Artigo
Indisciplina Escolar Pós-Pandemia Covid-19 na Educação do Ceará
Práticas Educativas, Memórias e Oralidades
Universidade Estadual do Ceará, Brasil
ISSN-e: 2675-519X
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 4, núm. 1, 2022
Recepção: 15 Setembro 2022
Aprovação: 21 Novembro 2022
Resumo: Este trabalho tem como propósito apresentar, sob a ótica do docente, os fatores que contribuem para a indisciplina escolar no retorno das atividades escolares presenciais depois do isolamento social pós-pandemia Covid-19. É pertinente que a indisciplina em sala de aula seja fator complicador para que ocorra o ensino e a aprendizagem, e que o ensino remoto descaracterizou no contexto de aprendizagem a ideia da sala de aula formal, da participação em grupo, e outras atividades da práxis escolar. A pesquisa foi realizada por meio de questionários eletrônicos, com professores da rede pública estadual do Ceará. O desafio principal para os professores, no contexto atual da educação, é desenvolver competências socioemocionais dos alunos, motivando-se e refazendo seu fazer pedagógico.
Palavras-chave: : Indisciplina escolar Retorno Presencial. Educação cearense..
Abstract: This work aims to present, from the perspective of the teacher, the factors that contribute to school indiscipline in the return of face-to-face school activities after the post-Covid-19 pandemic social isolation. It is pertinent that indiscipline in the classroom is a complicating factor for teaching and learning to occur, and that remote teaching has mischaracterized the idea of the formal classroom, group participation, and other activities of school praxis in the learning context. . The research was carried out through electronic questionnaires, with teachers from the state public network of Ceará. The main challenge for teachers, in the current context of education, is to develop students' socio-emotional skills, motivating themselves and redoing their pedagogical work.
Keywords: School indiscipline In-person Return. Ceará education. .
1 Introdução
A discussão sobre a indisciplina escolar nos dias atuais têm sido muito relevante para a educação em decorrência do isolamento social necessário devido à Pandemia Covid-19. Nos primeiros meses de 2020, o mundo foi surpreendido com uma pandemia causada por um Coronavírus, o que levou as pessoas repentinamente a se isolarem em suas casas, haja vistas o grau de proliferação rápida, da gravidade e das mortes provocadas pela doença viral.
Dois anos com atividades escolares remotas, e a pandemia mais controlada, é publicado o Decreto nº 34.254, de 18 de setembro de 2021, que regulamenta a retomada das atividades escolares presenciais, em que o Governo do Estado, também publica um Protocolo Setorial nº 18 para reabertura das escolas. Com base no retorno integral das vida escolar em 2022, o presente estudo objetiva compreender os principais fatores que contribuíram para a indisciplina nas escolas da rede estadual do Ceará. A pesquisa foi realizada em duas escolas da rede com modalidade de ensino distintos: uma regular e uma integral, localizadas no regional II da cidade de Fortaleza.
Com a pandemia, as escolas mantiveram seus portões fechados, o que motivou professores e alunos a se reinventarem para que as aulas fossem realizadas através de atividades remotas ou ferramentas digitais, de forma síncrona ou assíncrona. O modelo remoto de aulas é balizado por Behar (2020, P. 347) como sendo:
[...] uma modalidade de ensino que pressupõe o distanciamento geográfico de professores e alunos e foi adotada de forma temporária nos diferentes níveis de ensino por instituições educacionais do mundo inteiro para que as atividades escolares não sejam interrompidas. Dessa forma, o ensino presencial físico precisou ser transposto para os meios digitais. No ensino remoto, a aula ocorre num tempo síncrono (seguindo os princípios do ensino presencial), com videoaula, aula expositiva por sistema de webconferência, e as atividades seguem durante a semana no espaço de um ambiente virtual de aprendizagem (AVA) de forma assíncrona. A presença física do professor e do aluno no espaço da sala de aula presencial é “substituída” por uma presença digital numa aula online, o que se chama de ‘presença social’. Essa é a forma como se projeta a presença por meio da tecnologia. (BEHAR, 2020).
O ensino remoto foi a solução para manutenção da educação, o que impactou de forma significativa o contexto escolar ao refletir diretamente no contexto social de pais e alunos. Com o retorno das atividades escolares de forma presencial, após dois anos de isolamento social, mais uma vez, a comunidade escolar teve que se adaptar à rotina de atividades escolares presenciais. Para os autores Quadros da Silva, Fossatti e Jung (2018, p. 3), “[...] a escola precisa repensar seu papel, uma vez que deixa de ser a única fonte de conhecimento, já que os meios digitais apresentam um grande volume de informações”. Essa readequação da rotina escolar, tanto de forma remota, como agora de forma presencial, ocasionou nos alunos diversas alterações físicas e emocionais que implicaram na indisciplina escolar.
É pertinente que a indisciplina não colabora com o processo de ensino-aprendizagem. Muitos são os fatores que contribuem para a ausência da disciplina dentro da escola. Segundo Antunes (2002, p. 19), os fatores que contribuem para a indisciplina na sala de aula são originados pela estrutura escolar, pelos seus sistemas de sanções, pela ausência de integração e união entre os participantes da comunidade escolar, especialmente, entre escola e família.
A maneira como a escola enfrenta a indisciplina escolar implica na prática pedagógica, já que o clima escolar interfere na condução que será dada em sala de aula, as interações entre professores e alunos, e os estímulos necessários para aprendizagem, que determinam os contextos para consolidação do conhecimento ao longo da vida. Segundo Sacristán e Gómez (1998, p. 18), “o que o aluno/a aprende e assimila mais ou menos consciente, e que condiciona seu pensamento sua conduta a médio e longo prazo, se encontra além e aquém dos conteúdos explícitos no currículo”
Em termos metodológicos, a pesquisa foi realizada através da aplicação de questionários online, buscando compreender a indisciplina sob o foco do retorno às aulas presenciais depois do contexto da pandemia Covid-19. Neste sentido, apresenta-se uma discussão sobre os fatores socioemocionais dos alunos e docentes, sob o olhar dos professores; e um estudo sobre as respostas dos docentes em relação à indisciplina que eles estão enfrentando dentro das salas de aula.
Este trabalho foi embasado nas fontes de PIAGET (1994), através dos estudos sobre o desenvolvimento humanos, e pelas contribuições sobre os conceitos bibliográficos permeados por GIL (1999)BABBIE (2001), VERGARA (1997), LIMA E SILVA (2022), QUADROS DA SILVA, FOSSATI E JUNG (2018), e outros.
2 Metodologia
A pesquisa contou com a participação de 35 professores de escolas estaduais do Ceará. Os questionários foram elaborados pela plataforma digital e disponibilizados por aplicativo de mensagens instantânea. Caracterizada por uma pesquisa amostral, o universo populacional é composto por por características aproximadas que serão objeto de estudo, e o estudo amostral é uma parte deste todo escolhida a partir de um critério de representatividade (VERGARA, 1997). De acordo com Lima e Silva (2022), a escuta dos atores do ensino-aprendizagem é muito valiosa para tomada de decisões a fim de definir como ser um bom educador neste contexto educacional.
Através da abordagem qualitativa, para Gil (1999, p. 32), esse tipo de abordagem possibilita o aprofundamento de questões relacionadas ao estudo. De natureza exploratória, uma vez que busca a formulação de problemáticas ou hipóteses de situações para estudos posteriores (GIL, 1999).
Com o fito de alcançar os objetivos desta pesquisa, foi utilizado um questionário eletrônico disponibilizado aos professores de duas escolas públicas estaduais, obtendo como resultado, 35 professores respondentes, o que caracteriza uma pesquisa do tipo Survey amostral, para o autor Babbie (2001, p. 519), busca-se entender a população maior a partir de uma análise de uma parte desta, em busca de desenvolver proposições gerais do comportamento humano.
A análise de conteúdo das respostas obtidas teve como base nos estudos de Laurence Bardin (2011, p.15), em que segundo a autora, a análise do conteúdo é um conjunto de instrumentos em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a discursos diversificados, ou seja, possibilitando revisão permanente e estudos constantes.
3 Resultados e Discussões
A indisciplina é um elemento desmotivador no e para o processo de ensino e aprendizagem (AQUINO, 2003). Neste contexto, a falta de condições favoráveis para o bom encaminhamento das aulas, desfavorece os caminhos metodológicos necessários para a consolidação e desenvolvimento do conhecimento.
Com intuito de compreender os questionamentos que motivaram esta pesquisa, procurou-se inicialmente conhecer o perfil do professor. A primeira pergunta foi sobre o gênero do docente, sendo obtido 40% dos respondentes femininos e 60% que responderam que são do gênero masculinos. Posteriormente foi perguntado a faixa etária dos professores pesquisados e o tempo de efetiva regência em sala de aula. A faixa etária dos professores que responderam à pesquisa está entre 26 a 60 anos, e o tempo de experiência em sala de aula, mais de 60% dos professores têm entre 6 a 20 anos de regência escolar.
Delimitou-se em questionar sobre a ótica da sua temática central, a indisciplina escolar em período pós pandêmico, foi questionado aos docentes, quais os tipos de indisciplina mais comuns percebidos ultimamente em sala de aula, dentre as respostas, as mais significativos foram: alunos que usam demasiadamente o celular; alunos que não cooperam com o (a) professor (a), falando o tempo todo, atrapalhando a aula; alunos inquietos quase o tempo todo da aula, conforme gráfico abaixo.
Os professores relatam que apesar do uso do celular em sala de aula, dentre os demais contextos indisciplinares, o que consideram mais grave é a forma agressiva que os alunos falam com os professores (Gráfico 2). Fato intrigante desta pesquisa, haja vista que, alimenta o questionamento sobre as razões que os alunos passaram a ser mais agressivos com os professores e colegas depois do isolamento social durante a pandemia.
Os pesquisados apontam que as escolas fazem trabalhos disciplinares para combater a indisciplina em sala de aula, tais como: palestras, campanhas de sensibilização, formações socioemocionais com alunos e professores, conversas com pais e gestão escolar, entre outras. E nos casos mais graves assumem ações mais veementes contidas no regimento escolar, como: advertência verbal, advertência escrita, suspensão, e, em alguns casos encaminhamento aos atendimentos especializados dentro das escolas. Em todos os casos, os pais são comunicados e convocados a comparecer na escola.
Ao serem questionados sobre a pandemia Covid-19 ter sido relevante para a indisciplina escolar, 88,6% dos professores responderam que sim, a pandemia contribuiu para o aumento dos casos de indisciplina escolar (Gráfico 3). Contudo, eles apontam que existem outras razões que fortalecem atitudes agressivas na escola, dentre elas: as questões psicoemocionais dos estudantes, a falta de rotina e a ausência familiar (Gráfico 4).
Por fim, buscou-se saber sobre como os professores estavam se sentindo neste momento, em que as aulas estão presenciais, e o contexto escolar apresenta dificuldades com a indisciplina e aparente desinteresse dos alunos em sala de aula. Conforme o gráfico 5, dos 35 professores, 12 deles responderam que encontram-se angustiados e desmotivados, e 10 deles encontram-se tranquilos com a situação. Outros diversos sentimentos foram pontuados, tais como, ansiedade, medo, cansaço, contudo outros pontuaram se sentir felizes e motivados.
Sendo assim, de acordo com Silva e Souza (2022, p.10), a escola é um espaço de relações, em que o professor através de suas experiências, tem condições de promover interações, no que concerne à condução da aula e minimização de problemas que interferem na aprendizagem, em um movimento de aprender com o outro por meio das relações existentes e no/com o cotidiano.
4 Considerações finais
A indisciplina escolar, sob a perspectiva piagetiana, reflete a concepção do desenvolvimento da moralidade. Neste sentido, o estabelecimento de regras escolares entram em conflitos com o período em que os alunos estiveram estudando em seus domicílios, elementos motivadores de comportamentos que fogem das normas escolares consideradas disciplinares, assim sendo, foi possível compreender que professores e alunos estão buscando se posicionar neste espaço escolar de aulas presenciais, em que os docentes estão percebendo comportamentos que dificultam o ensino, oriundos dos comportamentos de isolamento social em decorrência da pandemia, que se perduram em sala de aula.
Os estudos domiciliares propiciaram uma rotina de atividades que envolveram atividades escolares e rotina doméstica. Neste sentido, os alunos, ao retornarem para as atividades presenciais, estão apresentando dificuldades para se adequar às normas que definem a rotina escolar: problemas de socialização, pertencimento do ambiente escolar, sentimento de dignidade moral necessário para o exercício da cidadania, instabilidade de comportamentos, ausência ou desestruturação familiar, regras dos estabelecimentos de ensino, resistências de metodologias, ou metodologias inadequadas frente aos alunos atuais, posição do professor no tocante a autoridade imposta frente à disciplina, comportamento antissociais e violentas, tudo isto, estruturando o que conceitua-se indisciplina escolar. (MARTINS; BOTLER, 2016; AQUINO, 2003; CORRÊA, 2017).
A partir da análise da pesquisa, compreende-se que o professor necessita compreender este novo aluno, replanejar sua práxis pedagógica, e especialmente, está apto a conhecê-los, para que possam desenvolver o diálogo em direção a dirimir dificuldades interativas em sala de aula, buscando agregar os conhecimentos adquiridos pelo ensino remoto aos contextos de aulas presenciais.
Referências
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