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O Desenvolvimento Musical de Bebes de 0 a 2 Anos em Aulas de Música em Escolas Públicas
Epistemus, vol. 11, núm. 1, 2023
Universidad Nacional de La Plata

Artículos originales de investigación

Epistemus
Universidad Nacional de La Plata, Argentina
ISSN-e: 1853-0494
Periodicidade: Semestral
vol. 11, núm. 1, 2023

Recepção: 25 Novembro 2022

Aprovação: 04 Março 2023


Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Compartilhamento Pela Mesma Licença.

Resumo: O presente artigo é o resulto de uma pesquisa de doutoramento que teve como objetivo investigar o desenvolvimento musical de bebês de 0 (zero) a 2 (dois) anos. Para tanto foi realizada uma pesquisa-ação em berçários da Rede Pública Municipal de Educação Infantil de uma cidade do Estado de Minas Gerais – Brasil. Esta modalidade de pesquisa foi empregada tendo em vista que o doutorando atuou durante todo o processo investigatório como educador musical responsável pelas aulas de musicalização de bebês voltadas para esse público-alvo, reformulando quando necessário o trabalho pedagógico empregado e os processos de investigação A fundamentação teórica da pesquisa tomou como base o conceito de gênese do conceito proposto por Lev Vigotski . Os resultados apontaram para 3 fases do desenvolvimento musical nas crianças entre 10 e 21 meses, cada qual com suas características próprias, de acordo com o nível desenvolvimental de cada faixa etária.

Palavras-chave: desenvolvimento musical de bebês, musicalização de bebês, música em berçários, música em escolas públicas, música na educação infantil, psicologia do desenvolvimento musical.

Abstract: This article is the result of a doctoral research that aimed to investigate the musical development of babies from 0 (zero) to 2 (two) years old. For that, an action research was carried out in nurseries of the Municipal Public Network of Early Childhood Education in a city in the State of Minas Gerais - Brazil. This research modality was used considering that the doctoral student acted throughout the investigative process as a music educator responsible for baby music classes aimed at this target audience, reformulating, when necessary, the pedagogical work used and the investigation processes. of the research was based on the concept of genesis of the concept proposed by Lev Vygotsky. The results pointed to 3 stages of musical development in children between 10 and 21 months, each with its own characteristics, according to the developmental level of each age group.

Keywords: musical development of babies, baby music, music in nurseries, music in public schools, music in early childhood education, psychology of musical development.

Introdução

Este artigo apresenta o resultdado de uma pesquisa de doutoramento que teve como objetivo analisar o desenvolvimento musical de bebês até 24 meses. O contexto em que este estudo aconteceu foram berçários de uma rede municipal de educação infantil em São Sebastião do Paraíso, Minas Gerais, Brasil.

As crianças tiveram aula de música uma vez por semana com um educador musical e cada encontro teve duração média de 50 minutos. Os resultados a seguir correspondem as aulas que aconteceram durante o ano letivo de 2019 (de fevereiro à dezembro). Cada turma contou com uma média 15 bebês, além do educador musical e mais duas educadoras por turma. A pesquisa foi relizada com 7 crianças de 4 Centros Munipais de Educação Infantil, escolhidas entre aquelas que tiveram maior frequencia nas aulas[1].

Metodologia

Para a realização desta pesquisa, foi observado cuidadosamente o contexto de oficinas de musicalização em berçários da educação infantil e delimitado a forma de pesquisa de acordo com as demandas emergentes em relação aos objetivos da proposta. Assim, foram 5 etapas percorridas na construção deste estudo: 1) Aprofundamento na compreensão do referencial teórico; 2) Registros das oficinas de musicalização para bebês na rede municipal de educação infantil de São Sebastião do Paraíso; 3) Primeira análise dos dados coletados para a construção das categorias desenvolvimentais; 4) Segunda análise dos dados a partir das categorias construídas para o contexto específico; 5) Fechamento de todo o arco de pesquisa.

Para coleta de dados, esta pesquisa foi submetida à Comissão de Ética – Seres Humanos da UNESP e aprovada sob o parecer 3.352.737. Os trabalhos de campo foram iniciados após a aprovação do projeto e os responsáveis pelas crianças foram convidados a autorizar a participação delas, a partir da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido de acordo com o estabelecido na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2012).

As oficinas de musicalização para bebês nos berçários de São Sebastião do Paraíso foram realizadas pelo pesquisador e um dos autores deste texto. Os encontros musicais acontecem nos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI), antigas creches.

A coleta de dados foi feita ao longo de um ano letivo (março a novembro de 2019), em 4 (quatro) CMEI ́s: Centro Municipal de Educação Infantil Emiliana Ferreira de Souza, Centro Municipal de Educação Infantil João XXIII, Centro Municipal de Educação Infantil Vereador Antonino José Amorim e Centro Municipal de Educação Infantil Vinício Scarano. O estudo partiu da problematização de um determinado evento que aconteceu nesse contexto – as oficinas de musicalização e o desenvolvimento musical dos bebês.

Ao todo foram registrados 120 vídeos que totalizam 40:31:36 (quarenta horas, trinta e um minutos e trinta e seis segundos) de imagens. Foi analisado um total de 7 bebês (primeira e segunda análise) entre 7 e 22 meses. A escolha destas crianças se deu exclusivamente por dois fatores, o primeiro de que houvesse ao menos uma criança de cada CMEI, e o segundo critério foi o de escolher crianças com frequência regular às aulas de música.

Dos bebês análisados, 2 correspondem a uma preimeira análise para a estruturação das categorias de observação e 5 a uma segunda análise, que buscou observar o desenvolvimento musical dos participantes. Este artigo corresponde a apresentação dos resultados referentes à estes ultimos, a saber:

Bebê I – Entre 7 e 15 meses;

Bebê J – Entre 13 e 21 meses;

Bebê L – Entre 9 e 17 meses;

Bebê R – Entre 17 e 25 meses;

Bebê F – Entre 14 e 22 meses.

Além disso, cabe frizar que há dois pefís de aulas de música, as “diretivas” que correspondem a encontros com atividades direcionadas especificamente para um objetivo musical e “não-diretivas”, que foram as aulas mensais, nas quais espalhei diversas fontes sonoras pelo ambiente para os bebês explorarem livremente. Desta forma, os resultados a seguir são um comparativo entre estes dois perfís de aula.

Reflexões teóricas

O referencial teórico adotado partiu em grande parte dos pressupostos do psicólogo Lev Vigotski[2], mais especificamente no que diz respeito à relação entre o pensamento e a fala. Embora este autor não tenha estudado especificamente o desenvolvimento musical, seu trabalho seviu como direcionamento para a o processo de organização psicológica do bebê em sua relação com o mundo, ajudando a elucidar a estruturação do material sonoro por meio das ações musicais[3] dos bebês.

Vigotski[4] (2010) aponta a relação entre o pensamento e a fala como uma das questões centrais no desenvolvimento infantil[5]. Para o autor é nessa relação que se estrutura algumas importantes bases da psiquê humana. O complexo processo de organização psicológica da criança tem a estruturação da fala como uma via de arranjo entre o mundo externo e o interno. Um bebê, quando começa a se manifestar por meio da fala, está ao mesmo tempo, organizando todas as estruturas internas sobre as quais ele interpretará e se relacionará com o mundo externo, de modo específico com aquele elemento que o estimula a falar. Para esse autor, o bebê pensa fazendo, ou seja, a criança organiza seus pensamentos na prática concreta com o ambiente.

Neste pressuposto, ao observar as ações musicais de um bebê durante uma aula de música, é possível analisar a forma como ele organiza as bases psibológicas para a organização do material sonoro. Assim, podemos lançar luz a um processo de desenvolvimento musical concreto e objetivo na primeira infância.

O estudo base sobre a relação entre o pensamento e fala de Vigotski (2010), denomina-se Gênese do Conceito. Para realizá-lo Vigotski preparou um ambiente com diversos objetos aleatórios, com formas geométricas diversificadas e cores distintas, sem definição pré-estabelecida, no intuito de observar como os bebês, até por volta de 3 anos, interagiam e organizavam este material. Esse experimento possibilitou que o autor observasse a estruturação da psiquê infantil a partir da relação que a criança estabeleceu entre o seu pensamento e a fala.

Para entender melhor esse processo é necessário partir de dois pontos: 1- não se trata de uma simples organização que a criança realiza com o material a sua volta, pois quando a questão é o desenvolvimento humano, qualquer ação, por mais trivial que pareça, revela uma profunda complexidade e pode apresentar um forte indício desenvolvimental, pois são as ações de bebês que os conectam com o mundo externo; 2- as associações que o bebê realiza para agrupar os objetos são elaboradas com base na sua estrutura psicológica, pois nessa faixa etária, a criança pensa fazendo.

Partindo desse pressuposto, ao identificar um processo que apresenta características específicas de escolha e organização dos objetos em cada fase desenvolvimental, o que Vigotski fez foi associar esse mesmo processo à estruturação da fala. Se o bebê pensa concreta e objetivamente para organizar objetos a sua volta, essa estrutura se aplica também na forma como ele organiza sua fala, mesmo sendo uma faculdade específica e que, consequentemente, também se dá em relação ao pensamento, pois a fala também se transforma em uma ação. Tendo em vista que a criança experimenta diferentes dinâmicas e formas de organização que lhes possibilita lidar com o mundo exterior de forma dialógica, ele inicia um movimento de organização psicológica ao longo de sua trajetória, que em determinado período lhe permite partir do concreto e objetivo, na primeira infância, para o abstrato e conceitual. As fases desevolvimentais da Gênse do conceito são as seguintes:


Figura 1
Gênese do Conceito

Recorde da Gênese do Conceito segundo Vigotski.

Original de los autores

Porém devido a faixa etária analisada nesta pesquisa (entre 7 e 25 meses) as características desenvolvimentias que mais nos interessa é apenas as que estão em destaque no círculo vermelho, ou seja, Semelhança, Coleção e Cadeia. Todas dentro da estrutura de Pensamentos por complexos.

Os pensamentos por complexos e suas fases

Na estrutura de pensamentos por complexos, a criança, ao agrupar objetos, atribui significados aos mesmos com base em suas características, como formato, cor, linhas, etc. Assim, a criança associa os elementos do grupo organizado a partir dessas distinções. As organizações não retratam mais apenas a questão da percepção unidirecional e imediata da criança, mas retratam uma lógica relacional que ela atribui aos elementos do grupo (Vigotski, 2010 p. 179). Os pensamentos por complexos possuem cinco fases no total: complexo por semelhança; complexo por coleção; complexo por cadeia; complexo difuso e pseudoconceito. Relevantes para este artigo são as três primeiras fases que seguem descritas.

Os pensamentos por complexos são organizações que, de certa forma, equivalem ao conceito do adulto, porém ainda organizadas de modo objetivo de acordo com as formas básicas de associações entre os elementos do grupo, que podem ser, por exemplo, por semelhança ou por diferença, a depender do nível desenvolvimental dos bebês. Enquanto o adulto lida com o mundo de modo conceitual, o bebê estabelece essas relações de agrupamentos concretos, porém, a estrutura psicológica da criança ainda é consideravelmente diferente, quando relacionada aos perfis do “pensamento conceitual”, que comumente começa a amadurecer por volta dos 11 anos, o que foge à faixa etária estudada nesta pesquisa (Vigotski, 2010). Vale atentarmos para o fato de que as organizações de pensamentos por complexos são um passo importante em direção a formação dos conceitos, ou seja, é um caminhar de organizações objetivas e concretas (complexos), para generalizações subjetivas e abstratas (conceitos). Vigotski observou que os bebês nesse estágio faziam associações entre os objetos que agrupavam, estes objetos passam a ser componentes que, de algum modo, estão relacionados entre si e formam um único grupo, ou seja, uma generalização, por isso o nome de complexo.

Ao pensarmos em música, as relações entre as manifestações, materiais visuais, movimento e som, formam os grupos de elementos que representam a música para o bebê. As manifestações musicais dessa criança, que antes eram predominantemente concomitantes, passam a ser sequenciais.

As ações sequenciais correspondem ao sentido literal da palavra. São movimentos que acontecem um após o outro. A criança pode estar, por exemplo, batendo palmas e imediatamente após essa ação, elas balançam os braços, depois o tronco e assim por diante. Essas manifestações possuem alguma relação associativa estabelecida pela criança e o grupo todo compõe uma única imagem organizacional psicológica que, para o bebê, corresponde à música e para esta análise, um complexo.

Ainda com relação à forma como o bebê percebe o universo sonoro, um outro exemplo que ajuda a ilustrar esse processo é a “voz da mãe”, reconhecida pelo bebê. Nesse momento ele percebe as relações entre as características dos elementos presentes na voz e no contexto em que ela foi emitida. A criança organiza um conjunto de informações associáveis entre si, para criar uma imagem que representa a “mamãe falando quando está brava”, por exemplo. Com o propósito ilustrativo, nesse exemplo o estágio pensamento por complexos fica reduzido, mas é imprescindível compreender que esse período como um todo, envolve fases transitórias com características próprias em cada uma delas (Vigotski, 2010).

Em cada fase dos pensamentos por complexo, as associações e relações que o bebê estabelece entre os elementos organizados também é perceptível ao se tratar do desenvolvimento musical, quando levamos em consideração as organizações das ações musicais do bebê. Ele, que estabelece grupos de elementos sonoros e de ações musicais, percebe as características desses agrupamentos (complexos) e, inclusive, desenvolve preferências dentro do próprio repertório sonoro musical que é cada vez mais amplo.

Ilari (2002) relata que o bebê, em seus primeiros meses, pode reconhecer timbres, regiões sonoras e movimentos melódicos, além de desenvolver predileção por alguns desses aspectos (no sentido de atenção e não necessariamente afeto), o que aponta também para uma memorização do material sonoro além de um processo de significação desses elementos. Essas associações, na perspectiva adotada nesta pesquisa, segundo o pensamento de Vigotski (2010), contribuem para a organização das bases psicológicas nas quais se assentam importantes aspectos desenvolvimentais da criança, ainda que o autor soviético não tenha falado especificamente da música. Nesse sentido há uma lógica de correlação entre o desenvolvimento humano e o musical, como vimos em estudos anteriores (Mião, 2016), além de um desenvolvimento musical que segue essas bases psicológicas, apesar de ser uma faculdade humana específica.

As pesquisas sobre cognição e desenvolvimento musical de bebês de Esther Beyer (1996) também demonstram que o bebê interage com o material sonoro e estabelece significados. Tal afirmativa possibilita criar um repertório de material sonoro e desenvolver a memória musical do bebê por meio das vivências e experimentações. Esse processo, que ao mesmo tempo é pessoal e social, encontra-se repleto de elementos subjetivos que promovem um diálogo entre o ser interno e o mundo externo, possibilitando novas relações e construções musicais.

Com a ampliação do estágio de pensamento por complexo para além da faixa etária prevista nas aulas de musicalização de bebês que é avaliada nesta pesquisa, apresentaremos separadamente cada fase desse estágio, ao mesmo tempo em que buscamos relacionar suas características com o desenvolvimento musical.

Adentramos, então, a primeira fase dos pensamentos e/ou organizações por complexos de Vigotski (2010, p. 182), que corresponde aos agrupamentos por semelhança. O autor observou que a criança, nesta fase, organizava os objetos em grupos e as generalizações se davam da seguinte forma: o bebê selecionava um elemento núcleo, que era o principal objeto do grupo, dado esse muito importante. Desta forma, cada componente novo que o bebê adicionava ao grupo, tinha um traço de semelhança com esse núcleo. A característica de relação variava - o parâmetro poderia ser cor, forma, linhas, etc.

Com relação à fala, nesse período, os significados das palavras estavam relacionados a um grupo maior de sentidos, que o autor chamou de família. Ao lidar com um objeto pelo seu respectivo nome significativo, a criança organiza-se por um complexo de semelhança, o que pressupõe a existência de um núcleo que possibilita a generalização dessa família. Esse processo tem como base a relação das caraterísticas significativas de todas as palavras pertencentes ao grupo com o elemento central do complexo.

As ações musicais do bebê nesse período apresentam um perfil de movimento que é a base para os outros. Esse movimento poderia ser o de subir e descer o braço e, desta maneira, todas as ações seguintes ou sequenciais possuiriam alguma relação e semelhança com a primeira. Como exemplo: subir e descer o tronco. Enfatiza-se que essa primeira ação parte de um estímulo musical.

É importante apontar que apesar dos diferentes autores que não necessariamente discutem Vigotski, é possível observar alguns elementos nesse autores que se interconectam como a relação entre a ação do bebê em um processo organizacional e os elementos musicais, tais como os evidenciados pelos estudiosos da música e da psicologia. Entre eles, Stephen Malloch (1999/2000), ou mesmo, Favio Shifres (2007) que tratam o desenvolvimento musical considerando, principalmente, questões ambientais, de relações interpessoais e de manifestações musicais.

A questão, a nosso ver, é compreender um pouco mais o processo de construção e organização musical das crianças. A forma como a criança experimenta o mundo está intimamente relacionada com sua psiquê, em aspectos cognitivos, afetivos, de linguagem, dentre tantos. Isso é um processo inerente, no caso do bebê, diria também dependente, ou seja, não há ação desenvolvimental sem relações pessoais e materiais. É justamente por isso que observar as ações musicais do bebê, leva-nos à estrutura da organização quanto ao seu processo de desenvolvimento musical. Assim, quando as crianças agrupam elementos musicais, isso pode se dar tanto pelo som em si, quanto pela forma como ele é produzido, ou seja, qual será a ação necessária para que o som com o qual a criança tomou contato seja representado ou ouvido.

Quando um bebê tem como estímulo alguém cantando e batendo palmas e ele também o faz, são os padrões de semelhança sonoros e das ações que estruturam aquele complexo que tem como elemento central o que podemos chamar de “música”. Por outro lado, quando o bebê apenas ouve a música do “pintinho amarelinho” e de imediato aponta para a palma da mão (....cabe aqui na minha mão), a ação realizada por ele representa o material sonoro, apesar de não necessariamente produzir som, porém, em ambos os casos, o bebê lida com um complexo organizacional que os adultos atribuem como música e, consequentemente, esse significado será, forçosamente, estabelecido pelo bebê, apesar de a organização interna ser diferente entre o bebê e o adulto.

Em outras palavras, podemos partir da concepção de que o bebê não diferencia entre a palavra música em material sonoro e o gesto coreográfico em ação; a música do “pintinho amarelinho” é para ele o som e a ação, justamente pelo fato de o bebê não pensar de forma conceitual ou mesmo fragmentada, e sim em organizações complexas, generalizadas e objetivas.

Prosseguindo nos pensamentos por complexos, sua segunda fase possui uma estrutura semelhante à da primeira, com um elemento núcleo no complexo, lembrando que esse é o principal objeto do grupo. Porém, as relações que a criança estabelece com o objeto central estão embasadas na complementariedade, ou seja, nas características que diferem os componentes do elemento núcleo. Vigotski (2010) chama esse período de complexo por coleção, justamente por conter esse perfil heterogêneo da generalização nas associações objetivas estabelecidas pela criança.

Uma perspectiva interessante apontada por Vigotski (2010), é que o complexo por coleção revela uma importante característica desenvolvimental - o caráter funcional do agrupamento. Em outras palavras, as diferenças entre os elementos do conjunto estão em relação de coparticipação, na busca de um fim - a generalização do grupo como uma prática única.

No processo de desenvolvimento musical, mais uma vez podemos perceber a relação entre a ação do bebê e o material sonoro. Para entender esse processo, podemos recorrer a dois conceitos sobre a organização musical do bebê e sua relação com o adulto. O primeiro deles nos ajuda a compreender essa questão; é o de parentalidade intuitiva, que envolve características da fala do adulto em direção ao bebê. Esse procedimento apresenta uma série de elementos fundamentais às habilidades musicais, como a produção, organização, percepção e comunicação musical (Shifres, 2007).

A parentalidade intuitiva diz respeito à forma como o adulto se dirige verbalmente à criança, o “manhês” (Parizzi, 2009). As características sonoras da conversa entre o adulto e o bebê é uma questão social humana, presente em diversas culturas no mundo todo. A fala, nesse caso, é rica em movimentação melódica, comumente na região aguda, expressões timbrísticas e rítmicas (Carneiro y Parizzi, 2011). Alguns autores, tanto da psicologia, quanto da educação, como Hansen (2017), apontam que o modo como se fala com um bebê, principalmente no que diz respeito a intensidade sonora, é mais importante, até mesmo do que a palavra que está sendo dita. Uma frase dita em intensidade excessivamente forte, ou com uma expressividade que envolva raiva ou desequilíbrio, pode acionar uma série de elementos de tensão, medo e desorganização psicológica no bebê, ao mesmo tempo que uma fala afetuosa e acolhedora, ou seja, que apresenta uma parentalidade intuitiva harmoniosa, pode oferecer o equilíbrio que a criança necessita para um desenvolvimento saudável. Shifres (2007) aponta que a parentalidade intuitiva é uma prática claramente musical, de grande importância para o desenvolvimento musical e também para o da fala, sempre presente nas relações humanas.

Mas o que a parentalidade intuitiva tem a ver com o complexo por cadeia estabelecido por Vigotski? À primeira vista, essa relação é praticamente impossível, pois a parentalidade intuitiva trata basicamente da forma como o adulto se dirige ao bebê. Porém, como já apontei algumas vezes neste trabalho, o bebê não é inerte à realidade, mas sim, um ser com características pessoais, sociais, afetivas, físicas e cognitivas, em um determinado estágio desenvolvimental. Essa criança não é um ouvinte passivo da parentalidade intuitiva; ela reage, se manifesta, responde a esses estímulos e aqui me reporto ao segundo conceito que nos ajuda a entender a relação entre o complexo por coleção e o desenvolvimento musical, a musicalidade comunicativa (Malloch, 1999/2000).

Como dito, o bebê também se manifesta reagindo ao estímulo que, no caso deste exemplo, é a voz do adulto; ele se comunica e interage com o material sonoro e inicia um processo de organização de suas manifestações musicais, como é apontado na musicalidade comunicativa. Malloch (1999/2000) mostra que essa comunicação acontece em duas vias de ações e respostas, ou seja, para o bebê se manter receptivo ao estímulo sonoro da mãe e/ou adulto, ele precisa responder a ele, seja com a voz, seja com movimentos. É justamente essa cooperação de diálogos co-dependentes, que o autor chama de musicalidade comunicativa, lembrando que tanto as manifestações vocais quanto a movimentação corporal são ações e por isso, observáveis e possíveis de serem descritas e analisadas. Na questão da percepção, a criança está receptiva às manifestações corporais e vocais dos adultos. O bebê apresenta grande capacidade de distinguir nuances, como melodias, timbres, intensidades (sonora e de movimentos corporais), intervalos harmônicos e diferentes andamentos (Malloch, 1999/2000).

O diálogo co-dependente, que acontece na musicalidade comunicativa, é possível graças ao processo de organização dos elementos de comunicação, sonoros e de movimentos corporais, que se relacionam entre si, para que o bebê atribua algum sentido ao grupo estabelecido, ou seja, a formação de um complexo. As associações que o bebê faz desses elementos pode se dar de várias formas, por exemplo, quando o bebê imita o adulto, a relação se dá por semelhança; quando o bebê reage diferentemente do adulto (o estímulo), essa organização pode ser, dentre outras possibilidades – como veremos mais adiante – por complementação, ou seja, um complexo de coleção.

Prosseguindo com a teoria de Vigotski, a terceira fase dos pensamentos por complexos apresenta uma característica única - a ausência de elemento núcleo. Nela, a criança organiza o agrupamento de objetos com base em alguma semelhança em relação ao último elemento adicionado ao grupo. Assim, as associações significativas são estabelecidas em elos que lembram uma “corrente”, dando nome à fase de complexo por cadeia (Vigotski, 2010).

Neste sentido, a diferença se dá principalmente na sequência de relações entre os elementos de um mesmo grupo (complexo) organizado pela criança. Lembremos que nas fases anteriores, ao organizar um grupo, a criança escolhe um elemento que passa a ser o principal do grupo (núcleo) e todos os outros elementos adicionados posteriormente serão relacionados a esse principal, por semelhança ou diferença. No complexo por cadeia, a relação que a criança constrói ao adicionar um objeto novo ao grupo, é feita com o último objeto agregado, ou seja, não há o elemento núcleo.

As características significativas entre os elementos podem variar. Por exemplo, uma criança inicia a organização com uma bola azul, posteriormente ela escolhe e adiciona ao grupo, um triangulo azul (semelhança de cor), em seguida, um triangulo amarelo (semelhança de forma), depois, um quadrado vermelho (semelhança de linhas) e assim por diante. Dessa forma, a generalização - complexo - é construída por esse processo de associação continua, sempre com relação ao último objeto adicionado (Vigotski, 2010).

Nesta fase desenvolvimental, nas organizações musicais de bebês as manifestações musicais tendem a ser sequenciais e de difícil observação pois a lógica do bebê nem sempre é clara na perspectiva do adulto.

Suponhamos que o bebê comece explorando um tambor livremente com as mãos, posteriormente ele pega uma baqueta e começa a tocar o tambor. Após um tempo, ele percebe o xilofone no ambiente e com a baqueta ele toca o instrumento. Nesse momento, um olhar desatento poderia afirmar que o bebê estabeleceu um complexo com elementos musicais, nos quais a baqueta é o elemento central, porém, depois de alguns minutos, o bebê pega um ganzá e começa a balançá-lo para cima e para baixo, produzindo outra sonoridade, completamente diferente da anterior e desta vez, sem baquetas. Ainda assim, um olhar impaciente diria que o movimento dos braços para cima e para baixo é o núcleo do complexo, pois a criança está fazendo esse movimento desde quando começou com o tambor. Mas, para a nossa surpresa – hipotética – o bebê começa a movimentar os braços de um lado para outro, mantendo mais ou menos a sonoridade do ganzá. Percebe-se que esta sequência de ações musicais está muito mais próxima de uma organização de complexo por cadeia do que as duas anteriores, pois há um elo entre as ações e os elementos, porém não há um núcleo do grupo organizado: do tambor com baquetas para o xilofone (semelhança de movimento e auxilio das baquetas), do xilofone para o ganzá (semelhança de movimento), ganzá em movimento lateral (semelhança sonora). Porém, esses três tipos de organizações de grupos mentais – semelhança, coleção e cadeia - são em algum grau complementares e não excludentes, assim como as fases subsequentes.

Tendo em vista que a presente pesquisa envolveu bebês com faixa etária até os 25 meses, não nos deteremos em avaliar as demais associações estabelecidas por Vigotski, deixando esse assunto para estudos futuros.

Ao analisarmos as ações musicais do bebê, é fundamental reforçar a perspectiva de que a observação analítica com base apenas no produto, ou no caso, no elemento musical, pode se tornar muito perigosa, ou mesmo equivocada. Isso se dá, principalmente, pelo fato de tomarmos como base a perspectiva de que essas ações/manifestações não são estruturadas em nível mental de conceitos, mas sim como estruturas objetivas, por mais que o elemento resultante seja similar ao de um adulto (Vigotski, 2010). Uma criança pequena, por volta de três anos, que canta perfeitamente “O sapo não lava o pé” não estrutura um discurso conceitual dos elementos musicais, seja de âmbito rítmico, harmônico, melódico, expressivo ou mesmo na letra. Ela organiza todos esses elementos em uma generalização objetiva, como uma coisa só; para ela tudo é a música, ou melhor, o mesmo complexo que chamamos de “O sapo não lava o pé”.

Outro importante ponto a ser reforçado, é o de que os estágios e as fases apresentadas acima, não são necessariamente excludentes; eles podem ser acessadas constantemente no dia a dia do bebê, ou mesmo na fase adulta. Não é raro um adulto tratar um assunto ou uma atividade ordinária em nível de organização, que seja um pensamento por complexo. Isso se dá pelo fato de que o desenvolvimento envolve saltos qualitativos com a aquisição ou o aprimoramento de alguma habilidade ou faculdade humana e não exclusivamente pela sua substituição (Vigotski, 2010).

Concluída a análise desta teoria dentro da faixa etária a que se destinam as aulas de musicalização, resta observar que, segundo Vigotski (2010), uma das principais características que diferenciam o pensamento complexo do conceito, é a hierarquia entre os traços. Com isso, ele aponta que nos pensamentos por complexos as relações que a criança estabelece entre os elementos, seja por semelhança ou diferença, têm nas características do objeto, uma perspectiva de igual valor, seja para cor, forma, linhas, etc.; ou seja, os graus de subordinação se dão no elemento em si mesmo, não nas aptidões de relação com outro objeto, enquanto que, no pensamento conceitual esses atributos têm valores hierárquicos diferentes.

A Gênese do Desenvolvimento Musical – Análise de todos os bebês

Com este aporte teórico em mente, primeiramente, temos alguns traços importantes e incomuns nas análises entre as crianças. O primeiro deles é de que as manifestações musicais partem de ações isoladas que ao longo do tempo se tornam organizadas em grupos de ações sequenciais, que podemos associar aos pensamentos por complexo.

Tendo em vista que as manifestações musicais dos bebês partem de um sincretismo (ações isoladas) para grupos de ações (pensamentos por complexo), apresentaremos a forma de como perceber estas organizações. Deste modo, o primeiro tipo de organizações observadas foi por semelhança,

O período desenvolvimental que corresponde às organizações musicais por semelhança é de 10 a 16 meses. Neste tipo de organização as manifestações são realizadas em torno de um núcleo com considerável solidez material, no sentido de que predomina o instrumento com todas as suas características sonoras e de manuseio como núcleo do grupo. Além disso, essa organização ainda pode ter forte influência do ambiente, ou seja, a criança se organiza em torno de uma fonte sonora que está próxima, dentro de seu campo sensorial que exige pouca ou nenhuma locomoção. Neste sentido, segue dois exemplos sobre este tipo de agrupamento, o primeiro (Material complementario Video 1) uma explicação esquemática e o segundo (Video 2) um apontamento prático analisado nesta pesquisa.:

Posto isso, partimos para a próxima forma de organização que pude observar – agrupamentos por complementaridade ou por diferenças. Este tipo de organização apresenta a seguinte estrutura: há um elemento núcleo, assim como na fase anterior, no qual os outros elementos do grupo se relacionam. Porém as associações que a criança realiza em suas manifestações ao elemento núcleo, desta vez se dá por diferenças e não mais por semelhanças. Assim, há um caráter de complementaridade na generalização que a criança atribui a este complexo, o que Vigotski (2010) chama de complexo por coleção.

Nesta etapa, o bebê começa a explorar possibilidades, de modo a complementar o grupo de ações. Pude observar um relativo aumento desse tipo de agrupamento ao longo dos meses, porém, com uma acentuação em sua predominância entre os 14 e os 18 meses.

Neste sentido, vale apresentar alguns apontamentos. O primeiro é que as organizações psicológico-musicais não são excludentes e nem exclusivas a cada faixa etária. É muito possível, principalmente em momentos de transições, que o bebê organize os elementos musicais ora por semelhança, ora por complementariedade.

Outro ponto a se considerar é que cada criança tem o seu tempo desenvolvimental. Deste modo, é plausível que, dentre as crianças analisadas, alguma apresente uma caraterística de agrupamento predominante de forma antecipada ou postergada em relação às outras. O que mais me interessa, na verdade, são as ações dos bebês tendo o próprio bebê como principal parâmetro referencial. Assim, se eu disser que um tipo de organização é predominante entre 10 e 16 meses e a outra entre 14 e 18, não estarei caindo em contradição.

Nessa etapa, durante as aulas não-diretivas pude perceber alguns pontos relevantes, como os momentos em que os bebês trocam de instrumento sem variar o tipo, por exemplo: instrumentos de bater, instrumentos de chacoalhar, instrumentos com baquetas, etc. Nela, podemos ver dois pontos importantes: uma acentuação deste aspecto entre 15 e 18 meses e outra entre 20 e 22 meses. Essa última discutiremos mais a adiante.

Nestes momentos em que o bebê manteve o mesmo instrumento, as relações associativas e, no caso, por complementariedade, se davam especificamente pelas ações do bebê em torno deste instrumento. Por outro lado, no período entre 17 e 19 meses temos uma acentuação da ação como elemento núcleo e, não mais, do instrumento. Neste caso a criança troca de instrumentos aleatoriamente, explorando diversas possibilidades sonoras, mas mantendo a ação como a base do agrupamento.

Deste modo as organizações musicais por complementariedade ou coleção observadas nos bebês desta pesquisa, aconteceram com mais frequência entre 14 e 18 meses. Como dito, Vigotski em seus estudos com relação ao pensamento e a fala, também observou este perfil de organização que, na ocasião, denominou como complexo de coleção, devido ao caráter complementar dos elementos que formam um único grupo. Parece bastante pertinente o termo “coleção” em português, por isso manterei esta denominação como Organizações Musicais por Coleção. Assim, segue mais uma vez dois exemplos, um esquemático (Video 3) e um prático (Video 4) sobre este tipo de organização:

Todos os grupos de organizações musicais realizados pelos bebês, são percebidos por eles como um elemento único. Ao pensarmos no desenvolvimento na primeira infância, é evidente um paralelo com a teoria de Vigotski referendada nesta pesquisa, embora, como dito anteriormente, este autor não trate de música.

Partindo para a última característica do desenvolvimento musical - os agrupamentos sem núcleo, pude observar uma tendência de aumento dos agrupamentos sem núcleo entre os 16 e os 21 meses. Sem o elemento núcleo neste agrupamento, qual seria então o parâmetro de organização que o bebê estabelece? Os indícios me levam a acreditar que seria o último elemento adicionado ao grupo, que corresponderia ao tipo de organização que Vigotski denominou como complexo por cadeia. Deste modo, nessa organização musical, a relação tem como parâmetro o último elemento adicionado ao grupo; no caso, utilizamos a ação para evidenciar a organização do grupo, mas este elemento pode ser, também fontes sonoras, além das próprias características do som, como: timbres, regiões sonoras e andamentos.

Esse perfil de organização musical é muito próximo do que foi constatado por Vigotski no que diz respeito à relação entre o pensamento e a fala. Na ocasião, o estudioso soviético denominou esta fase como complexo em cadeia. Por se tratar de bebês, tenho uma impressão pessoal de que a palavra cadeia, não soa bem em português, por isso nesta pesquisa chamarei este tipo de grupo como Organizações Musicais Dominó. Posto isto, seguem dois exemplos, um esquemático (Video 5) e um prático (Video 6) sobre a Organização por Dominó:

Deste modo as organizações musicais e suas respectivas denominações, que pude observar neste estudo foram as seguintes: Por semelhança (10 – 16 meses), em coleção (14 – 18 meses) e dominó (16 – 21 meses). Sendo que estes indícios desenvolvimentais correspondem a uma síntese entre as oficinas diretivas e não-diretivas.


Figura 2
Gênese do desenvolvimento musical
Original de los autores

Além destas três fases do desenvolvimento musical observadas nas crianças estudadas nesta tese, trago também algumas impressões hipotéticas. A primeira delas é de que as fases do desenvolvimento musical que antecedem a 10 meses, principalmente antes dos 6 meses, são organizações com alto grau de aleatoriedade, de muita experimentação e pouca relação entre os elementos do grupo.

Por outro lado, as fases subsequentes a este estudo, possivelmente apresentariam uma considerável ampliação dos grupos de organizações musicais, de maior grau de abstração e refinamento dos traços relacionais. Muito possivelmente há uma volta do elemento núcleo no grupo de organização musical, pois a riqueza de detalhes nas associações, cada vez mais complexas e abstratas, não se sustentariam em si mesmas, daí o elemento núcleo seria necessário para que o grupo organizacional não se ‘dissolvesse’ como imagem única. Mas isso é assunto para uma análise futura.

Outro ponto que pode gerar boas reflexões está relacionado à faixa etária entre 9 e 13 anos, nas quais as organizações objetivas deixam de ser as únicas e se iniciam as organizações conceituais (naturais e científicas). Neste momento, certamente o desenvolvimento musical passa por uma profunda mudança que merece a devida atenção.

Finalmente, encerro este item reforçando a ideia de que este estudo não generaliza o desenvolvimento musical. É um recorte específico de um pequeno grupo de crianças em uma situação que também é específica. Esta tese, pode até apresentar alguns dados que se assemelhem a outros estudos futuros em outras situações, mas isso, só o tempo dirá. A princípio a Gênese do desenvolvimento musical é um estudo pontual.

Considerações Finais

O ensino e aprendizagem de música na educação infantil é um contexto complexo e ao mesmo tempo rico nas possibilidades de reflexão, diálogo e prática. Os estudos de Vigotski (2010) prenunciam a importância de o educador musical promover nas instituições de ensino regular, a intermediação entre a prática significativa do dia a dia e as possibilidades que essa base oferece para novos aprendizados. A educação musical, poderia e deveria, além de abordar a música tanto como uma objetivação da vida cotidiana, pragmática e significativa, abordá-la como uma forma de experiência estética que transcende as motivações ordinárias imediatas. Não se trata de ensinar a música como uma linguagem, sob uma dimensão técnica, mas experenciá-la enquanto forma de expressão.

Neste estudo pude, com base, principalmente em Vigotski, observar alguns indícios do desenvolvimento musical de bebês, o que chamei de Gênese do Desenvolvimento Musical. Isso se deu a partir da observação das ações dos bebês durante as oficinas de musicalização realizadas na educação infantil. Assim, observei três fases desenvolvimentais musicais: as organizações por semelhança (10 aos16 meses), por coleção (14 aos 18 meses) e por dominó (16 aos 21 meses).

Além disso, ficaram alguns indícios desenvolvimentais que antecedem essa faixa etária, nos quais há uma inclinação para organizações musicais sincréticas. Ademais, os indicativos apontam para organizações mais abstratas e em níveis pseudoconceituais e conceituais em um período posterior a faixa analisada.

Esta pesquisa foi apenas um pequeno arco sobre o desenvolvimento musical de bebês, um assunto um tanto quanto complexo e epistemologicamente “fértil”. Neste sentido, finalizo com um pensamento que me foi recorrente durante este período de estudo: ao passar o tempo, foi possível observar as transformações que a pesquisa pode promover no contexto em que ela aconteceu. Tive uma imensa felicidade de ver os impactos de um estudo formal ainda em desenvolvimento, em contexto escolar. Dentre eles a ampliação do atendimento as crianças, o alinhamento da proposta em rede educacional, juntamente com as instituições escolares e comunidade local, a conscientização da importância da música na escola e o principal, o acentuado desenvolvimento das crianças.

Quando penso nisso, sem me deixar ser pego pela vaidade acadêmica, fico muito otimista com o potencial da pesquisa em música no contexto escolar, ou seja, São Sebastião do Paraíso, uma cidade do interior, onde não há graduação em música, muito menos pós-graduação ou um ambiente de pesquisa formal nesta área; mesmo assim, foi possível contribuir significativamente para a educação da cidade com apenas uma tese de doutorado. Entusiasmo-me ao pensar nas inúmeras outras possibilidades se esse contexto fosse mais favorável.

Nesta reflexão, me remeto as ideias de Paulo Freire (2021) de que a educação só é libertadora quando pensada com o povo e não somente para o povo. Nisso revela várias questões políticas sobre esta pesquisa, que, após o encerramento do arco de doutoramento, consigo perceber com mais clareza.

Os diversos processos dialógicos que foram realizados entre a comunidade e as instituições educacionais (escolas e órgãos administrativos), pôde revelar uma transformação na educação da cidade, ação esta que foi da práxis aos documentos oficiais, como a Matriz Curricular.

Toda ação significativamente educativa, inclusive a pesquisa, é também política, pois está sempre em diálogo com a síntese cultural da sociedade a qual está inserida. Ao pensar sob esta perspectiva, podemos concluir que a ação que originou esta tese, claro que com suas limitações, teve um grau de significação social, ao ponto de que a troca de gestão municipal, mesmo com momentos de profundas mudanças, não influiu prejudicialmente na implementação e ampliação da educação musical na educação infantil.

Dentre as situações que pude experenciar na ação desta pesquisa, percebi uma característica muito presente na comunidade, a confusão social sobre a educação. Em tempos complexos como o que vivemos, os papeis e os valores da educação confundem-se sob o viés de um discurso opressor e pulverizado de assuntos periféricos que atrapalham o processo desenvolvimental infantil. Questões centrais para a criança como o afeto, o respeito e a significação da aprendizagem, acabam marginalizados em meio a toda essa confusão. Nesse sentido, vivenciar uma ação que promoveu o diálogo, a problematização sobre a importância da música nas escolas e, principalmente, a participação ativa e lúcida da comunidade acerca deste tema foi bastante promissor, deixando meu coração cheio de esperança e amor.

A partir do trabalho docente desenvolvido e da elaboração dessa pesquisa, penso que ainda poderemos desfrutar de bons caminhos para deixar o ensino de música mais democrático e implantá-lo de forma definitiva nas escolas. Com este trabalho pude vivenciar situações em que professoras, diretoras e pais justificaram a importância da música para esta faixa etária; vi crianças pequenas produzirem manifestações musicais incríveis e também observei o envolvimento das pessoas envolvidas nesta tarefa. Sinto-me, portanto, muito privilegiado com os resultados alcançados.

Material suplementar

Video 1 (html) Organização por semelhança

Organização por semelhança: Exemplo esquemático

Video 2 (html) Organização por semelhança

Organização por semelhança: Exemplo prático

Video 3 (html) Organização Musical por Coleção

Exemplo esquemático de Organização Musical por Coleção

Video 4 (html) Organização Musical por Coleção

Exemplo prático de Organização Musical por Coleção

Video 5 (html) Organização Musical por Dominó

Exemplo esquemático de Organização Musical por Dominó

Video 6 (html) Organização Musical por Dominó

Exemplo prático de Organização Musical por Dominó

Referências

Beyer, E. (1996). Os múltiplos caminhos da cognição musical: algumas reflexões sobre seu desenvolvimento na primeira infância. Revista da ABEM, Vol. 3 (.), pp. 9-16.

Carneiro, A. N.; y Parizzi, M. B. . (2011). Parentalidade intuitiva e musicalidade comunicativa: conceitos fundantes da educação musical no primeiro ano de vida. Revista da ABEM, Vol. 25, pp. 78-89. Salvador: ABEM

Ilari, B. S. (2002). Bebês também entendem de música: A percepção e a cognição musical durante o primeiro ano de vida. Revista da ABEM, Vol. 7, pp. 83-90. Salvador: ABEM

Malloch, S. (1999/2000). Mothers and Infants and communicative musicality. Musicae Scientiae, Special Issue, pp. 29-57.

Mião, C. R. (2016). “O essencial é invisível aos olhos” Análise de oficinas de musicalização enquanto possibilitadoras do desenvolvimento para bebês de 0 (zero) a 2 (dois) anos em situação de acolhimento. São João del-Rei: Campinas.

Mião, C. R.; Lima, S. R. A. (2021). A Implementação da Música na Educação Infantil Pública do Município de São Sebastião do Paraíso – M.G. – Brasil. Interacções, [S. l.], Vol. 17(57), pp. 58–77. doi: 10.25755/int.25112. Disponível em: https://revistas.rcaap.pt/interaccoes/article/view/25112. Acesso em: 20 out. 2022.

Parizzi, M. B. (2009). O desenvolvimento da percepção do tempo em crianças de dois a seis anos: um estudo a partir do canto espontâneo [Tese de Doutorado]. Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

Prestes, Z. R. (2010). Quando não é quase a mesma coisa: traduções de Lev Semionovitch Vigotsk. no Brasi Repercussões no campo educacionall [Tese de Doutorado]. Faculdade de Educação, UNB, Brasília.

Shifres, F. (2007). La ejecución parental: los componentes performativos de las interaciones tempranas. En Actas de la Reunión Anual de Sociedade Argentina para las Ciencias Cognitivas de la Música, pp. 13-17. La Plata: Universidad de La Plata,.

Vigotski, L. (2010). A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Editora Martins Fontes.

Notas

[1] Para maiores informações sobre as aulas de música em São Sebastião do Paraíso, ver Mião & Lima (2021): https://revistas.rcaap.pt/interaccoes/issue/view/1337
[2] Consideramos a música uma forma de comunicação, uma linguagem. Este foi o pressuposto hipotético para a analogia à teoria de Vigotski, que considerava a relação entre o pensamento e fala, uma importante faculdade para o desenvolvimento humano. Posteriormente esta hipótese se confirmou nos resultados da pesquisa.
[3] Consideramos ações musicais todas aquelas manifestações dos bebês que, em situação de aula de música, se relacionam de alguma forma com o estímulo musical.
[4] Optamos por utilizar a escrita Vigotski e não o mais comum Vygotsky, devido aos problemas de traduções e transcrições da obra do autor, como apontado por Prestes (2010).
[5] Pautados nessas questões discutidas, partimos da perspectiva que o autor apresenta na obra “A construção do pensamento e da linguagem”, publicado pela editora Martins Fontes, traduzido por Paulo Bezerra, edição de 2009. Essa obra, além de tratar diretamente do desenvolvimento infantil, apresenta a tradução do texto original — russo —, na integra — último escrito de Vigotski datado em 1934, dois anos antes de sua morte prematura (In: Prestes, 2010)


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