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“Para Encher, Não Leva Cinco Minutos. Para Baixar, Leva Mais de Uma Semana”: A Enchente de Janeiro de 2009, em Araranguá (SC), Representada nas Lentes do Diário Catarinense
“It Doesn't Take Five Minutes to Increase. To Decrease, It Takes More than One Week”: The Flood of January 2009, in Araranguá (SC), Represented in the Lens of Diário Catarinense
Intellèctus, vol. 22, núm. 1, pp. 439-457, 2023
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Artigos livres

Intellèctus
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
ISSN-e: 1676-7640
Periodicidade: Semestral
vol. 22, núm. 1, 2023

Recepção: 27 Fevereiro 2023

Aprovação: 07 Junho 2023


Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Compartilhamento Pela Mesma Licença.

Resumo: O presente artigo objetiva analisar a cobertura efetuada pelo periódico impresso Diário Catarinense acerca da enchente que ocorreu no sul de Santa Catarina, em especial, no município de Araranguá, entre os dias 2 e 4 de janeiro de 2009. Elenca-se a utilização do conceito de Desastre Socioambiental, para refletir criticamente sobre a ênfase dada pela cobertura do Diário Catarinense aos fatores naturais como causa preponderante para a ocorrência da enchente. Por fim, objetiva-se propor uma perspectiva de estudo que articule tanto os fatores da natureza (precipitação atmosférica) quanto as ações e os componentes humanos que atuaram para potencializar os impactos da enchente (desmatamentos e ocupação de áreas de risco).

Abstract: This article aims to analyze the coverage carried out by the printed newspaper Diário Catarinense about the flood that occurred in the south of Santa Catarina, in particular, in the city of Araranguá, between the 2nd and 4th of January 2009. The use of the concept of Socio-Environmental Disaster is listed, in order to reflect critically on the emphasis given by the Diário Catarinense coverage to natural factors as the preponderant cause for the occurrence of the flood. And, propose a study perspective that articulates both natural factors (atmospheric precipitation) and human actions and components that acted to enhance the flood impacts (deforestation and occupation of risk areas).

Keywords: Social and Environmental Disaster, Flood, Diário Catarinense.

Palabras clave: Desastre Socioambiental, Enchente, Diário Catarinense

Introdução

Nos primeiros dias de janeiro do ano de 2009, uma parte significativa dos moradores que habitavam o Município de Araranguá, Santa Catarina, foram afetados pelos impactos de uma das maiores enchentes registradas na história do Município. Em um recorte de um ano e oito meses, situado entre os anos de 2008 e 2009, o Município sofrera com cinco enchentes, sendo a ocorrida entre os dias 2 e 4 de janeiro de 2009 a com maior impacto e repercussão no periódico impresso de maior circulação no Estado de Santa Catarina, o Diário Catarinense.

Deste modo, propõe-se neste artigo analisar a cobertura do periódico Diário Catarinense acerca da enchente ocorrida em janeiro de 2009, por meio de um recorte temático amparado em três pontos de reflexão: 1) o foco na destruição e em imagens impactantes; 2) os dramas pessoais e os prejuízos econômicos e; 3) as ações governamentais e a volta à “normalidade”. Pretende-se refletir sobre como a abordagem narrativa, com traços novelísticos, foca no imediatismo causado pelo poder de destruição das águas, não delegando o mesmo espaço em avaliar as construções de raízes históricas que potencializaram o efeito dos desastres, tampouco em medidas para prevenir ou mitigar novas ocorrências.

Elenca-se a reflexão desta problemática sob o conceito de desastre socioambiental por entender que os desastres oferecem uma dupla possibilidade de análise: primeiro, compreender as contradições e os impactos ambientais do modelo de ocupação humana no Município de Araranguá, marcado pelo desflorestamento de vegetação nativa e da mata ciliar (seja para a expansão da malha urbana, seja para a constituição de áreas agrícolas, em especial, para a rizicultura irrigada), pela erosão do solo, pela poluição dos recursos hídricos do rio Araranguá, devido à presença de agrotóxicos na produção agrícola e pelos resíduos poluentes derivados da produção de carvão.; e, segundo: refletir sobre as contradições sociais presentes no Município, no qual são majoritariamente os moradores de áreas de risco do bairro Barranca que sofrem com os impactos das enchentes.

Por meio do uso do aparato conceitual de desastre socioambiental, objetiva-se não apenas refletir acerca das precipitações atmosféricas e seus estragos, como se estes fossem

apenas uma manifestação isolada da natureza, mas, sobretudo, compreender os componentes humanos que potencializam seus efeitos. De acordo com os historiadores ambientais, Eunice Sueli Nodari, Marcos Aurélio Espíndola e Alfredo Ricardo Silva Lopes, argumenta-se que:

Nossa perspectiva de entendimento conceitual sobre problemáticas de desastres socioambientais advém do entendimento de como o fenômeno é, enquanto um evento em diferentes escalas, ao mesmo tempo de origem física e humana. Sob essa perspectiva, a natureza hoje existente é resultado também da ingerência humana, que rompe uma pretensa “normalidade” anterior estabelecida no tecido social, caracterizando a contraditória relação homem/natureza (NODARI; ESPÍNDOLA; LOPES, 2015: 07).

Logo, não se pode controlar a ocorrência de chuvas, as quais, na localidade de estudo, possuem seus ciclos de maior intensidade nos meses de verão e de menor intensidade nos meses de inverno. Entretanto, pode-se controlar, mediante planejamento urbano, o desmatamento de vegetação nativa e de mata ciliar, e a ocupação de áreas de risco, por exemplo. Nesse sentido, argumenta-se que a ocorrência de enchentes se dá tanto por aspectos que envolvem as dinâmicas do social, político, econômico e cultural, além de possuir fatores naturais. Para analisar a enchente que acontece entre os dias 2 e 4 de janeiro no Município de Araranguá, é importante destacar algumas características ambientais presentes na região. No que tange ao registro de desastres em decorrência de precipitações atmosféricas, especificamente, causados por enchentes e inundações, de acordo com o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais (edição do Estado de Santa Catarina), no recorte de 1991-2012, foram computados um total de 449 registros oficiais, sendo a região sul a terceira com maior número de ocorrências (80), ficando atrás apenas da mesorregião do Vale do Itajaí (104) e do Oeste catarinense (93) (CENTRO, 2013: 64). O rio Araranguá (de nome homônimo ao Município) é o estuário pertencente à Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá., cujas águas banham, total ou parcialmente, uma área de 17 municípios em Santa Catarina. e parte de 2 municípios no Rio Grande do Sul.. Sua nascente está localizada nas Escarpas da Serra Geral até a sua foz que deságua no Oceano Atlântico. É importante ressaltar estes aspectos, pelo fato de que não é necessário que ocorram grandes precipitações exclusivamente em Araranguá para que

aconteçam enchentes. Isso se constata no caso que vamos estudar a seguir, em que a maior precipitação registrada nos primeiros dias de janeiro de 2009 ocorreu em outro Município. No entanto, como todos os rios da Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá deságuam no rio Araranguá, este pode sofrer com enchentes mesmo sem grandes precipitações na área que abrange o seu território e rio.

Acerca das chuvas previstas para os primeiros dias do mês de janeiro, o geógrafo Djalma Niles relata que, desde o dia 28 de dezembro de 2008, a página virtual do Departamento dos Estados Unidos da “National Oceanic and Atmospheric Administration” (NOAA) “indicava uma previsão de precipitação de 140 mm para os próximos quatro dias. Começou a chover forte no dia 01 de janeiro de 2009 e no sábado dia 03, já havia precipitado 210,0 mm no município de Timbé do Sul” (NILES, 2009: 50). Já no município de Araranguá, a maior precipitação ocorreu no dia 03, passando dos 100,0 mm. Niles aponta que “até o dia 07 já havia chovido mais ainda nessa estação de Timbé do Sul, foram 376 mm. Este mês foi muito chuvoso, pois na estação citada, choveu 877 mm, uma quantidade muito grande, para a média da área que está em torno de 400 mm” (NILES, 2009: 50).

Outros fatores agravantes para potencializar o impacto da enchente são salientados pelo engenheiro ambiental, Rodolfo Gomes. Nesse sentido, o autor argumenta:

A Epagri/Ciram e o site, Surf Guru, apontavam ventos da direção leste e maré meteorológica alta, ou seja, ventos e ondas, que represariam as águas das chuvas. Por ser época de cultivo de arroz, as canchas ao longo das margens da bacia do rio Araranguá, estavam cheias de água, fato que, com a elevação das águas do rio, facilitou ainda mais o agravamento da enchente (GOMES, 2011: 73).

Com base nos estudos de Niles e Gomes, podemos constatar que além da alta precipitação atmosférica que ocasionou um volume de chuvas acima do esperado, a instabilidade de vazão das águas em (na) direção do rio para o mar, devido à maré alta, represou a água do rio em sua foz. Soma-se a isso o fato de que as áreas agricultáveis para o plantio de arroz, em sua maioria localizadas em áreas de baixada, tradicionalmente ocupadas pelas cheias do rio Araranguá, estavam irrigadas, em época de plantio. Desse modo, diminuindo a capacidade do solo de drenar o excedente de água. Neste cenário, era uma questão de tempo (aproximadamente 18 horas), para que desembocasse no rio Araranguá a soma das chuvas ocasionadas em sua Bacia Hidrográfica. A situação era de alarme para a população do bairro Barranca, pois essa comunidade é cercada, de um lado, pelo rio Araranguá com nenhum trecho

de mata ciliar preservado, e, de outro, por canchas de arroz irrigado. Ou seja, construiu-se um palco (com fatores naturais e humanos) para a potencialização dos efeitos da enchente.


Figura 01: Imagem aérea do bairro Barranca.

Fonte: Google Earth, 2022.

Conforme representado na imagem acima e, também, brevemente descrito a pouco, podemos perceber que o bairro Barranca está localizado à margem esquerda do rio Araranguá, cercado por áreas onde se desenvolve a rizicultura irrigada e pela Rodovia BR-101. Essa região, em específico, configura-se como uma área de baixada, propícia às cheias do rio Araranguá, sendo que o processo de urbanização delineado no Município durante a segunda metade do século XX aprofundou as dinâmicas e os impactos causados pelas enchentes na localidade. À margem direita do rio Araranguá, situa-se a região central do Município, local onde se encontra grande oferta de emprego, especialmente, no setor de serviços para a população adulta, e opções de ensino para a população em idade escolar. Uma questão que iremos tratar adiante é sobre a estigmatização dos moradores do bairro Barranca perante o restante do Município, pelo qual construiu-se uma imagem de que estes seriam “preguiçosos” e que constantemente se “aproveitam” dos desastres para receber doações.

Outra ponderação importante a se ressaltar diz respeito à utilização da imprensa enquanto fonte de pesquisa em História. Apesar das profícuas possibilidades de estudo que esta apresenta, cabe ao pesquisador, pondera a historiadora Tania Regina de Luca, analisá-la criticamente de modo a não cair no reducionismo e na ingenuidade de apenas buscar no impresso, “informações a serem selecionadas, extraídas e utilizadas ao bel prazer do pesquisador” (LUCA, 2008: 116), para confirmar uma hipótese já pré-concebida no início da

pesquisa. Mais do que considerá-la como uma fonte subordinada aos interesses das classes dominantes, como se o impresso fosse apenas sua mera “caixa de ressonância”, ou de encará-los como uma fonte secundária, ausente de objetividade, críticas comuns a utilização de impressos na pesquisa em história no Brasil, até por volta da década de 1970, salienta Luca. Objetiva-se, neste artigo, além de problematizar o conteúdo presente no Periódico e a maneira como esta fonte histórica representa e justifica a ocorrência de desastres no sul catarinense, também refletir sobre o “interdito, pelas zonas de silêncio que estabelecem” (LUCA, 2008: 114).

1) O Foco na Destruição e Em Imagens Impactantes

Entre os dias 05 e 07 de janeiro de 2009, o sul catarinense ganha destaque na edição especial produzida pelo periódico Diário Catarinense. Dentre as áreas afetadas, a cobertura jornalística centra-se com maior ênfase no Município de Araranguá. Não apenas os impactos sobre as populações atingidas pelas chuvas são reportados, mas, sobretudo, a preocupação com os prejuízos econômicos causados às áreas de produção de arroz. e com o fato de o trecho sul da Rodovia BR-101 (nos limites entre Araranguá-Maracajá) ficar intransponível.

Segue abaixo três imagens da edição especial do dia 05 de janeiro do ano de 2009. Primeiro, elenca-se a capa do periódico, com destaque ao número de municípios atingidos pela enchente, focando a BR-101 submersa; em segundo, a imagem aérea do bairro Barranca, na qual se percebe o impacto à vida humana e as áreas de produção de arroz irrigado; e, por terceiro, uma charge representando o sul catarinense abatido, embaixo d’água.


Figura 02: (à esquerda) Capa do Periódico Diário Catarinense de 05/01/2009, ilustrando o trecho sul catarinense da Rodovia BR-101, intransponível. Figura 03: (imagem à direita na parte superior) Bairro Barranca (Araranguá, SC) submerso pelas cheias do rio Araranguá, página 04. Figura 04: (imagem à direita na parte inferior) Charge na coluna de Zé Dassilva (produzida pelo interino Fábio Nienow) sobre a situação do sul catarinense afetado pela enchente, página 03.




Fonte acervo - impresso do Diário Catarinense, disponível para consulta na Biblioteca Pública de Santa Catarina.

Em várias reportagens, para além das imagens impactantes, chama a atenção a menção de que o Estado de Santa Catarina mal havia se recuperado dos desastres socioambientais provocados por enchentes e deslizamentos no Vale do Itajaí, em novembro de 2008, quando “foram afetadas 60 cidades e atingidas 1,5 milhão de pessoas. Dessas, 9.390 ficaram desalojadas, totalizando 135 mortes” (APÓS, 2018).

Tanto que a edição especial aqui citada, após destacar a foto de capa com a Rodovia BR-101 alagada e intransponível, seguida da charge da coluna de Zé Dassilva (produzida pelo interino Fábio Nienow), aludindo ao estado de emergência no sul catarinense, e a reportagem de título “Chuva Volta a Assustar SC”, a qual é ilustrada com a imagem do bairro Barranca atingido pela enchente. A página seguinte do Diário Catarinense questiona se o fator que motivou a enchente no sul de Santa Catarina em janeiro de 2009 foi o mesmo que desencadeou os desastres socioambientais de novembro no Vale do Itajaí, no ano de 2008. Prontamente, o editorial reporta que não. Lá, em linhas gerais, aponta o Diário Catarinense, que “o Vale do Itajaí foi castigado por três meses de chuvas crônicas, provocadas por frentes frias vindas do Oeste de

forma quase ininterrupta e pela Lestada (ventos do Oceano carregados de chuva). Isso contribuiu para amolecer as rochas argilosas e porosas da Serra do Mar” (ENCHENTE, 2009: 05), que eram características da área afetada. Enquanto isso, no sul catarinense, os fatores apontados são os seguintes:

1) A chuva do final de semana é resultado de um ciclone extratropical formado entre Santa Catarina e o Paraná. Ele é um sistema originado na queda da pressão atmosférica, que gera nuvens de chuva e ventos que giram em sentido horário, fora das regiões tropicais, o que causa tempestades.

2) O ciclone extratropical gerou ventanias que chegaram a 75 km/h e foi seguido por uma frente fria, que dá continuidade à chuva.

3) O excesso de água concentrado em um curto espaço de tempo resultou em alagamentos das estradas e enxurradas nos morros, isolando áreas rurais.

4) Sobrecarregadas pelo volume de água, as encostas perderam sedimentos, que foram carregados pela enxurrada até rios e riachos, entupindo-os. Em alguns casos, os rios saíram do leito, causando enchente. (ENCHENTE, 2009: 05).

Percebe-se, através da análise das reportagens referenciadas, que além do apelo à exposição de imagens que causam impacto ao leitor ao enfatizar os estragos provocados pelo desastre socioambiental no sul catarinense, a justificativa elencada pelo periódico é a de que os desastres ocorrem, exclusivamente, pelos aspectos naturais, movidos por precipitações climáticas, pressão atmosférica e frente fria. Os fatores humanos que potencializam os impactos dos desastres, simplesmente, na edição especial de 05 de janeiro de 2009, no Diário Catarinense, são desconsiderados.

Com isso, compromete-se a compreensão dos aspectos históricos que contribuíram para potencializar os impactos dos desastres no Município de Araranguá. Nesse contexto, o descompasso em entender as dinâmicas e ciclos da natureza ocorre, principalmente, a partir da intensificação do processo de colonização na região sul catarinense delineada na segunda metade do século XIX, com desflorestamentos em áreas de baixada e nas encostas do rio Araranguá, acentuando-se no século XX, com os impactos da produção de carvão e de arroz irrigado. Parafraseando o antropólogo Oliver Smith, “os desastres ocorrem na sociedade e não na natureza. Nesse sentido, desastres estão tão profundamente enraizados na estrutura social e na cultura da sociedade quanto em um ambiente” (OLIVER-SMITH, 1999: 25-28).

Outro aspecto a ser salientado refere-se à linha editorial elencada pelo periódico Diário Catarinense. Segundo afirma o historiador ambiental, Alfredo Ricardo Silva Lopes, “uma característica importante nas publicações e posicionamentos do grupo é a defesa de uma

imparcialidade política que faz parte do discurso de atuação como meio de comunicação de massas” (LOPES, 2015: 147). Esta pretensa imparcialidade centra-se em um discurso de que o periódico em estudo conseguiria separar o fato e descrevê-lo ao leitor tal como aconteceu, desprovido de qualquer implicação político-ideológica que pudesse “contaminar a notícia”. Nesse sentido, o periódico coloca-se como aquele que traz a verdade, o fato “tal como ocorreu” para o público.

Aline Rosso, ao analisar as relações entre a política e a imprensa em Santa Catarina, com enfoque específico para o periódico Diário Catarinense, fundamentada em uma perspectiva sociológica, pontua que este modelo de base anglo-americano, denota para um jornalismo inserido nas relações mercadológicas que utiliza como ferramenta de propaganda uma pretensa objetividade não constatada pela autora à medida em que instituiu suas análises nos impressos selecionados.

Apesar de a crítica ser uma das características do jornalismo - tanto a crítica com o material jornalístico quanto a crítica em relação aos fatos que estão sendo apurados [são] [...] geralmente pautados pelos impressos de uma forma meramente descritiva. [...] Eles optam por apenas reportar os acontecimentos de uma forma “objetiva”, que é a característica do modelo anglo-americano de jornalismo (ROSSO, 2011: 81).

É justamente este recorte “meramente descritivo” que invisibiliza os fatores humanos para a potencialização dos desastres. Matérias com teor de crítica a administrações que pensaram no curto prazo, movidas por interesses econômicos e que desconsideraram políticas para prevenir ou mitigar o efeito de desastres, poderiam ter sido construídas no sentido de estabelecer um amplo debate para com o público leitor. Entretanto, perderam-se no reducionismo crítico da justificativa pela busca da pretensa objetividade.

2) Os Dramas Pessoais e os Prejuízos Econômicos:

Outra constante nas páginas do Diário Catarinense foi expor os dramas pessoais das famílias atingidas pela enchente e a preocupação com o prejuízo econômico sobre a produção de arroz, que cresceu nos dias subsequentes à enchente, pois a cada dia que o nível do rio Araranguá demorava a baixar, significava uma maior possibilidade de perda na safra a ser colhida.

Segue abaixo duas reportagens, ainda da edição especial de 05 de janeiro de 2009, selecionadas para refletir sobre a convivência com o risco (social, econômico e ambiental) presente na região analisada. Primeiro, destaca-se o drama de moradores do bairro Barranca atingidos pela enchente do rio Araranguá. Em segundo, enfatiza-se a preocupação de agricultores com os possíveis prejuízos econômicos para a produção de arroz.


Figura 05: (à esquerda) O drama das famílias impactadas com a enchente. Página com as seguintes manchetes: “Mais de 400 Famílias Atingidas Pelas Cheias”, “Relutância em Deixar a Casa” e “Família Perde Tudo”. Página 09, da edição especial de 05/01/2009. Figura 06: (à direita) Preocupação de agricultores com as possíveis perdas na produção de arroz. Página 10, edição especial de 05/01/2009.




Fonte: Acervo impresso do Diário Catarinense, disponível para consulta na Biblioteca Pública de Santa Catarina.

Ao tratar das famílias atingidas pelas cheias no bairro Barranca, dois casos chamam a atenção. O primeiro, o drama de um jovem casal que se vê obrigado a sair às pressas de casa, salvando poucos pertences, e ir em direção ao abrigo organizado pela administração pública municipal de Araranguá em conjunto com a Defesa Civil. Na reportagem, segue o relato:

Dois colchões, o guarda-roupa, o jogo de sofás e roupas velhas foi tudo o que a família da costureira Eliete Pacífico Helena, 30 anos, salvou antes de ver a casa invadida pelas águas do Rio Araranguá, na tarde de sábado. Ela, o marido e os dois filhos – de sete e dez anos – ficarão os próximos dias no abrigo com os demais flagelados. Nem imaginam como irão reconstruir a vida (FAMÍLIA, 2009: 09).

Como o tema das enchentes é algo que faz parte do cotidiano dos moradores do bairro Barranca, estratégias foram criadas pela população para lidar com os desastres. As pessoas que possuem uma situação econômica um pouco melhor constroem casas de dois pavimentos, para, quando ocorrer as cheias do rio Araranguá, os pertences de maior valor serem realocados no

segundo pavimento e, com isso, afastar o perigo de se perder todos os bens de valor na enchente. Para quem possui uma situação financeira de maior vulnerabilidade, constrói-se a casa de um pavimento, porém, na maior altura possível com relação ao nível da rua, para que, quando a água comece a subir, as famílias tenham tempo de salvar os seus pertences, seja levando-os a casa de parentes ou aos abrigos organizados pela administração pública municipal de Araranguá em conjunto com a Defesa Civil. Infelizmente, não foi o caso da família de Eliete Pacífico, mas foi o caso da família do pedreiro José Carlos Henrique, de 44 anos.

No entanto, o nível do rio Araranguá monitorado pela Coordenadoria Municipal de Defesa Civil de Araranguá, chegou a 4,33 m, “no dia 04 de janeiro de 2009, às 15:45 horas, ficando apenas atrás da enchente do ano de 1974” (GOMES, 2011: 76-77). No caso, sendo a segunda maior enchente registrada na história de Araranguá. Foi tão acima do ocorrido nas últimas décadas, que atingiu o segundo pavimento da casa da família de José Carlos Henrique. De acordo com a reportagem:

O pedreiro José Carlos Henrique, 44 anos, resistiu dentro de sua casa na Vila Barranca até as 15 horas de domingo. No sábado, quando a água começou a subir, passou todos os móveis para o segundo andar do sobrado. [...] Estava confiante de que a enchente não chegaria ao segundo piso. Depois de muita insistência da mulher e dos quatro filhos, aceitou subir no barco e buscar terra firme. – A gente fica triste em deixar tudo para trás. Não é fácil comprar as coisas e depois ver a água levar tudo – disse (RELUTÂNCIA, 2009: 09).

Além do medo de arriscar a própria vida e de, possivelmente, perder os pertences pela subida do nível do rio Araranguá, havia o medo de roubos. Cabe salientar que, nos periódicos locais consultados – embora, em função do espaço reduzido para escrita, não possamos aqui analisá-la –, esta prática de furtos era comum quando ocorriam enchentes pela região, inclusive, resultando em prisões..

Alfredo Ricardo Silva Lopes salienta que, “de forma geral, os moradores do bairro Barranca, localidade que margeia o rio Araranguá na parte norte da zona urbana, são mal vistos pela população do município e sobre eles paira o estigma de aproveitadores e preguiçosos” (LOPES, 2015: 233). Dessa maneira, é como se eles aproveitassem as periódicas enchentes para receber doações que variavam desde roupas a brinquedos para crianças.

Os historiadores Micheline Vargas de Matos Rocha e Alexandre Rocha argumentam que paira sobre os moradores da Barranca não apenas um isolamento causado pelo fator natural,

marcado pelo rio Araranguá que os coloca à sua margem esquerda, mas, sobretudo, um isolamento econômico e social que reafirma os preconceitos construídos sobre a localidade. “O que se percebe, também, é certo distanciamento da cidade em relação à comunidade, implicando, uma forte carga de preconceito sobre os moradores, em decorrência das enchentes que afetam de tempos em tempos a Barranca e algumas vizinhanças, vitimando e fragilizando socialmente dezenas de famílias” (ROCHA; ROCHA, 2022: 15).

Vale destacar que o bairro Barranca ocupou um papel socioeconômico central para o Município de Araranguá entre as décadas de 1920 a 1960. Devido à instabilidade de navegação presente na barra do rio Araranguá entre fins do século XIX e primeiras décadas do século XX, expandiu-se o trecho sul da Estrada de Ferro Dona Teresa Cristina de aproximadamente 30 km entre Criciúma. até Araranguá. Acerca dessa expansão, argumenta o Pe. Paulo Hobold, em obra clássica na região sobre a história de Araranguá, a locomotiva, que passa a funcionar de maneira efetiva nos últimos anos da década de 1920, tem na exploração das jazidas de carvão localizadas na parte norte da bacia do Araranguá, no distrito de Criciúma, o maior interesse de sua construção. “Esse ramal férreo conjunto com os portos de Laguna e Imbituba, foi de suma utilidade, possibilitando por aproximadamente 40 anos um transporte seguro e eficiente” (HOBOLD, 2005: 170).

No período destacado, as trocas comerciais, as oportunidades de negócios e as comunicações, no Município de Araranguá, ocorriam no bairro Barranca. Com a desativação do trecho sul da Estrada de Ferro Dona Teresa Cristina, o presente bairro perde a centralidade frente a outras localidades do Município que passam a atrair o investimento das redes de hotéis e dos demais pontos de comércio, que passam a transferir seus negócios para áreas fora do bairro Barranca. Pois, além de a referida localidade já não ser um ponto centralizador sob o ponto de vista econômico, ainda havia a questão das enchentes. Cada vez mais, a partir da década de 1960, o bairro Barranca fica isolado frente a outras áreas do município que passaram a atrair os empregos e investimentos que antes ali ocorriam e, com isso, cresceu a estigmatização do bairro e de sua população.

Para agricultores de municípios vizinhos localizados na região da Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá, a preocupação era com o tempo que levaria para as águas baixarem. De acordo

com o relato publicado na reportagem “Perdas no arroz são avaliadas”, feito pelo então secretário de Desenvolvimento de Araranguá, Heriberto Schimidt, “se nesta segunda-feira a água baixar, as perdas serão pequenas, mas, se os alagamentos persistirem mais alguns dias, os prejuízos serão grandes – disse o secretário” (BECKER, 2009: 10).

Em ambas as reportagens analisadas, a noção de ter que conviver com o risco está relacionada à dinâmica dos desastres, seja o risco de perder bens materiais, produção econômica ou, em casos extremos, a própria a vida. A despeito disso, conforme comumente é relatado, as cheias do rio Araranguá ocorrem de modo lento e gradual, possibilitando tempo para que as pessoas fujam das águas. Nesse ínterim, há décadas não se registra mortes em enchentes no município. No entanto, o risco permanente existe e conviver com ele demanda estratégias cotidianas sempre que ocorra alguma chuva que se estenda por três dias ou mais.

Sobre este aspecto, o sociólogo Ulrich Beck argumenta que produzir e conviver com o risco denota uma das características da sociedade industrial capitalista a partir da segunda metade do século XX. No início da Revolução Industrial, vendia-se a ideia de que o desenvolvimento nas relações de produção amparado no uso da técnica e da ciência resolveria problemas estruturais da humanidade, como a fome, por exemplo. O autor questiona as bases da razão iluminista e a fé no progresso técnico-científico, que culminou com duas guerras mundiais, a violência de campos de concentração (Auschwitz), armas com capacidade de destruição em massa (Hiroshima e Nagasaki), dentre outros desastres (BECK, 2010: 07). Beck pontua que, se até em décadas anteriores à segregação de populações, a pressão inflacionária, a crise e o desemprego poderiam ser jogados para os muros fora do espectro do primeiro mundo, à medida que transcorrem as últimas décadas do século XX e as primeiras décadas do século XXI, fica latente que conviver com o risco torna-se uma experiência de âmbito global.

Na obra – escrita no calor do momento, já que a primeira edição de Sociedade de Risco foi lançada em 1986, mesmo ano do desastre nuclear de Chernobyl –, Beck analisa as ameaças que o risco da utilização de energia nuclear pode causar à humanidade. Mas também abre margem para refletir sobre o risco articulado a desastres socioambientais quando pontua os efeitos da contaminação do solo e da água pela utilização de agrotóxicos, inclusive, estando presente no leite materno (BECK, 2010: 29).

Deste modo, em consonância com o conceito de Sociedade de Risco, delineado por Beck, propõe-se compreender o modo de vida das pessoas residentes no bairro Barranca, por meio da noção de risco associado aos frequentes desastres socioambientais ocorridos no Município, principalmente, as enchentes. Historicamente, o anseio pela expansão da malha urbana, associado a desmatamentos e ao despejo de resíduos sólidos urbanos no rio sem o devido tratamento, somados à ampliação do setor agrário, em especial, da rizicultura irrigada, com desmatamentos nas encostas do rio Araranguá e com o uso de agrotóxicos, construiu um cenário de ampliação dos impactos dos desastres socioambientais e a introdução de conviver com o risco, sobretudo, as populações que habitam áreas vulneráveis. A interação entre os seres humanos e a natureza, em Araranguá, de modo geral, sobrepôs interesses de ordem político-econômica à frente das capacidades ambientais disponíveis no Município.

3) As Ações Governamentais e a Volta à “Normalidade”:

O último ponto elencado para reflexão se desdobra em duas questões: primeiro, no editorial especial de 05 de janeiro de 2009, acerca das ações governamentais cabíveis para remediar os impactos sobre as populações afetadas pela enchente, e; segundo, na edição de 07 de janeiro de 2009, sobre o retorno do sul catarinense à “normalidade”.



Figura 07: (à esquerda) Reportagem que ilustra a presença do Governador do Estado de Santa Catarina, Luiz Henrique da Silveira, nos locais atingidos pelo desastre socioambiental ocorrido no sul catarinense. Publicado na edição especial de 05 de janeiro de 2009. Figura 08: (à direita) Registro da volta gradual do tráfego pela rodovia BR-101. Publicado na edição de 07 de janeiro de 2009.




Fonte: Acervo impresso do Diário Catarinense, disponível para consulta na Biblioteca Pública de Santa Catarina.

A primeira reportagem selecionada intitula-se “Governador sobrevoa região”. O foco era evidenciar a prontidão governamental em se fazer presente nos locais atingidos pelo desastre. Três afirmações do governador Luiz Henrique da Silveira são destacadas:

1º: As plantações de arroz se transformaram em lagoas. O prejuízo, até agora, é incalculável. [...] 2º: Assim que o tempo permitir, serão enviadas roupas e alimentos para desalojados, que estão estocados em depósitos de Criciúma e Araranguá. [...] 3º: Serão necessários dois ou três dias de tempo seco para o tráfego nas estradas ser reestabelecido

– avaliou Luiz Henrique (MARIN, 2009: 10).

Percebe-se que, no tom adotado por Luiz Henrique, a solução seria aguardar o nível do rio Araranguá baixar para o trânsito ser restabelecido e prover de itens básicos às populações desabrigadas, até poderem retornar às suas casas. O tema da prevenção ou de ações mitigadoras dos efeitos das enchentes no médio e longo prazo em nenhum momento é citado pelo governador. Ademais, cabe destacar que, no âmbito local, seja nos meios de comunicação, seja em entidades que representam a sociedade civil e parte de grupos políticos de Araranguá, discute-se uma série de alternativas há décadas. A obra comumente mais citada é a fixação da foz da barra do rio Araranguá. Alega-se que a obra ofereceria estabilidade de vazão de água do rio para o mar (o que não ocorre até o presente momento devido a características naturais da barra) e, com isso, diminuiria significativamente o impacto das enchentes. Nem mesmo esta alternativa é salientada tanto pelo governo do Estado quanto pelo corpo editorial do Diário Catarinense, que esboçou uma edição especial para cobrir o desastre.

A preocupação com a questão econômica foi recorrente tanto na fala do governador quanto no número de reportagens elaboradas pelo Diário Catarinense, o qual destacou as possibilidades de prejuízos na produção de arroz e na quantidade de mercadorias paradas às margens da Rodovia BR-101. Pelo fato de estar intrafegável, muitos caminhoneiros ficaram ilhados no trecho Araranguá-Maracajá por alguns dias, esperando nas margens da rodovia o tráfego ser reconduzido com segurança.

O alento ocorre dois dias depois, conforme publicado na edição do dia 07 de janeiro de 2009. Segundo a reportagem, o nível do rio Araranguá baixa mais rápido do que o esperado e, pelo menos, o tráfego de veículos de grande porte é restabelecido, trazendo alívio aos caminhoneiros que puderam prosseguir viagem, e dando continuidade ao escoamento dos mais variados itens que possibilitam o andar da economia nas esferas: regional e estadual.

Assim como (Moacir) Berri (59 anos), que transportava cerveja, outros caminhoneiros comemoraram a liberação de oito quilômetros da rodovia para veículos de carga. A ação foi possibilitada pela rápida vazão do rio Araranguá. [...] O barulho dos motores ligados novamente foi motivo de alívio para quem esteve parado por mais de dois dias. Quem atravessava a área alagada cumprimentava com buzinadas os motoristas que aguardavam a vez (CARDOSO, 2009: 04).

O historiador Christof Mauch argumenta que, até a década de 1980, os desastres eram estudados como um evento que representava o desvio da norma, em que uma comunidade é atingida por forças naturais com uma capacidade altamente destrutiva. No entanto, sobretudo nas últimas décadas, no Brasil, em especial a partir da década de 1990, com o avanço de estudos em História Ambiental e, especialmente nos anos 2000, com a ênfase de estudos sobre a temática de desastres socioambientais, “os estudiosos passaram a aceitar cada vez mais que as catástrofes naturais nunca são “naturais” no verdadeiro sentido da palavra; em vez disso, eles devem ser entendidos como eventos físicos e ocorrências sociais ou culturais” (MAUCH, 2009: 04). Isto é, lidar com o desastre já faz parte da normalidade dentro do cotidiano da comunidade araranguaense, principalmente dos moradores do bairro Barranca.

O olhar para o desastre, como se este fosse o desvio da normalidade que rompe o cotidiano provocado pela força da natureza, demonstra-se presente na cobertura efetuada pelo Diário Catarinense e, na fala do então governador do Estado, acerca da enchente ocorrida no sul de Santa Catarina em janeiro de 2009. Mauch ressalta que “um dos pontos fortes da abordagem histórica da pesquisa de desastres é sua capacidade de reconhecer tanto o imediatismo da

catástrofe – sua súbita incidência e a tragédia do dia – quanto os efeitos de longo prazo de tais eventos” (MAUCH, 2009: 06). Nesse sentido, é possível reconhecer que os impactos gerados pela enchente, enquanto desastre, são potencializados pela ação humana, sobretudo, desde a intensificação do processo de colonização no sul catarinense. Isso se dá, principalmente, pelo desflorestamento (incluído da mata ciliar) para a expansão da malha urbana e para áreas de produção de arroz irrigado, o que acarreta a erosão do solo, contaminação derivada do uso de agrotóxicos, somado aos impactos do despejo de esgoto não tratado no rio Araranguá, também à chegada de águas poluídas oriundas da produção de carvão de seu afluente, o rio Mãe Luzia; bem como, por fim, ocasiona uma pressão socioeconômica, em que populações de baixa renda (moradores do bairro Barranca) acabam por habitar áreas de risco.

Outra ponderação de Mauch, em sua análise sobre desastres, é a de que, de maneira particular, a memória construída sobre desastres é de curta duração. “À medida que as águas voltam aos níveis anteriores ao dilúvio e as últimas vítimas dos terremotos são recuperadas, o interesse da mídia de massa por desastres também diminui rapidamente” (MAUCH, 2009: 03). No que tange às publicações do periódico Diário Catarinense, à medida que o nível do rio Araranguá subiu, atingindo a Rodovia BR-101 e deixando o tráfego intransponível, todas as atenções do periódico foram voltadas para o sul catarinense. Isto, nos dias 05 e 06 de janeiro de 2009. A partir do momento em que foi restabelecido o tráfego de veículos de grande porte pela rodovia, no dia 07 de janeiro, e se registrou a baixa do nível do rio Araranguá, consequentemente, não se teve mais registros de reportagens. Não se registrou nenhum debate acerca de medidas para diminuir ou acabar com o problema das enchentes no sul catarinense, no periódico analisado.

Considerações Finais:

Objetivou-se, no presente artigo, por meio da análise sobre a cobertura elencada pelo periódico Diário Catarinense, acerca da enchente ocorrida no sul de Santa Catarina, em janeiro de 2009, refletir sobre a invisibilidade aos componentes sociais, políticos, econômicos e culturais que potencializam a ocorrência de desastres socioambientais. A ênfase do periódico, conforme pontuado, ao optar por um viés textual meramente descritivo e com imagens

impactantes representando a força da natureza, acaba por silenciar os fatores humanos que propiciaram o agravamento da ocorrência de enchentes no Município de Araranguá. Dentre eles, conforme citado no corpo do texto, podemos destacar, principalmente, o desflorestamento para a expansão da malha urbana e para áreas agricultáveis. Além disso, há a configuração socioeconômica do município, em que setores populacionais de menor poder aquisitivo habitam áreas vulneráveis e sofrem com os recorrentes impactos das enchentes.

Talvez um dos caminhos para a proposição de medidas as quais busquem mitigar ou mesmo resolver o problema das constantes enchentes que assolam o sul catarinense seja através da reflexão de um dos principais expoentes da História Ambiental, o historiador Donald Worster. O estudioso argumenta que, para delinear um modelo de agricultura ou de ocupação urbana por sociedades humanas, torna-se necessária a adequação destas às disponibilidades naturais presentes no local de ocupação. Ou seja, é necessário compreender a capacidade de disponibilidade de água de uma dada bacia hidrográfica, sua necessidade de preservação de vegetação nativa para manutenção de seu ciclo hidrológico e assim por diante. Logo, é preciso pensar como um rio, como propõe Worster, “é parar para pensar sobre o problema exclusivamente sob o ponto de vista de economistas e engenheiros e começar a aprender a lógica do rio” (WORSTER, 2008: 29).

Fontes

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Notas

1 Fala de José Pacheco, morador de Araranguá. In: DIÁRIO CATARINENSE. Florianópolis, ano 23, n. 8293, 06 de janeiro de 2009. P. 05.
2 Não há registros de produção de carvão no município de Araranguá, mas, sim, no município vizinho de Criciúma. Os resíduos poluentes derivados da produção de carvão, são despejados no rio Mãe Luzia, este, é um dos afluentes do rio Araranguá que acaba por contaminá-lo com suas águas ácidas. Tanto que “desde 1980 a região sul de Santa Catarina é decretada como a 14ª Área Crítica Nacional em decorrência do impacto ambiental provocado pela exploração, beneficiamentos e usos do carvão mineral”. Decreto Federal Nº 85.206/1980. In: SANTOS, 2008: 15.
3 A bacia Hidrográfica do rio Araranguá está localizada no sul do estado de Santa Catarina. Faz parte do sistema da vertente atlântica e compõe, juntamente com as bacias dos rios Urussanga e Mampituba, a Região Hidrográfica do Extremo Sul Catarinense. In: SANTA CATARINA, 1997: 24.
4 Sendo eles: Araranguá, Balneário Arroio do Silva, Criciúma, Ermo, Forquilhinha, Içara, Jacinto Machado, Maracajá, Meleiro, Morro Grande, Nova Veneza, Siderópolis, Sombrio, Timbé do Sul, Treviso, Turvo e Urussanga. In: SCHEIBE; BUSS; FURTADO, 2010: 08.
5 Sendo eles: Cambará do Sul e São José dos Ausentes. In: SCHEIBE; BUSS; FURTADO, 2010: 08.
6 Estima-se que a região sul catarinense produza cerca de 60% do total de arroz produzido no Estado de Santa Catarina. In: PRESA, 2018: 159.
7 RAUPP, Andréa. Dupla é presa ao se aproveitar das cheias. Sem Censura. Araranguá, 06 de maio de 2008. P. 10.
8 Emancipa-se de Araranguá pela lei Estadual de número 1.516 em 04/11/1925. In: https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo.html?id=31413&view=detalhes. Acesso em: 30/05/2023.


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