Artigo
Entre Imagens e Letras: a memória da redemocratização do Brasil, a partir das fotografias dos livros didáticos de história
Práticas Educativas, Memórias e Oralidades
Universidade Estadual do Ceará, Brasil
ISSN-e: 2675-519X
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 4, núm. 1, 2022
Recepção: 22 Novembro 2021
Aprovação: 18 Março 2022
Publicado: 20 Março 2022
Resumo: O período que antecedeu a Redemocratização foi marcado por diversos conflitos políticos e sociais, e o livro didático tornou-se um recurso importantíssimo para a instituição e divulgação de sua memória. Posto isso, este artigo tem como objetivo analisar, a partir de memórias pictóricas, como se instituiu a Redemocratização do Brasil como um acontecimento político e sociocultural relevante no Brasil. Metodologicamente, analisam-se as fotografias dos Livros Didáticos de História do Ensino Médio, aprovados pelo PNLD 2018, que tratam do Período da Redemocratização. A contribuição teórica de que este artigo serve auxilia na compreensão das fontes de imagem como um artefato de ensino e pesquisa. Como resultado, infere que as fontes pictóricas sobre o Período da Redemocratização, que circulam nos livros didáticos de História,
Abstract: The period that preceded the Redemocratization was marked by several political and social conflicts and the textbook became a very important resource for the institution and dissemination of its memory. With that said, this study aims to analyze, based on imagistic memories, how the Redemocratization of Brazil was institutionalized as a relevant political and sociocultural event in Brazil. Methodologically, it analyzes photographs of High School History Textbooks approved by PNLD 2018, which depict the Redemocratization period. The theoretical contribution that this article follows helps to understand imagery sources as a teaching and research artifact. As a result, it is possible to infer that imagery sources about the Redemocratization period that circulate in history textbooks establish a political memory in the country.
Keywords: Educação, Conflitos políticos, imagem, livros didáticos, memória, Ensino, Conflitos Políticos, Imagens, livros didáticos, Memória.
Entre Imagens e Letras: a memória da redemocratização do Brasil, a partir das fotografias dos livros didáticos de história
1 Introdução
O período que antecedeu a redemocratização foi marcado por diversos conflitos políticos e sociais, e o livro didático tornou-se um instrumento essencial para a consolidação e divulgação de uma memória histórica específica, que marcou fortemente a representação do passado. Lembrando que o livro didático existe dentro de um contexto político e social complexo, pois é um livro que abrange uma ampla circulação, desde as escolas públicas até as particulares (MEDEIROS, 2021).
O livro didático, como ferramenta essencial no processo ensino-aprendizagem, ampliou as possibilidades de obtenção do conhecimento, contribuindo para o fortalecimento da relação do homem com a linguagem escrita, despertando interesse político, cultural, econômico e educacional.
Como objeto de análise, o livro didático de História pode não só conter imagens reais como também suscitar reflexões sobre influências ideológicas, fatos tidos como acabados, visões unilaterais de conteúdo, além da ausência de reflexão e senso crítico, tão indispensáveis na construção de um novo conhecimento. Percebemos que nos livros didáticos estão presentes múltiplas imagens que podem ser objeto de análise: pinturas, desenhos, gravuras, fotografias, murais, charges, etc.
As imagens do livro didático também são uma forma de narrativa, portanto representam uma percepção do passado. Uma das vertentes da história que tem recebido grande atenção é aquela que se debruça sobre os diversos tipos de textos pictóricos para pensar a escrita, a linguagem e a leitura de um fato.
As imagens relacionadas ao passado possibilitam diversos olhares e interpretações da história, portanto, sob novas perspectivas e sensibilidades. As imagens sobre o Período da Redemocratização trazem informações que mexem com a memória. Portanto, as imagens desse período representadas nos livros didáticos, servem como fontes de ensino, são fontes de pesquisa sobre a memória. A memória tem se mostrado um tema muito explorado em academias e centros de pesquisa (TAMANINI; MEDEIROS; MORAIS, 2020).
O artigo traz as fotografias dos Cadernos de Ensino de História do Ensino Médio, aprovados pelo PNLD 2018, tornando-se peças fundamentais nas construções das narrativas sobre a Redemocratização, pois, além de registros do passado, colaboram no processo de rememoração para as pessoas que os contemplam. No caso das fotografias do Período da Redemocratização, esperamos que, ao estudá- las de forma criteriosa e crítica, possamos estar contribuindo para esse processo de rememoração em busca de um futuro melhor, na esperança de que as injustiças do passado não será repetido.
2 A memória e a história da Redemocratização
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A memória é fundamental na reconstrução da História da Redemocratização do Brasil. Memória do passado que retrata o presente, que permite compreender a continuidade dos fatos gerados ao longo do tempo. É sobre um passado vivido, que marcou um povo. Como afirma Halbwachs (2006, p.32): “esquecer um período de sua vida, é perder o contato com aqueles que então nos cercavam”.
Para Halbwachs (1990, p.60), a "história vivida" tem tudo para constituir um cenário vivo e natural no qual um pensamento possa se apoiar, preservar e redescobrir a imagem de seu passado. Assim, as pessoas usam as imagens do passado como membros de "grupos sociais", que sempre precisam da memória de outros indivíduos para confirmar suas próprias memórias e oferecer-lhes resistência.
Assim, a história vivida é construída, como enfatiza Halbwachs (1990, p. 60):
Não é uma história aprendida, é a história vivida que sustenta a nossa memória. Por história é preciso entender, então, não uma sucessão cronológica de eventos e datas, mas tudo aquilo que distingue um período dos demais, e cujos livros e narrativas geralmente nos apresentam apenas um quadro muito esquemático e incompleto (Halbwachs , 1990, p. 60).
Maurice Halbwachs (1990, p.60) observa que a memória é uma construção social e que, embora sejam as pessoas que lembram, são os "grupos sociais" que determinam o que se torna "memorável". Ao recordar, os indivíduos se colocam no lugar do outro ou dos grupos, e se colocam em uma ou mais correntes de pensamento coletivo. Ainda que percebidas, as imagens intervêm na memória e recuperam memórias individuais.
A memorização do passado transparece também por meio da música, que veio como resistência e ao mesmo tempo esperança para o povo brasileiro naquele período em que o Brasil vivia um momento conturbado de sua história. Quando os militares assumiram o poder, a liberdade de pensamento foi cortada da população. Foi neste contexto que as canções de protesto foram sugeridas. A música serviu de elo de expressão para que os jovens refletissem sobre os problemas internos e externos de seu país. Os estudantes se organizaram em torno da União Nacional dos Estudantes (UNE) e questionaram um regime ditatorial que reprimia a participação política e manifestações que demonstravam perigo para a nova ordem estabelecida.
Como demonstra a letra da música do compositor Geraldo Vandré, de 1979,
Caminhando e cantando e seguindo a canção / Somos todos os mesmos braços dados ou não / Nas escolas, nas ruas, campos, prédios / Caminhando e cantando e seguindo a canção. Venha, vamos, que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora, não espera afetar (DIAS, 1979, p. 6 - 49).
Nessa canção, Geraldo Vandré Dias (1979, p.6 - 7) enfatizou as injustiças "nos campos há fome nas grandes plantações", destacou a presença do exército nas ruas "Tem soldados armados, queridos ou não" e convocou o povo a se unir na luta contra o poder "Vem, vamos, esperar não é saber. Quem sabe marca o tempo, não espera que aconteça”. Geraldo foi preso e exilado, mas a música "Caminhando" (como ficou popularmente conhecida) é um clássico da música popular brasileira.
A educação foi bastante impactada pelo decreto AI-5. No final de novembro de 1968, os militares haviam promulgado a Lei nº 5.540 da Reforma Universitária. A educação profissional foi modificada em 1971, com a Lei nº 5.692, que instituiu o segundo grau técnico obrigatório. Portanto, o AI-5 tem impactos diretos na Educação, no que representou na repressão aos movimentos sociais organizados, na demissão de intelectuais, na aposentadoria compulsória de professores, na desmobilização de qualquer possibilidade de organização estudantil.
Com o decreto do AI-5, a sociedade perdeu todo um movimento de reformas de base que tentava resolver graves desigualdades educacionais. Em Carrano (2018, pn p), o analfabetismo foi um aspecto marcante, foi algo que “marcou o campo da educação e, por isso, foram criadas políticas de alfabetização”.
Para Carrano (2018, pnp):
Toda a ideia da importância de Paulo Freire e da educação popular começava a ser fortemente praticada, pouco antes do golpe de 1964, com projetos como os "Círculos de Cultura" e a campanha "De Pé no Chão Têmbé se Aprende a Ler", esta última vivenciada em 1961, na cidade de Natal, Rio Grande do Norte. Quando essas experiências de educação popular começaram a se institucionalizar e ganhar um caráter público operacional e massivo, isso se interrompe, “se põem em prática formas mais instrumentais e menos políticas de formação cidadã” (CARRANO, 2018, pnp).
Com o fim do governo ditatorial, em março de 1985, foi possível perceber no país um sentimento de esperança e, ao mesmo tempo, apreensão quanto ao futuro. Por um lado, a liberdade política foi restaurada. Por outro lado, a crise econômica e financeira afetou a população de forma desigual, sendo mais severa para a população mais pobre e para a classe trabalhadora. Desde 1985, o Brasil vive seu mais longo período democrático.
Com o processo de Redemocratização na década de 1980, as transformações da realidade brasileira e a compreensão da escola e da educação como lugares políticos voltaram a colocar a história em discussão, com suas múltiplas funções e significados, entre eles o de disciplina escolar. Nesse contexto, temas e questões presentes nas discussões mais amplas sobre a Redemocratização foram incorporados pelos participantes dos debates no ensino de História, como a definição ampliada de cidadania como sujeito da própria história e a preocupação com o cotidiano dos o aluno (CIAMPI; CABRINI, 2003).
Ao tratar de episódios que retratam o Período da Redemocratização, as imagens não são espelhos que refletem com nitidez o que aconteceu, não são clarividentes do passado, mas uma forma de perceber aquele ontem (TAMANINI; MEDEIROS; MORAIS, 2020, p. 39 ).
3 Memória da educação e as imagens no livro didático de História
O livro didático é permeado de temas voltados ao objeto de pesquisa, ocupa lugar de destaque na trajetória da educação e no processo histórico e cultural da escolarização. Numa perspectiva contemporânea, desempenha o papel de instrumento de difusão e recriação do conhecimento. No Brasil, faz parte das práticas culturais, contribuindo para a expansão pedagógica e a construção da identidade nacional. Segundo Fonseca (2006, p. 47), “o livro didático é, de fato, o principal veículo de conhecimento sistematizado, o produto cultural mais popular entre os brasileiros que têm acesso à educação escolar”.
A importância do livro didático reside, portanto, na explicação e sistematização do conteúdo histórico a partir das propostas curriculares e da produção historiográfica (BITTENCOURT, 2008). Ele tem sido o principal responsável pela concretização dos conteúdos históricos da escola.
O livro didático é um veículo importante que carrega um sistema de valores, uma ideologia, uma cultura. BITTENCOUR (2008, p. 299) diz que “é um objeto cultural de difícil definição, mas, pela familiaridade de uso, é possível identificá-lo, diferenciando-o de outros livros”.
Além disso, Zamboni (2008, p. 243) afirma:
A educação no século XXI é um desafio e se caracteriza pela complexidade decorrente da multiplicidade de mudanças e transformações ocorridas em todos os setores da vida social, principalmente na segunda metade do século passado. E as políticas públicas relacionadas à escola não acompanharam os deslocamentos populacionais, os avanços tecnológicos e científicos e as mudanças socioculturais. Somados a esses fatores, os currículos escolares não expressam os paradigmas da cultura contemporânea. Milhares de crianças e adultos estão fora da escola e de qualquer outro projeto educacional. O princípio da escola democrática, baseado em ideais liberais, em que a educação era assumida como um direito universal, ainda não se concretizou, embora remonte ao século XVIII. A educação oferecida na época atendia às necessidades da nascente burguesia, forjou uma identidade nacional e contribuiu para a formação do estado nacional moderno. Um projeto único e homogêneo de educação significava, na prática, excluir, consolidar distinções e criar ambiguidades. Nesse sentido, o ensino e a disciplina de História tinham caráter enciclopédico e moral, marcados pela ideia de progresso, que deveria dar visibilidade à Nação (ZAMBONI, 2008, p. 243).
A partir do trecho acima, podemos dizer, então, que a educação visa transformar a sociedade por meio de uma política pública voltada para a formação de cidadãos conscientes. Nesse sentido, o estudo crítico da História é fundamental, pois faz parte do cenário da formação desse cidadão.
Circe Bittencourt (2008, p. 311-316) em sua abordagem da análise do livro didático considera importantes os aspectos formais: "a capa", com suas "cores" e "ilustrações"; os "conteúdos históricos escolares", ou seja, como os conteúdos são apresentados e sistematizados na proposta curricular; e o "conteúdo pedagógico", que enfoca a forma como o aluno articula o processo de aprendizagem.
De acordo com sua percepção:
O livro didático, [...], é um material importante e amplamente aceito porque, além de fornecer, organizar e sistematizar o conteúdo implícito, inclui métodos de aprendizagem da disciplina. Não se trata apenas de livros de História, Geografia ou Química, mas também de um livro pedagógico, no qual está contida uma concepção de aprendizagem. A seleção das atividades apresentadas e sua disposição no decorrer do texto não são aleatórias e requerem uma análise específica, para entender a coerência do autor em sua proposta e proporcionar condições para um aprendizado que não se limite à memorização de determinados acontecimentos ou fatos históricos, mas permitem que o aluno desenvolva suas habilidades intelectuais (BITTENCOURT, 2008, p. 315).
Para que o livro didático seja aprovado, é necessário que ele inclua conteúdo relevante à observância dos princípios éticos e democráticos necessários à construção da cidadania e da convivência social republicana.
Obras didáticas que: seriam excluídas do PNLD 2018
Transmitir estereótipos e preconceitos de ordem socioeconômica, regional, étnico-racial, de gênero, orientação sexual, idade, idioma, religião, condição de deficiência, bem como qualquer outra forma de discriminação ou violação dos direitos humanos; doutrinação religiosa, política e/ou ideológica, desrespeitando a laicidade e autonomia do ensino público; e utilizar o material escolar como veículo de propaganda ou divulgação de marcas, produtos ou serviços comerciais (BRASIL, 2018, p. 33-34).
Nos livros didáticos de História para o Ensino Médio, PNLD 2018, as imagens dialogam com a escrita e estão presentes no decorrer do texto central e nas caixas, com algumas propostas de atividades. As imagens também se encontram nas aberturas das unidades e capítulos, em linha do tempo, complementares, propondo uma relação entre o presente e o passado. As imagens visuais que se destacam nos livros são mapas, tabelas, obras de arte, documentos, personagens, cartoons, gráficos, etc., são ilustrações que retratam acontecimentos históricos condizentes com a escrita e são apresentadas em cores ou também em preto e branco.
A forma de representar por meio de imagens oficiais um período histórico tão importante como a Redemocratização do Brasil para nossa história, nos remete à ideia de fotografia pública. São fotos oficiais que mostram o presidente em uma pose diferente, bem vestido, em um evento oficial. A fotografia pública está relacionada às noções de poder e ideologia inseridas na nova história política.
Segundo Ana Maria Mauad (2015):
Estudos sobre fotografia e história indicam que ela se torna pública para cumprir uma função política, que garante a transmissão de uma mensagem para dar visibilidade a estratégias de poder, ou mesmo disputas de poder. (...) É, portanto, o suporte de agenciamento de uma memória pública que registra, retém e projeta no tempo histórico, uma versão dos acontecimentos (MAUAD, 2015, p. 13).
A imagem torna-se importante para os estudos históricos que emitirão uma relação de informação para as diversas áreas do conhecimento. Na verdade, a intenção do fotógrafo é registrar o contexto de uma época, um momento singular no tempo.
O mundo das fotografias/imagens é dividido em duas grandes esferas que não podem ser separadas, pois uma precisa da outra para existir. A primeira esfera seriam as imagens como representações visuais, ou seja, desenhos, pinturas, gravuras, fotografias, imagens cinematográficas, televisivas e infográficas. A segunda esfera refere-se às imagens em nossa mente, é o domínio imaterial. Nessa esfera, as imagens aparecem como visões fantasiosas, imaginações, esquemas, modelos (SANTAELLA; NÖTH, 2005), ou seja, geralmente como representações mentais, “não há imagens como representações visuais que não tenham surgido de imagens na mente daqueles quem as produziu, do mesmo modo que não há imagens mentais que não tenham alguma origem no mundo concreto dos objetos visuais” (SANTANELLA; NÖTH, 2005, p. 15).
Como mostram algumas imagens dos livros didáticos de História do Ensino Médio, uma delas retrata uma ampla mobilização popular em apoio à emenda, que resultou em grandes comícios em várias partes do Brasil, cujo slogan era “Direto Já ! ” .
fotografia da Figura 01, na análise da fotografia de Cynthia Brito tirada em 1984, revela as manifestações pelas eleições diretas para presidente, que levaram milhões de pessoas às ruas em todo o Brasil.
A fotografia da Figura 01, na análise da fotografia de Cynthia Brito tirada em 1984, revela as manifestações pelas eleições diretas para presidente, que levaram milhões de pessoas às ruas em todo o Brasil.
Ao examinarmos essa imagem (Comício das Eleições Diretas, 1984), observa-se ambiente externo, limpo, iluminado pela luz solar e sugestivo de um parque. Céu azul, com poucas nuvens e apresentado em grande extensão. Presença de prédios e um monumento ao fundo. Destaque para as pessoas em cima dos prédios e no chão, com roupas de cores diversas, bandeiras de cor azul, vermelha, amarela, roxa. O colorido faz com que a imagem desperte a curiosidade do leitor/aluno. Foi descrito o contexto de produção nas faixas, com base em aspectos referentes às políticas de incentivo às “Diretas Já!”.
O uso da imagem deve ser significativo, deve ter intencionalidade, é necessário ter qualidade, como afirma Joly (2007), “as imagens mudam os textos, mas os textos, por sua vez, mudam as imagens”.
A fotografia é de autoria do fotógrafo Carlos Namba/Coleção Abril. A imagem conta exclusivamente com a presença de homens em sua maioria, e uma mulher, totalizando 22 personagens, localizadas em um ambiente que se assemelha a um lugar reservado e bem cuidado. Duas pessoas estão sentadas, uma discursando, três aplaudindo, duas estão com um braço levantado e as outras pessoas estão em pé. Elas apresentam idades distintas até os oitenta anos de idade, o que significa o período de dedicação à carreira política. A figura traz a imagem de homens e uma mulher com vestes sociais, de cores neutras e escuras, em seus rostos transparecem um semblante de felicidade, que simboliza vitória, uma sensação de esperança e, ao mesmo tempo, o sentido de ‘dever cumprido’, por quem defendeu a luta pelas Diretas Já! Ela ilustra a página da coleção Olhares da História – Brasil e mundo, volume 3, acompanhada de legendas explicativas e um pequeno texto escrito que retrata a transição democrática: esperança e apreensão quanto ao futuro do Brasil.
É preciso que o leitor adquira os conhecimentos correspondentes e desenvolva a sensibilidade necessária “para saber como as imagens se apresentam, como indicam o que querem indicar, qual é o seu contexto de referência, como as imagens significam, como elas pensam, quais são seus modos específicos de representar a realidade” (SANTAELLA, 2012, p. 13).
Sobre esse assunto, Joly (2007, p.19) afirma que uma imagem é, antes de tudo, algo que se “assemelha a alguma coisa”. Até mesmo quando essa imagem não é concreta, como nos “sonhos e fantasias”, por exemplo, ela se assemelha com a visão natural das coisas. Esta semelhança coloca a imagem na “categoria das representações”, sendo definida, portanto, como signo analógico, que tem na semelhança o seu princípio de funcionamento.
A imagem 03 retrata o momento da promulgação da Constituição, em Brasília, ano de 1988. É uma imagem fixa, como defini Santaella (2005), sem movimento. Torna-se visualizável na imagem centenas de pessoas aglomeradas em um mesmo local, em busca do mesmo objetivo.
O cenário com centenas de pessoas, homens e mulheres, com os braços suspensos, transmitem agitação e inquietude. E, sobretudo, permite uma correspondência entre ambiente e espaço. A imagem dos deputados cantando, com os braços levantados e as mãos dadas, com várias bandeiras do Brasil, simbolizando o patriotismo, transmite-nos a sensação de euforia e alegria diante das conquistas sociais. Representando símbolo de esperança, após um longo período de ditadura, a elaboração de uma Constituição retomou o sonho do Brasil como país do futuro. O sentido de esperança, destacado na figura 03, contribui na construção da identidade nacional, onde a ideia é de que o brasileiro não desiste nunca e está sempre caminhando em busca de um sonho que ainda não realizou, mas está por acontecer.
É uma fotografia de tamanho pequeno, localizada no recanto da página do livro de História, acompanhada do texto central, ressaltando que, a temática presente na fotografia, também se faz presente nos textos. Joly comenta que não se deve pensar que a imagem visual exclui a linguagem escrita. Além disso, a autora defende que “é a conformidade ou a não conformidade entre o tipo de relação imagem/texto e a expectativa do receptor que dão à obra um carácter de verdade ou de falsidade” (JOLY, 2012, p. 121). Esta relação de complementaridade entre imagem e palavra consiste em comunicar aquilo que a imagem dificilmente demonstra.
Na figura 04, as cores estão representando o partido eleitoral de cada candidato. O candidato Luís Inácio da Silva está destacado pela cor vermelha, enquanto a cor azul representa o partido do candidato Fernando Collor de Melo. A foto de ambos está simbolizando a batalha em busca da presidência do país.
A fotografia de autoria do fotógrafo Antonio Ribeiro/Abril, Comunicação S/A, traz a imagem de dez homens usando ternos de cores escuras, que passam a sensação de poder, autoridade, confiança e comprometimento. As imagens dos rostos em ângulos laterais e sérios deixam transparecer um ar de serenidade, formalidade e responsabilidade. Segundo Santaella, para lê-se uma imagem, “deveríamos ser capazes de desmembrá-la parte por parte, como se fosse algo escrito, de lê-la em voz alta, de decodificá-la, como se decifra um código, e de traduzi-la, do mesmo modo que traduzimos textos de uma língua para outra” (SANTAELLA, 2012, p. 12).
Esses fatos do período de redemocratização estão registrados nos livros didáticos através dos infográficos[1], como também na memória de quem viveu o momento histórico. Para Kossoy (2007), a fotografia é uma fonte histórica de uma dimensão interdisciplinar, sendo apenas o ponto de partida para desvendar o passado. Ela reflete partes da realidade que ficaram registradas, representa a estagnação do ocorrido, do gesto, do cenário, da época e da paisagem. É, portanto, a imortalidade de um momento, ou seja, da memória, tanto da individual, quanto da coletiva, dos costumes, do fato social, quanto da paisagem urbana e da natureza. É uma fonte de informação e emoção, é memória visual do mundo real e natural, da vida individual e social.
4 Considerações finais
A leitura realizada com os livros didáticos de História para o Ensino Médio, PNLD 2018, nos mostrou que eles têm acompanhado os avanços da técnica de produção de materiais impressos. Assim, os padrões historiográficos também dialogam com a produção do livro, abordando aspectos culturais e da sociedade.
Este estudo possibilitou a compreensão de que o livro didático é um material atravessado por dimensões complexas das culturas escolares e, ao mesmo tempo, das culturas extraescolares. Ao confrontar as diferentes propostas de leitura de imagens visuais, impressas nos livros didáticos, foi possível ver como a produção dos saberes docentes e escolares participam da formação das tendências dominantes, que priorizam, atualmente, determinadas metodologias de leitura de imagens em detrimento de outras.
As imagens relacionadas ao passado possibilitam vários olhares e interpretações da História, portanto, sob novas perspectivas e sensibilidades. As imagens acerca do Período de Redemocratização trazem informações que mexem com memórias. Portanto, as imagens desse período representadas nos livros didáticos, servem para além de fontes de ensino, são fontes de pesquisa acerca da memória. Memória tem-se demonstrado como temática muito explorada nas academias e centros de pesquisa (TAMANINI; MEDEIROS; MORAIS, 2020).
Assim, a fotografia é constituída de elementos que representam tanto a experiência coletiva como a experiência particular. Nela, é potencializado o papel de resgatar memórias, aflorar sentimentos e aguçar a imaginação, resultando na criação de novas imagens, sejam estas concebidas como representação ou como apresentação de algo ou alguém.
Segundo Santaella (2005, p. 86), o “espectador deve se abrir sensorialmente, deixar se levar pelas cores”, linhas, texturas criadas, da luz e o que mais achar importante. Isto significa que o melhor é não julgar e, então, tentar “ver o signo em sua pureza”, sem qualquer interpretação, pois esta vem de forma muito rápida e, muitas vezes, não permite que se enxergue o que está nas ‘entrelinhas’.
A análise das imagens no período de redemocratização revelou a importância destas enquanto recurso de aprendizagem desde que estimulem a reflexão. Isso implica dizer que nem todas são autoexplicativas. Essas imagens trazem o registro do vivenciado, flagrado com o intuito de veiculação de informações a partir de uma ótica de visão, aquela vivenciada por quem as produziu. A análise dessas imagens teve o objetivo de descobrir os interesses políticos, indicando perspectivas, possibilidades e intenções de se lidar com a memória e história.
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