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De(s)colonial artístico como potencialidade de recriação de mundos: lugares de re-existir e re-pensar a si1
Decolonial artistic as a potential for recreation of worlds: places to re-exist and re-think oneself
Percursos, vol. 22, núm. 50, pp. 43-64, 2021
Universidade do Estado de Santa Catarina

DOSSIÊ

Percursos
Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil
ISSN-e: 1984-7246
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 22, núm. 50, 2021

Recepção: 28 Fevereiro 2021

Aprovação: 19 Novembro 2021

Resumo: Este ensaio teórico tem como objetivo versar sobre a arte e o/a artista com base nas contribuições de intelectuais latino-americanos e promover uma análise dessas contribuições junto à categoria da práxis de re-existência. Ao tecer reflexões de(s)coloniais dentro deste assunto, estes autores ampliam as possibilidades de compreensão sobre o sujeito artista e a arte a partir da América Latina. São eles: o antropólogo, pintor e investigador afro-colombiano Adolfo Albán Achinte; o historiador literário brasileiro Alfredo Bosi; e o filósofo argentino Enrique Dussel. Nas reflexões apresentadas sobre o fazer artístico, reconhecemos suas possibilidades de resistência aos domínios do padrão de poder moderno-colonial, e os/as artistas como sujeitos que têm condições de contribuir nas transformações buscadas na de(s)colonialidade. Destacamos características como a inteligência criativa, a reflexão crítica, a relação com o tempo e a capacidade de expressão de si e de seu entorno, que se apresentam como ferramentas para a re-criação de lógicas outras de ser e estar no mundo.

Palavras-chave: artistas, arte, decolonialidade, práxis de re-existência, criatividade.

Abstract: This theoretical essay aims to dialogue about art and the artist, based on the contributions of Latin American intellectuals, and promote an analysis of these contributions with the category of the praxis of re-existence. By bringing decolonial reflections into this subject, these authors expand the possibilities of understanding the artist and the art, from Latin America. These intellectuals are Adolfo Alban Achinte, painter and Afro-Colombian researcher, Alfredo Bosi, Brazilian literary historian, and Enrique Dussel, Argentinean philosopher. In the presented reflections about the artistic doing, we recognized its resistance possibilities from the colonial modern power, and the artists recognized as individuals who can contribute to the desired transformations in the decoloniality. We have highlighted some characteristics, such as creative intelligence, critical reflection, relation with time and the capacity of expressing oneself and their environment, considered tools to re-create other logics of being in the world.

Keywords: artists, art, decoloniality, re-existence praxis, creativity.

PARA INICIAR

O conjunto de reflexões apresentado neste trabalho é fruto da dissertação de mestrado intitulada “Histórias de vida feitas à mão: das colonialidades ao transbordar das re-existências”, na qual foi desenvolvida uma pesquisa com histórias de vida de artistas plásticos locais, em uma cidade do interior paranaense, dialogadas com conceitos teóricos da de(s)colonialidade2. Este artigo, que se caracteriza como um ensaio teórico, é um recorte desta pesquisa.

Tem como objetivo versar sobre a arte e o/a artista com base nas contribuições de intelectuais latino-americanos e promover uma análise dessas contribuições junto à categoria da práxis de re-existência. Ao tecer reflexões de(s)coloniais dentro deste assunto, estes autores ampliam as possibilidades de compreensão sobre o sujeito artista e a arte, a partir da América Latina.

Nas últimas décadas, a abrangência do pensamento de(s)colonial tem se ampliado em uma diversidade de temas, nos âmbitos social, político e educacional na América Latina. Dentre eles, a arte tem sido um dos focos de diálogos acadêmicos entre artistas, intelectuais e pesquisadores do sul global (ALBÁN ACHINTE, 2009;BOSI, 1992;DUSSEL, 1997;CAMNITZER, 2011;GÓMEZ, 2019;MIGNOLO, 2010;PALERMO, 2009;QUINTERO, FIGUEIRA; ELIZALDE, 2019;VÀZQUEZ, 2016).

Para compor nosso estudo, na primeira parte deste ensaio, fazemos uma breve contextualização da proposta de(s)colonial e seus conceitos centrais, pela importância de suas contribuições de referência para leitura de mundo. Na sequência, apresentamos as reflexões de três autores de(s)coloniais latino-americanos que lançam seu olhar sobre os/as artistas e as artes. São eles: o antropólogo, pintor e investigador afro-colombiano Adolfo Albán Achinte (2009, 2017); o historiador literário brasileiro Alfredo Bosi (1986, 1992); e o filósofo argentino Enrique Dussel (1997). Após, discorremos sobre a categoria de práxis de re-existência, enquanto pedagogia de(s)colonial, unindo às reflexões previamente expostas, de forma a promover uma análise do tema ao final.

1 DE(S)COLONIALIDADE: ESCOLHA DE LEITURA DE MUNDO

A de(s)colonialidade é uma opção epistêmica, ética, estética e política que busca promover a re-historização crítica ao estudar os fenômenos sociais, considerando-os dentro de um sistema social que teve seus modos de ser e trabalhar influenciados pelas relações de exploração e dominação, desde o período colonial. Reconhece-se uma dimensão que ainda perdura nas relações de poder, do ser e do saber estabelecidas nos países latino-americanos, como descreve Aníbal Quijano (1992), mesmo após a finalização do colonialismo em seus aspectos formais e políticos na maioria dos territórios. A essa dimensão de dominação que ainda ocorre, segundo Walter Mignolo (2017), dá-se o nome de colonialidade, a qual se mantém através de uma estrutura de poder, que se reinventa e se re-elabora, com formas de exploração, discursos e discriminações sociais criados pela mesma matriz do pensamento colonial. Uma matriz de poder que tem como base fundamentos raciais e patriarcais do conhecimento, atuando em quatro domínios inter-relacionados de controle: autoridade; economia; gênero e sexualidade; conhecimento e subjetividade. Formando, assim, um conjunto de relações de violência e controle sobre o outro, justificado pela retórica da modernidade.

A modernidade pode ser reconhecida nos processos de consumo, comércio, tecnologia e indústria, somadas às relações entre razão e ciência, sujeito-cidadão e Estado Nação, e também da delimitação de espaços privados e esferas públicas. Formam um conjunto de processos históricos distintos, que vêm ocorrendo nos últimos séculos, e que são realizados e vivenciados pelos sujeitos, não só aqueles de classes progressistas, mas também os indígenas, campesinos e trabalhadores, cada qual a seu modo (SZURMUK; IRWIN, 2009). Muito além de somente um complexo de características ligadas às mudanças nas formas de produção, trabalho, consumo e ciência, a modernidade também é vista como uma retórica que justificou (e ainda justifica) ações de desumanização e inferiorização, ocultas em suas práticas econômicas, formando assim a chamada Matriz de poder moderno-colonial, como destaca Mignolo (2017).

Tal concepção crítica e histórica da modernidade e da colonialidade vem sendo elaborada por autores latino-americanos que, ao estudarem as relações modernas do conhecimento/poder, consideram as estipulações coloniais locais ainda presentes nessa dinâmica (SZURMUK; IRWIN, 2009). Partindo desses contextos, Mignolo (2008) afirma que o pensamento de(s)colonial propõe descolonizar o pensamento historiográfico e a história narrada, para avançar em seus propósitos teóricos, políticos e epistêmicos, como uma alternativa aos pensamentos totalizantes impostos pela modernidade.

Neste contexto da proposta de(s)colonial, Quijano (2002) apresenta conceitos-chave que constituem a Matriz de poder moderno-colonial, em que a exploração e inferiorização do outro e da natureza ocorrem, as nomeando como: a colonialidade do poder; a colonialidade do saber; e a colonialidade do ser. A colonialidade do poder, entendida como forma de dominação do sujeito e do material, produtora de desigualdades nos direitos de ser, existir e pensar dos sujeitos, expressa atualmente no controle do capitalismo e de sua exploração social pautada em um padrão universal (QUIJANO, 2002); a colonialidade do saber, que se dá em detrimento das formas de produção de conhecimento que não atinjam os ideais do pensamento hegemônico ocidental (LANDER, 2000;WALSH, 2005); e a colonialidade do ser, reconhecida nos sentimentos de inferioridade existenciais, sendo reproduzida na invisibilização, visibilização negativa e silenciamento dos sujeitos que produzem epistemes de forma distinta dos objetivos impostos pelo pensamento moderno-colonial (ALBÁN ACHINTE, 2017;MALDONADO-TORRES, 2007;WALSH, 2005). Encontramos também, nas produções acadêmicas de(s)coloniais, as propostas de alternativas a essas colonialidades, que podem ser chamadas de (de)colonialidades ou re-existências. Por sua vez, compreendidas como ações, modos de ser e de saber que potencializam os sujeitos na procura por libertação e reconstituição do ser em sua integralidade (ALBÁN ACHINTE, 2017), produzindo caminhos de descolonização do poder, do ser e do saber.

Nesse sentido, uma das frentes de teoria e ação de enfrentamento a essa Matriz de poder moderno-colonial está em buscar conhecer, re-conhecer e registrar o potencial de lógicas outras, segundo Walsh (2012), se apresentando como estratégias dentro de uma perspectiva crítica e transformadora. A arte pode ser entendida como uma dessas lógicas outras e, nesse sentido, para compreender as possíveis contribuições do fazer artístico nessa busca.

2 ARTISTAS E O FAZER ARTÍSTICO: REFLEXÕES A PARTIR DO SUL GLOBAL

Albán Achinte (2017) ressalta que algumas características da arte são compatíveis com a proposta do criar e do construir de(s)colonial latino-americano por nutrirem a possibilidade de submissão dos sujeitos dessas profundezas sociais. Nesse sentido, compreendemos que Adolfo Albán Achinte, Alfredo Bosi e Enrique Dussel nos ajudam a problematizar e refletir sobre o fazer artístico como uma possibilidade de re-existência. A produção selecionada desses intelectuais para o presente artigo envolve publicações dos anos 1986, 1992, 1997, 2009 e 2017, que, além das diferenças entre os períodos de suas elaborações, apresentam suas concepções sobre o tema a partir de seus estudos, área de atuação e país de origem. Considerando a diversidade presente, buscamos apresentar partes das valiosas reflexões desses intelectuais, tecendo um texto com as características e possibilidades da arte, do fazer artístico e dos/as artistas como movimentos de(s)coloniais de ação e transformação do mundo.

Observamos que os intelectuais supracitados apresentam várias características para pensar as possibilidades da arte, do fazer artístico e dos/as artistas como re-existência. Para este artigo, destacamos as seguintes: a criatividade, a construção simbólica da realidade, a relação com o tempo, a sensibilidade, o lugar de reflexão crítica, a mediação social, a inteligência e dedicação no fazer, o movimento de libertação, e o registro das memórias de um povo. Assim, essas características serão trabalhadas, no decorrer deste artigo, de acordo com as perspectivas de cada autor, algumas vezes consonantes entre si, outras mais específicas do olhar de cada um.

Albán Achinte (2017) direciona suas contribuições partindo de uma visão sobre a arte que vai além da produção de objetos artísticos, descrevendo-a como um espaço de reflexão permanente em torno das desigualdades sociais, dilatando os cenários de discussão em torno das violências e autoritarismos do sistema moderno-colonial. A ação artística é vista em sua potência de construção de um espaço de vida distinto, fora da norma moderna, estável e racional, e que oferece ferramentas para manter o que não é negociável com o sistema: a dignidade.

Isso posto, percebe-se que o/a artista tem a opção de ocupar um lugar de reflexão dentro do sistema, no qual reconhecem-se alguns traços formadores da cultura moderna que, de acordo com Bosi (1992), conferem à arte, à filosofia e à ciência, a possibilidade de resistir às pressões da estrutura dominante, em diferentes contextos. Sendo uma possibilidade, não se refere a todos os tipos de produções artísticas3.

O ato de re-criação da realidade, na transformação que o olhar do/a artista produz, afeta o seu entorno e a si (ALBÁN ACHINTE 2017), aproximando a construção criativa e crítica do ato criador a um ato político e de registro das memórias de um tempo (BOSI, 1992). A potência da arte para a de(s)colonialidade e as características do trabalho artístico vistos em sua sensibilidade para a crítica e transformação, ocorrem, em muitos casos, num espaço-tempo distinto da dinâmica acelerada do sistema atual. Bosi (1992) a descreve como uma contribuição distinta, que não representa a mesma velocidade de técnicas e tecnologias exaltadas nesse sistema, por estar na dimensão dos tempos corporais da imaginação e da sensibilidade.

Refletindo sobre o tempo distinto nessa sociedade atual, Albán Achinte (2017) apresenta uma opção, que nomeia como “a decolonialidade do tempo ou a estética da lentidão”. Um conceito que evidencia a narrativa sobre o tempo também colonizada pelo projeto civilizatório moderno-colonial do desenvolvimento e que ocorre em três dimensões: a negação do passado, a rentabilidade do tempo no processo produtivo e a concepção ilimitada de desenvolvimento de exploração da natureza. A dinâmica dessas três dimensões altera a memória do sujeito, disciplina seu corpo pelo horário laboral, refém de uma constante atividade produtiva do tempo presente e de um passado suprimido: a produtividade se torna o sentido de sua existência. O paradoxo se instala no momento em que o tempo é vendido ao desenvolvimento do capitalismo e ao sujeito não resta tempo para ele mesmo, numa dinâmica em que se diz: “Tempo é dinheiro” para o sistema, mas, para si mesmo, “não tenho tempo”.

A lentidão apresenta-se como uma estética de(s)colonial, um contra-sentido do aceleramento do projeto globalizador, ao questionar os ritmos impostos e ao lembrar que o ato de in-surgir se alarga quando se dá tempo para o pensar. De acordo com Albán Achinte (2017), essa dinâmica da lentidão atua como uma forma da memória ser re-configurada, através do tempo necessário para conceber um pensamento crítico, um repensar-se sujeito nesse tempo e nessas sociedades, com tempo para relembrar o que se passou e a imaginar como quer ser. Nessa dinâmica temporal ocorre o ato criador, como pedagogia da existência, característico no trabalho do/a artista, conectado com o existir, com o re-aprender a viver, a retomar o lugar de sujeito perante a lógica instaurada na narrativa ocidental, como explicita Albán Achinte (2009). Os medos dos fantasmas criados na presunção da estabilidade econômica e emocional, do discurso da racionalidade e do capitalismo, se multiplicam a cada passo que o sistema distancia o sujeito da vida.

Nesse sentido, uma das características vinculadas ao fazer artístico, a criatividade, se apresenta como ferramenta de(s)colonial, como pedagogia para desaprender e reaprender, sem restrições nem humilhações, e permitir a imaginação se expressar ao deixar descansar a rotina, como descreve Albán Achinte:

Crear o ser creativos no es más que hurgar en las profundidades de nuestro propio ser desde donde afloran realidades que nos interpelan e interpelan nuestras propias realidades; es darnos la oportunidad de dejar descansar la rutina para enfrentar el echo de permitirle a la imaginación que se pronuncie a favor de nuestra propia subjetividad. (ALBÁN ACHINTE, 2017, p. 36)

O ato criador, ao permitir a expressão da imaginação em favor de nossa própria subjetividade, se coloca como força de movimento na arte de re-criar e re-pensar, criticamente, a realidade. O autor supracitado destaca, ainda, que o trabalho criativo a partir do nosso imaginário de emoções sem limites pré-estabelecidos, se converte em “una posibilidad de asomarmos a otras formas de existir” (ALBÁN ACHINTE, 2017, p. 35). Uma provocação a partir da potência da criatividade como uma pedagogia emancipatória, como um exercício de existência. Em um sistema em que a dominação colonial teve como base a imposição de culturas, línguas e modos de se expressar dos colonizadores, negando e silenciando os povos locais, essa ferramenta é de grande valia para o enfrentamento das dinâmicas de dominação e exploração ainda presentes nas colonialidades do poder, do ser e do saber (LANDER, 2000; MALDONADO-TORRES, 2007;QUIJANO, 2002).

O/a artista, ao sentir o seu entorno, de diferentes maneiras, como um mundo dentro e fora de si, produz atos perceptivos diferenciados sobre si, sobre a sociedade e sobre o mundo, expressos na pluralidade de linguagens artísticas possíveis. Esse processo envolve as escolhas, os afetos e as memórias do/a artista, perpassando as sensações e percepções do mundo e suas dinâmicas. No entanto, o mundo das sensações, tão próprio da arte, nem sempre tem sido compatível com o modus operandi da sociedade moderna ocidental. O presente nesse sistema, como ressalta Bosi (1992), é visto como a potencialidade de futuro, e a função da produtividade é acentuada, exercendo um domínio sobre as pessoas e sobre a matéria.

É possível observar reflexos das tensões e contradições do projeto moderno-colonial, que converteu o não ocidental em o outro, o diferente e exótico, e assim implica na existência de uma arte que corresponda ao moderno, seguindo as ações em prol da racionalidade hegemônica estabelecida geopoliticamente. De acordo com Albán Achinte (2017), esse processo converteu a América Latina em um receptáculo de tendências universalizantes da arte, seguindo os modelos de países desenvolvidos europeus e norte-americanos.

Frente ao exposto, podemos afirmar que esse contexto, protagonizado pelo projeto moderno-colonial, dificulta a valorização e o reconhecimento da arte latino-americana em seu universo próprio de produção e criação. Gómez (2019) destaca que houve um branqueamento da estética, do mundo do sensível, criando uma geo-estética, privilegiando somente representações consideradas e reconhecidas como da chamada alta cultura, da etno-classe branca, em sua construção do projeto civilizador. A relação com as expressões dos colonizados, historicamente, foi sendo relacionada ao não humano, como feitas por bárbaros, produções somente de utensílios e artesanatos, de mitos, não originais, feios ou de mau gosto. De acordo com Albán Achinte (2009), na dinâmica do sistema mundo moderno-colonial, artistas que têm em seu fazer o trabalho artístico, mas com histórias e trajetórias distintas da racionalidade hegemônica – como por exemplo os indígenas, afrodescendentes e campesinos – tiveram sua arte transformada em artesanato para turistas, expressões folclóricas ou exóticas, tornando-as manifestações do passado, primitivas ou de baixo valor estético.

Ao compreendermos que a arte se faz como um sistema de re-presentar, interpretar, simbolizar, imaginar, compreender e problematizar o mundo, Albán Achinte (2009) afirma que todas as expressões artísticas teriam que estar ocupando o mesmo espaço. Nesse sentido, as tensões existentes em relação à real valorização da arte latino-americana, que vem ocorrendo de diferentes maneiras (desde o campo filosófico ao mercadológico), nesses cinco séculos de sociedade moderno-colonial, tem tomado outras formas, com movimentos populares, sociais e culturais, nos quais a força da arte local, desde as expressões de povos originários até os artistas latinos contemporâneos, tem contribuído no giro de(s)colonial e na busca de superação dessa relação. Um dos exemplos dessas conquistas são as exposições de artes desses povos, em grandes museus nos últimos anos. Tal como vem ocorrendo no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), que em 2017 iniciou um projeto de longo prazo intitulado Histórias indígenas, com uma sequência de atividades e seminários com o objetivo de “apresentar e discutir a riqueza e a complexidade de materiais indígenas e culturas imateriais, suas filosofias e cosmologias, além dos desafios e das possibilidades de trabalhar com esses campos, sobretudo no contexto de um museu.” (MASP, 2020, p. 1). O projeto contempla outras ações, sempre com a participação de artistas, teóricos e curadores de diferentes cenários e perspectivas, com encerramento previsto em 2023. É importante destacar que esse é apenas um dos exemplos perante um cenário de crescimento do alcance desse reconhecimento e valorização.

Várias áreas do trabalho artístico ainda passam, nos tempos atuais, por categorizações do tipo de arte dentro da lógica moderno-colonial. Para isso, são usadas formas de nomear os trabalhadores dessa área, como em uma definição de níveis de importância, em que alguns são considerados artistas (de cultura erudita, belas artes…), outros como folclóricos, primitivos, populares, artesanais. Da mesma forma, Bosi (1992) indica que a cor da pele, as etnias, as descendências e as religiões são utilizadas como indicativos de inferioridade. Por isso, o espaço do artista que não é enquadrado nas categorias ditas superiores, tem sua identificação com práticas de resistência, como reflete Bosi (1992) analisando algumas produções poéticas brasileiras:

Continuo pensando que a ideologia dominante reduz os signos dos seus vários discursos a um grau alto de abstração retórica, cujo fim é persuadir o interlocutor a aceitar os princípios que regem o status quo, maquiando, por exemplo, as iniqüidades do capitalismo ou a opressão de um determinado tipo de estado tecnoburocrático. A poesia responde, de formas diversas, a esse rolo compressor, contemplando momentos singulares e irredutíveis do cotidiano, revivendo instantes epifânicos do passado tornado presente, reelaborando generosamente mitos de liberdade ou, por via da negação, exercendo o poder de sátira ou de humor com que desmitifica os pseudo-argumentos da ideologia. Os exemplos felizmente não são poucos, e cito apenas aqueles poetas maiores a que dediquei alguns escritos: Leopardi, Ungaretti, Montale, Drummond, Cabral, José Paulo Paes e Ferreira Gullar. (BOSI, 2007, p. 286)

Os exemplos citados da poesia brasileira são uma parte da vasta diversidade de linguagens artísticas latino-americanas que encontram as brechas no sistema imposto e inferiorizante e expõe aquilo que está maquiado e oculto na naturalização das relações desiguais de poder. Bosi (1992) considera que a arte compartilha essa possibilidade de reelaboração e resistência com a ciência e com a filosofia, nas perspectivas que se colocam como ferramentas de enfrentamento às pressões estruturais dominantes, de acordo com o contexto que vivenciam.

Segundo Bosi (1992), as vivências da realidade social têm condição de serem registradas pela arte, marcando as raízes de um povo que resiste pelo registro das mediações simbólicas, pelo gesto, rito, dança, traço, canto, pela fala que invoca e a fala que evoca. São atos que sustêm a identidade de comunidades, e que têm como um dos seus principais meios de manutenção e difusão a cultura popular.

Dussel (1997) identifica exemplos de resistência da arte local, dentro do processo de inferiorização promovidos pela colonização, nas expressões registradas em obras religiosas4. O autor as denomina de “estética teológica de libertação” ou como “arte do oprimido”. As artes sacras com base ibérica e presentes na América Latina têm em sua construção, em muitos casos, mãos de artistas locais, indígenas evangelizados, mestiços, escravos, o que promoveu algumas adaptações nas imagens de santos, na arquitetura e na música. Ainda segundo Dussel, nas obras dos "opressores cristãos” (1997, p. 166), estão presentes as expressões artísticas dos oprimidos, como destaca em músicas e canções populares religiosas, a realidade das classes oprimidas representada de forma triste e chorosa, tal como sentiam-na. Podendo ser reconhecida como uma expressão artística religiosa da realidade, ou, para alguns, representam uma trágica resignação à opressão.

Mais uma vez, como também observado nos estudos de Albán Achinte (2009, 2017) e de Bosi (1986, 1992), há a expressão artística reconhecida pelo seu papel de resistência cultural dos povos colonizados e oprimidos pelas ações constantes de aculturação e exploração. Mesmo que no caso exemplificado sejam feitas de forma velada, como descreve Dussel:

Esta arte dos oprimidos é expressão da miséria, e muito mais, é manifestação de protesto e de esperança de libertação. No fundo do messianismo popular latino-americano (tão característico no sertão brasileiro com seus santos, profetas e messias, perseguidos e assassinados por policiais e até por párocos, em outros tempos), existe uma autêntica potência produtiva, criativa, também artística, que nos revela o potencial libertador histórico dos pobres. (DUSSEL, 1997, p. 168)

É com essa potência produtiva, criativa e artística que o sujeito artista mantém constante diálogo com a realidade cotidiana, e assim vivencia seu lugar na sociedade, junto ao seu povo. Muitas das expressões que Dussel (1997) relaciona ao movimento para libertação estão reunidas no arcabouço artístico da cultura popular, no qual valorizam os aspectos de criatividade, inteligência e produção do artista, contribuindo no resgate e manutenção da memória artístico-cultural de cada região.

Dussel (1997), ao se referir à produção artística, lhe confere um perfil próprio, dentro do rol de atos humanos produtivos, em que reconhece-se (em sua maioria) a ligação da classe social do artista com o ato que efetua. Partindo dessa concepção, o autor expõe, na história latino-americana, a exclusão dos artistas que não eram da burguesia, de estética europeia, dos estilos impostos trazidos pelos colonizadores, ou simplesmente por serem expressões locais e próprias dos povos originários ou escravos. Tal distinção tem sofrido algumas alterações nas últimas décadas, porém ainda é possível encontrar os indícios da permanência dessa relação de poder e de desprezo em certas áreas de estudo e crítica relacionados à arte e estética, no entanto, há um crescimento de movimentos que promovem mais abertura, problematizando o tema. Um desses movimentos está na de(s)colonialidade, como afirma Albán Achinte (2017), na qual é invocada a necessidade de valorização do que foi feito pelos povos originários latino-americanos, como parte da nossa história e do presente. Propõe-se, assim, um olhar de reconhecimento das práxis sensíveis de representação e significação do que se é e do que se quer ser, recuperando o direito do sujeito ser em seu próprio conhecer – do entorno e de si –, dentro do sistema moderno-colonial.

As obras artísticas perpassam a relação estreita que o sujeito artista tem com o mundo e com seus movimentos internos, em um constante sentir, pensar e figurar o que vivencia ou observa. Todavia, para Bosi (1986), tais registros não são no sentido literal de contar a história e, sim, representações a partir das vivências e ideologias de quem as registrou artisticamente (mesmo que de vivências oníricas). A sua ótica expressa nas telas, letras, ritmos, formas, melodias, a presença historicizada de quem a faz, de algo que encontra no mundo (interno e externo) que o transcende e o fascina. A história, de certa forma, penetra na mente do artista, e os conceitos de fator interno e fator externo se misturam na composição da obra. O que se vê é a perspectiva do autor, culturalmente qualificada.

E a partir desse motor criativo, a proposta de(s)colonial versa sobre a possibilidade de que o sujeito tenha condições de confrontar-se com o contexto em que se encontra envolvido, e consigo mesmo, como afirma Albán Achinte (2017), quando reconhece um sentido emancipador da arte, com o desenvolvimento de capacidades produtivas, reflexivas e perceptivas no artista, que lhe conferem condições de re-criar a realidade, num sentido de construção crítica e criativa perante a realidade, o favorecendo a re-pensar o cotidiano. Essa ação o afeta e afeta o seu entorno sociocultural.

A realidade social de cada época, com seu conjunto de valores e significações, e seus complexos superestruturais, são universos de valores ativos e presentes no momento da criação do artista. Partindo desse contexto, Bosi (1986) evidencia que, para acontecer o ato artístico, há a constante presença da razão e da inteligência na sua elaboração. Cabe ao sujeito utilizar a inteligência, as técnicas que domina e a sensibilidade, para realizar seu trabalho como alguém que habita e está presente no mundo percebido, uma presença ativa. Resolvida de mil formas, a tensão entre a percepção de estruturas profundas e o espetáculo do mundo está na gênese das obras individuais, além de somente o estilo da época. Cabe ao artista a reflexão e subjetivação coerentes dos dados da sua visão sobre a vida social e a natureza, visão fecunda e construída em contemplação de si e do mundo.

Bosi (1986), reforça o papel de dedicação do artista na elaboração e criação do seu trabalho. Reitera essa especificidade inclusive para superar o reducionismo em que comumente os artistas são vistos e descritos, como seres de somente inspiração, transcendência ou de simples imitação do natural. Ao observar um trabalho artístico é possível perceber que as formas ali presentes não se dão de maneira mecânica, seja nas alterações e cuidados nos versos e falas, nas nuances de cores e sombras, nas pequenas alterações de uma melodia, e outros exemplos similares das demais áreas artísticas. O autor observa que, independentemente dos períodos da arte que são estudados na história da arte no mundo, percebe-se um denominador comum relacionado ao princípio de ser obra de uma percepção do real histórico, psicológico, mímesis e forma cognitiva.

Segundo Albán Achinte (2017), a possibilidade do artista e dos atos criativos trazerem novos ângulos sobre a história, a memória, o tempo e a sensibilidade na sociedade urbana, desvela as estéticas que se conectam com a vida. Se a inversão do tempo proporciona a elaboração da criatividade, a arte pode ser cogitada para contribuir como processo de compreensão e investigação nas dinâmicas sociais. Concentrando-se no criar a possibilidade de representar e inventar a si, nas condições produzidas a cada instante da vida, ao mesmo tempo que descentraliza o olhar para ver também o que tem sido ocultado sistematicamente em nossas sociedades.As potências no fazer artístico, nas características e possibilidades do artista identificadas por esses autores delineiam uma presença ativa desses sujeitos em sociedade. Perante o projeto civilizatório moderno do desenvolvimento, que minoriza áreas do saber que funcionam em outras lógicas, aqueles que trabalham com a arte também sentiram os efeitos. No entanto, percebe-se no trabalho do artista, ainda, condições de re-existência, pela expressão, registro sócio-histórico da memória e sensibilidade na forma de acessar e difundir conhecimentos. A criatividade e inspiração do sujeito artista dão a ele ferramentas para pensar e refletir o desenvolvimento, e sua relação com o tempo convida a um repensar as velocidades impostas no sistema moderno-colonial e no relacionar-se em sociedade. Ao considerar a arte como potencial pedagogia de(s)colonial, como práxis de re-existência, propõe-se como um caminho possível para contribuir com outras maneiras de desenvolver que, em muitos casos, podem diferir da racionalidade hegemônica moderna.

Na próxima seção, apresentamos a categoria da práxis de re-existência e a relação do fazer artístico nesse caminho, como alternativa de superação das relações de poder e dominação no sistema moderno-colonial.

3 PRÁXIS DE(S)COLONIAL DE RE-EXISTÊNCIA: SER, SENTIR, FAZER, PENSAR E VIVER

Na proposta crítica e transformadora do pensamento de(s)colonial, um dos caminhos, de acordo com Catherine Walsh (2013), está em se re-conhecer, resgatar, aprender e re-aprender práticas e metodologias já existentes. Essas ações são descritas como as pedagogias de organização, insurgência, ação e também de luta e rebeldia, primeiramente dos povos originais e depois das africanas e africanos escravizados. Se referem às maneiras que eles encontraram para subverter, transgredir e resistir à dominação. Tais pedagogias foram uma das formas que possibilitaram a esses sujeitos seguirem sentindo, fazendo, sendo, pensando e vivendo, de forma de(s)colonial – ou apesar do poder colonial. De acordo com a autora, esse pedagógico e de(s)colonial adquire sua razão e sentido social, político, cultural e existencial a partir desse horizonte histórico de longa duração e que ainda ressoa até o presente.

Assim, o conceito de pedagogia utilizado na opção de(s)colonial tem um sentido diferenciado. Walsh (2013) e Albán Achinte (2013) o apresentam como prática reflexiva do sentido de ser humano, e defendem que a escola e o sistema educacional não são os únicos lugares para se educar, aprender e formar, reconhecendo como espaços de educação as comunidades, as memórias coletivas e expressões artístico-culturais. Inicialmente tendo seu lócus de ação e investigação nas ações e memórias de resistência e sobrevivência de povos originários – indígenas e afrodescendentes –, os estudos têm ampliado sua abrangência de reflexão, fornecendo subsídios para a construção de novas formas de superação das colonialidades do ser e do saber que produz o não-ser5 e o sentimento de não-existência6.

A partir das reflexões de Walsh (2013) sobre as pedagogias de(s)coloniais, Albán Achinte (2013, 2017) propõe a categoria de re-existência que, em sua produção acadêmica, apresenta-a junto a categorias relacionadas: pedagogias de re-existência, práxis de re-existência e estéticas7 de re-existência. Para o autor, a sua proposta de categoria de re-existência pode ser entendida como os dispositivos implementados por grupos humanos como estratégia de interpelação e visibilização, em busca de re-significar e re-definir a vida com condições de dignidade e autodeterminação.

Essas estratégias e práticas criativas de re-existência apontam a necessidade de avançar além do que vem sendo imposto na racionalidade hegemônica e sua universalização de um só conhecimento, de uma só forma de aprender e pensar, de uma só religião, língua e cor, de um só modo de ser “adequado” às normas modernas. É necessário apoiar a construção de sujeitos capazes de reconhecer a colonialidade que subestima e minimiza as formas de ser, de conhecer e de saber não ocidentais (ALBÁN ACHINTE, 2017). A práxis de(s)colonial de re-existência objetiva incentivar e apoiar a construção desse sujeito capacitado perante a realidade e suas relações produzidas no sistema moderno-colonial, com a proposição de práticas e discursos próprios e mobilizadores (Figura 1):


Figura 1
Práxis Decolonial de Re-existência
Fonte: Voss e Peloso (2021) - com base em Albán Achinte, 2017, p. 22.

Os discursos e práticas próprios e mobilizadores dessas práxis são, como descritos na Figura 1, um conjunto de ações que perpassam as relações de poder visando transformá-las, para a restituição do ser, em um processo de humanização e re-conhecimento de si e do seu entorno, como propõe Albán Achinte (2017). As proposições da práxis de(s)colonial de re-existência exigem uma postura do sujeito perante seu lugar no mundo, partindo da concepção de práxis, descrita por Paulo Freire (2019, p. 53), como a “reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo”. Por isso incluem o perceber-se, criticamente a si mesmo e às suas relações no mundo, incluindo o reconhecimento das limitações, pois a partir da noção do que oprime, do que impede o sujeito de ser em sua integralidade, constrói-se a necessidade de promover a transformação das relações de poder, objetivando a libertação. Para que, no reconhecimento do limite que a realidade opressora impõe, o sujeito tenha “o motor de sua ação libertadora” (FREIRE, 2019, p. 48). Nesse sentido, Walsh (2005) e Albán Achinte (2013, 2017) trazem, entre as bases de seus estudos, a teoria freiriana, reiterando a visibilização das desigualdades em todas as suas formas. Desatar as relações de inferiorização, da pobreza e da resignação, depende de o sujeito também tomar conhecimento de sua potência.

A re-existência, então, é vista como uma das ferramentas para o enfrentamento da manifestação das colonialidades do ser, do poder e do saber, conceitos-chave, de acordo com Quijano (2002), de dominação pela Matriz de poder moderno-colonial, no cotidiano pessoal e no trabalho, nas dinâmicas e armadilhas envoltas na promessa moderna de estabilidade, apresentada como a garantia de sucesso e segurança: a ilusão de um mundo feliz, racional, sem contradições e previsível. É o cotidiano do ser, como aponta Albán Achinte (2017), que compõe a vida regida pela ilusão da estabilidade moderna e os medos criados por ela e por seu sistema.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Este artigo objetivou apresentar as reflexões de três teóricos de(s)coloniais latino-americanos a respeito da arte e do/a artista, que foram apresentadas na segunda seção, junto à categoria da práxis de re-existência descrita na terceira parte do texto. A seguir, tecemos algumas considerações a partir dessas contribuições sobre a arte e os/as artistas elaboradas a partir de pensamentos de(s)coloniais do sul global.

Compreendemos, inicialmente, que as ações de(s)coloniais são identificadas como uma das vias para o intercâmbio de significações e experiências, uma nova comunicação intercultural em prol da descolonização epistemológica. Esse termo, trazido por Quijano (1992), representa uma das maneiras de promover conhecimento crítico em relação ao eurocentrismo e sua evolução unilinear e unidimensional na América Latina. Dentre as propostas para descolonizar essa condição, aparecem as pedagogias e estéticas de re-existência, que buscam alternativas inspiradas em práxis que, de alguma maneira, não estão totalmente apagadas nesse sistema moderno-colonial.

Dessa forma, no contexto proposto pelas práxis de re-existência, o fazer artístico vem sendo incluído dentre os espaços de teoria e prática de(s)coloniais. Como verificado na trama de características apresentadas pelos autores Adolfo Albán Achinte, Alfredo Bosi e Enrique Dussel, esse fazer diverso dos/as artistas, dentro e fora das instituições, com outros ritmos, é incluído como parte das práxis de re-existência pela visão de(s)colonial, para alcançar novos lugares e formas de relação dentro do sistema moderno-colonial. Isso dá-se em um movimento constante para humanizar a si e ao coletivo e não deixar seu corpo e subjetividade serem coisificados, nas relações permeadas pelas colonialidades do poder, ser e saber.

Nesse sentido, Camnitzer (2011) considera que o lugar do/a artista pode promover distintas interpretações sobre sua ação perante a sociedade. Com responsabilidade sobre seu trabalho, e sobre a mensagem que constrói, o/a artista tem condições de especular e produzir obras sobre relações e temas que não são possíveis noutras áreas do conhecimento. Representando, nesse caso, uma pedagogia de re-existência, por apresentar-se também como ferramenta de aprender a re-aprender a aprender, sobre temas que às vezes ficam à parte dos processos tradicionais de educação.

Na maneira com que o/a artista se relaciona com o mundo nessa prática reflexiva se constrói o sentido do artístico pela sua rede complexa de significações, de distintos sistemas simbólicos, das relações sociais, das relações econômicas e culturais, somadas às vivências pessoais de quem realiza o trabalho. Estar na posição de mediação artística e simbólica dá ao artista um lugar que é afetado pela sociedade e o afeta concomitantemente, e por ser um trabalho de registro de memória, suas obras podem continuar afetando dentro do tempo, independente da forma: seja por uma música sacra, uma pintura surrealista ou uma dança afro-brasileira, por exemplo.

Ao refletirmos sobre as características do fazer artístico e as práxis de re-existência, baseadas nas contribuições dos autores de(s)coloniais, reconhecemos suas possibilidades de resistência aos domínios do padrão de poder moderno-colonial, e os/as artistas como sujeitos que têm condições de contribuir nas transformações buscadas na de(s)colonialidade. Destacamos características como a inteligência criativa, a reflexão crítica, a relação com o tempo e a capacidade de expressão de si e de seu entorno, que se apresentam como ferramentas para a re-criação de lógicas outras de ser e estar no mundo.

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Notas

1 Este artigo é uma adaptação da dissertação intitulada "Histórias de vida feitas à mão: das colonialidades ao transbordar das re-existências", de Gisele Cristina Voss sob a orientação de Franciele Clara Peloso, apresentada no ano de 2021, no Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR.
2 A opção porutilizar o termo de(s)colonialidade com o (s), é uma forma de unir as diferentes maneirasque são utilizadas na literatura: decolonialidade, descolonialidade, (des)colonialidade. Dessa maneira, abrange as diferentes grafias desse termo encontradas na língua espanhola e portuguesa.
3 Neste artigo, buscamos fundamentar reflexões sobre características vinculadas ao ato artístico, trazidas pelos autores citados, sem a intenção de generalização de conceitos sobre o artista e a arte. Respeitamos a diversidade de maneiras que os artistas possuem para se relacionar com o mundo através da arte, fora do eixo crítico também.
4 Os registros utilizados para desenvolver a análise de Dussel (1997) no texto citado, foram feitos sobre as produções artísticas relacionadas à religião. Contudo, são exemplos que podem ser transportados para as demais expressões da arte produzida na América Latina
5 Dussel (1996) se refere ao não-ser como consequência das relações desiguais, em que o outro é marginalizado, sendo central como um corpo a ser explorado pelo sistema hegemônico, mas marginal como sujeito.
6 O sentimento de não-existência foi descrito por Fanon (1974) como o sentimento que resulta de uma impossibilidade ontológica percebida e reproduzida no sujeito colonizado.
7 A estética é concebida pelo autor como algo que vai além do belo, da manifestação do belo. É, para ele, a capacidade expressiva e criativa que os indivíduos e coletivos humanos possuem, e com as quais constroem regimes de representação (ALBÁN ACHINTE, 2017).


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