Artigo
Reflexões sobre a empatia e a escuta ativa no contexto escolar
Práticas Educativas, Memórias e Oralidades
Universidade Estadual do Ceará, Brasil
ISSN-e: 2675-519X
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 5, núm. 1, 2023
Recepção: 05 Julho 2023
Aprovação: 23 Setembro 2023
Resumo: Este estudo objetivou refletir sobre a necessidade da empatia e da escuta ativa no contexto escolar à luz de pressupostos e considerações da Disciplina Positiva (DP) e da Comunicação Não Violenta(CNV). Fundamentando essa reflexão teoricamente, foram consideradas contribuições de Rogers (1980) sobre a escuta ativa, Nelsen (2016), com reflexões sobre a Disciplina Positiva, Rosemberg (20portes da BNCC (2018). Este trabalho se pauta em pesquisa qualitativa, de modo que o enfoque privilegiou a interpretação do objeto, dada a relevância deste para a compreensão do trabalho. Optou-se metodologicamente por uma revisão bibliográfica, a saber, uma revisão narrativa não sistemática com viés exploratório em busca de tecer considerações. Por fim, percebeu-se que a empatia e a escuta ativa podem contribuir para a construção de uma cultura de acolhimento para superação dos sofrimentos a que estão submetidos os adolescentes da escola pública.
Palavras-chave: Empatia, Escuta, Adolescência, Contexto Escolar.
Abstract: This study aimed to reflect on the need for empathy and active listening in the school context in the light of assumptions and considerations of Positive Discipline (PD) and Non-Violent Communication (NVC). Grounding this reflection theoretically, contributions from Rogers (1980) on active listening, Nelsen (2016), with reflections on Positive Discipline, Rosemberg (2006), on Non-Violent Communication, among others, as well as contributions from the BNCC were considered. (2018). This work is based on qualitative research, so that the focus privileged the interpretation of the object, given its relevance for the understanding of the work. Methodologically, a bibliographical review was chosen, namely, a non-systematic narrative review with an exploratory bias in order to make considerations. Finally, it was noticed that empathy and active listening can contribute to the construction of a welcoming culture to overcome the sufferings to which public school adolescents are subjected.
Keywords: Empathy, Listening, Adolescence, School context.
1 Introdução
Na contemporaneidade, o termo “saúde” envolve uma perspectiva cada vez mais abrangente, como orientam os órgãos mundiais, a exemplo da Organização Mundial de Saúde (OMS), conforme a qual a saúde abrange um cuidado integral, a saber, “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades” (SEGRE; FERRAZ, 1997, p. 539).
Essa abrangência, como um direito humano básico, inclui crianças, adolescentes, adultos e senis, em suas diversas particularidades. Cronologicamente, a OMS delimita a faixa etária situada entre os 10 e os 19 anos (OMS, 2011) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) entre os 12 e os 18 anos de idade.
Quando se refere à saúde do adolescente, que não implica somente uma categoria cronológica, ignorar essa perspectiva abrangente pode resultar em adoecimento físico e psicológico desse público. A adolescência, como fase do desenvolvimento humano, aponta para um período de transição marcado por mudanças significativas na constituição física e psíquica que antecedem a idade adulta. Essas mudanças estão, por sua vez, relacionadas a diversos fatores biopsicossociais que podem ser de ordem social, ambiental, econômica e cultural.
Tais fatores alcançam a realidade desse sujeito adolescente nos diversos espaços nos quais ele está inserido, seja no lar, seja na família, seja na escola, por exemplo, e nos serviços a que ele tem acesso, como a educação e a saúde. Todavia, não é novidade que esse acesso se encontra bastante limitado, ainda mais quando se trata de adolescentes, aumentando demograficamente, em condição de vulnerabilidade social.
No mundo, tem-se em torno de um bilhão e trezentos milhões de adolescentes (ONU, 2008). Da população brasileira, 11% encontram-se na faixa etária de 10 a 19 anos. Vinte e um milhões de adolescentes estão entre 12 e 17 anos, cujo total, 31% vivem na Região Nordeste do Brasil (UNICEF 2011). No Ceará, existem atualmente em torno de 1,7 milhão de adolescentes entre 10 e 19 anos, correspondendo a 16% da população do estado (IBGE, 2010). Esse número de adolescentes é o maior da história do Brasil, chega-se a esse contingente pelos ganhos sociais das políticas públicas investidas na primeira infância. (VIEIRA; GUBERT, 2014, p. 18).
Os dados evidenciam um quadro crítico em que esses adolescentes precisam cada vez mais de atenção em cuidados em saúde. Parte desse contingente está em situação de vulnerabilidade social e em escolas da rede pública de ensino, carentes de empatia e de escuta ativa para que consigam lidar com seus sofrimentos.
Um estudo feito em 2021 pela Prefeitura de Fortaleza, com o tema “Fortaleza: Pandemia e Juventudes”, ouviu 969 jovens moradores da capital cearense e destes, 85% disseram ter percebido uma piora no seu estado emocional no período de isolamento. A pesquisa mostrou que 58,82% dos adolescentes perceberam uma piora significativa do seu estado emocional e 26,35% afirmaram que essa piora não foi tão intensa, mas aconteceu. Durante esse período, as aulas estavam sendo ministradas de forma remota pela maioria das escolas de Fortaleza, sendo assim, os adolescentes tiveram que lidar com a ausência física dos amigos e da escola para se adaptarem ao mundo virtual. O quadro a seguir demonstra o resultado da pesquisa:
Então, a partir de minha experiência como coordenadora escolar, em uma escola da rede pública estadual, pude entrar em contato com a difícil realidade de estudantes de ensino médio, muitos em condição de vulnerabilidade social. A lida diária na coordenação, também, me permitiu um olhar mais abrangente sobre os problemas que manifestavam, com crises intensas de ansiedade, transtornos, medos, entre outros, uma vez que, em alguns casos, a presença da família de alguns deles era imprescindível. No entanto, a vinda dessa família para a escola nem sempre é possível, visto que muitos têm trabalhos que não permitem que venham à escola devido ao tempo que precisam destinar a eles.
Para Barros (2020), em um período de isolamento social pode-se produzir, além das interferências econômicas e biológicas, um impacto significativo na saúde mental da população. Seja pelo medo de contrair a doença ou da morte e luto por perdas na família. Dessa forma, o clima de tensão pode intensificar os sintomas de transtornos mentais. Para os adolescentes, a necessidade de estar em grupo, as relações entre amigos, tudo que corresponde a busca de identidade, característica desse período, sofreu grandes impactos. Diante do isolamento, o índice de adolescentes escolares em sofrimento com algum tipo de transtorno mental aumentou consideravelmente e o estudo feito pela Prefeitura de Fortaleza, apontado anteriormente, comprova essa afirmação. Muitos alunos apresentaram sintomas de Transtorno de Ansiedade, alguns foram diagnosticados com depressão, bulimia, entre outros. Diante desse problema, a necessidade de escuta ativa para os adolescentes que sofrem com algum transtorno torna a escuta ativa ainda mais essencial no ambiente escolar.
Em busca de respostas para essa problematização mais central, no dia a dia, pude ouvir os adolescentes ativamente e compreender como o diálogo com os pais ou demais cuidadores é raro e o quanto a ausência desse momento com a família afeta a vida desses adolescentes. Pude constatar também que a empatia aliada à escuta ativa pode ser capaz de promover uma escola acolhedora. Não apenas no sentido de identificar e diagnosticar os problemas, mas de dar a eles uma atenção genuína e ativa no sentido de acolhê-los.
2 Metodologia
Quanto à natureza e o tipo de estudo, este trabalho se constrói com base em uma pesquisa de natureza qualitativa, cujo foco recai sobre a compreensão e a interpretação do fenômeno investigado, ou ainda, sobre o qual se reflete (MINAYO, 2012). Em primeiro lugar, sob esse viés, compreender implica levar com consideração as singularidades do indivíduo, tendo em vista que sua subjetividade manifesta uma parte do seu viver total, seja do pesquisador, seja do pesquisado. Essa possibilidade permite uma aproximação maior entre ambos e entre o pesquisador e o objeto. Em segundo lugar, ainda para Minayo (2012, p. 4), a interpretação consiste em “um ato contínuo que sucede à compreensão
A revisão narrativa, também conhecida como revisão tradicional, trata o objeto investigado a partir de uma discussão temática mais aberta, visto que não parte, em geral, de uma questão específica e fechada.
Os artigos de revisão narrativa são publicações amplas, apropriadas para descrever e discutir o desenvolvimento ou o "estado da arte" de um determinado assunto, sob ponto de vista teórico ou contextual. As revisões narrativas não informam as fontes de informação utilizadas, a metodologia para busca das referências, nem os critérios utilizados na avaliação e seleção dos trabalhos(1) Constituem, basicamente, de análise da literatura publicada em livros, artigos de revista impressas e/ou eletrônicas na interpretação e análise crítica pessoal do autor (ROTHER, 2007, p. 1).
Nesse caso, a busca das fontes não atende a um padrão sistemático e pré-determinado. Desse modo, a seleção dos artigos e textos pode ser relativamente arbitrária, o que, por sua vez, possibilita o entendimento de experiências levando-se em consideração aspectos subjetivos na análise e investigação com base na interpretação e análise crítica do autor (ROTHER, 2007).
Neste trabalho, então, foram selecionadas referências no tema e, a partir de uma pergunta problematizadora, objetivou-se definir o objeto e teorizá-lo, ou seja, da necessidade da empatia e da escuta ativa no contexto escolar, partindo de pressupostos e considerações da Comunicação Não Violenta e da Disciplina Positiva.
3 Resultados e Discussão
A empatia é conhecida culturalmente como sendo a ação de “colocar-se no lugar do outro”. Segundo o dicionário Aurélio, seria a tendência para sentir o que sentiria outrem caso se estivesse na situação e nas circunstâncias experimentadas, então, por outra pessoa ou outras pessoas. No entanto, com uma breve reflexão, pode-se entender que, se cada ser humano é único e carrega experiências singulares, como poderia ser possível se colocar no lugar do outro ou dos outros, se o sujeito enxerga o mundo a partir das experiências que vive ou que vivem? Possivelmente, um pouco da etimologia da palavra pode ajudar a elucidar essa questão.
Derivada do grego empatheia (em=dentro e pathos= sofrimento ou sentimento), [...] o termo ganhou um significado dissociado da arte e mais próximo no âmbito da relação pessoal ao ser traduzido para o inglês por Titchener, com o nome de empathy, cujo significado era de que , por meio da imitação interior ou esforço mental, seria possível conhecer, a consciência de outra pessoa (THOMAZI; MOREIRA; DE MARCO, 2014, p. 88).
Sendo assim, a empatia pode ser definida como a capacidade de saber ouvir, compreender, ter compaixão a partir do colocar-se no lugar do outro fazendo com que a pessoa que fala se sinta importante e compreendida. Para Falcone (1999), a empatia pode ser definida como uma habilidade de comunicação que possui três componentes:
(1) um componente cognitivo, caracterizado pela capacidade de compreender, acuradamente, os sentimentos e perspectivas de outra pessoa; (2) um componente afetivo, identificado por sentimentos de compaixão e simpatia pela outra pessoa, além de preocupação com o bem-estar desta; (3) um componente comportamental, que consiste em transmitir um entendimento explícito do sentimento e da perspectiva da outra pessoa (FALCONE, 1999, p. 24).
Esses componentes permitem compreender a empatia como sendo uma habilidade social inerente ao ser humano, que lhe diferencia dos demais animais. Entretanto, nem todos conseguem ser empáticos apenas por natureza ou, pelo menos, não conseguem acessar a compaixão necessária para serem empáticos.
De acordo com Falcone (1999), o primeiro componente, o cognitivo, seria a compreensão perfeita do sentimento do outro, a ponto de se compreender também o ponto de vista e as expectativas. O segundo componente, o afetivo, traz consigo a compaixão. No decorrer da vida, muitos acontecimentos nos levam a “endurecer” nossas relações. Quando crianças, parte considerável das pessoas teve uma educação autoritária que os levou a enrijecer os corações, muitas vezes, como forma de proteção e os afastou da essência humana que é a compaixão. “Todos os seres humanos, quando sentem dor, precisam de presente e empatia.
No decorrer da vida, muitos acontecimentos nos levam a “endurecer” nossas relações. Quando crianças, parte considerável das pessoas teve uma educação autoritária que os levou a enrijecer os corações, muitas vezes, como forma de proteção e os afastou da essência humana que é a compaixão. “Todos os seres humanos, quando sentem dor, precisam de presente e empatia. Podemos querer conselhos, mas só depois de recebermos a conexão empática” (ROSEMBERG, 2019, p.150). Todavia, nem sempre é isso o que acontece, a maioria das crianças e dos adolescentes brasileiros não contam com a empatia dos pais no processo de aprendizagem e fica cada dia mais difícil ser empático. O terceiro componente da empatia, segundo Falcone (1999), é o comportamental, que é talvez o mais importante, já que trata da demonstração de que se está sendo empático com a outra pessoa. É necessário clareza de que se está compreendendo a situação do outro para que ele também se sinta acolhido. A melhor forma de fazer isso é falando, expressando aquilo que se sente e se vê em relação à perspectiva do outro.
Trazendo a empatia para a escola atual, é importante lembrar-se de que, após o período de isolamento da covid-19, o retorno dos alunos foi feito de forma lenta e monitorada. Hoje, cerca de um ano depois, percebe-se que a convivência em grupo é uma dificuldade dos adolescentes após o período de isolamento. O Instituto Ayrton Senna junto com a Secretaria do Estado de São Paulo realizou uma pesquisa que mostra o impacto que o isolamento social causou nos estudantes. Foram escutados 642 mil estudantes do estado de São Paulo e 70% dos estudantes apresentaram sintomas de ansiedade ou depressão. A mesma pesquisa também comprovou que cerca de 33% dos estudantes apresentaram dificuldades de concentração ao retornarem às salas de aula. Diante desse cenário crítico, os alunos retornaram com inúmeras dificuldades psicossociais e de aprendizagem. A empatia e a escuta ativa surgem, então, em meio a essas consequências do isolamento como formas de acolher os alunos e ajudá-los a lidar com o processo de retorno.
A empatia e a escuta ativa surgem, então, em meio a essas consequências do isolamento como formas de acolher os alunos e ajudá-los a lidar com o processo de retorno. A escuta ativa foi criada pelos psicólogos americanos Carl Rogers e Richard Farson, em 1950, eles criaram o termo e passaram a utilizar como uma abordagem terapêutica, cirurgia então a ACP (Abordagem Centrada na Pessoa). Atualmente, ela, a escuta ativa, se faz necessária tanto nas escolas como no ambiente de trabalho. Para escutar ativamente, é preciso compreender o outro e dar muita atenção ao que ele diz, sendo assim, a empatia é necessária à escuta ativa. Muitos alunos, tanto da escola pública como privada, não têm essa escuta em casa e não conseguem ser ouvidos pelos pais. A adolescência já é um período de mudanças e muitos desafios para os alunos, sem o apoio e a escuta dos pais, atravessar tantas mudanças de forma segura se torna ainda mais complicado. Segundo Paulo Freire, é “escutando que aprendemos a falar com eles. Somente quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas condições, precise de falar a ele” (FREIRE, 2006, p.113). O professor que aprende a escutar ativamente seus alunos, possivelmente terá 100% da sua sala de aula colaborando com ele, a escuta ativa é uma excelente forma de criar vínculo com os estudantes.
No contexto escolar, a empatia traz consigo o poder de desenvolver uma educação voltada para a paz, que ressignifique as relações para que as pessoas, no caso, os alunos possam compreender a realidade em que vivem para que tomem ações diante dela. Para Jares (2007, p. 44-45), “desenvolver um novo tipo de cultura, a cultura de paz, que ajude as pessoas a entender criticamente a realidade, desigual, violenta, complexa e conflituosa, para poder ter uma atitude e uma ação diante dela”, logo a compreensão constitui a base de uma escola que busca a paz a partir do acolhimento e do desenvolvimento psicossocial da criança e do adolescente. A EEFM São José, lócus escolhido para este estudo, está localizada no Parque São José, em Fortaleza-Ceará e, atualmente, tem 3540 alunos matriculados. Atende a um grupo de adolescentes de risco numa comunidade de extrema vulnerabilidade social da região suburbana de Fortaleza, a Favela dos Canos e a Favela Vertical, que hoje são comandadas por facções. Após o início do isolamento social, muitos alunos relataram terem sintomas de Transtorno de Ansiedade, como insônia, tremores, medo sem sentido e palpitações. A partir disso, a gestão passou a acolher os alunos e, por meio da escuta ativa, conseguiu aliviar esses sintomas até que os pais conseguissem atendimento terapêutico. Além da ansiedade generalizada, a depressão também está presente entre os alunos nesse retorno e provocou quatro tentativas de suicídio durante o primeiro semestre de 2022. Diante desse cenário, a empatia, por meio da escuta ativa, surge como uma forma de manter a conexão com esses adolescentes e de alguma forma aliviar a dor.
Cuidar desses alunos tem sido o principal desafio da escola no período pós-pandemia. Nessa perspectiva, o ouvir ativamente, procurar estabelecer uma conexão empática e por esse aluno no centro, considerando todos os aspectos subjetivos dele como sujeito da sua história foi a principal função do Projeto São José Acolhe, um grupo de escuta ativa criado em 2020, no auge da pandemia, se propôs realizar a escuta para adolescentes 100% on-line, acontecendo todas as sextas-feiras, às 17h, via Google Meet. Depois de criada a ideia, fomos em busca de professores que quisessem apoiar o projeto e de alunos para participarem dos encontros. O Grupo São José Acolhe traduz uma atitude de responsabilização, de atenção e de compreensão da realidade do aluno.
A região em que se localiza a EEFM São José é de imensa vulnerabilidade social. Muitos alunos dividem-se entre o trabalho e a escola porque os pais necessitam de ajuda financeira. Diante disso, torna-se ainda mais imprescindível a empatia no ambiente escolar. A adolescência é um período da vida bastante complexo em que várias pessoas sentem dificuldades para atravessar. Mudanças físicas, psicológicas, afastamento da família em busca de um grupo que se identifique, tudo isso torna-se ainda mais desafiador quando o adolescente se depara com problemas da fase adulta, como é o caso da questão financeira.
A adolescência é um período da vida que pode ser ao mesmo tempo desconcertante e maravilhoso. Com uma duração que vai aproximadamente dos doze aos vinte e quatro anos de idade (sim, até meados dos vinte anos !), a adolescência é conhecida em várias culturas como uma época de grandes desafios (SIEGEL, 2016, p. 7).
Segundo Siegel (2016), não se deve considerar a adolescência como um período a ser superado, e sim como uma fase importante da vida rumo à transição para a fase adulta. “A adolescência não é apenas uma etapa a ser superada, e sim uma etapa da vida para ser cultivada da forma certa” (SIEGEL, 2016, p. 74. Ou seja, a adolescência é uma fase vital da vida que precisa ser tratada como tal para que as habilidades essenciais à vida adulta que precisam ser adquiridas nesse período possam ser cultivadas. Tem-se novamente a importância da empatia no processo da adolescência por meio da escuta ativa.
A escuta ativa não é apenas uma forma de ouvir, mas também interpretar o que o outro diz com atenção. Muitos pais acreditam que os filhos adolescentes não os escutam mais ou até não querem saber dos assuntos que se relacionam à família. No entanto, ao ouvirmos as narrativas dos alunos no grupo São José Acolhe, percebemos que eles esquecem que os filhos não são mais crianças e há uma necessidade maior de ser ouvido e ter a sua fala validada por aqueles que são importantes na vida desse adolescente. A escuta pode acontecer de diversas formas, verbais ou não-verbais, levando em consideração o todo que constitui o indivíduo jovem. Segundo Rogers (1980), para ouvir com atenção e empatia é necessário escutar o outro profundamente, incluindo "as palavras, os pensamentos, a tonalidade dos sentimentos, o significado pessoal, até mesmo o significado que subjaz às intenções conscientes do interlocutor" (ROGERS, 1980, p. 8).
BAKHTIN (2010) diz que a palavra é a base da vida interior, para o autor, sem a palavra, o psiquismo seria quase nada. A partir dessa reflexão, compreendemos a importância de um grupo de escuta ativa na escola num dos períodos mais difíceis da história da humanidade em que os adolescentes, que deveriam estar formando seus grupos de convivência, se encontravam isolados.
Para Quixadá (2015), os elementos fundamentais para o processo de interiorização e organização na vida psíquica são o outro e o diálogo entre eu e o outro, ou seja, o grupo de escuta ativa, proposto pela EEFM São José, também foi capaz de auxiliar os alunos nesse processo de interiorização e organização psíquica por meio do diálogo. Uma aluna que participou do grupo disse que ele era como um oásis para ela em meio ao caos da pandemia, essa devolutiva apenas confirma a fala dos autores acima.
De acordo com a Disciplina Positiva, todo ser humano precisa se sentir aceito e importante dentro do seu contexto social. A família é o treino para a vida em sociedade dos adolescentes, sentir-se aceito e importante dentro dela, fará com que os adolescentes desenvolvam competências emocionais para lidar com os conflitos na idade adulta (NELSEN, 2016). A escuta ativa é uma importante ferramenta para a construção desse conceito de aceitação e importância que gera o pertencimento.
Em versão reduzida do artigo “Active Listening”, de Carl Rogers e Richard Farson, publicada no jornal Communication in Business Today em 1987, os autores destacam:
A escuta ativa é uma maneira importante de provocar mudanças nas pessoas. […] As pessoas ouvidas através da escuta ativa tornam-se mais maduras emocionalmente, mais abertas às suas experiências, menos defensivas, mais democráticas e menos autoritárias” (ROGERS; FARSON, 1987, on-line, tradução nossa).
A escuta ativa é fundamental para a escola, por meio da escuta conseguimos entender as necessidades dos alunos e pais para construir uma escola mais acolhedora e humana. Rocha, Hueb, Scorsolini-Comin (2020) organizaram um estudo de caso coletivo, baseado em Winnicott, com crianças acolhidas e em processo de adoção. Os autores trazem a criança institucionalizada colocada em um lugar de fala, no qual podem expressar seus sentimentos, narrar suas histórias e dar importância à fala infantil. Sendo assim, por meio da escuta, é possível acessar a criança e acolhê-las sem julgamentos diante de suas histórias.
Em Rocha, Hueb, Scorsolini-Comin (2020) os institucionalizados são ouvidos a partir de uma determinada dinâmica proposta, sempre utilizando o lúdico, as crianças falam sobre suas famílias de origem, os abusos que sofreram e a vontade de ter uma família que seja estável e segura. Os pesquisadores demonstram o tempo todo interesse na fala das crianças, o que faz com que se sintam importantes e que tenham maior confiança nos autores. Trazendo essa experiência para o âmbito escolar do Ensino Médio, percebe-se a importância de dar um lugar de fala aos adolescentes e estarmos atentos a essa fala. Por meio da escuta ativa, a escola pode manter uma conexão maior com o aluno, possibilitando uma melhor aprendizagem e menor evasão escolar.
Com o objetivo de prevenir o suicídio nas escolas e intensificar os cuidados em relação a saúde mental dos adolescentes escolares, Xavier (2021) desenvolveu o projeto Guardiões da Vida em parceria com o Núcleo de Intervenções e Pesquisas Sobre a Saúde da Criança e do Adolescente (NUSCA) do curso de Psicologia da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e a Secretaria de Educação do Ceará (SEDUC). A autora narra que foram escolhidas 15 escolas para implantação do Projeto Piloto, cada escola deveria enviar 3 pessoas para participar de um grupo de formação de prevenção ao suicídio, foi formado um grupo de 45 pessoas que foram denominados Guardiões da Vida na Escola.
Os aspectos abordados ao longo desses encontros envolviam: adolescência e desenvolvimento humano; compreensão sobre os aspectos multidimensionais da saúde mental e conduta suicida na adolescência; fatores de proteção e fatores de risco na adolescência; teorias sobre conduta suicida; o papel terapêutico da arte no sofrimento psíquico; o papel da escola na prevenção ao suicídio; articulação com a rede de proteção e de atenção psicossocial; o papel da família na saúde mental; construção de projetos permanentes na escola que potencializem cuidados em saúde mental com toda a comunidade escolar e de ações intersetoriais e interdisciplinares; o que fazer diante de conduta suicida (XAVIER, 2021, p.202).
A partir do estudo desenvolvido por Xavier (2021), as escolas da rede pública de ensino do Estado do Ceará passaram a ter um norte sobre as diversas situações enfrentadas pelos adolescentes que podem levar ou agravar um quadro de adoecimento mental. A autora cita as seguintes situações: “dificuldades de comunicação e relacionamento com família; resistência dos alunos em pedir ajuda no ambiente escolar; baixa autoestima; dificuldade para confiar nas pessoas; dificuldade para falar sobre os próprios sentimentos; ausência do apoio familiar” (XAVIER, 2021, p. 202) entre outras.
Alguns adolescentes sofrem muito, e não oferecer ajuda pode ser crueldade. É comum que sejam suicidas aos quatorze anos, e é deles a tarefa de tolerar a interação de muitos fenômenos disparatados — sua própria imaturidade, suas próprias mudanças relativas à puberdade, suas próprias ideias do que é vida e seus próprios ideais e aspirações; acrescente-se a isso sua desilusão pessoal a respeito do mundo dos adultos, que lhes parece essencialmente um mundo de compromissos, de falsos valores e de infinitas digressões em relação ao tema central (WINNICOTT, 1999, p. 7).
A formação das equipes em cada escola tinha por objetivo desenvolver ações contínuas de prevenção ao suicídio e promoção da saúde mental dentro das escolas. No entanto, segundo Xavier (2021), algumas mudanças ainda precisam ser realizadas para que isso aconteça, a autora cita que a escola precisa ser um lugar de não-violência e promoção de pais, também fala que se faz preciso e urgente combater o preconceito e o bullying nas escolas, também é de imensa importância aproximar a escola da família e valorizar as questões emocionais dos estudantes e professores. Uma grande dificuldade que também precisa ser sanada é a comunicação com a rede de saúde e assistência.
Somando a essa perspectiva, a Comunicação Não Violenta (CNV), por sua vez, constitui uma forma de acolher o outro e a si sem julgamentos. Sendo assim, a empatia é a base da CNV. Quando nascem, os indivíduos não estabelecem nenhum julgamento de outrem a priori e estão predispostos ao amor, à compreensão e ao crescimento se relacionando com o outro. A CNV é capaz de quebrar a crosta que se constrói no decorrer da vida em torno do próprio coração e ajuda a resgatar a essência humana.
Para Rosemberg (2006), a linguagem utilizada na Comunicação Não Violenta, a linguagem da girafa, é a melhor forma de acolher o outro e demonstrar empatia. A girafa, por ser o maior animal terrestre, com seu pescoço extenso e prolongado, consegue enxergar mais longe, sendo assim percebe que todo comportamento desafiador esconde uma real necessidade. Por ter o maior coração do reino animal, ela também consegue demonstrar mais amor e empatia. Trazendo essa reflexão para o cotidiano da sala de aula e da gestão pedagógica, atender os alunos com mais empatia nos fez entender melhor o porquê dos comportamentos desafiadores e nos possibilitou juntamente com esses alunos buscar soluções para as situações apresentada sem julgamentos ou punições. A linguagem da girafa permite que os sentimentos sejam ditos sem ferir a outra pessoa, já que não soam como críticas, e sim enfatizam o reconhecimento no outro das necessidades não atendidas. Na escola, a CNV tem papel fundamental na resolução de conflitos, já que como diz Rosemberg (2006): promove maior profundidade no escutar, fomenta o respeito e a empatia e provoca o desejo mútuo de nos entregarmos de coração.
4 Considerações finais
Diante da problemática exposta sobre o aumento significativo de adolescentes com algum tipo de adoecimento mental no contexto pós isolamento social, se tornou possível, ao longo desta pesquisa, refletir sobre como a empatia nesse período se faz importante e necessária para que a escola possa oferecer um espaço de acolhimento e aprendizagem para esses alunos.
No contexto escolar, a empatia, por meio da escuta, traz consigo o poder de desenvolver uma educação voltada para a paz, que ressignifique as relações para que as pessoas, no caso, que os alunos possam compreender a realidade em que vivem para que tomem ações diante dela. Em outras palavras, como pondera Jares (2007), agir em prol de uma nova cultura baseada na pacificidade.
Nesse sentido, o Grupo São José Acolhe, que foi criado dentro da pandemia pela gestão da EEFM São José, pode ser visto como um espaço de escuta para os adolescentes e uma forma de conseguir auxiliá-los com seus sofrimentos por meio da escuta ativa. Com isso, reafirmo a importância da escuta dos nossos adolescentes escolares como uma forma de criar vínculo e auxiliá-los a lidarem com suas dores durante o período da adolescência.
Portanto, é de suma importância que haja um estudo e ampliação de grupos e culturas escolares como as apresentadas neste trabalho que promovam a escuta ativa por todo o ambiente escolar . Além da capacitação de professores e funcionários para lidarem com os adolescentes escolares nesse momento pós isolamento social.
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