Dossier
As consequências sociais do pós-guerra no concelho de Vila Nova de Ourém (Portugal) – 1919-1925
Las consecuencias sociales de la posguerra en el municipio de Vila Nova de Ourém (Portugal) – 1919-1925
The social consequences of the post-war period in the municipality of Vila Nova de Ourém (Portugal) – 1919-1925
Historia & Guerra
Universidad de Buenos Aires, Argentina
ISSN-e: 2796-8650
Periodicidade: Semestral
núm. 4, 2023
Recepção: 09 Outubro 2022
Aprovação: 02 Março 2023
Resumo: O concelho de Vila Nova de Ourém (Portugal), marcadamente rural, sofreu de forma severa o impacto do pós-Grande Guerra. Esse período imediato ao fim do conflito mundial, caracterizou-se pelo aumento brutal dos preços dos produtos de primeira necessidade. Ao nível social, teve consequências nefastas para a sociedade oureense. A Câmara Municipal, através da concessão de subsídios de subsistência; os privados, concedendo comida, roupa e dinheiro; e o Hospital de Santo Agostinho, fizeram o que puderam para auxiliar os mais pobres. Outrossim, a população para melhorar as suas condições de vida optou por emigrar, nomeadamente para o Brasil e França. Contudo, a emigração era um inconveniente económico, dado que não havia mão de obra suficiente para trabalhar no campo. O que motivou a onda emigratória foram os baixos salários, mas, a partir de 1925, o desemprego revelou-se uma realidade, tendo o Município apostado na construção de obras públicas para atenuar a crise de trabalho.
Palavras-chave: Crise, Sociedade, Pós-Grande Guerra, Vila Nova de Ourém, Portugal.
Resumen: El municipio de Vila Nova de Ourém (Portugal), marcadamente rural, sufrió de forma severa el impacto de la posguerra. Los años inmediatamente posteriores al final de la Gran Guerra se caracterizaron por el brutal aumento de los precios de los productos de primera necesidad. A nivel social, esto tuvo consecuencias nefastas para la sociedad orureña. El municipio, concediendo ayudas de subsistencia; los particulares, mediante el aporte de alimentos, ropa y dinero; y el Hospital San Agustín, hicieron lo que pudieron para ayudar a los más pobres. Además, para mejorar sus condiciones de vida, la población optó por emigrar, en particular a Brasil y Francia, lo que supuso un inconveniente económico, ya que no había suficiente mano de obra para trabajar en los campos. La oleada inmigratoria estuvo motivada por los bajos salarios, pero a partir de 1925 el desempleo se convirtió en una realidad, por lo que el municipio invirtió en la construcción de obras públicas para atenuar la crisis de empleo.
Palabras clave: Crisis, Sociedad, Pos-Gran Guerra, Vila Nova de Ourém, Portugal.
Abstract: The municipality of Vila Nova de Ourém (Portugal), markedly rural, suffered severely from the impact of the post-World War I period. This period immediately following the end of the world conflict was characterised by the brutal increase in the prices of basic necessities. On a social level, it had dire consequences for oureense society. The City Council, by granting subsistence allowances; private individuals, providing food, clothing and money; and St Augustine’s Hospital did what they could to help the poorest. Also, the population emigrated to Brazil and France to improve their living conditions. However, emigration was an economic inconvenience, as there was insufficient labour to work in the fields. The low wages motivated the emigration wave, but from 1925 onwards, unemployment became a reality, and the Municipality invested in the construction of public works to alleviate the labour crisis.
Keywords: Crisis, Society, Post-World War I, Vila Nova de Ourém, Portugal.
Introdução
A paz assinada em 11 de novembro de 1918 colocou fim “ao monstro colossal a que se convencionou chamar a guerra europeia” (Correio da Extremadura, 7 de agosto de 1920: 1). Contudo, a paz proveniente desse acordo não foi mais do que um reboco para esconder as fissuras da Grande Guerra. A participação portuguesa na Grande Guerra não lhe provocou estragos materiais de vulto, mas a perda de vidas humanas e de estropiados foi significativa. O conflito mundial agravou a situação económico-financeira portuguesa. A tentativa de regressar à normalidade anterior a 1914 revelou-se uma tarefa árdua e infrutífera. A Europa saída da guerra não mais voltou a ser igual, contudo, a ideia de regressar “à prosperidade”, característica da segunda metade do século XIX e dos primeiros anos do século XX, voltou a estar em voga (Silva e Amaral, 2011: 51). No entanto, consideramos que esse objetivo não passou de uma ideia, de um sonho.
Para Portugal, o desejado regresso revelou-se ainda mais difícil devido a perturbações internas, entre elas, o assassinato de Sidónio Pais, em dezembro de 1918, e a proclamação da Monarquia, derrubada no Norte em fevereiro de 1919 (José, 2019: 65). Além disso, a República pós-sidonismo herdou uma situação financeira calamitosa,1 com uma dívida interna de 300.000 contos contraída durante a guerra. A dívida externa era avaliada em 22 milhões de libras e uma taxa de inflação como nunca antes vista (Telo, 1980: 15).
Essa pesada herança deveu-se ao facto de Portugal, desde 1914, se confrontar com a ofensiva alemã em Angola e Moçambique, motivo pelo qual, logo nesse ano, se adotaram os princípios de economia de guerra. Para isso, contribuiu a dependência externa em “subsistências, combustíveis e transportes”. Portugal acabou por acompanhar os restantes países europeus na substituição tendencial do liberalismo económico pela economia dirigida (Pires, 2011: 15).
Segundo Ana Paula Pires, a Grande Guerra alargou a esfera de ação do Estado Português (2011: 15). Com a intensificação da ação do Estado emergiam novas relações entre o Estado e o capital, bem como, novas políticas que revertiam os efeitos menos positivos do laissez-faire (Léon, 1977: 34). A partir do ano supramencionado, a República Portuguesa estabeleceu os seguintes princípios: assegurar o acesso de bens de primeira necessidade às populações; estabelecimento de uma tabela de preços; encontrar mecanismos que promovessem o aumento da produção agrícola e que assegurassem a autossuficiência (Pires, 2011: 16). Além disso, o bloqueio dos mercados paralisou o fluxo de trocas, acentuando os défices orçamentais e desestabilizando o “financiamento da balança de pagamentos” (Garrido, 2012: 455).2
No fim do conflito, a República Portuguesa, tal como os países em situação congénere, deparou-se com um dilema: ou empreendiam uma política de austeridade impeditiva do crescimento de défices que pagaria as dívidas contraídas, mas envolveria a diminuição de importações, aumento de impostos, corte nas despesas, tabelamento de preços e paralisação dos salários (Telo, 1980: 15). Ou o Estado Português enveredava por uma política inflacionista e de desvalorização pecuniária que pressupunha impedir a regressão económica para evitar a perda de emprego e da atividade económica. Porém, esta política prejudicava os detentores de capital sob a forma de poupança (Silva e Amaral, 2011: 52).
A República enveredou pela segunda opção, aliás a política empreendida desde a eclosão do conflito: conseguia controlar o endividamento, alicerçada na “melhoria da situação económica geral” (Telo, 1980: 15). Desta maneira, o Estado amenizava as tensões internas, proporcionava condições para a atividade económica interna e para a competitividade das exportações portuguesas. No entanto, a política económica seguida pela República Velha tentou dar resposta a diferentes interesses. Segundo António José Telo, esta orientação favorecia o comércio e a indústria devido à ausência de entraves ao aumento dos preços e importações. A promoção do desenvolvimento industrial alargaria a base de apoio da República, coincidente com o operariado urbano.
O operariado fortaleceu-se no fim do conflito, apesar dos efeitos da inflação. Se os preços subiam, os salários desejavelmente deveriam acompanhar essa tendência. A República esforçou-se por controlar o movimento operário e consolidar o mercado interno com o impacto no desenvolvimento do sector industrial. Porém, durante o sidonismo assistiu-se a um aumento do número de funcionários do Estado. Se a República contivesse a despesa pública, tornava-se ainda mais impopular. O concelho de Vila Nova de Ourém foi exemplo disso: em junho de 1919, o funcionalismo público exigiu a aplicação da lei a qual significava os vencimentos “isentos dos impostos directos municipais” (Atas da Câmara Municipal [ACM], livro n.º 524, Arquivo Histórico Municipal de Ourém [AHMO]). O mundo rural saiu prejudicado, por julgar negativa a inflação dos preços e o consequente aumento dos salários porque, durante a guerra, conseguiu escoar facilmente os produtos (Telo, 1980: 16-17).
O início da década de 1920 caracterizou-se por um período de recuperação económica nos sectores agrícola e industrial. Apesar das dificuldades no pós-guerra, Portugal acompanhava a tendência dos países da Europa Ocidental, entre eles, a Bélgica, a França, a Itália, a Grã-Bretanha, os Países Baixos e os países escandinavos. O crescimento rápido apresentado pela economia portuguesa surpreendeu tendo em conta o atraso industrial comparado com os restantes países ocidentais. A recuperação das economias europeias passou pela estabilização da moeda, porém, o regresso ao padrão-ouro foi realizado a diferentes velocidades pelos países. Portugal estabeleceu paridades próximas dos 5% ocorridas anteriormente ao conflito mundial, apesar de não ter adotado o padrão-ouro nos anos imediatos (Lains, 2003: 153-154).3
Por influência da guerra, implementava-se um novo padrão de relação comercial. A dependência portuguesa de determinados produtos, entre eles os cereais ou maquinaria necessária ao desenvolvimento industrial e agrícola, obrigou a reinvenção da economia portuguesa. Assim, imperaram as políticas de intensificação da produção interna, nomeadamente de produtos alimentares.4 De facto, o liberalismo económico cedeu o lugar ao protecionismo entre os vários países europeus, patente no dos direitos aduaneiros, e Portugal não se subtraía à tendência geral (Costa, Lains e Miranda, 2014: 367).
A crise das subsistências adveio da paralisação dos transportes, impeditiva do fornecimento de bens alimentares, de combustíveis e de matérias-primas.5 Esta conjuntura afetou o território português durante e após a guerra. Segundo Maria Eugénia Mata, a economia portuguesa somente recuperou o “nível de produção anterior à Guerra por volta de 1924” (2002: 42). Portugal tentou suprir o défice de pão através da criação do “pão político”. No entanto, com a crise de 1920/1921, o Estado arrogou-se a compra do trigo nacional e exótico para posterior venda à moagem a preços deflacionados. Assim, o Estado Português garantia pão a preços acessíveis à classe operária e aos mais desfavorecidos.6
A criação do “pão político” deveu-se às difíceis condições de acesso aos mercados para importar alimentos. A Lei dos Cereais de 1889/18997 terminou em 1919. Paulatinamente o Estado Português transformara-se em intermediário entre o produtor de trigo e a moagem. O regime do “pão político” destinava-se unicamente às populações das cidades de Lisboa e Porto, logo, o concelho de Vila Nova de Ourém não foi contemplado. Porém, esta medida revelou-se um dos fatores do aumento da despesa pública, tornando o mercado português pouco apetecível ao investimento de capitais, assistindo-se à transferência dos mesmos para outros mercados, nomeadamente Inglaterra. A fuga de capitais e a crise no Brasil prejudicaram o equilíbrio da balança de pagamentos devido à redução das divisas dos emigrantes, a partir de 1921.8
O valor da moeda portuguesa manteve a tendência de depreciação, mas a inflação refletiu-se no aumento dos preços,9 na diminuição do poder de compra dos portugueses10 e no prejuízo da capacidade aquisitiva de géneros pelas classes mais baixas.11 Segundo Carlos Ferrão, no período do pós-guerra, a inflação foi a “causa dos males que os portugueses suportaram” (1976: 72). Para este cenário contribuiu a dificuldade de reexportação de produtos africanos motivada pelo protecionismo crescente nos mercados europeus e norte-americano. Assim, compreende-se a razão de Portugal apresentar altas taxas de inflação até 1924 (Costa, Lains e Miranda, 2014: 375).
Portanto, com este artigo, pretendemos demonstrar as consequências sociais do pós-Guerra no concelho de Vila Nova de Ourém, isto é, perceber as características da camada populacional afetada. De igual modo, se de facto as instituições funcionaram ou não no que toca a auxiliar os mais desfavorecidos. Outrossim, mostrar que o trabalho sazonal e a emigração foram as soluções encontradas pela maioria da sociedade oureense para satisfazer as suas necessidades e melhorar as suas condições de vida. Por fim, compreender os motivos indutores do aumento exponencial da emigração até 1925, bem como o que terá contribuído para a crise de trabalho de 1924-25 e respetivas soluções executadas pela autoridade administrativa.
As dificuldades da sociedade oureense durante o pós-Grande Guerra
A crise conjuntural que atravessou o período do pós-Guerra até meados da década de 1920 marcou profundamente a sociedade oureense. Às altas taxas de inflação corresponderam o aumento dos géneros que se agravaram devido a algumas crises agrárias que complexificaram o abastecimento de géneros alimentares às populações, uma realidade coetânea com a recomposição dos mercados externos. O concelho de Vila Nova de Ourém sofreu com a escassez de géneros, porque era parco na produção de cereais, tendo o azeite como único produto de primeira necessidade em abundância. Mas não só, o açúcar continuou a ser extremamente necessário na vida quotidiana da população oureense, uma vez que a pneumónica teimava em não desaparecer.
Contudo, quais terão sido os impactos sociais no concelho de Vila Nova de Ourém após a Grande Guerra?
Ao nível social, o impacto desta crise conjuntural produziu consequências nefastas para a sociedade oureense. Evidentemente, os indivíduos mais desfavorecidos, económica, literária e socialmente, foram os mais afetados pelos efeitos das crises de 1919 a 1925.12 Em primeiro lugar, observem-se as crianças abandonadas ou desamparadas e dos indigentes e inválidos pobres. Para minorar as dificuldades, a Câmara Municipal de Vila Nova de Ourém concedeu subsídios.13 Entre 1919 e 1925, 198 indivíduos receberam subsídios pelo menos uma vez (ACM, livros n.º 524, 525 e 526, AHMO).
O número de subsidiados decresceu desde 1919 até 1925 (de 45 para 13). Aliás, referia-se, os beneficiários eram, na maioria, órfãos, órfãos de pai ou de mãe e filhos de mães solteiras, tendo entre 0 meses e os 5 anos de idade. Os subsídios por indigência e invalidez foram concedidos a pessoas invisuais ou inválidos, sem referência ao motivo da sua invalidez. Geralmente, tratava-se de indivíduos que tinham entre 24 e 35 anos de idade (ACM, livros n.º 524, 525 e 526, AHMO). Consideramos o número de beneficiários reduzidíssimo num universo que rondava os quase 30.000 habitantes entre 1919 e 1925.
O valor do subsídio acompanhou a inflação. Entre 1919 e 1921, era concedido 1$00 mensal por semestre. Em 1922, o valor aumentou para 2$00 mensais com igual duração. Em 1923, subiu novamente, fixando-se pelos 3$00 mensais. Em 1924 e 1925, o valor elevou-se para os 5$00 mensais. Os números exarados no Quadro 1 indicam que, em 1919, os subsídios a crianças abandonadas e desamparadas foram os mais expressivos, podendo equacionar-se os efeitos da gripe pneumónica, da varíola e do tifo,14 uma vez que a concessão caiu a pique posteriormente. Pelo contrário, os subsídios de beneficência enveredaram por uma trajetória ascendente até 1921, porém, a atribuição declinou progressivamente. Já o número de subsídios por indigência e invalidez manteve-se entre 2 e 4 subsídios. Sublinhe-se que o número de subsídios, cerca de 206, era superior ao universo de beneficiados, pois, por vezes, o mesmo subsidiado recebia duas prestações por ano (ACM, livros n.º 524, 525 e 526, AHMO).
As Juntas de Freguesia, sempre que podiam, também concederam subsídios aos paroquianos mais pobres. As Juntas de Freguesia de Fátima15 e de Seiça, sobretudo esta última, sob a presidência de Avelino de Moura Zenóglio, distribuiu esmolas aos paroquianos indigentes pelo menos uma vez. Na sessão de 8 de agosto de 1919, essa Junta deliberou que iria “proceder à entrega dos seguintes donativos a cada um de dez paroquianos indigentes: cinco metros de riscado, quinhentas gramas de arroz, quinhentos gramas de bacalhau, um pão e cincoenta centavos em dinheiro”.16
Além das instituições administrativas, os beneméritos, por vezes, prestavam auxílio aos mais pobres.17 Convém aludir “não existirem neste concelho estabelecimentos de beneficência havendo no entanto o Hospital de Santo Agostinho d’esta Vila que não depende da misericórdia” (Registo de correspondência expedida pelo Administrador para o Governo Civil [RCEPAPGC], livro n.º 1483, fl. 13, AHMO). O Hospital de Santo Agostinho, sediado em Vila Nova de Ourém, encontrou-se em sérias dificuldades. Em janeiro de 1921, o Presidente da Direção do Hospital, Francisco da Fonseca Rito, “por falta de recursos e devido à alarmante carestia da vida, vem […] solicitar […] um donativo em géneros ou dinheiro, para que os desgraçados pobres não vejam fechado o único estabelecimento de caridade que existe neste Concelho”.18 Em março de 1921, a Comissão Distrital de Assistência contemplou o Hospital com uma quantia de cerca de 348$00 (Livro de correspondência expedida [LCE], 1.ª secção, 1919, Governo Civil de Santarém, Arquivo Distrital de Santarém [ADSTR]). A situação não melhorou, antes agravou-se, e, em dezembro de 1921, o Administrador voltou a pedir ajuda à Junta Geral do Distrito para suprir as dificuldades financeiras do Hospital.
Segundo o Administrador do Concelho, José Augusto de Figueiredo,19 em virtude da contenção de despesas, o Hospital tinha deixado “de socorrer indigentes, tendo até, ainda não há muito tempo, para ser fechado. Esse estabelecimento de caridade, […], que tem presentemente internados 5 indigentes, os quaes até estão com dificuldade dos recursos que o mesmo hospital possue”. O pedido era válido porque “neste Concelho há elevado numero de indigentes a socorrer e o não são nem poder ser, pela exiguidade dos seus débeis recursos” (Registo de correspondência expedida pelo Administrador [RCEPA], livro n.º 1459, fl. 116, AHMO). Em 1924, a situação do Hospital mantinha-se difícil; o correspondente, no jornal O Debate, criticava as gentes do concelho pelo “egoísmo, árido, empedernido, parece dominar quasi toda a gente, escarnecendo da miséria e da desgraça deixando fenecer a flôr de candura que se chama Solidariedade”. A razão prendia-se pela fraca adesão às subscrições de escasso rendimento, “sendo para notar que a maioria dos subscritores ricos foram aqueles que menos deram”.20
A Comissão Municipal de Assistência nunca funcionou. Só em agosto de 1925, o Administrador do Concelho enviou uma circular aos Presidentes das Juntas de Freguesia para reorganizar a Comissão Municipal de Assistência (Registo de correspondência expedida da Câmara Municipal [RCECM], livro n.º 1462/1, fl. 40, AHMO). Em outubro de 1925, a Comissão ficou “constituída pelos srs. António Lopes Nunes,21 dr. Francisco Alves, António Justiniano da Luz Preto,22 Álvaro Mendes, Vicente Rodrigues23 e Joaquim Vieira Verdasca”. Então, o Hospital de Santo Agostinho tinha auferido um donativo de cerca de 11.600$00, segundo O Debate, “devido aos esforços empregados pelo delegado do governo sr. Artur d’Oliveira Santos, junto do ministério do trabalho” (O Debate, 22 de outubro de 1925: 3). Donativo, a ser entregue assim que a Comissão começasse a funcionar.
Contudo, perante as dificuldades, quais as soluções da maioria da população para suprir as necessidades e melhorar as suas condições de vida? Essas assentaram na sazonalidade do trabalho e na emigração.
A migração sazonal e a emigração eram práticas relativamente comuns, essencialmente, dos povos do Norte e Centro de Portugal. Tendo em conta o – Estudo demográfico do distrito de Santarém (1835-1916) –, elaborado por Maria Amadora Ribeiro, o concelho de Vila Nova de Ourém, entre 1914 e 1916, foi o “que maior contingente dá à emigração distrital”. Seguido pelos concelhos de Torres Novas, Santarém e Mação por ordem decrescente (Agros, maio de 1920: 112). Nos anos subsequentes, o fenómeno emigratório inverteu-se (Neves, 2003: 24) para retomar em 1919. As dificuldades económico-financeiras resultantes da Grande Guerra, perpetuadas nos anos 1920, acabaram por acentuar o ciclo emigratório.
Em janeiro de 1919, o Administrador do Concelho, Jerónimo da Silva Botelho,24 deu ordens expressas aos chefes das estações de comboio de Chão de Maçãs e de Caxarias para não permitirem “o embarque de pessôa alguma residente neste concelho sem o competente salvo conduto passado, nesta administração” (RCEPA, livro n.º 1456, fl. 84, AHMO). Em maio de 1919, o Ministério do Interior autorizava as administrações de concelho a emitirem “salvo-condutos aos trabalhadores que vão a Espanha na época das ceifas” (Correspondência recebida do Governo Civil para o Administrador do Concelho [CRGCPAC], caixa n.º 1497, AHMO). Desconhecemos se trabalhadores rurais do concelho iam a Espanha trabalhar nas ceifas, mas acreditamos na possibilidade. O trabalho sazonal existia, seja nos campos de milho da Golegã, na apanha da azeitona em Torres Novas e Santarém, nas ceifas no Alentejo, nomeadamente, em Évora (Neves, 2003: 25), nos “campos do Cartaxo, de Alenquer ou Torres Vedras” (Notícias de Ourém, 16 de fevereiro de 1936), bem como nos campos de Almeirim e Bombarral (Neves, 2005: 129).
A emigração foi a principal solução para quem procurava melhores condições de vida. Atenhamo-nos a uma pequena caracterização de quem emigrou. Entre 1919 e 1925, emigraram pelo menos 1.084 indivíduos do sexo masculino, sendo 656 casados. Os indivíduos do sexo masculino compunham o grosso da emigração do concelho – no mesmo período emigraram pelo menos 85 indivíduos do sexo feminino. As faixas etárias da maioria dos emigrantes situavam-se entre os 20-29 anos e os 30-39 anos. Portanto, indivíduos jovens, com força para trabalhar e com muitas bocas para alimentar. Em igual período, a maioria destes homens e mulheres emigrantes provinham das freguesias de Ourém, Olival, Espite, Seiça e Freixianda. Os homens eram trabalhadores e agricultores e as mulheres eram domésticas (Registo de Passaportes – 1919-1939, livros n.º 1, 2 e 3, Governo Civil de Santarém, ADSTR).
Segundo os registos de passaporte, apurámos, em igual período, pelo menos 1.257 indivíduos (homens, mulheres e crianças) emigraram conforme o Quadro 2.
Em 1919, os principais destinos foram a França25 e o Brasil; em 1920, o cenário alterava-se com a procura do Brasil, da Bélgica e dos Estados Unidos da América;26 em 1921 e 1922, o Brasil manteve a prevalência; em 1923, a França passou para destino de preferência, seguido pelo Brasil,27 uma condição prolongada em 1924 e 1925.28 Este cenário conjuntural foi um bom exemplo da emigração portuguesa na sua generalidade.
Em 1919-1920, ocorreu uma ligeira subida, invertendo essa tendência de forma acentuada em 1921, mantendo-se em 1922.29 Crescia de forma exponencial em 1923 até 1925. Naturalmente, escasseiam números da emigração30 clandestina. Aliás, esse foi o grande problema das autoridades administrativas.31 Em outubro de 1919, o Comissário Geral dos Serviços de Emigração, Filipe da Silva Mendes, comunicou a circulação de propaganda enganosa, de vários aliciadores a prometer muitos ganhos, “para irem, indocumentadamente, trabalhar em França, onde, o nosso Consul, em Paris, acaba de comunicar ser dificílimo conseguir trabalho”. Solicitava às autoridades administrativas uma ação contra os aliciadores e a publicação de editais para as populações terem acesso à informação, tanto nas vilas como nas aldeias (Livro de correspondência recebida – 2.ª secção, cx. 1181-1490, 1919, Governo Civil de Santarém, ADSTR).
No concelho, viviam alguns indivíduos dedicados a essas práticas, como era o caso de Manuel Mendes, residente na Costa, freguesia de Espite, preso no Entroncamento por ter enganado 53 indivíduos que pretendiam ir para França. Segundo o Distrito de Leiria, o indivíduo terá prometido “trabalho rendoso naquele paiz lhe foi extraindo a quantia de 40$00 a cada um” (Distrito de Leiria, 4 de abril de 1920: 2). Por desconfiança, o Administrador do Concelho, António Joaquim de Sousa Leitão,32 pediu providências ao Comissariado Geral dos Serviços de Emigração para “reprimir os manejos usados para com os lesados e queixosos que estão sendo ludibriados na sua bôa fé” (RCEPA, livro n.º 1459, fl. 36, AHMO). Em 1922, o cenário repetiu-se, o Administrador António de Sá Pavillon33 suspeitava de que “alguns logares deste Concelho darem o seu contingente à emigração clandestina”, pedindo aos Serviços de Emigração, pessoal habilitado para proceder a fiscalizações (RCEPA, livro n.º 1460, fl. 42, AHMO). Posteriormente, Joaquim Francisco, de 25 anos, de Caxarias, freguesia de Seiça, foi identificado como “aliciador de operários para seguirem para França clandestinamente” (RCEPA, livro n.º 1460, fl. 57, AHMO).
A emigração representava um “inconveniente para a Pátria, sendo a avalanche emigratória dos últimos tempos, o principal factor da grave crise económica que nos aflige” (CRGCPAC, caixa n.º 1497, AHMO). A emigração despovoou o concelho de gentes, numa conjuntura em que a economia portuguesa necessitava de aumentar a produção interna. A falta de mão de obra era um problema,34como se deduz do pedido da Câmara Municipal ao chefe de Governo “imediatas providências contra a emigração dos trabalhadores do campo” (ACM, livro n.º 525, fl. 39, AHMO).
Para colmatar a falta de braços, eram requisitados todos os praças do concelho, em número insuficiente “para acudir às necessidades da agricultura isto devido ao grandíssimo numero de emigrantes de todas as freguesias do Concelho, tendo o maior numero retirado sem passaporte”, uma vez que a média salarial era baixíssima, em junho de 1920, fixada em “1$80 e três litros de vinho” (RCEPAPGC, livro n.º 1482, fl. 38v, AHMO). Em junho de 1920, verificou-se a escassez de trabalhadores nas ceifas e noutros trabalhos agrícolas (RCEPA, livro n.º 1458, fl. 97, AHMO), fundamento do pedido do Sindicato Agrícola de Vila Nova de Ourém de requisição da “vinda de todos os recrutas pertencentes a este concelho”.35 Comprovando-se, assim, que a emigração clandestina era acentuada.
A partir de 1923, a emigração no concelho aumentou de novo. Desconhecemos os fundamentos da informação prestada pelo Governo Civil ao informar ao Ministério do Interior, sobre o distrito de Santarém: “Não há falta de braços idóneos para as necessidades locais, e, se ás vezes porventura não aparece de pronto quem as supra, é porque o operário prefere a ociosidade ao mais leve resultante do trabalho”. Então, por que razão emigraram cerca de 177 indivíduos só do concelho de Vila Nova de Ourém? Decerto devido ao aliciamento, mas resistimos a supor que as pessoas saíssem da área de residência para paragens desconhecidas “pela índole de raça ancia de riqueza” (LCE, 2.ª secção, Governo Civil de Santarém, ADSTR). Aliás, nesse mesmo ano, a Câmara de Tomar solicitou a solidariedade da Câmara de Vila Nova de Ourém num pedido ao Ministro da Guerra para dar licença aos recrutas na apanha da azeitona.36
De acordo com Oliveira Martins, “a emigração não deriva do espírito de aventura, da ânsia de enriquecer, mas, fundamentalmente, da falta de meios de subsistência” (Goldey, 1983: 997). Se atendermos ao correspondente d’O Mensageiro, os emigrantes da freguesia de Espite deslocavam-se para França “em busca de seu bem estar” e “pelo dever de grangear o sustento dos entes mais queridos das suas famílias” (O Mensageiro, 21 de novembro de 1919: 3). Assim, refutamos a ideia da emigração por ganância, mais, ninguém emigra porque quer antes por ser empurrado pela necessidade a emigrar. Tendo consciência do cenário difícil da economia portuguesa e das consequências no concelho, mas com falta de mão de obra, quais terão sido os fatores primordiais que motivaram a emigração no concelho?
A maioria dos emigrantes provinha das aldeias, onde predominava a economia de subsistência. Além da crise das subsistências, as crises agrárias fizeram parte da conjuntura em questão. O concelho de Vila Nova de Ourém apresentava estruturalmente uma propriedade rústica fragmentada e dispersa. Concordando com Patrícia Goldey, as partilhas introduzidas nos anos 1860 do século XIX tiveram como consequência a emigração, já que na área da aldeia a capacidade de encontrar emprego era quase nula.37 Logo, a falta de acesso à terra e a pouca rentabilidade da pequena propriedade também pesaram na decisão de quem procurou uma vida melhor no estrangeiro.
O analfabetismo reinante no mundo rural deve ser considerado um promotor da emigração. Pois, “o homem impreparado está mais preso à tradição, aceita com relutância novos métodos de trabalho agrícola e tem maior dificuldade em conseguir num centro urbano” um trabalho remuneratório no país de destino. Para além disso, deve ser considerada a “tradição emigratória”. Ou seja, a ideia de deixar o sector agrícola tornava-se mais fácil com uma rede de contactos formada por compatriotas, familiares e amigos, de suporte na procura de trabalho e alojamento. Esses contactos também poderiam ser “a fonte do crédito indispensável para a partida” (Evangelista, 1971: 152). Excetuando a emigração clandestina, só emigrava quem podia pagar a passagem (Ferraz, 1975: 457).
Os salários constituíram o principal motivo da emigração. Naturalmente, o fator rendimento encontra-se intrínseca à decisão de emigrar. Segundo Patrícia Goldey, “a mão-de-obra migrará se a diferença entre o valor do rendimento líquido descontado que espera vir a ter no país de destino e o rendimento de que dispõe na sua presente localização exceder os custos de deslocação” (1982: 538). Antes de qualquer conclusão, observe-se o Quadro 3, sobre a média salarial de homens e mulheres no concelho.
Se atendermos à média dos salários no concelho de Vila Nova de Ourém, entre 191938e 1922, os homens recebiam mais que as mulheres e os salários acompanharam paulatinamente o aumento dos preços dos géneros.39 A “pouca margem a aumento de salários e custo de serviços” se devia à “pouca estabilidade nos preços dos artigos e géneros de primeira necessidade”, daí a proporcionalidade entre salários e preços dos géneros. Contudo, a “diferença de salários” (LCE, 2.ª secção, Governo Civil de Santarém, ADSTR) era evidente se compararmos com os concelhos de Tomar e de Torres Novas. Por exemplo, a média dos salários, em 1921, no concelho de Tomar, no caso dos homens foi de 3$00, as mulheres cerca de 1$10. Outro exemplo, o concelho de Torres Novas, em 1922, para os homens rondou os 5$00, no caso das mulheres cerca de 2$50 (Mapas de Apuramento de Salários Agrícolas [MASA], 1921, cx. 1022-mç.1 e Quadros de Salários Agrícolas Pagos em Diversos Distritos [QSAPDD], 1923, cx. 149-mç.1, Direção Geral da Economia e Estatística Agrícola [DGEEA], Ministério da Agricultura, Arquivo Nacional da Torre do Tombo [ANTT]). Assim, se os confrontarmos com os salários no concelho de Vila Nova de Ourém, percebe-se o quão convidativos e elevados eram.
Na sociedade oureense, a vida poderia estar a complicar-se novamente em finais de 1924. Em finais desse ano e princípios do seguinte, perspetivava-se em todo o país uma crise de trabalho. Em março de 1924, o concelho de Vila Nova de Ourém enviou uma delegação ao Ministro do Comércio para elucidar “a necessidade de serem concertadas as estradas do concelho que se encontram nalguns sítios completamente intransitáveis” (O Debate, 20 de março de 1924: 3). A degradação do estado das estradas isolava o concelho dos demais limítrofes. As principais intervenções deveriam ser na
estrada n.º 15, da séde do concelho á Ponte da Olaia […]. O ramal da mesma estrada de Chão de maçãs (estação) á Portela da Munha junto á ponte que atravessa o rio Seiça encontra-se em mau estado […]. A estrada n.º 121 que liga á séde do concelho com a Freixianda, está num grande percurso interrompido o transito e a n.º 127 encontra-se perto da vila de difícil passagem (O Debate, 10 de abril de 1924: 3).
Tendo em conta as necessidades de melhoramentos,40 será que se antecipava a crise de trabalho no concelho? Por certo, segundo os registos oficiais, 370 indivíduos deixaram o concelho em 1924. Haveria falta de trabalho? Segundo o Administrador do Concelho, Artur de Oliveira Santos,41 “neste Concelho, nenhuma oficina ou fabrica se encontra encerrada, por motivo da actual crise económica” (RCEPAPGC, livro n.º 1485, fl. 14v, AHMO). Passados cinco dias, a administração do concelho informava o Instituto de Seguros Sociais e Obrigatórios que “neste Concelho se não manifesta a crise do trabalho, quer na industria particular quer em obras de natureza Municipal quer ainda na estatal. Há um pouco de falta de braços nos serviços agrícolas, falta que não se nota muito” (RCEPA, livro n.º 1462, fl. 80, AHMO). Assim, concluímos que a emigração resultava não da falta de trabalho, mas porque os emigrantes “não ganham o preciso para ocorrer a todas as necessidades” (Evangelista, 1971: 151).
Então, qual a razão de se promover inúmeras obras de cariz municipal no concelho em 1925? Havia ou não havia trabalho? Seria só para evitar a emigração? Segundo apurámos, 1925 foi o ano em que mais indivíduos deixaram o solo concelhio, pelo menos 413, conforme os registos de passaporte. Naturalmente, em janeiro de 1925, a situação mantinha-se:
neste concelho nenhuma indústria tem dispensado a mão de obra, não havendo por isso operários desocupados. Alvitra-se porem a reparação imediata das estradas nacionais pelo menos as que servem as estações de Caxarias e Chão de Maçãs, assim como a construção de uma ponte sobre o rio Ceissa em Chão de Maçãs, para substituir a de madeira que lá existe por sinal em mau estado. Nos serviços agrícolas tambem se está notando a falta de braços não só devido à emigração sobre tudo para França como à ultima incorporação de recrutas (RCECM, livro n.º 611/2, fl. 22, AHMO).
Contudo, a informação prestada pelo Presidente da Câmara Municipal, António Joaquim de Sousa Leitão, não nos parece convincente por não explicar o número de emigrantes daquele ano. Se tivermos em conta a questão n.º 3 do questionário sobre a crise de trabalho do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e Previdência Geral – “Quais são as obras de natureza municipal ou estadoal em que, para evitar o chômage, podem ou devem ser empregados os sem trabalho?” (CRCM, caixa n.º 688/1, AHMO) –, as estradas eram o principal alvo. Entenda-se, havia chômage, ou seja, desemprego. O início das obras municipais devia-se ao estado degradado das mesmas e o difícil escoamento do vinho e da aguardente vínica dificultada pelos vinhateiros durienses terá contribuído para o aumento do desemprego, canalizando capital humano para a emigração, ficando os outros trabalhos agrícolas sem braços. Portanto, compreende-se a utilização de obras públicas para travar a emigração.
Portanto, o concelho foi atingido pela crise do trabalho, como o resto do país, tal a única explicação para o aumento exponencial do número de emigrantes entre 1923 e 1925. De igual modo, Ezequiel de Campos tinha razão ao correlacionar a falta de trabalho com “uma forte pressão populacional” (1943: 132). Observe-se, porém, o grosso da mão de obra emigrante provinha do sector agrícola; então, como explicar a saída crescente de serradores entre 1924 e 1925? Em 1924, emigraram 21; em 1925, mais 45 (Registo de Passaportes, 1919-1939, livros n.º 1, 2 e 3, Governo Civil de Santarém, ADSTR). As fábricas de serração de madeiras ressentiram-se, mas os fundamentos do abandono residiam nos baixos salários, num momento em que o país já iniciara a recuperação. No decurso de 1925, o cenário alterou-se e a indústria conseguiu assegurar os postos de trabalho, mas por pouco tempo. Assim, os baixos salários e a falta de trabalho foram os principais motivos indutores da emigração.
Conclusão
O após I Guerra Mundial caracterizou-se pela continuação e acentuação das dificuldades sentidas durante o desenrolar do conflito. Como verificado, o aumento da inflação sobre os preços dos bens essenciais dificultou a vida das classes mais pobres. Num concelho rural, como era o concelho de Vila Nova de Ourém, essas dificuldades foram sentidas de forma violenta, uma vez que a população não tinha outros meios de subsistência senão a agricultura. A dificuldade em escoar os produtos devido ao seu encarecimento e à prática de baixos salários, os oureenses não tiveram outra solução senão a emigração para vários destinos europeus e extraeuropeus, apesar de o Brasil e de França serem os destinos emigratórios mais procurados.
Estes emigrantes iletrados, a grande maioria trabalhadores rurais, procuravam melhores salários noutras paragens, algo que a economia concelhia não lhes podia proporcionar. Como a maioria dos emigrantes era do sexo masculino, as mulheres tiveram de os substituir em alguns trabalhos agrícolas, acentuando ainda mais a precariedade, dado serem mais apetecíveis devido aos baixos salários aplicados. Desta maneira, as mulheres, crianças e idosos revelaram-se os mais frágeis desta sociedade. Por isso, a Câmara Municipal e as restantes instituições, como as Juntas de Freguesia e o Hospital de Santo Agostinho, intervieram socialmente mediante as suas possibilidades no sentido de suprir as dificuldades dos mais necessitados, como as mães solteiras, os inválidos e os órfãos.
Em suma, apesar da aposta da Câmara Municipal na reparação de infraestruturas e na construção de obras públicas de modo a suprir a crise de trabalho, não foram suficientes para impedir a debandada que se verificou até 1925. Afirmamos que numa primeira fase, os baixos salários e a inflação foram os motivos indutores da emigração e fatores explicativos que justificaram as dificuldades sentidas pelos oureenses, aliás resultantes da reestruturação dos mercados. Mas, a partir de 1924/1925, há que juntar a crise de trabalho, resultante da dificuldade em escoar o vinho e a aguardente vínica para o Norte de Portugal, fator indicativo que a procura estava a declinar.
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Notas