diversas abordagens para promover a paz e a justiça social. Este dossiê foi pensado com o objetivo de destacar, num espaço comum, a produção científica que precisamente reflita a amplitude do alcance deste campo de estudos e o seu compromisso com a sociedade.

Referências

Butler, J. (1990). Gender trouble: feminism and the subversion of identity. Routledge.

Foucault, M. (1999). História da Sexualidade I: A vontade de Saber (13th ed.). (M. T. da C. Albuquerque & J. A. G. Albuquerque, Trads.). Editions Gallimard. (Obra original publicada em 1988).

Gallagher, M. (2001). Gender setting: new agendas for media monitoring and advocacy. Zed Books.

Kim J. L., Sorsoli C. L., Collins K., Zylbergold B. A., Schooler D., & Tolman D. L. (2007). From sex to sexuality: Exposing the heterosexual script on primetime network television. Journal of Sex Research, 44(2), 145—157. https://doi.org/10.1080/00224490701263660

Lazar, M. M. (2005). Feminist Critical Discourse Analysis. Palgrave MacMillan.

Martins, C., & Cabrera, A. (2023). Populism and gender: Radical right-wing brings anti feminism to Parliament. In Ferin Cunha, I., Guazina, L., Cabrera, A., & Martins, C. (Orgs.), Media, Populism and Corruption (pp. 68—87). Coleção ICNOVA. https://doi.org/10.34619/pxe6-rjvn

Rees, E. (Ed.). (2022). The Routledge Companion to gender, sexuality, and culture. Routledge.

Ross, K, & Byerly, C. (Eds.). (2004). Women and media: international perspectives. Blackwell.

Ross, K., & Padovani, C. (Eds.). (2017). Gender Equality and the Media: A Challenge for Europe. Routledge.

Silveirinha, M. J. (2004). Identidades, media e política: o espaço comunicacional nas democracias liberais. Livros Horizonte.

Simões, R. B. (2016). Crime, castigo e género nas sociedades mediatizadas: políticas de (in)justiça no discurso dos media. MediaXXI.

Simões, R. B., & Amaral, I. (2022). Sexuality and self-tracking apps: Reshaping gender relations and sexual and reproductive practices. In E. Rees (Org.), The Routledge Companion to Gender, Sexuality and Culture (pp. 413—423). Routledge.

Tuchman, G. (1978). O aniquilamento simbólico das mulheres pelos meios de comunicação de massas. In M. J. Silveirinha (Ed.) (2004), As mulheres e os media (pp. 139—153). Livros Horizonte.

Autor notes

Rita Basílio Simões é Doutorada em Ciências da Comunicação, o seu trabalho tem cruzado a investigação do espaço público e dos média digitais e os estudos feministas em comunicação. É coordenadora nacional do Global Media Monitoring Project.
Carla Martins é Doutorada em Ciências da Comunicação e quadro da ERC-Entidade Reguladora para a Comunicação Social, mais recentemente a sua pesquisa tem incidido sobre temas de regulação dos média, incluindo diversidade.


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