Artigo Original
Recepção: 23 Novembro 2020
Aprovação: 18 Dezembro 2021
Publicado: 29 Março 2022
Resumo: Objetivo: realizar um estudo de caso de um homem sobrevivente ao câncer de mama. Métodos: pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória, do tipo estudo de caso de um homem sobrevivente ao câncer de mama, acompanhado no Hospital Universitário Oswaldo Cruz. O processo da coleta de dados e análise foi realizada no ano de 2019, por meio de um questionário semiestruturado. Resultados: R.L., 72 anos, pardo, ensino fundamental incompleto, fumante e portador Hipertensão Arterial. Diagnosticado com um Carcinoma Ductal Invasivo em mama esquerda, realizou Mastectomia Radical modificada, quimioterapia, radioterapia e terapia medicamentosa. Conclusão: este estudo possibilitou elencar as principais características da enfermidade e o contexto de enfrentamento do homem com câncer, favorecendo a subjetividade do sujeito.
Palavras-chave: Saúde do homem, Neoplasias de mama, Mastectomía Radical Modificada, Antineoplásicos.
Abstract: Objective: conduct a case study of a male breast cancer survivor. Methods: qualitative, descriptive and exploratory research, of the case study type of a male breast cancer survivor, followed at the Oswaldo Cruz University Hospital. The process of data collection and analysis was carried out in the year 2019, by means of a semi-structured questionnaire. Results: L.R., 72 years old, brown, incomplete elementary school education, smoker and carrier of hypertension. Diagnosed with an Invasive Ductal Carcinoma in the left breast, he underwent modified Radical Mastectomy, chemotherapy, radiotherapy and drug therapy. Conclusion: this study made it possible to list the main characteristics of the disease and the context in which men face cancer, favoring the subjectivity of the subject.
Keywords: Men's health, Breast Neoplasms, Modified Radical Mastectomy, Antineoplastics.
Resumen: Objetivo: realizar un estudio de caso de un hombre que ha sobrevivido al cáncer de mama. Metodos: investigación cualitativa, descriptiva y exploratoria, del tipo estudio de caso de un hombre sobreviviente de cáncer de mama, acompañado en el Hospital Universitario Oswaldo Cruz. El proceso de recogida y análisis de datos se llevó a cabo en 2019, mediante un cuestionario semiestructurado. Resultados: L.R., 72 años, moreno, estudios primarios incompletos, fumador y portador de hipertensión. Con el diagnóstico de un carcinoma ductal invasivo en la mama izquierda, se sometió a una mastectomía radical modificada, quimioterapia, radioterapia y terapia farmacológica. Conclusión: Este estudio permitió enumerar las principales características de la enfermedad y el contexto de afrontamiento de los hombres con cáncer, favoreciendo la subjetividad del sujeto.
Palabras clave: Salud del Hombre, Neoplasias de la Mama, Mastectomía Radical Modificada, Antineoplásicos.
INTRODUÇÃO
O câncer de mama em homens (CMH) é raro, correspondendo a aproximadamente 1% de todos os cânceres de mama e menos de 1% de todas as neoplasias em homens (1). De 2015 a 2020 foi registrado no Brasil no sexo feminino um total de 65.189 casos, já no sexo masculino respectivamente a esses anos temos um total de 559, representando 0,84% do total de caso desse acometimento(2).
O CAM normalmente se manifesta por meio de uma massa indolor e firme no órgão, sendo que a retração ou inversão mamilar, o espessamento da pele, a formação de crostas e a ulceração são sinais apresentados por aproximadamente um terço dos pacientes portadores da patologia, já a secreção mamilar pode ocorrer em cerca de 14% dos acometidos, secreção esta que pode ser serosa e/ou sanguinolenta. O nódulo mamário é, na maioria das vezes, o primeiro sinal clínico, descoberto geralmente pelo próprio paciente, motivando a procura por auxílio médico(3).
Os tratamentos que podem ser necessários, seguem como nas mulheres: quimioterapia, radioterapia, bloqueio dos hormônios que podem ser feitos, dependendo do tamanho do tumor e de suas características biológicas(4). A cirurgia tem sido a base do protocolo de tratamento, sendo a operação frequentemente associada a mastectomia e dissecção de nódulos axilares(5).
O diagnóstico do CMH ocorre mais tardiamente do que o câncer de mama na mulher (CMM), aproximadamente aos 60 anos de idade, sendo dez anos mais tarde do que a média de idade da identificada nas mulheres (6-7).
Os fatores de risco para o CMH envolvem, história familiar positiva em parentes de primeiro grau está presente em 20% dos casos, ou seja, a predisposição genética está associada ao câncer de mama (CAM), o que pode aumentar até 2,5 vezes o risco de desenvolver a doença, a síndrome de Klinefelter, a obesidade como uma das causas mais frequentes de hiperestrogenismo em homens e tem sido implicada como fator de risco para câncer de mama, entre outros (3). Além disso fatores comportamentais são mais frequentes no público masculino, por exemplo, o tabagismo e alcoolismo(8).
Devido ao histórico de procura tardia pelos serviços de saúde por parte dos homens e a maior exposição deles aos fatores de risco, apesar da incidência rara nesse público, ele acaba tornando-se altamente desfavorável, pois é descoberto em estágio avançando do acometimento da doença, leva-o a um pior prognóstico e maior taxa de mortalidade(8).
O público masculino dificilmente é captado por parte dos serviços de saúde, na atenção primária à saúde, principalmente. A busca por esses sujeitos às ações realizadas nos sistemas de saúde, a maior parte das vezes, ocorrem em nível da atenção de média ou alta complexidade, ou seja, em âmbito atenção ambulatorial ou hospitalar, favorecendo o diagnóstico tardio(9).
Considerado raro, o câncer da mama masculina merece maior atenção por parte dos profissionais de saúde, pesquisadores e poder público, os quais necessitam do conhecimento baseado em literaturas atualizadas e informações pertinentes em torno da temática. As produções científicas sobre câncer de mama na população masculina ainda se mostram incipientes, justificado por se tratar de patologia com baixa incidência em homens, e por este motivo se fazem necessários novos estudos desse assunto, assim como a discussão, não só no ambiente acadêmico, mas também no âmbito profissional e na sociedade em geral.
Frente ao exposto, identificou-se a necessidade do estudo, afim de aprofundar o conhecimento do CMM e visando promover a identificação e discussão de caso no contexto do homem sobrevivente. Por este motivo, descrever a ocorrência de um caso pode ser útil para conhecer e explorar características da doença e do portador, que apresentem potencial para subsidiar a compreensão e repercussão da doença no homem. Dessa forma, objetivou-se realizar um estudo de caso de um homem sobrevivente ao câncer de mama assistido no Sistema Único de Saúde (SUS).
MÉTODOS
Trata-se de um estudo de caso, com abordagem qualitativa, descritiva e exploratória. Na pesquisa qualitativa, a realidade é ampla e subjetiva, sendo as experiências dos indivíduos e suas percepções aspectos úteis e importante para a pesquisa. Por fim, esse tipo de pesquisa é indutivo, não possui uma teoria especifica, mas fora produzida a partir das percepções dos sujeitos participantes(10).
O lócus foi um hospital de referência, Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC), para tratamento do câncer do Recife capital do Estado de Pernambuco, onde inicialmente realizou-se o levantamento de todos os dados de homens que foram atendidos no setor de oncologia, no decênio 2008 a 2018, diagnosticados com câncer de mama e que sobreviveram à doença até o ano de 2019, totalizando 10 casos, cujo perfil foi levantado e descrito como parte da primeira seleção do rastreamento do participante.
Para seleção dos prontuários foram adotados os seguintes critérios: ser maior de 18 anos de idade, diagnóstico de câncer de mama, acompanhamento no ambulatório de oncologia (três ou mais consultas no serviço), prontuário com disponibilidade de endereço e contato telefônico. Critérios de exclusão: prontuários incompletos, outros diagnósticos, transferência para tratamento em outro serviço.
Após a análise dos dados registrados em prontuário clínico que consistiam principalmente no diagnóstico clinico do paciente, aquele que teve diagnóstico comprovado de câncer de mama por meio de exames de imagem ou laboratoriais, além das variáveis epidemiológicas (idade, estado civil, escolaridade, profissão), de tratamento (quimioterapia, radioterapia, cirurgias) e repercussão ao final do tratamento (remissão total, remissão parcial, reincidências). Foi realizado contato telefônico com todos eles, mas apenas um dos sujeitos o contato foi realizado com êxito, sendo esse o participante da pesquisa. O contato presencial inicial foi realizado pela agente comunitária de saúde da comunidade onde residia o participante, solicitando-se a autorização para contato do participante com a equipe de pesquisa.
O participante foi esclarecido sobre a natureza e objetivo da pesquisa, bem como os objetivos e garantia do sigilo ético. Os dados foram coletados por meio de entrevista semidiretiva, realizada pelo pesquisador, por meio de visita domiciliar.
Decidimos por usar a abordagem construtivista por ser um método que nos permite adotar uma postura reflexiva, chamada de autoconsciência metodológica, que permite identificar as ações do indivíduo, por meio da conversa, permitindo um diálogo interativo entre o pesquisador e o entrevistado(11). Esse conceito pretende entender os significados e interpretações que o indivíduo acometido pelo câncer de mama tem sobre sua doença, através do relato sobre sua experiência.
Para registro dos dados foi utilizado um roteiro que abordava as seguintes questões: o descobrimento da doença, a trajetória do tratamento, a vivência e as alterações na vida diária após o diagnóstico. A entrevista teve duração de cerca de 60 minutos, gravada em aparelho de Mídia Player por Smartphone, logo após foi transcrita, na íntegra, pelo próprio pesquisador.
Para organização foram obedecidas as seguintes etapas: 1º) Transcrição na íntegra das falas, através de digitação do material obtido na gravação e leitura dos dados; 2º) Identificação
e seleção das mensagens explícitas e suas significações sobre a temática da vivência do câncer de mama; 3º) Análise e discussão do material obtido.
Após a organização geral do conteúdo foram procedidas leituras repetidas do material a fim de obter uma percepção geral das informações e refletir sobre o seu significado global. Esta etapa foi destinada ao tratamento dos resultados, por meio da condensação e o destaque das informações para análise, culminando nas interpretações inferenciais, por meio de análise reflexiva e crítica.
O estudo foi desenvolvido seguindo as normatizações contidas na Resolução 466 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), referente aos aspectos éticos recomendados quando da realização de pesquisas envolvendo seres humanos, tendo sido avaliado e aprovado pelo CEP do Complexo Hospitalar HUOC/PROCAPE, CAAE: 14917619.1.0000.5192 e Parecer: 3.475.897 emitido em 30 de julho de 019.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Caso clínico
O participante do estudo foi R.L., masculino, 72 anos, pardo, solteiro, 24 filhos, aposentado, ensino fundamental incompleto, fumante e hipertenso. Foi diagnosticado em 2017 com um Carcinoma Ductal Invasivo em mama esquerda. Realizou tratamento cirúrgico e faz revisões anualmente no serviço de oncologia de um hospital universitário.
Contexto de descoberta do câncer de mama
Para entender o contexto do adoecer por CMH, vêm a importância de como foi a descoberta dessa doença e como foi a vivência com a mesma. As análises do adoecimento humano enfocam as ações dos sujeitos, os eventos, as relações sociais, os significados, a intersubjetividade, a consciência e os projetos. Entende-se que a experiência do adoecimento e do sofrimento é singular, individual subjetivo, abrangendo os modos pelos quais os indivíduos se orientam em um mundo de relações com os demais, com as atividades e os planos coletivos(12).
Sendo assim, o entrevistado nos contou como identificou os primeiros sinais e sintomas da doença, as alterações antes da procura pelo serviço de saúde.
Isso aqui [apontou para cirurgia], foi quando eu tinha 21 anos, jogando bola, jogava de goleiro, levei uma bolada aqui [seio esquerdo], depois de um tempo eu percebi “igual um carocinho de arroz”, aí não me incomodei, não me incomodava nada, quando foi agora com 69 anos, a menina lá do posto, aonde eu vou, disse, tem alguma coisa errada, vou lhe encaminhar para o Hospital Oswaldo Cruz, me encaminhou para lá. Tinha crescido mais pouco né, ficou um pouco inchado, coisa pouca. (R.L.,72 anos)
Percebe-se pela fala do entrevistado, a utilização e importância do serviço de saúde da atenção primária como porta de entrada e principal agente na descoberta do agravo à saúde da situação estudada. É importante destacar que o espaço das Unidades Básicas de Saúde (UBS) deve ser reconsiderado na perspectiva de gênero(13).
Destaca-se a necessidade de uma mudança na crença de que o espaço da unidade de saúde é um ambiente basicamente feminino, para que se possam incluir as necessidades, também de saúde do homem. Isso ocorre, evidentemente, devido a nossa sociedade ser tradicionalmente patriarcal, sendo, o homem, considerado como o provedor da família, necessitando, portanto, mostrar uma figura forte, invencível, imune às doenças(13).
Tais características sugestiona a maioria dos homens a aderirem uma postura de baixo autocuidado e dispensar-se dos serviços de saúde, essencialmente os da atenção primária, contribuindo desfavoravelmente na saúde dessa população(14).
Apesar da criação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH)(15), ainda se percebe a ausência masculina nas atividades de atenção básica nas Unidades de Saúde. Além disso, durante o processo de implantação da política, percebe-se uma escassez de estudos epidemiológicos que averiguassem as causas de morbimortalidade masculina(16). Os homens têm dificuldade em reconhecer suas necessidades, principalmente quando se refere a saúde preventiva, em que, na maioria das vezes, não temos sinais ou sintomas (13).
Nesse contexto, após a suspeita do diagnóstico de neoplasia mamária, o homem seguiu a trajetória com a investigação doença e a realização os tratamentos propostos, mostrando como descobriu e reagiu ao câncer.
Eu descobri não, quem descobriu foi a doutora do posto, ela disse: eu vou encaminhar e a gente vai ver esse problema. Clínica particular bem umas cinco eu fui, lá no hospital [...] mas tudo pelo SUS. Aquele exame que a pessoa entra assim, num tubo, passei por umas três dessa “eu fiz exame do cabelo até o pé”, foi muito exame. (R.L.,72 anos)
A doutora disse olhe: é um câncer, agora preciso saber se é benigno maligno, vou ter que fazer uma biopsia, uma máquina fazendo uma zuadinha, furou aqui né? pegou um pedaço e levou. Aí quando vê: o senhor vai fazer a cirurgia, posso marcar, eu disse: pode. (R.L.,72 anos)
Poucos são os trabalhos existentes sobre exames complementares na assistência e diagnóstico do CMH, porém, o diagnóstico é feito através do exame direto da mama, seguido de exames de imagem como mamografia e ultrassonografia, e a biópsia, no caso de suspeita de malignidade, o que permite realizar a avaliação histológica e prognóstica biomolecular(17).
Quando chegou para cirurgia minha irmã perguntou: é isso mesmo que tu quer? 69 anos vai fazer uma cirurgia? Na hora, eu disse: olhe, o maior é Deus, se eu tiver de ficar eu fico, se eu não tiver eu volto pra casa. Ela assistiu, tudinho, ficou aperriada. (R.L.,72 anos)
Percebe-se a despreocupação do entrevistado em relação a cirurgia. Analisa-se nas falas que ele não se assustou com o diagnóstico, não se absteve em relação a cirurgia, como também não citou a preocupação com os riscos de passar por um procedimento cirúrgico.
Observa-se, a partir da fala de R.L., que ele procurou aceitar o diagnóstico de câncer e encontrou recursos, por meio da busca do otimismo, adaptando-se à nova informação e realidade. Além disso, cita-se o lado religioso evidenciado pela locução “maior é Deus”, como autor de resolução dos problemas e amparo do imprevisível.
O procedimento cirúrgico padrão recomendado era a Mastectomia Radical. Com o passar do tempo, iniciou-se a utilização de procedimentos menos invasivos, como a Mastectomia Radical modificada e a Mastectomia simples. O tratamento cirúrgico engloba ressecção completa do tecido mamário, incluindo o mamilo, e esvaziamento axilar (3). No caso estudado, o procedimento realizado foi a Mastectomia Radical modificada, indicado na figura 1.
Enfrentamento e trajetória do tratamento do câncer de mama
Os tratamentos indicados para os homens com CAM são baseados nos realizados nas mulheres. O procedimento cirúrgico, quase sempre realizado a mastectomia radical. São utilizados também tratamentos como a radioterapia e quimioterapia(18).
Na entrevista, foi observado a experiência do entrevistado em relação ao tratamento de quimioterapia que foi vivenciado por ele como uma fase de muito sofrimento.
É como essa daí? Ahhhh essa daí foi triste, foi tantas furadas na veia, era de 15 em 15 dias que eu fazia, ia de manhã cedo em jejum para tirar sangue, o sangue ia pra lá, eles resolviam, vinha com um papel, que ia pra doutora, se tivesse certo, ia lá pra trás fazer isso, eu passei uns 2 meses ou mais. (R.L.,72 anos)
A quimioterapia é o tratamento mais comum na oncologia e durante esta modalidade terapêutica as pessoas podem apresentar alterações físicas e emocionais importantes, como dor, fadiga, apatia, perda de peso, alopecia, entre outros. Somados às internações prolongadas, todos estes fatores são causadores de desconforto, estresse e sofrimento, desencadeantes dos sentimentos de tristeza, indignação, angústia e medo da morte(19).
Fiz tudo, tudo, sofri demais, para fazer tudo isso eu sofri muito. Depois que eu fiz, aquele negócio de tomar aquele soro aqui, aquele remédio, tudinho, que era quatro tubos cada vez, era dois de soro, dois de remédio, aquele remédio vermelho, pelou até o braço, ficou sem cabelo, fiquei sem pelo nenhum[...]
Eu chegava lá cinco e meia da manhã até quatro horas da tarde, só tomando água e comendo um pacote de pipoca, bebia água e ficava aquela roda de cadeira, não forneciam comida lá eu não gosto de comer comida de rua, tinha hora que eu dormia só esperando. (R.L.,72 anos)
A análise recente do International Male Breast Cancer Program observa-se uma tendência significativa ao longo do tempo em direção ao aumento do uso de quimioterapia (QT)(20).(Giordano) De acordo com as diretrizes de tratamento da National Comprehensive Cancer Network (NCCN) desenvolvidas para o CMM, a QT adjuvante ou neoadjuvante, devem ser oferecidas também aos homens com câncer de mama, que apresentam risco substancial de recorrência e morte(21).
O entrevistado relatou as dificuldades que foi passar pelo processo da quimioterapia, como uma experiência muito marcante e cansativa. Quando perguntado a R.L se ele realizava algum outro tipo de tratamento, relatou que fazia uso de uma medicação habitualmente, após o câncer e a cirurgia (Tamoxifeno 20mg). O tamoxifeno é um agente antiestrogênico com eficácia comprovada para o tratamento de câncer de mama (22).
Tem um comprimido que eu tomo da cirurgia, 5 anos pra eu tomar ele. Esse aqui eu pego no hospital, todo mês, dá 3 receitas, eu vou lá buscar, já fui esse mês, peguei uma caixa com 30 comprimidos. Todo mês eu vou, é rápido pegar. (R.L.,72 anos)
Dificuldades enfrentadas pós diagnóstico
O entrevistado R.L., mesmo aceitando a doença, admite que existem limitações. Sabe-se que a limitação mais salientada para o sobrevivente ao câncer de mama é a física, com influência no abandono do trabalho e consequentemente o impacto na renda familiar, como evidenciado por ele.
O tratamento de escolha, ou sendo, a mastectomia traz consigo, muitas vezes, que a capacidade motora seja abalada, limitando o indivíduo para realizar as atividades do dia a dia e do trabalho, relatado na literatura com estudo em mulheres. Problemas como linfedema, rigidez dos dedos, dor, parestesias, redução da força muscular e da amplitude de movimento do membro envolvido são frequentemente observados e relatados por mulheres operadas da mama, que pode também ser consequência nos homens(23).
O sobrevivente ao câncer mama, relatou limitações físicas como, por exemplo, dificuldades para o movimento, força e destreza devido ao tratamento cirúrgico.
Não posso pegar meio quilo daqui para sair alí que a mão já cansou, ele é dormente, aqui não serve de nada[...] Não porque eu não tenho, o braço não dá[...]se eu quiser pegar algo pesado não dá, não posso pegar peso, nada! Eu boto o tijolo aqui cheio de massa, jogo com esse aqui e ele não vai[...] Depois da cirurgia, esse aqui é tudo dormente (braço direito), eu não sinto nada. (R.L.,72 anos)
Continuidade ao tratamento do câncer de mama
O médico liberou essa parte aqui [mama esquerda] e só tenho que fazer exame, todo mês dessa parte aqui, aí eu fiz ano passado, normal, aquele que passa assim e tem um computador. Essa aqui eu já sei que vou continuar a me prevenir [mama direita]. Eu vinha fazendo de 3 em 3 meses, mas o médico disse que agora ia fazer esse exame de ano em ano. (R.L.,72 anos)
Observa-se por essa fala o comprometimento de R.L na continuidade do tratamento do cancro de mama, na responsabilidade me comparecer as consultas o que resulta no sucesso do tratamento, referente a remissão total da neoplasia mamária e consequentemente o aumento da qualidade de vida e da sobrevida do caso índice.
Sentimento em relação à morte
O entrevistado nos revelou que ele leva a morte com uma forma natural e entende que é um evento da vida. Pelo relato observamos que é um evento já programado e preparado por ele sem tabus ou restrições.
Uma amiga que eu prestei muito favor a ela, no tempo que eu estava doente, me presenteou, eu disse: eu aceito. Para mim até injeção na testa vale, ela dizia: esse homem não quer morrer para eu entregar, eu disse: fique fria, somente um macacão de madeira basta [se referia a um caixão], ela me deu, completo com flores e tudo. Eu tenho medo de morrer não, só não quero me matar. (R.L.,72 anos)
O processo de aceitação adquirido quando uma pessoa é acometida por uma doença, acontece quando o indivíduo consegue compreender a sua situação e as consequências da mesma. A sensação de paz permanece e a aversão a situação deixa de existir(24). Isso torna-se importante no contexto de enfretamento de um câncer, que por ser uma doença de tratamento prologado muitas vezes, acaba deixando o doente sem esperanças interferindo na qualidade de vida do mesmo.
As limitações das descobertas da pesquisa compreenderam a importância da temática aplicada a uma maior amostra. A relevância de se conhecer o contexto dos homens acometidos num universo maior desta população, pode subsidiar mais profundamente o conhecimento sobre o câncer de mama masculino e de forma mais ampla, contribuindo assim a atualização do universo cientifico em torno do tema. A pesquisa não possui conflito de interesses.
CONCLUSÃO
Como resultado do caso observou-se a importância da Atenção primária como o serviço de saúde de porta de entrada na identificação e encaminhamento de situações de agravos à saúde do homem. Nota-se que o tratamento utilizado no caso seguiu os padrões realizados no caso do câncer de mama feminino, indo de encontro aos relatos da literatura.
Assim como no presente caso as repercussões advindas dos esquemas terapêuticos causaram tensão emocional e repercussões físicas relevantes na saúde do indivíduo, principalmente relacionado ao uso dos quimioterápicos e o tratamento cirúrgico. Dessa forma, faz-se essencial uma rede de apoio não só familiar como também da rede de saúde para o encaminhamento, suporte e cuidado continuado desses casos.
Nesse estudo foi notável a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) desde a descoberta até os encaminhamentos do tratamento da doença, que esteve presente na recuperação da saúde do indivíduo, de forma sistemática e eficiente. O SUS como um sistema público de saúde deve ser defendido, incentivado e repercutido como uma política essencial de estado, não só no contexto de tratamento como na promoção, prevenção e recuperação da saúde.
O presente estudo procurou, portanto, mostrar as principais características da enfermidade e o contexto de enfrentamento do homem com câncer de mama, favorecendo assim a subjetividade do sujeito.
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