Artigo
Recepção: 25 Setembro 2022
Publicado: 22 Novembro 2022
Resumo: O trabalho aborda a iniciação à pesquisa no contexto da graduação. Tem como objetivo principal apresentar o “Projeto Adote um Pesquisador Iniciante – PAPI'', que surgiu da necessidade de auxiliar, complementarmente, alunos da Pedagogia da UECE na elaboração de seu primeiro projeto de pesquisa. Uma ação de formação mobilizada pelo questionamento: pesquisadores iniciados podem favorecer a aprendizagem de licenciandos na inserção no mundo da pesquisa durante a formação inicial? A análise, em termos metodológicos, assume feição qualitativa, com produção de dados mediada por questionário eletrônico junto aos discentes participantes da experiência no semestre 2022.1. Evidencia-se que a execução do PAPI promove situação de benefício mútuo: uma experiência positiva para discentes, pois receberam aconselhamento e instruções acerca da produção de seu primeiro projeto de pesquisa; uma experiência formadora para os pesquisadores mentores, pois proporcionou experiência com a prática da orientação acadêmica.
Palavras-chave: Iniciação à pesquisa, Projeto de Pesquisa, Pesquisa Educacional, Prática de orientação, Formação inicial de professores.
Abstract: The work approaches the initiation to research in the context of graduation. Its main objective is to present the “Adopt a Beginner Researcher Project – PAPI'', which arose from the need to help, in addition, UECE Pedagogy students in the elaboration of their first research project. A training action mobilized by the question: can initiated researchers favor the learning of undergraduates in the insertion in the world of research during initial training? The analysis, in methodological terms, assumes a qualitative feature, with data production mediated by an electronic questionnaire with the students participating in the experience in the 2022.1 semester. It is evident that the execution of the PAPI promotes a situation of mutual benefit: a positive experience for students, as they received advice and instructions about the production of their first research project; a formative experience for the mentor researchers, as it provided experience with the practice of academic guidance.
Keywords: Research initiation, Research project, Educational Research, Orientation practice, Initial teacher training.
1 Introdução
Todo professor, desde a Educação Básica à Educação Superior, em algum momento de seu percurso profissional, certamente já se questionou sobre o que fazer para mediar a aprendizagem de seus discentes. A análise registrada neste escrito decorre justamente de uma experiência pedagógica motivada por inquietações dessa ordem voltadas para a iniciação à pesquisa na formação de professores. Seu objetivo é apresentar o “Projeto Adote um Pesquisador Iniciante – PAPI” (FARIAS, 2021), que surgiu da necessidade de apoiar estudantes de um curso de licenciatura na elaboração de seu primeiro projeto de pesquisa.
A iniciativa resulta do percurso profissional de uma das autoras desse texto, cuja atuação na docência universitária, desde o início dos anos de 1990, é provocada pelo desafio de ensinar a pesquisar no âmbito da graduação, mais precisamente do Curso de Pedagogia em uma universidade pública localizada na capital do Ceará. Uma ação de formação que, virtuosamente, atravessa o percurso de formação e de desenvolvimento profissional das outras duas autoras deste texto, as quais vivem e colaboram na tessitura do “Projeto Adote um Pesquisador Iniciante – PAPI” no contexto institucional em que ele vem sendo concretizado desde meados de 2021 (FARIAS, 2021).
O PAPI é uma ação de formação não curricular desenvolvida no contexto da formação inicial de professores, iniciativa mobilizada pelo questionamento: como apoiar a iniciação à pesquisa de licenciandos que estão dando os primeiros passos no mundo da pesquisa? Pesquisadores iniciados ou experientes podem favorecer a aprendizagem de licenciandos em sua iniciação científica durante a formação inicial? Estas preocupações fomentaram a concepção, execução, acompanhamento e avaliação desse projeto de formação que integra pesquisa, ensino e extensão em seu desenho.
Em linhas gerais, o Projeto envolve a participação de pesquisadores mais experientes, os quais exercem a função de mentores. Esta é uma ação voluntária, assumida por discentes do mestrado e do doutorado do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UECE, bem como por professores universitários e da Educação Básica que integram o grupo de pesquisa Educação, Cultura Escolar e Sociedade (EDUCAS). Trata-se de uma ação de apoio dirigida a licenciandos em situação de inserção no mundo da pesquisa e regularmente matriculado na disciplina Pesquisa Educacional, ofertada no turno matutino, no curso de Pedagogia da UECE. Cabe aos pesquisadores mentores apoiar o licenciando na elaboração do Projeto de Pesquisa, trabalho acadêmico requerido como requisito final para a conclusão da disciplina Pesquisa Educacional. Este apoio se materializa em conversas para esclarecer dúvidas sobre o Projeto de Pesquisa, consultas rápidas, sugestões de leitura e discussões de texto sobre o tema de interesse, leitura de produções textuais dos alunos relacionadas ao Projeto de Pesquisa, entre outras orientações que se fizerem necessárias.
O acompanhamento realizado pelo pesquisador mentor é feito por mediação remota, via WhatsApp, Google Meet ou outra plataforma que os envolvidos tenham acesso, podendo ocorrer de modo individual ou coletivamente. Esses momentos são previamente acordados entre os colaboradores e os licenciandos. A distribuição dos estudantes considerando a aproximação do pesquisador mentor ao tema de pesquisa do licenciando. A ação de apoio e acompanhamento ocorre durante todo o semestre e em paralelo ao desenvolvimento curricular da disciplina Pesquisa Educacional.
No primeiro semestre de 2022 foi realizada a primeira edição do “Projeto Adote um Pesquisador Iniciante (PAPI) e sua culminância foi marcada pela realização de um evento científico: o “Sarau Científico”. Na ocasião os discentes apresentam os Projetos de Pesquisa construídos no decorrer do semestre e os pesquisadores mentores participam desse momento compondo as bancas que apreciam as propostas socializadas.
As análises registradas nesse texto, que focalizam as ideias fundantes da experiência do PAPI e a perspectiva dos licenciandos que participaram de sua primeira edição, em termos metodológicos assumem uma feição qualitativa (STAKE, 2011; MINAYO, 2015). Recorre a dados proveniente da revisão da literatura (ALVES-MAZZOTI, 1998) e de questionário no formato eletrônico (FARIAS; SILVA, 2009) aplicado aos licenciandos participantes da primeira edição do Projeto.
As “evidências da leitura”, como denomina Bell (2008, p. 97) os dados oriundos da revisão da literatura, forneceram suporte teórico à discussão sobre: ensino mediado pela pesquisa (FREIRE, 1996; SEVERINO, 2009); prática formativa orientada para a reflexividade (SACRISTÁN, 1999; FARIAS et al. (2014); a articulação teoria e prática (VÁZQUEZ, 1977; CANDAU; LELIS, 2002; GATTI, 2009, 2010; ANDRÉ, 2006) e a aprendizagem colaborativa entre pares (COCHRAN-SMITH, 2012; MARCELO GARCIA, 1999).
O questionário online, contendo perguntas abertas e fechadas, foi estruturado na plataforma Google Forms e destinado via e-mail aos discentes da disciplina de Pesquisa Educacional do curso de Pedagogia participantes do PAPI. A adoção do questionário como procedimento de produção de dados se deu em virtude da possibilidade de sistematização das questões, como também devido ao alcance instantâneo de um maior número de participantes (FARIAS; SILVA, 2009). O questionário eletrônico dispunha do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e foi aplicado entre os dias 10 de julho de 2022 a 10 de agosto do mesmo ano.
Os dados produzidos por meio desses procedimentos compõem o conteúdo dos próximos tópicos deste escrito.
2 Sobre as ideias que sustentam o PAPI
O Projeto Adote um Pesquisador Iniciante (PAPI) foi concebido e vem sendo desenvolvido sustentado em algumas ideias basilares, a saber: ensino mediado pela pesquisa; a prática formativa orientada para a reflexividade; a articulação teoria e prática; e, a aprendizagem colaborativa entre pares. Estas ideias, urdidas no percurso do nosso desenvolvimento profissional docente, consubstanciam princípios orientadores que vêm ancorando a formulação e o desenvolvimento do PAPI.
Importa anotar, ainda, que tais ideias encontram-se eivadas pela “cultura da colaboração” (HARGREAVES, 1999; FARIAS, 2002) que tem cunhado o desenvolvimento da pesquisa em Educação na UECE (CAVALCANTE; NUNES, FARIAS, 2002), em particular na linha de pesquisa “Formação e Desenvolvimento Profissional Docente” do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) desde sua emergência, nos anos 2000, bem como nas ações do grupo de pesquisa Educação, Cultura Escolar e Sociedade (EDUCAS), aos quais as autoras desse texto se vinculam. Parceria cuja potência está assim anotada no escrito “Apontamentos sobre a formação de professores nos estudos e produções do grupo de pesquisa EDUCAS/UECE: percursos e perspectivas”:
[...] em relação à produção de conhecimento, priorizou-se no Educas uma forma de organização e desenvolvimento do trabalho de pesquisa que favorecesse a interlocução, produção e intercâmbio entre pesquisadores e instituições; a atuação dos integrantes da equipe como coletivo, participando, desde as decisões teóricas e metodológicas fundamentais para o seu desenvolvimento aos encaminhamentos mais operacionais em torno do objeto de estudo; e que também contribuísse para a formação de seus pesquisadores iniciantes e mais experientes. (FARIAS; RAMOS; SILVA, 2018, p. 15).
Essa prática de formação em pesquisa, bem como das produções dela decorrente, teceram o substrato teórico que, paulatinamente, gerou as bases necessárias para a formulação do PAPI enquanto uma ação de apoio entre pares em diferentes momentos de sua formação em pesquisa no contexto do ensino de graduação, brevemente detalhada a seguir.
● Ensino mediado pela pesquisa
O educador nordestino Paulo Freire (1996, p. 32), em um de seus clássicos – Pedagogia do Oprimido, adverte que “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro”. O princípio do ensino mediado pela pesquisa funda-se nessa premissa ao reconhecer esses dois elementos como dimensões indissociáveis da aprendizagem, especialmente da aprendizagem na Educação Superior, uma vez que esta é voltada sobretudo para “a incorporação de um processo epistêmico do que com a apropriação de produtos culturais, em grande quantidade” (SEVERINO, 2009, p. 116).
Há muito a relação ensino e pesquisa destaca-se como objeto de atenção de pesquisadores no campo da Educação, não configurando, por conseguinte, uma novidade a defesa da pesquisa como componente necessário à formação docente. Ela se encontra postulada por autores nacionais e internacionais há várias décadas (DEMO, 1999, 2000; BEILLEROT, 2001; ANDRÉ, 2001, 2016; LÜDKE, 2001), ainda que tardiamente incorporada ao marco legal brasileiro, precisamente a partir da promulgação do Plano Nacional de Educação de 2001 (Lei nº 10.172). Nesse documento, em diferentes passagens, há menção a importância da pesquisa e da universidade como lugar de formação dos professores, reconhecimento claramente sinalizado nos objetivos e metas previstos para a Educação Superior nos seguintes termos: “incentivar a generalização da prática da pesquisa como elemento integrante e modernizador dos processos de ensino-aprendizagem em toda a educação superior [...]” (BRASIL, 2001, p. 91).
Com efeito, o professor vem sendo convocado a revisar seu papel no processo de formação humana. Pressupomos que o ato de formar reforça a capacidade de criar, compor, conceber; centra-se não só sobre a transmissão de conhecimentos. Sob esse crivo, compreendemos que o trabalho educativo empreendido pelo docente consiste em uma intervenção densa e profunda, num processo inter-relacional e simultâneo em que professores e alunos reproduzem e produzem conhecimentos em condições favoráveis para que todos se eduquem e se formem (FARIAS; SILVA, 2009, p. 9). A considerar a Educação Superior, marcada pelo tripé pesquisa, ensino e extensão, sua cultura pedagógica impõe à docência o desafio de sustentar a aprendizagem por meio de uma atividade permanente de construção do conhecimento (SEVERINO, 2009), noutras palavras, um ensino mediado pela pesquisa.
Ensinar assumindo a pesquisa como alternativa didático-metodológica visa estabelecer rupturas com práticas de ensino transmissivas, possibilitando o diálogo, a problematização, a construção de argumentos e a atitude propositiva frente ao conhecimento.
● Prática formativa orientada para a reflexividade
Uma prática formativa orientada para a reflexividade pressupõe uma ação pedagógica sustentada pela incorporação de um processo epistêmico (SEVERINO, 2009), ou seja, pela incorporação dos saberes-fazeres que propiciam a construção do objeto, que é o próprio conhecimento. Uma ação nessa direção demanda uma concepção de aprendizagem que se distancie da memorização e da mera reprodução do conhecimento existente, portanto, requer ruptura com práticas de ensino conservadoras baseadas fundamentalmente na transmissão.
Ora, isso é desafiador, pois confronta, diuturnamente, o docente no exercício da condição de formador e o repertório dos saberes-fazeres que guiam a compreensão do seu papel e atuação profissional. Aliás, consideramos que assumir a condição de “formador” exige a consciência de suas responsabilidades, da necessidade constante de busca “de tornar-se formador” (SILVA, 2008). É, pois, durante a formação das pessoas que se consolida a constituição e a desconstituição de um conjunto de saberes que configuram a profissão de ensinar. O exercício da autorreflexão é inerente ao próprio trabalho do formador. A convivência com ideologias e com visões de mundo diversas permite ao pensamento humano filtrá-las, expurgá-las, ou assimilá-las e, nesse movimento, evidenciar a racionalidade que move seu agir como pessoa e como profissional. Racionalidade aqui entendida como “o modo com cada sujeito articula sua compreensão e seus saberes sobre um fenômeno” (FARIAS et al., 2014a).
No âmbito da docência, isso implica em práticas educativas orientadas para a reflexividade, práticas que priorizem o ato de pensar sobre a ação, suas determinações sociais e possibilidades de transformação (FARIAS et al., 2014). A reflexividade se apresenta, como assinala Sacristán (1999), como caminho que propicia alcançar níveis mais altos de racionalidade da prática. A pesquisa como atividade mediadora da produção de conhecimento em muito pode contribuir no desenvolvimento da racionalidade pedagógica do professor, configurando na formação de professores uma qualidade/competência a ser desenvolvida.
● Articulação teoria e prática
Pesquisar é uma ação sustentada do ponto de vista teórico e prático, unidade que se contrapõe a perspectiva dicotômica que tem marcada a compreensão dessas dimensões (CANDAU; LELIS, 2002), especialmente no campo da formação de professores (GATTI, 2009, 2010).
Corroboramos com Vázquez (1977) o argumento de que teoria e prática não configuram pólos opostos, uma vez que toda atividade prática também é teórica e vice-versa.
Com arrimo nesse pressuposto, a proposta do PAPI prima pela articulação entre teoria e prática no processo de ensinar e de aprender a pesquisar, relação compreendida como potencializadora do aprender, pois fomenta a aprendizagem contextualizada, significativa e compreensiva do processo de apropriação e produção do conhecimento. Potencializadora porque, como assinala Costa (2021, p. 58), no caminho para uma unidade o “o que ensinar” e o “como ensinar” devem ser articulados ao “para quê” e “para quem”.
Sob esse crivo, duas premissas se sobressaem: a) a função pedagógica da articulação teoria e prática na formação em pesquisa desde a graduação (CALAZANS, 2002); b) a intenção não é formar pesquisadores, mas “dotar o futuro professor de uma bagagem sólida nos âmbitos científico, cultural, contextual, psicopedagógico e pessoal” (ANDRÉ, 2006, p. 222). Noutras palavras, e ainda com arrimo na autora antes mencionada, buscamos com a proposta do PAPI adotar, no contexto da formação inicial, uma “metodologia presidida pela pesquisa, que leve à aprendizagem da reflexão educativa e que vincule constantemente teoria e prática” (IDEM).
Entendemos que a pesquisa, e principalmente o ensino com pesquisa, propicia ao licenciando, futuro professor da Educação Básica, acessar e compreender de modo articulado, do ponto de vista teórico e prático, o fenômeno educacional e, em particular, seu futuro campo de trabalho. André (2016, p. 28) corrobora essa perspectiva ao abordar sobre a pesquisa no desenvolvimento profissional do professor que atua na escola, destacando que aprender a pesquisar serve para “analisar as situações do cotidiano escolar e do seu trabalho, a fim de entendê-las em sua complexidade, sua totalidade e seu contexto, ou seja, que ele compreenda o que faz, como faz e por que faz”.
● Aprendizagem colaborativa entre pares
O princípio da aprendizagem colaborativa entre pares encontra ancoragem no reconhecimento do homem como ser social, condição que marca seu processo de aprendizagem em todas as dimensões de sua vida. Com efeito, o conceito de ‘colaboração’ e de ‘pares’ está no centro desse princípio orientador da proposta do PAPI. O primeiro reporta-se a uma ação que pressupõe cooperação, ajuda mútua a partir de relação estabelecida, em comum acordo, entre duas ou mais pessoas; o segundo faz referência a pessoas que se identificam ou apresentam, em alguma medida, semelhança e, justamente por isso, conseguem estabelecer relações de parceria.
Com arrimo nesses elementos definidores, buscamos apoio teórico nas formulações de Cochran-Smith (2012), que defende o trabalho entre pares como via para romper com o isolamento profissional, estimular a partilha de práticas de ensino e de demandas de aprendizagem por parte do professor em relação às dos seus alunos, aproximando docentes experientes de novos ou de futuros colegas de profissão, a exemplo de estudantes dos cursos de licenciatura.
A aprendizagem colaborativa entre pares pressupõe a “desprivatização” da prática (COCHRAN-SMITH, 2012) enquanto esforço que favorece o desenvolvimento do conhecimento profissional docente, o que se concretiza mediado pela investigação e problematização dos saberes e fazeres em um sistema de colaboração com outros que também estejam engajados no esforço de fortalecer seus conhecimentos e de tornar o seu trabalho de professor público e aberto a críticas. Pressupõe, igualmente, empatia e confiança no outro; uma co-responsabilização pelo seu aprendizado; e, crença na possibilidade de produção de conhecimento sobre e com os professores. O trabalho entre pares caminha em direção ao encontro com o outro, à cultura profissional, à postura investigativa e à valorização da construção de identidades docentes no seio de um novo lugar institucional para a formação.
No âmbito da formação inicial a aprendizagem colaborativa entre pares, especialmente entre pares em diferentes estágios de desenvolvimento de sua formação e de sua aprendizagem profissional, pode ensejar situação ímpar no percurso de desenvolvimento dos sujeitos implicados. Consideramos, no caso do licenciando, sujeito em fase de iniciação profissional em todos os âmbitos, a oportunidade de fazer, refazer, aprender e desaprender são vitais para lidar com a realização de trabalhos acadêmico-científicos e, portanto, para uma concepção de aprendizagem como processo de construção do conhecimento (SEVERINO, 2009). Tal perspectiva de aprendizagem acontece mediante a criação de “situações” que propiciem aos alunos aprender (ANDRÉ, 2006). No caso do PAPI, o apoio planejado e sistemático de pesquisadores mentores aos licenciandos que começam seu contato com essa atividade no contexto da formação inicial, pois têm que formular um projeto de pesquisa, configura essa situação.
Neste Projeto, a expressão pesquisador mentor encontra suporte na ideia da mentoria postulada por Marcelo Garcia (1999) e, mais precisamente, de professor mentor, definido como um professor experiente. Nesse sentido, o pesquisador mentor é aquele que assume a tarefa de fazer a mediação com o iniciante na pesquisa; que apresenta experiência prévia com a prática científica da produção de conhecimento; é alguém com capacidade de escuta e sensibilidade ante os anseios do outro. A tarefa do pesquisador mentor é ser ponte para orientar e apoiar o licenciando em seus primeiros passos na pesquisa, desde o delineamento do objeto de estudo ao planejamento de todo o processo a ser desenvolvido, configurado, no caso do PAPI, na elaboração do Projeto de Pesquisa.
3 O apoio aos iniciantes na pesquisa: o que revelam os licenciandos?
Neste tópico explicitamos a perspectiva dos licenciandos que vivenciaram, no âmbito da formação inicial, ação de apoio extracurricular à sua primeira aproximação à prática da investigação científica por meio do Projeto Adote um Pesquisador Iniciante. Apresenta, portanto, dados gerados junto a 24 estudantes que participaram dessa experiência no âmbito da disciplina Pesquisa Educacional ofertada no curso de Pedagogia da UECE, no semestre 2022.1, no turno diurno, conforme registrado anteriormente.
3.1 Os iniciantes na pesquisa
O universo desses respondentes é, em maioria, feminino, com apenas 2 homens e 2 respondentes que não se manifestaram. Quanto à faixa etária, trata-se de um grupo de jovens adultos, pois vinte (20) declararam possuir de “19 a 25 anos”, dois (2) declararam possuir de “26 a 30 anos”, um (1) declarou possuir de “36 a 40 anos” e um (1) disse possuir de “41 a 45 anos”. No que concerne à cor, 12 declararam-se “pardo”, cinco declararam-se “preto”, três declararam-se “branco”, um declarou-se “amarelo”, um declarou-se de “raça/etnia indígena” e dois optaram por não indicar.
São estudantes provenientes de seis municípios cearenses: Fortaleza (18), Maracanaú (2), Horizonte (1), Maranguape (1), Itaitinga (1) e Caucaia (1). Exceto aqueles residentes na capital, os demais se deslocam diariamente de suas localidades, situadas na Região Metropolitana de Fortaleza. Discentes que se encontram em diferentes momentos de seu percurso de formação no Curso de Pedagogia, com a maioria entre o oitavo e sexto semestre (17), enquanto no terceiro e quarto semestre constam um aluno em cada, além de outros cinco que declararam como “indefinido” o semestre em que se encontram por estarem cumprindo créditos do fluxo original de forma pulverizada.
3.2 O que dizem sobre o PAPI
Os 24 licenciandos de Pedagogia que trilharam a experiência do “Projeto Adote um Pesquisador Iniciante” (PAPI) no semestre 2022.1 a consideram válida. Entre as razões para essa apreciação se sobressaíram referências acerca da importância do auxílio do pesquisador mentor no delineamento de um rumo para a pesquisa a ser projetada, conforme pode ser visualizado na síntese detalhada a seguir.
Os aspectos indicados como responsáveis pelo êxito do PAPI, ou seja, que contribuíram para o sucesso desse projeto, são consoantes e, até mesmo, reforçam as razões elencadas pelos seus participantes para caracterizar essa ação extracurricular de apoio à iniciação à pesquisa como positiva e relevante em sua formação inicial.
Vale mencionar que, ante as turmas numerosas da graduação, torna-se muito difícil a realização de acompanhamento individualizado, tendo em vista que apenas um docente precisa dar conta de todas as demandas do grupo. A colaboração de pesquisadores mentores contribui para viabilizar esse atendimento mais personalizado, conforme sinalizam os estudantes ao indicarem que o processo de mentoria favoreceu uma relação mais próxima, frequente e informal com o pesquisador mentor. Esta é uma necessidade real na disciplina Pesquisa Educacional, tal como ela é ministrada: equilibrando o estudo de aspectos teóricos com o desenvolvimento de atividades prática voltadas para a elaboração do projeto de pesquisa de cada discente, marcadas por contínuas e sucessivas correções e devolutivas comentadas visando a reescrita e refinamento do texto. Certamente um modo didático de ensinar que requer maior tempo e dedicação por parte de todos os envolvidos, docente regente e estudantes.
Para além disso, a adoção da mentoria no processo de iniciação à pesquisa no contexto do ensino de graduação contribuiu para acolher também estudantes mais tímidos, especialmente aqueles que não se sentem confortáveis em socializar suas dúvidas oralmente, guardando-as para si, o que tende a ocasionar incertezas posteriormente. Dessa forma, interpretamos que ao longo do semestre, os encontros entre pesquisadores mentores e licenciandos possibilitaram um contato mais direcionado, objetivo e preciso, proporcionando conhecer o universo dos envolvidos, bem como ficar mais à vontade com uma quantidade consideravelmente menor de pessoas a sua volta para socializar o seu escrito e possíveis questionamentos.
O destaque ao olhar “minucioso” do professor mentor expressa o reconhecimento de suas contribuições ao desenvolvimento do aprendizado do estudante, especialmente denota uma ação didática que converge com a necessidade do licenciando. Com efeito, o processo de mentoria possibilitou “estímulos” e “contribuições” dos licenciandos para a formação em pesquisa; possibilitou conhecer o novo, imergir em fontes seguras para realizar suas buscas textuais, desenvolver a escrita acadêmica, se aprofundar em teóricos que puderam usar como referências para fundamentar sua proposta de pesquisa, dentre outras aproximações que estabeleceram um elo de apoio ao licenciando. Esses traços da ação de apoio realizada pelo pesquisador mentor junto aos licenciandos confirma a asserção de Marcelo Garcia (1999, p.125) de que esse processo envolve “[...] apoio, ajuda e orientação”.
No Quadro 2 estão registrados os aspectos identificados pelos 24 licenciandos como responsáveis pelo êxito do “Projeto Adote um Pesquisador Iniciante” (PAPI).
Os professores que vão trabalhar com professores iniciantes devem ser pessoas com certas características (empatia, facilidade de comunicação, paciência, diplomacia, flexibilidade e sensibilidade) e profissionais (experiência demonstrada nas suas classes, habilidade de gestão da classe, disciplina e comunicação com os colegas, iniciativa para planificar e organizar). As qualidades que o professor mentor possuir vão influenciar as relações que se estabelecem com o professor principiante. (MARCELO GARCIA, 1999, p. 127).
A iniciativa e a capacidade para planejar e organizar a ação de mentoria são qualidades realçadas pelo autor espanhol, pois elas respondem pelo ‘tom’ da articulação a ser gerada com o iniciante. Nesse sentido, os participantes do PAPI também relataram sobre as estratégias de interação adotadas pelos pesquisadores mentores.
Sobre esse aspecto foi destacado que a socialização entre os pesquisadores mentores e os licenciandos repercutiu no desenvolvimento do projeto de pesquisa, ampliando tanto a compreensão da etapa do planejamento do processo de construção do objeto quanto qualificando o texto sistematizado. Tal reconhecimento corrobora as análises de Garcia (1999) ao asseverar que as qualidades e habilidades do pesquisador mentor reverberam no trabalho realizado pelos iniciantes.
Com relação ao primeiro contato, conforme registrado pelos participantes do PAPI, a maioria se comunicou através de aplicativo de mensagens (WhatsApp), marcando posteriormente um encontro via Google Meet, ocasião em que foram propostos encaminhamentos, a exemplo de sugestões de leituras para aprofundamento na temática. Além dessas ferramentas, o Google Drive também foi utilizado como estratégia de interação, adotada para acrescer informações, orientações e comentários construtivos acerca da pesquisa que estava sendo elaborada. Os licenciandos registraram, ainda, como se sentiram no decorrer dos encontros com os pesquisadores mentores, destacando sentimentos de motivação e gratidão. Ressaltaram também que o apoio assegurado por meio do PAPI foi de suma importância na construção do projeto de pesquisa durante a disciplina de Pesquisa Educacional.
Os dados apresentados nos permitem dizer que a condição de pesquisador iniciante demanda, além de apoio consistente, vontade de aprender, pois este é um momento de contínua aquisição de novos conhecimentos, o que implica em intenso movimento de compreensão para construir o objeto de conhecimento que move a curiosidade científica do estudante, o qual, no projeto de pesquisa, toma forma inteligível. Não sem razão Minayo (2015), ao se referir a um bom pesquisador, assevera que ele traz indagações, inquietações, dúvidas e tece críticas frente ao que foi lido. Desta feita, é notório que “o auxílio do pesquisador mentor, foi importante e norteador” para o processo de aproximação e imersão à pesquisa, conforme anotado por um dos respondentes do questionário.
4 Considerações finais
Neste escrito, tecemos uma apresentação acerca do “Projeto Adote um Pesquisador Iniciante – PAPI” que, conforme foi descrito, surgiu da necessidade de auxiliar alunos do curso de Pedagogia na elaboração de seu primeiro projeto de pesquisa.
O PAPI mostrou-se relevante na formação dos licenciandos, pois propiciou uma aproximação ao mundo da pesquisa científica mais tranquila, oportunizando novas perspectivas da escrita acadêmica e, sob o apoio de pesquisadores mentores, assegurou uma ação de acompanhamento no desenvolvimento do projeto. Importa anotar que não somente os licenciandos aprenderam, mas também os pesquisadores mentores tiveram oportunidade de vivenciar situações de orientação de graduandos, experiência nova para a maioria e que ensejou seu desenvolvimento como profissionais docentes.
Ao lado de inúmeros aspectos promissores no desenvolvimento da primeira edição do PAPI em turmas de graduação no curso de Pedagogia, alguns desafios também emergiram. O tempo dos envolvidos na proposta, tanto dos estudantes quanto dos colaboradores que atuaram na ação de mentoria é um desses aspectos, pois a formação concorre com outros compromissos, tais como trabalho, estágio, demais obrigações acadêmicas da graduação e pós graduação, bem como a própria rotina que exigia atenção à família e à realização dos afazeres domésticos.
O desafio do tempo requer, por certo, um planejamento mais acurado das ações do PAPI, de modo que as próximas replicações dessa experiência potencializem, ainda mais, os contributos que traz para a melhoria da formação e da iniciação à pesquisa de estudantes da licenciatura.
Consideramos que a primeira edição do PAPI, ocorrido no semestre 2022.1, em uma turma da disciplina de Pesquisa Educacional do curso de Pedagogia da UECE, apresentou mais indicativos exitosos do que desafios, razão pela qual ponderamos como relevante a execução e a continuidade dessa proposta inovadora. Um plus na formação inicial de professores, o que nos faz sinalizar para a importância de mais licenciandos experienciarem durante a graduação uma ação de apoio que estimule o despertar para a busca de novos conhecimentos mediante aproximações vívidas com a pesquisa.
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