Artículo de Investigación
Recepción: 14 Septiembre 2022
Aprobación: 17 Abril 2023
URL: http://portal.amelica.org/ameli/journal/670/6704128020/
DOI: https://doi.org/10.26620/uniminuto.mediaciones.19.30.2023.205-221
Cómo citar:: Dupeyrat, S. & Elhajji, M. (2023). Do Pacífico ao Atlântico: A presença chilena no Brasil, no contexto migratório intrarregional sul-americano. Mediaciones, 30(19), pp.205-221.
Resumen: En este artículo nuestro objetivo es presentar los contornos de la comunidad diaspórica chilena en Brasil. En primer lugar, pretendemos situar este fenómeno social transnacional en el contexto general de las migraciones intrarregionales Sur-Sur propias del subcontinente sudamericano y, específicamente, en relación con los flujos migratorios chilenos en el Cono Sur. De ahí la relevancia de traer datos comparativos de esta misma realidad migratoria intrarregional en otros países de la región, destacando la poca expresión cuantitativa de la presencia chilena en Brasil y el reflejo de esta inferioridad numérica en las investigaciones y estudios dedicados al fenómeno. Finalmente, en un esfuerzo por restaurar los mapas sociales y culturales de esta comunidad, abordamos y analizamos sus modos de organización, sus redes asociativas y sus prácticas culturales y mediáticas.
Palabras clave: migraciones Sur-Sur, migraciones intrarregionales, migrantes chilenos, Brasil, Chile.
Resumo: No presente artigo, objetivamos apresentar os contornos da comunidade diaspórica chilena no Brasil. Primeiro, projetamos situar esse fenômeno social transnacional dentro do contexto geral das migrações Sul-Sul, intrarregionais, próprias ao subcontinente sul-americano e, mais especificamente ainda, com relação aos fluxos migratórios chilenos no Cone Sul. Daí a pertinência de trazer dados comparativos dessa mesma realidade migratória intrarregional em outros países da região, para destacar a pouca expressividade quantitativa da presença chilena no Brasil, e o reflexo dessa inferioridade numérica nas pesquisas e nos estudos reservados ao fenômeno. Enfim, no afã de restituir os mapas sociais e culturais dessa comunidade, abordamos e analisamos seus modos de organização, suas redes associativas e suas práticas culturais e midiáticas.
Palavras-chave: migrações Sul-Sul, migrações intrarregionais, migrantes chilenos, Brasil, Chile.
Abstract: In this article, we aim to present the contours of the Chilean diasporic community in Brazil. First, we intend to situate this transnational social phenomenon within the general context of South-South, intra-regional migrations typical of the South American subcontinent and, more specifically, in relation to Chilean migratory flows in the Southern Cone. Hence the pertinence of bringing comparative data of this same intraregional migratory reality in other countries in the region, highlighting the little quantitative expression of the Chilean presence in Brazil, and the reflection of this numerical inferiority in research and studies dedicated to the phenomenon. Finally, in an effort to restore the social and cultural maps of this community, we approach and analyze its modes of organization, its associative networks and its cultural and media practices.
Keywords: South-south migrations, intra-regional migrations, Chilean migrants, Brazil, Chile.
Introdução
O Brasil, com seus 8.516.000 km² de extensão, corresponde a praticamente 50% do território da América do Sul, que é de 17.840.000 km². Como também, com seus 218 milhões de habitantes, a nação lusófona constitui quase a metade da população sul-americana, que é estimada em 444 milhões de indivíduos de acordo com o site Countrymeters[1], que reúne dados de 2023. Sem esquecer que 10 dos 12 países do subcontinente são vizinhos diretos da antiga colônia portuguesa, somando uma fronteira compartilhada de 16.885,7 km. Ou seja, o Brasil não é apenas um país dentre outros estados sul-americanos, mas sim a metade do subcontinente – tanto em população como em extensão territorial.
No entanto, apesar ou justamente em função desse gigantismo, não há como ignorar certo distanciamento ou até ilhamento linguístico e cultural do Brasil para com as demais nações da região. Raposo (2018), citando Onuki, Mouron e Urdinez (2016), lembra que, diferentemente de seus vizinhos hispânicos, a maioria da população brasileira não se identifica como latino-americana ou sul-americana: 79% se identificam como “brasileiros”, 13% como “cidadãos do mundo”, 4% como “latino-americanos” e somente 1% como “sul-americanos”. Na mesma proporção que o país lusófono tem sido historicamente imaginado, pelo resto da região, enquanto nação distante, percebido de forma marginal e representado a partir de uma perspectiva marcada pelo exotismo e o desconhecimento factual (Kaysel, 2020).
Quando se trata das relações simbólicas e subjetivas entre o Brasil e o Chile, esse distanciamento se torna um fato estatístico e uma realidade geográfica; na medida em que o território situado na fachada pacífica do continente é o único país da região, ao lado do Equador, a não compartilhar fronteira com o Brasil. O que, certamente, deve ter contribuído no afastamento mútuo por parte dos dois estados sul-americanos, se comparado à relativa proximidade transfronteiriça que une o Brasil a outros vizinhos como a Argentina. Quando falamos em “hermanos”, por exemplo, geralmente entende-se “argentinos” e não “chilenos” (Palermo, 2010). Do mesmo modo que se comenta, no Chile, que a relação entre brasileiros e argentinos seria de “irmãos”, enquanto que a dos chilenos com os naturais dos dois países seria de “primos” (Fritz, 2020); ainda próximos, mas bastante distantes.
Porém, apesar desse pano de fundo determinante, observa-se que os contatos entre brasileiros e chilenos vêm se intensificando e diversificando na história mais recente. Não somente pela evolução das tecnologias de informação e comunicação (TICs), mas também em decorrência de várias formas de mobilidade humana. De acordo com o Anuário Estatístico de Turismo de 2021 (Ministério do Turismo, 2022), que aponta o país de residência permanente dos turistas que visitaram o Brasil em 2020, o Chile aparece na terceira posição, com 131.174 turistas e 6% do total. Fica atrás somente da Argentina (887.805 e 41%) e dos Estados Unidos (172.105 e 8%).
Em 2019, antes da pandemia, o Chile ocupou o quarto posto, com 391.689 e 6,1% do total. Apenas Argentina (1.954.725 e 30%), Estados Unidos (590.520 e 9%) e Paraguai (406.526 e 6,3%) superaram o país andino. A situação atual é diferente da apresentada em 2010, quando de acordo com o Ministério do Turismo (2011) o Chile foi o sexto país que mais trouxe turistas ao Brasil, com 200.724 pessoas e 3,8% do total, abaixo de Argentina, Estados Unidos, Itália, Uruguai e Alemanha. E muito distinta da de 2003, quando o Chile ocupou somente a nona colocação (84.510 turistas e 2,7% do total), atrás de Estados Unidos, Argentina, Alemanha, Portugal, Itália, França, Inglaterra e Espanha (Ministerio de Turismo, 2005). Observamos nesses últimos 20 anos, portanto, um claro crescimento do Chile na participação no turismo internacional no Brasil, tanto em números absolutos quanto em participação em relação ao total de turistas a visitar o país, superando as nações europeias e se consolidando nas cinco primeiras posições.
Neste artigo, pretendemos investigar a presença chilena no Brasil e esboçar os contornos diaspóricos dessa comunidade em território brasileiro – não a partir do turismo, porém desde outra faceta da mobilidade humana: as migrações transnacionais. Procuraremos notadamente entender se, assim como no turismo, existe uma tendência de crescimento da presença migratória chilena no Brasil. Em termos gerais, situaremos esse fenômeno social transnacional dentro do contexto geral das migrações Sul-Sul e intrarregionais, próprias ao subcontinente sul-americano e, mais especificamente ainda, com relação aos fluxos migratórios chilenos no Cone Sul e aos fluxos migratórios regionais no Brasil. Ao mesmo tempo que, no afã de restituir os mapas sociais e culturais dessa comunidade, abordaremos e analisaremos seus modos de organização, suas redes associativas e suas práticas culturais e midiáticas.
Migrações Sul-Sul, migrações intrarregionais e o cenário sul-americano
Observamos, na atualidade das migrações internacionais, uma tendência de crescimento das migrações Sul-Sul; aquelas de grupos e indivíduos originários de países do chamado Sul Global que se estabelecem em outros locais também do Sul. De acordo com dados das Nações Unidas (2019), desde 2005 as migrações Sul-Sul têm tido um crescimento maior do que as Sul-Norte e já as superaram em números absolutos. Em termos percentuais, cerca de 39% dos atuais migrantes transnacionais são pessoas que migraram de um país do Sul para outro também do Sul, enquanto as migrações Sul-Norte correspondem apenas a 35% do total. As migrações Norte-Norte e Norte-Sul, por sua parte, representam proporções significativamente menores: respectivamente 20% e 5%.
Mudanças no padrão contemporâneo da mobilidade humana que se devem ao recente aumento dos fluxos migratórios em regiões periféricas como Ásia, África e América Latina e Caribe. Se em 2005, a Europa era a região que mais recebia migrantes transnacionais, hoje ela é seguida de perto pela Ásia: o continente europeu detém 87 milhões de migrantes (30,9% do total), enquanto o asiático conta 86 milhões (30,5%). Por outro lado, dos seis maiores destinos de migrantes internacionais, dois estão localizados neste continente, mais especificamente no Oriente Médio: Arábia Saudita, em terceiro lugar, e Emirados Árabes Unidos, no sexto posto (McAuliffe e Triandafyllidou, 2021).
Muitos desses migrantes que se estabelecem em países do Sul global são provenientes de estados vizinhos ou de regiões relativamente próximas; configurando, assim, um movimento migratório ao mesmo tempo Sul-Sul e intrarregional. A OIM (2020) aponta que entre os cinco maiores corredores migratórios de um país para outro, dois envolvem exclusivamente nações do Sul: Síria – Turquia, em segundo lugar com 3.792.505 pessoas, e Índia - Emirados Árabes Unidos, em terceiro lugar com 3.471.300 indivíduos. Também estão na lista dos 20 principais corredores: Afeganistão – Irã, em sétimo lugar com 2.710.601, Índia - Arábia Saudita, em nono lugar com 2.502.337, Bangladesh – Índia, em décimo lugar com 2.488.471, Myanmar – Tailândia, em décimo quinto lugar com 1.848.270, Venezuela – Colômbia, em décimo sétimo lugar com 1.780.486, Indonésia - Arábia Saudita, em décimo oitavo lugar com 1.709.318 e, finalmente, Afeganistão – Paquistão, em vigésimo lugar com 1.598.223 migrantes.
É igualmente interessante notar que, no período de 2005 a 2020, a região do mundo que teve a maior taxa de crescimento migratório foi a América Latina e o Caribe, que experimentou um salto de 7 milhões em 2005 para 15 milhões de migrantes em 2020. Aumento que se deu, principalmente, em função da crise econômica, política e social que se acentuou nos últimos 5 anos na Venezuela, e que fez com que cerca de 5.6 milhões de venezuelanos saíssem do país – 85% deles migraram para países vizinhos como Colômbia, Peru, Chile, Equador e Brasil. O alto número de venezuelanos que vivem em países vizinhos contribui, não há dúvida, para o fato de a grande maioria, sendo 11 milhões ou 73% de migrantes da região, ser fruto da migração intrarregional (McAuliffe e Triandafyllidou, 2021).
Quando se trata especificamente da América do Sul, essa tendência se mantém e dados de 2019 já apontam que o número de migrantes intrarregionais, que é de cerca de 6.091.023 pessoas, tem se aproximado da quantidade de sul-americanos vivendo fora da região, que é de aproximadamente 7.786.568 indivíduos. Se em 2010 a diferença entre os dois valores era de 1.9 vezes, ela caiu para 1.3 em 2019 (Cerruti, 2020). Essa grande e crescente quantidade de migrantes intrarregionais faz com que essa região do mundo, tradicionalmente marcada por ter sido receptora de migrantes europeus e asiáticos e posteriormente emissora de migrantes sobretudo para a América do Norte e a Europa, seja atualmente chamada pelos especialistas de “espaço migratório quase perfeito” (Elhajji, 2021).
É importante lembrar, no entanto, que essa migração intrarregional não é formada exclusivamente por venezuelanos; também, por sua vez, diversos outros países da América do Sul, como Bolívia, Paraguai, Colômbia e Peru, são em larga escala emissores de migrantes para nações vizinhas. Observamos isso, por exemplo, na Argentina – o maior destino de migrantes na sub região em números absolutos, com cerca de 2.3 milhões de pessoas (Migration Data, 2021); e que de acordo com dados do censo demográfico de 2010 (INDEC, 2010) [2], o último realizado no país, conta com um importante volume de migrantes provenientes de estados vizinhos: nesse ano cerca de 68% da população no país nascida no estrangeiro era proveniente de países limítrofes; e, entre as cinco maiores comunidades migratórias do país, quatro eram de nações sul americanas: a paraguaia, primeira, com 550.713 pessoas; a boliviana, segunda, com 345.272 indivíduos; a chilena, terceira, com 191.147 cidadãos; e, a uruguaia, quinta, com 116.592 indivíduos.
De fora da América do Sul, somente os italianos apareciam no ranking dos cincos primeiros, na quarta posição com 147.499 pessoas. E essa tendência aumentou nos anos seguintes: dados do governo argentino mostram que, entre os 383.599 vistos de residência concedidos a estrangeiros entre 2018 e 2019, 35,3% foram atribuídos a cidadãos venezuelanos, 19% a paraguaios, 16,3% a bolivianos, 7,2% a colombianos e 7% a pessoas nascidas no Peru. 8% foram nascidos em outros países da América do Sul e somente 7,2% foram concedidos a cidadãos de outras regiões do planeta (Dirección Nacional de Población, 2021).
Algo similar acontece no Chile, que com cerca de 1.4 milhão de estrangeiros vivendo em seu território, é o país da América do Sul com o maior percentual de imigrantes (7,5%) em relação à população total. Estimativas do Instituto Nacional de Estatísticas e do Departamento de Extranjería y Migración em 2020 revelam que as maiores comunidades migratórias no país andino são a venezuelana (30,7%), peruana (16,3%), haitiana (12,5%), colombiana (11,4%), boliviana (8,5%) e argentina (5,2%) (Servicio Jesuita a Migrantes, 2021). Como podemos perceber, todas as nacionalidades migrantes são originárias da América do Sul e do Caribe.
Quando olhamos especificamente para o Brasil, a realidade é parecida. De acordo com o relatório anual 2021 do OBMigra, que trabalhou com os dados de 2020 da Polícia Federal referentes aos migrantes residentes e temporários que chegaram entre 2011 e 2020 e contabilizaram 971.806 pessoas, observamos que entre os dez principais países de origem dos migrantes, apenas dois, Estados Unidos, em quinto lugar; e França, na nona posição, são do Norte Global. A lista é liderada pela Venezuela, com 172.306 indivíduos. Em seguida, aparecem: Haiti (149.085), Bolívia (55.640), Colômbia (53.802), Estados Unidos (37.715), China (35.590) e Argentina (27.604).
Além da migração Sul-Sul, que considerando somente as nacionalidades com maior número de pessoas corresponde a 630.426 migrantes, se sobressai a migração intrarregional, com cerca de 559.108 indivíduos: dos cincos primeiros países, quatro são da América Latina e o Caribe, e três são sul-americanos. E, quando observamos os dez primeiros, sete são da América Latina e o Caribe, contando os quatro primeiros; e cinco da América do Sul, contando três dos quatro principais. Imigrantes provenientes de países do subcontinente contabilizam 371.505, mais uma vez considerando somente as vinte nacionalidades de maior quantidade de estrangeiros residentes no país (Cavalcanti, Oliveira e Silva, 2021).
Vale lembrar, todavia, que esses números se referem aos migrantes regularizados que chegaram na última década; e se contabilizarmos os estrangeiros que estão em situação irregular e migraram antes de 2011, o número da migração Sul-Sul e intrarregional é ainda maior. O governo brasileiro, por exemplo, estima que o número total de venezuelanos vivendo no país, incluindo os que não estão regularizados, é de aproximadamente 260 mil pessoas (Serviços e informações do Brasil, 2022). Já a Polícia Federal e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) de São Paulo estimam que, somente na capital paulista, o número de bolivianos seja de mais de 75 mil indivíduos (SMDHC, 2020).
Chilenos no Cone Sul e no Brasil
O Cone Sul é a região mais austral da América do Sul, onde geralmente são incluídos, além do Chile, a Argentina, o Uruguai e os estados mais ao sul do Brasil. Essa região foi historicamente, e continua sendo, um importante destino para os emigrantes chilenos: a maior parte dos cidadãos do Chile que reside no exterior se encontra em algum outro país do Cone Sul.
De acordo com o Segundo Registro de Chilenos en el Exterior (2017), produzido pelo Ministerio de Relaciones Exteriores chileno em parceria com o Instituto Nacional de Estadísticas do Chile, cerca de 1.037.346 chilenos vivem em outros países - entre nascidos no Chile (55%) e nascidos no exterior, filhos de pai e/ou mãe chilenos (45%). A região com o maior número de chilenos é a América do Sul (50,4% do total), seguida pela Europa (26%) e América do Norte (18,2%). Oceania (3,9%), América Central e o Caribe (0,7%), Ásia (0,6%) e África (0,1%) completam o quadro. Quando olhamos somente para os indivíduos nascidos no Chile e que vivem no exterior, a América do Sul continua na liderança, com 41,7% do total; seguida pela Europa (29,2%) e América do Norte (22,5%).
Esse alto número de cidadãos chilenos na América do Sul deve ser compreendido em correlação com a forte presença migratória chilena no Cone Sul; correspondendo a 44,9% dos nacionais que vivem no exterior e 89,7% dos chilenos que vivem em outros países da América do Sul. Fato marcante, Argentina é o país fronteiriço que mais concentra cidadãos chilenos fora do Chile, somando 439.582 pessoas e 42,4% do total de emigrantes chilenos; 84,1% dos que vivem na América do Sul e 93,7% dos que estão no Cone Sul.
Vale observar, ainda, que se considerarmos somente os migrantes de primeira geração, ou seja, os indivíduos nascidos no Chile que emigraram, esses números caem um pouco: a Argentina, com 191.147 cidadãos, continua sendo o maior destino de emigrantes chilenos, mas com percentuais menores[3] - 38,9% do total, 80,2% dos que estão na América do Sul e 91,7% do total de emigrantes chilenos no Cone Sul. Mesmo que a diferença não seja tão grande, a progressão indica que a Argentina conta proporcionalmente com mais migrantes chilenos de segunda geração; ou seja, argentinos de origem chilena, que a média geral dos migrantes sul-americanos presentes no país; o que sugere a existência de um fluxo migratório relativamente antigo, naturalmente explicado pela proximidade geográfica.
Quando olhamos para o Uruguai, os números absolutos deixam de impressionar: são cerca de 3.071 chilenos que vivem em território uruguaio, e o país não aparece na lista dos dez principais locais de residência de chilenos no exterior, ocupando a sétima colocação entre os países da América do Sul, com 0,6% dos chilenos que vivem em outros países do subcontinente. Isso se dá pelo reduzido tamanho do Uruguai, que conta com uma população total de aproximadamente 3,5 milhões de habitantes, e também pelo fato que a imigração chilena no país “oriental”, em referência à sua localização com relação a Argentina, não tem destaque. O Anuario da Dirección Nacional de Migración uruguaia apresenta que o Chile ocupa uma posição modesta no ranking de residências concedidas em 2020: enquanto Argentina (1656), Cuba (1017) e Brasil (306) ocupam os primeiros lugares, o Chile aparece em uma posição modesta, com somente 49 pedidos concedidos, atrás de países como Turquia (79), Eslováquia (70) e República Tcheca (68) (Freire, Guerrero, Alvez e Tellechea, 2021).
Já o Brasil, ainda que com menos realce que a Argentina, aparece nas primeiras posições no ranking de países com maior número de cidadãos chilenos residentes, ocupando com 26.039 pessoas[4] na sétima posição (2,5% do total) entre todos os países do mundo e a segunda (5% do total) entre os sul-americanos e o Cone Sul (também 5% do total), somente atrás da Argentina. Quando consideramos somente os migrantes de primeira geração, o país, com 15.432 cidadãos, continua na sétima posição mundial (3% do total) e no segundo entre os sul-americanos (6%) e do Cone Sul (7%).
Inferioridade numérica e pouca visibilidade acadêmica
Ainda que, a partir da perspectiva chilena, a emigração do Chile para o Brasil tenha certo destaque em relação à totalidade da emigração chilena, quando olhamos para a realidade brasileira, a migração chilena atualmente não aparece quantitativamente significativa entre os principais fluxos migratórios para o território brasileiro.
Cavalcanti, Oliveira e Macedo (2019), levantando dados elaborados pelo OBMigra a partir de números da Polícia Federal, revelam que em 2019 o Chile ocupou o décimo oitavo posto em número de registros para migrantes de longo termo, com 11.161 pessoas. Para efeitos de comparação, o Haiti contou com 106.475 indivíduos, e o top 5 foi completado por Bolívia (72.598), Venezuela (43.091), Colômbia (39.002) e Argentina (37.438). Outros países sul-americanos também superaram o Chile, como Peru (26.462), Paraguai (25.930) e Uruguai (20.340). O Observatório das Migrações em São Paulo (sd) do NEPO/UNICAMP, por sua vez, baseado em dados de 2000 até março de 2022 do Sincre e Sismigra, estima em 20.650 o número de imigrantes chilenos registrados no Brasil, o que colocaria o país no oitavo posto entre os sul-americanos, a frente somente de Equador, Guiana, Suriname e Guiana Francesa; e atrás de Venezuela (325.637), Bolívia (140.544), Colômbia (81.036), Argentina (79.744), Uruguai (50.512), Peru (49.412) e Paraguai (48.501).
Essa inferioridade numérica em relação às migrações vizinhas de maior volume é refletida na produção acadêmica no Brasil sobre a comunidade chilena no país. Ao fazer uma busca pelos termos “migrantes” e “migração” no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES (2022), que reúne os trabalhos defendidos na pós-graduação brasileira ano a ano, encontramos poucas pesquisas inteiramente dedicadas à migração chilena no país. Considerando somente investigações sobre uma comunidade migratória em especial, ou seja, ignorando as pesquisas que abordam mais de um fluxo migratório, encontramos cinco investigações. A única tese de doutorado identificada foi a “Chilenos em São Paulo: a trajetória de uma imigração” (2000), de Verônica Patrícia Aravena Cortés.
Também foram encontradas quatro dissertações de mestrado: “Identidade étnica e aculturação do emigrante chileno residente na ‘Grae Sao Paulo’, que emigrou após o golpe militar de 1973” (1994), de Tito Arturo Valencia Monardez; “Dilemas de construção de identidade migrante: história oral de vida de chilenos de Campinas” (2011), de Vanessa Paola Rojas Fernandez; “A fé cruza as montanhas: a festa da ‘Virgen del Carmen’ nas vozes dos imigrantes chilenos na cidade de São Paulo” (2015), de Monica Patrícia Diaz Rojas Yokohama; e “A cueca caiu no samba: memória, diáspora e práticas culturais dos chilenos no Rio de Janeiro e em São Paulo” (2022), de María de la Merced de Lemos Mendes.
A quantidade é evidentemente reduzida quando comparada com as produções sobre as comunidades migratórias dos outros países do Cone Sul: a migração de origem argentina conta com dez trabalhos, enquanto a uruguaia conta com onze. A diferença é ainda maior para as migrações regionais de maior volume: foram encontradas 41 investigações sobre a migração venezuelana, 22 sobre a boliviana e, considerando também a migração proveniente do Caribe, 32 pesquisas sobre a migração proveniente do Haiti.
Quem são, onde e como vivem?
Uma grande parcela dos migrantes chilenos no Brasil chegou entre as décadas de 70 e 80, durante a ditadura de Augusto Pinochet. Antes do golpe militar de 1973, a quantidade de chilenos no país era bastante reduzida: o censo demográfico brasileiro de 1970 indicou que somente 1.900 cidadãos nascidos no Chile viviam no Brasil. Já o censo de 1980 contabilizou 17.830 pessoas, e o de 1991 sinalizou a presença de 20.437, a maior quantidade de chilenos já registrada no país. Esse número caiu para 17.131 pessoas no censo de 2000 e 15.432 no censo de 2010, o último realizado no Brasil, que correspondeu a 2,6% da população imigrante no país naquele ano (Nuñez, Gutiérrez e Contreras, 2017).
A maior parte dos cidadãos chilenos que veio para o Brasil migrou, portanto, por conta da instabilidade política, econômica e social que se seguiu no país andino após a instauração da ditadura. O Chile já vivia um período de instabilidade econômica antes do golpe, mas a partir de 1973 essa crise foi acentuada, com um grande aumento do desemprego. Sem perspectivas de trabalho e renda, muitos chilenos optaram pela emigração, mesmo para países que também viviam ditaduras, como o caso do Brasil.
Mas, diferentemente do Chile, o Brasil vivia um período de crescimento econômico e, como tinha déficit de profissionais capacitados, adotava uma política de atração de trabalhadores, facilitando a concessão do visto para profissionais que possuíam as formações de que o país necessitava. Como bem lembra Berardi (2014), os chilenos, entre os migrantes sul-americanos, estão entre os que apresentam um maior nível educacional universitário e técnico. É por isso que a maioria dos chilenos que vieram para o Brasil nessa época não atribuem a mudança de país diretamente ao golpe, mas sim à busca de melhores condições de vida; chegando a definir o fluxo chileno para o Brasil como um “exílio econômico” (Fernandez, 2011) argumento contestado por De Lemos Urtubia (2022), que lembra que essas narrativas migrantes, influenciadas pelo medo e o trauma, podem optar pelo silenciamento em relação aos efeitos da ditadura de Pinochet[3].
Os cidadãos nascidos no Chile se concentraram nas regiões sudeste e sul do Brasil, sobretudo no estado de São Paulo. De acordo com dados do Censo de 2010, o estado paulista reúne 58,7% da comunidade chilena, enquanto representa 21,6% da população brasileira. A opção majoritária dos chilenos por São Paulo se deu pelo fato dessa região abrigar um grande volume de indústrias e estabelecimentos de serviços espalhados entre a capital, a região do ABCD[4] e cidades como Campinas; o que era fundamental para esses indivíduos, que vieram sobretudo atrás de emprego e renda.
Outros estados com significativa presença chilena são o Rio de Janeiro (8,4% da população brasileira e 9,1% da comunidade chilena) e o Rio Grande do Sul (5,6% da população brasileira e 6,5% da comunidade chilena). Somados São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, contabiliza-se 74,3% dos cidadãos naturais do Chile e residentes no Brasil. Se considerarmos as regiões separadamente, o sudeste conta a maior presença desses chilenos, com 75.5% do total (e 42.1% da população brasileira), seguido de longe pela região sul, com 16.3% dos chilenos e 14.4% da população brasileira. Vêm, enfim, o Nordeste (3.5% dos chilenos e 27.7% da população brasileira), o Centro-Oeste (3% dos chilenos e 7.3% da população brasileira) e o Norte (1% dos chilenos e 8.3% da população brasileira) (Nuñez, Gutiérrez e Contreras, 2017).
Quando usamos as categorias de gênero, observamos que entre os nascidos no Chile que vivem no Brasil o percentual de homens é bastante maior que entre a população total residente no Brasil. Enquanto os homens correspondem a 59,8% e as mulheres a 40,1% dos naturais do Chile que vivem no Brasil, a população total brasileira é formada por uma ligeira maioria de mulheres (51%), que supera por pouco o de homens (48,9%) (Nuñez, Gutiérrez e Contreras, 2017). Vanessa Fernandez (2011) lembra, a este propósito, que a migração chilena para o Brasil foi organizada e realizada predominantemente pelo sexo masculino, “a quem coube a tarefa de, se casado, vir primeiro sem sua família e, posteriormente, quando já instalado residencial e profissionalmente, reunir a família no novo país” (Fernandez, 2011, p. 191). A maioria masculina pode ser, assim, explicada pelo fato de muitos chilenos terem migrado para o Brasil sozinhos, e continuaram solteiros ou constituíram família com cidadãos brasileiros ou de outros países.
Ao observar a divisão por faixa etária da comunidade nascida no Chile residente no Brasil, Nuñez, Gutiérrez e Contreras (2017) notam que essa coletividade se encontra em processo de envelhecimento, com a grande maioria (69,9%) estando na faixa etária entre os 35 e os 64 anos. Os menores de 35 anos formam somente 17,2% do total, o que sugere um fluxo migratório que, conforme mostram os últimos censos demográficos, tem se reduzido com o passar dos anos. Quando comparamos os números da estimativa da população chilena no Brasil entre o Primeiro Registro de Chilenos no Exterior, realizado em 2004 e o Segundo, realizado em 2016, percebemos que a comunidade reduziu seu tamanho em 8,2% (Nuñez, Gutiérrez e Contreras, 2017).
Em relação ao estado civil, é marcante a diferença dos percentuais de solteiros e casados entre a população nascida no Chile e a população total do Brasil. Os casados correspondem a 58,5% e os solteiros a 25%, entre o total da população brasileira os solteiros são maioria (50,1%), seguidos pelos casados (38,9%). O maior número de casados entre os nascidos no Chile pode se dar pela maior idade média dessas pessoas, o que explica um maior percentual de casados e viúvos: 16,5% dos nascidos no Chile tem como estado civil “outra situação”, enquanto entre o total da população brasileira esse número fica em 11% (Nuñez, Gutiérrez e Contreras, 2017).
Outro ponto que chama a atenção é a condição de atividade econômica. O percentual de participantes da força de trabalho entre os cidadãos nascidos no Chile com mais de 10 anos (71,9%) é bem maior que entre o total da população brasileira com mais de 10 anos (57,7%). A participação percentual dos chilenos no mercado de trabalho é maior tanto entre homens, 84% contra 67,1% do total da população brasileira masculina, como entre mulheres, 53,8% contra 48,9% do total da população brasileira feminina. Isso vai ao encontro com o que afirma Sayad, que lembra que a questão migratória tem intrínseca relação com o aspecto laboral e que, portanto, os migrantes são recebidos no novo país enquanto mão-de-obra necessária para o crescimento econômico: “Afinal, o que é um imigrante? Um imigrante é essencialmente uma força de trabalho, e uma força de trabalho provisória, temporária, em trânsito” (Sayad, 1998, p. 54).
Os migrantes oriundos do Chile que vieram para o Brasil acabaram construindo uma história aqui, formando famílias e tendo descendentes, que são os cidadãos chilenos nascidos em território brasileiro, ou cidadãos brasileiros de origem chilena. Enquanto a população residente no Brasil e natural do Chile é de 15.432 pessoas, são 10.607 os brasileiros filhos de pai e/ou mãe chilenos (Nuñez, Gutiérrez e Contreras, 2017). Somados, ambos grupos formam a comunidade chilena no Brasil de cerca de 26.039 indivíduos registrados que mantêm vínculos comunicacionais e práticas culturais e identitárias vinculadas às raízes do Chile.
Práticas culturais
De Lemos Urtubia (2022) pesquisou como as práticas culturais e identitárias da colônia chilena no Brasil estão vinculadas à música e à dança folclórica. Sobretudo a partir dos anos 70, foram criados, principalmente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, diversos grupos folclóricos que, em um contexto intercultural, atuaram e atuam pela manutenção de vínculos com a terra natal e a aproximação de culturas distintas: “Residia, em todos e cada um dos diversos integrantes, a necessidade de manter as práticas culturais de seu país em terras distantes. E nesse processo de engenho e arte muitas tradições seguem sendo retomadas, discutidas, adaptadas e representadas” (De Lemos Urtubia, 2022, p. 20).
Através desses grupos, são apresentadas distintas músicas e danças oriundas de diversas partes do Chile, que muitas vezes são mescladas com ritmos brasileiros. Essas apresentações ocorrem ao longo do ano, e também em datas especiais para a colônia chilena, como as Fiestas Patrias e a Fiesta de la Virgen del Carmen; e para as comunidades latino-americanas no geral, como a Fiesta de la Hispanidad, o Festival Latinoamericano e as comemorações pelo Dia do Imigrante, realizadas no Museu da Imigração em São Paulo.
Os chilenos, recém-chegados no Brasil, começaram a se encontrar em locais como a Pastoral do Imigrante, em São Paulo; e o Consulado no Rio de Janeiro. O convívio entre os nacionais acendeu o desejo da formação de grupos que unissem a comunidade e trabalhassem a cultura chilena. De acordo com De Lemos Urtubia (2022), o primeiro conjunto folclórico criado no Brasil foi o Manantial, fundado em Salvador nos anos 70 e que posteriormente se mudou para o Rio de Janeiro.
Em seguida, surgiu em 1981, na capital fluminense, o Llancolén, responsável pela produção do Primeiro Festival Musical Chileno em 1983, e o ChileChico, em 1999. São Paulo, a cidade com o maior número de chilenos no país, foi o local com a maior quantidade de grupos criados. Na capital paulista e arredores, surgiram o ChileLindo (1979/80), o EstampasdeChile (1981), o Grupo Andes (1983), o Ecos de Chile (1984), o Quinchamalí (1985), o Hualañé (1989), o Chihuaqui (1990), o Tupahue (1998), o Canto Libre (2003), o Taller FolklóricoCaleuche (2015), o Ameríndio (2015) e três grupos exclusivamente musicais, ou seja, que não contam com corpo de baile: América Morena (2010), Palimpsesto (2014) e EntreLatinos (2016). Em Campinas, que é outra cidade com uma numerosa comunidade chilena, foi fundada a Associação de Chilenos Pablo Neruda e o Conjunto Pablo Neruda, em 1992, e em 1995 o Raíces de Chile. A maioria desses conjuntos já encerrou suas atividades, mas outros, como o Chile Lindo, o Quinchamalí e o Raíces de Chile, continuavam ativos até o início da pandemia de Covid-19, em 2020. Com o arrefecimento da epidemia, a expectativa é que eles voltem a atuar em breve: em setembro de 2022 devem ocorrer as celebrações das Fiestas Patrias (Erceg, 30 de agosto de 2022), para comemorar o dia da Independência do Chile, em São Paulo e no Rio de Janeiro.
É importante pontuar que a vida comunitária da colônia chilena não está restrita aos grupos folclóricos. Organizações como a Une Chile (Une Chile, sd) e a Asistencia Social Chilena (ASCH) (Asch Chilena, sd) buscam respectivamente a união das entidades chilenas no Brasil e dar suporte e orientação social aos cidadãos chilenos necessitados. O movimento Arpilleras Cariocas ministra no Rio de Janeiro aulas de arpillería, arte de bordados artesanais realizada com pedaços de roupa; e cueca, uma das danças mais tradicionais do Chile. Também são atuantes os coletivos Asociación de Artesanos de SP, Asociación de Artesanos de Embú, Asociación Salvador Allende e Mujeres Arpilleristas, bordando nuestra historia.
Restaurantes e bares típicos também são pontos de encontro da comunidade chilena. Estabelecimentos criados pelos migrantes como meio de sustento, acabam sendo também locais de divulgação da culinária e cultura do Chile e servem como espaços de convívio entre migrantes de primeira, segunda e terceira geração e brasileiros interessados na culinária chilena. Em ambientes geralmente decorados com distintos objetos que remetem ao país andino, são servidas iguarias típicas como as empanadas, o ceviche, o pastel de choclo, a cazuela e os porotos granados, como nos restaurantes El Guatón (El Guatón Restaurante, sd) e Doña Luz Empanadas (Doña Luz Empanadas, sd), localizados em São Paulo. A capital paulista se destaca, de fato, pela quantidade de estabelecimentos criados e geridos por chilenos: além dos dois mencionados, são conhecidos o De La Madre Casa de EmpanadasChilenas (delamadreempanadas, sd), o La Empanada Chilena (laempenadachilena, sd), o Brasil Chile Lanchonete (Brasil Chile Lanchonete, sd) e o La Empaná (la_empana, sd). Mas eles não estão restritos a essa cidade, e as primeiras reuniões da comunidade chilena de Campinas, por exemplo, ocorreram em uma lanchonete de um migrante chileno (Fernandez, 2011).
Em relação às práticas comunicacionais, cabe destacar a relevância do Chile en Evidencia (De Santana, 2022), jornal trimestral que circula gratuitamente entre a colônia chilena. Fundado na década de 90 pelo migrante Eduardo Sáez, que se radicou em Mairinque (São Paulo), com os lemas “Chile es nuestra causa” e “Nada separa Chile de sus hijos”, tem como objetivos a construção e a manutenção de um espaço de vínculo afetivo dos chilenos no Brasil com a terra de origem.
O jornal publica conteúdos sobre a história do país, divulga eventos da comunidade, histórias de vida de chilenos no Brasil, receitas chilenas, promove empreendimentos comerciais geridos por essas pessoas e divulga notícias relacionadas com a comunidade chilena no Brasil, com questões sobre legislação migratória, processos eleitorais e informes e eventos promovidos pela embaixada e pelos consulados. O jornal, antigamente, era mensal e distribuído exclusivamente na versão física; e chegou a ter 8 mil exemplares por edição. Com a popularização da internet, a pandemia e a consequente falência de empresas parceiras do projeto, passou a ser trimestral e distribuído exclusivamente no ambiente digital, através de uma lista de e-mails gerenciada por Eduardo (De Santana, 2022).
Também são importantes os grupos na rede social Facebook, criados originalmente para reunir os chilenos em distintos pontos do Brasil. Levantamento feito para esta pesquisa expõe que são 21 os grupos existentes, com o maior sendo o Chilenos en Brasil (Chilenos en Brasil, sd), com 17.100 membros. Os outros grupos com maior quantidade de usuários são o Chilenos en Río de Janeiro #ORIGINAL# (Chilenos en Río de Janeiro #ORIGINAL#, sd), com 12.500 integrantes, Chilenos en Brasil (Chilenos en Brasil b, sd), com 7.900 contas, Chilenos en Río de Janeiro, Sítio Oficial (Chilenos en Río de Janeiro, Sítio Oficial, sd), com 7.800 membros, e Chilenos en Sao Paulo (Chilenos en Sao Paulo, sd), com 6.800 integrantes.
Vale destacar a diversidade geográfica em relação aos locais abarcados por esses grupos, pois existem comunidades identificadas com São Paulo, Rio de Janeiro, Búzios, Salvador, Campinas, Belo Horizonte, Recife, Florianópolis, Curitiba e Porto Alegre. E tais comunidades vão além da função de reunir a colônia chilena no Brasil, pois uma parte importante das mensagens nos principais grupos é relativa a pedidos de dicas para turismo, fato que explica, por exemplo, que as comunidades do Rio de Janeiro contenham mais integrantes que as de São Paulo: com suas praias, o carnaval e símbolos como o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar, o Rio é o destino turístico mais famoso do Brasil e um dos mais atrativos para os turistas chilenos: o Ministério do Turismo do Brasil (2020) aponta que a nacionalidade chilena é a segunda mais comum entre os turistas internacionais que chegam em território brasileiro a partir do Rio de Janeiro, ficando somente atrás da argentina; enquanto que entre os que chegam no Brasil por São Paulo, os chilenos são os terceiros mais numerosos, atrás do naturais dos Estados Unidos e da Argentina.
Mesmo com o Facebook perdendo terreno para outras redes sociais, essas comunidades continuam ativas e são frequentemente postadas mensagens com conteúdos que vão além do turismo, como divulgação de eventos da colônia, iniciativas comerciais de cidadãos chilenos, dúvidas sobre documentação e notícias referentes ao Chile. A “webdiáspora” chilena se destaca, assim, por usos diversificados que “abrangem um amplo leque de recursos e utilidades”, contribuindo para que essas pessoas se sintam próximas à sociedade de acolhimento e à sociedade de origem, o que resultaria em uma “dupla presença” sentida por esses indivíduos (Elhajji e Escudero, 2016).
Considerações finais
Neste artigo, realizamos uma apresentação da comunidade diaspórica chilena no Brasil. Situamos este fluxo migratório no contexto das migrações Sul-Sul, intrarregionais e especificamente intrarregionais sul-americanas, mostrando que a migração chilena tem um padrão distinto de outras migrações regionais: diferentemente de venezuelanos, bolivianos e outros, que migraram em grande número nos últimos anos, os chilenos chegaram sobretudo nos anos 70 e 80, durante a ditadura de Augusto Pinochet. Mesmo assim, uma parcela migrou após o fim do regime, por motivos distintos dos compatriotas que vieram principalmente por questões econômicas e políticas. A comparação das motivações da ida de diferentes gerações de chilenos para o Brasil pode evidenciar a grande diversidade de causas que provocam os fluxos migratórios: para além da busca por melhores condições de trabalho e da fuga de regimes opressores, aspectos subjetivos podem estar fortemente presentes.
Ainda que do ponto de vista chileno a emigração para o Brasil seja algo de destaque, uma vez que o Brasil, com 2.5% do total, é o sétimo maior destino de migrantes chilenos no mundo e o segundo na América do Sul, a partir da perspectiva brasileira esse fluxo perde muito protagonismo, uma vez que a colônia chilena, com aproximadamente 25.000 pessoas entre migrantes de primeira e segunda geração (Nuñez, Gutiérrez e Contreras, 2017), não está entre as principais comunidades migratórias do país e, entre as sul-americanas, aparece somente no oitavo posto em quantidade de pessoas.
Esses pontos provocam algumas questões que poderão ser investigadas posteriormente. Qual é o futuro da comunidade chilena no Brasil, mais antiga e menos numerosa que outras coletividades sul-americanas? O sucesso na integração à sociedade local pode fazer com que ela desapareça, com o envelhecimento e falecimento dos migrantes de primeira geração? Ou as práticas culturais e identitárias chilenas continuarão a ser perpetuadas pelos filhos e netos dos imigrantes oriundos do Chile?
Em relação à vida cotidiana dessas pessoas, seria interessante pensar sobre o uso do espanhol no dia a dia. O castelhano segue sendo o idioma de preferência entre os imigrantes chilenos? O espanhol foi transmitido para os brasileiros de origem chilena? Existe um “portunhol”, fusão linguística originada a partir da mescla de palavras das línguas portuguesa e espanhola, específico à comunicação intercultural dos chilenos no Brasil?
Ainda a respeito do cotidiano, é importante refletir sobre como a xenofobia existente na sociedade brasileira atinge os indivíduos de origem chilena. Se a xenofobia no Brasil é seletiva, dependendo da classe social, cor de pele, religião e origem dos estrangeiros (Paraguassu, 2022), será que os chilenos, muitos de bom nível educacional, em sua maioria integrantes da classe média, considerados brancos, de famílias cristãs e oriundos de um país latino-americano, sofrem regularmente episódios de violência e hostilidade infelizmente comuns em relação a algumas comunidades migratórias?
Sobre os relacionamentos afetivos, vale a pena perguntar qual é a frequência de casamentos interculturais e a consequente criação de famílias chileno-brasileiras? Como se expressa a “chilenidade” entre os integrantes dessas famílias?
Cabe ainda refletir sobre qual é ou poderia ser o papel da colônia chilena na conformação de uma identidade sul-americana. Indivíduos, originários de um fluxo migratório que envolve países de cantos opostos da região, já atuam ou podem atuar pela aproximação de diferentes culturas da América do Sul, promovendo um ambiente plural marcado pelo convívio e pelas trocas?
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Notas
Información adicional
Cómo citar:: Dupeyrat, S. & Elhajji, M. (2023). Do Pacífico ao Atlântico: A presença chilena no Brasil, no contexto migratório intrarregional sul-americano. Mediaciones, 30(19), pp.205-221.
Declaración:: Este artículo se deriva de un proyecto de investigación de maestría denominado “Vidas e memórias que atravessam o continente: a construção identitária intercultural dos migrantes chilenos e descendentes no Rio de Janeiro", producida durante la maestría en Psicossociologia de Comunidades e Ecología Social de la Universidade Federal do Rio de Janeiro. Los autores declaran no tener conflicto de interés.