Artigo Original
A política de enfrentamento à violência contra a mulher: concepções de uma equipe de enfermagem
The politics of confronting violence against women: conceptions of a nursing team
La política de afrontar la violencia contra las mujeres: concepciones de un equipo de enfermería
Revista Enfermagem Digital Cuidado e Promoção da Saúde
Universidade de Pernambuco, Brasil
ISSN-e: 2446-5682
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 7, 2022
Recepção: 05 Março 2021
Aprovação: 15 Fevereiro 2022
Publicado: 29 Março 2022
Autor correspondente: nazzamary@hotmail.com
Resumo: Objetivo: Identificar o conhecimento da equipe de enfermagem sobre as concepções e ações da política de enfrentamento a violência contra a mulher. Método: Caracteriza-se como pesquisa de campo, desenvolvida em um hospital público de alta complexidade de atendimento materno-infantil no município do Recife/PE. Em que, análise descritiva e inferencial com o uso do teste qui-quadrado. Resultados: Evidenciou-se que 70% da equipe afirma conhecer a política, porém 55% não sabe ou não considera os casos como de notificação compulsória e 71% não sabe como lidar. Conclusão: É notória a dificuldade da equipe referente a política de enfrentamento a violência contra a mulher, onde a falta de capacitação contribui nesse obstáculo. Embora a equipe afirme conhecimento da política observou-se incoerência, em que apenas 30% compreendem que a revimitização pode ser minimizada com registro detalhado
Palavras-chave: Violência contra a mulher, equipe de enfermagem, políticas de saúde, promoção da saúde, serviços de saúde da mulher.
Abstract: Objective: To identify the knowledge of the nursing team about the conceptions and actions of the policy to combat violence against women. Method: It is characterized as field research, developed in a public hospital of high complexity of maternal and child care in the city of Recife/PE. In which, descriptive and inferential analysis using the chi-square test. Results: It was evidenced that 70% of the team claims to know the policy, but 55% do not know or do not consider the cases as compulsory notification and 71% do not know how to deal with it. Conclusion: The team's difficulty regarding the policy to combat violence against women is notorious, where the lack of training contributes to this obstacle. be minimized with detailed recording.
Keywords: Violence against women, nursing staff, health policy, health promotion, women's health services.
Resumen: Objetivo: Identificar el conocimiento del equipo de enfermería sobre las concepciones y acciones de la política de combate a la violencia contra la mujer. Método: Se caracteriza como una investigación de campo, desarrollada en un hospital público de alta complejidad de atención materno-infantil en la ciudad de Recife/PE, en la que se realizó un análisis descriptivo e inferencial utilizando la prueba de chi-cuadrado. Resultados: Se evidenció que el 70% del equipo afirma conocer la política, pero el 55% no conoce o no considera los casos de notificación obligatoria y el 71% no sabe cómo tratarla. Conclusión: Es notoria la dificultad del equipo en cuanto a la política de combate a la violencia contra la mujer, donde la falta de capacitación contribuye a que este obstáculo sea minimizado con un registro detallado.
Palabras clave: Violencia contra las mujeres, personal de enfermería, políticas de salud, promoción de la salud, Servicios de Salud para Mujeres.
INTRODUÇÃO
A Organização das Nações Unidas (ONU) define a violência contra as mulheres como qualquer ato violento ligado ao gênero que resulte ou possa resultar em dano físico, sexual, psicológico ou sofrimento, incluindo ameaças, coerção, ou privação arbitrária de liberdade, tanto na vida pública como na vida privada(1).
Considerada como um problema mundial de saúde pública, (2) constitui-se de uma prática predominante por parte de parceiros ou pessoas próximas. No Brasil, é avaliada como a sexta maior causa de internações hospitalares e terceira em mortalidade, assinalando uma alta prevalência da violência doméstica no país(3).
Em detrimento do número alarmante de casos, foi promulgada a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) que tem por objetivo, “coibir e prevenir a violência de gênero no âmbito doméstico, familiar ou de uma relação íntima de afeto” (4), em que se compreende a violência doméstica (que conviva ou tenha convivido no mesmo domicílio que o agressor) incluindo entre outras as seguintes formas de agressão: física, psicológica, sexual, moral e patrimonial (5). Esses tipos de violência contra a mulher são a causa de fobias, depressão, ansiedade, entre outros traumas (6).
Em consonância com a Lei Maria da Penha, foi criada no ano de 2011 a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, fundamentada pela Convenção de Belém do Pará de 1994, cuja finalidade é estabelecer os conceitos, princípios e diretrizes, e ações de prevenção e combate a todas as formas de violência (7).
Isto posto, indaga-se como os profissionais de enfermagem identificam em seu dia a dia as concepções e ações da política de enfrentamento à violência contra a mulher, para que possam contribuir para uma assistência adequada a essas vítimas.
MÉTODO
Trata-se de uma pesquisa de campo, caracterizada quanto aos fins como exploratória, com objetivo de identificar o conhecimento da equipe de enfermagem sobre as concepções e ações da política de enfrentamento à violência contra a mulher. Foi analisado um hospital público de Recife – PE, referência no atendimento materno-infantil, e o protocolo nestes casos.
Compreendendo a gravidez como fator de risco para violência contra a mulher e buscando analisá-la em toda sua extensão, dentro e fora do ciclo gravídico, o hospital em questão viabilizou a pesquisa por abarcar o atendimento dentro e fora do ciclo gravídico podendo, portanto, envolver políticas de enfrentamento a violência contra a mulher em todas suas formas. Abaixo seguem descritas as etapas metodológicas cumpridas no projeto:
Etapa 1: Levantamento bibliográfico
Foi feito através das bases de dados: portal de periódicos CAPES, Scielo e Pubmed. Foram utilizados os seguintes termos de busca: “Violência contra a mulher” e, com auxílio dos operadores booleanos, “enfermagem AND violência contra a mulher”. Em que, por meio dessa pesquisa foi possível elencar autores referência na área em questão, tais como: Oliveira, L. A. S.; Reichenheim, M. E.; Moraes C.L.; Jorge M.H.P.M.; Acosta D.F.; Gomes V.L.O.; Oliveira D.C.; Gomes G.C.; Fonseca A.D.; dentre outros.
Etapa 2: Questionário
Estruturado e elaborado a partir de conceitos, normas, diretrizes e da definição de ações e estratégias de gestão e monitoramento relativas à temática, inseridas na Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres(10), contendo 17 questões objetivas de múltiplas escolhas e divididas em 4 partes: 1- Perfil sociodemográfico dos profissionais; 2- Distribuição dos profissionais quanto à identificação de casos de violência contra a mulher na unidade de saúde; 3- Distribuição dos profissionais quanto ao planejamento, cursos e dificuldades relativos à assistência à mulher vítima de violência sexual; 4- Distribuição dos profissionais quanto ao atendimento e encaminhamentos.
Etapa 3: Coleta de dados
A amostragem configura-se como censitária, sendo utilizado como critério de elegibilidade os profissionais de enfermagem atuantes no referido hospital, contabilizando 135 participantes, o que inclui os setores de: emergência obstétrica/ginecológica, clínica ginecológica e o alojamento conjunto. Entretanto, fizeram parte da amostra 109 pessoas, pois as outras 26 foram considerados perdas, devido aos critérios de exclusão (férias, licença, doença e com menos de seis meses de experiência no setor). A coleta foi realizada no período de março a abril de 2018.
Os profissionais foram orientados que ao sentirem-se incomodados, poderiam retirar-se da pesquisa a qualquer momento, sem ônus para os participantes, além da disponibilidade do número do telefone e e-mail da pesquisadora caso houvesse alguma dúvida sobre o preenchimento do questionário. Após a sua distribuição, os questionários foram recolhidos em um período de até 30 dias, de acordo com a escala de plantão de cada profissional.
Os dados foram coletados após a aprovação do projeto original pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Centro de Ciências da Saúde da UFPE (Parecer Consubstancial do CEP nº 2.506.399) de acordo com o CAAE: 82329618.1.0000.5208.
Etapa 4: Tabulação dos dados
Os dados coletados foram exportados para o software IBM Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 19 e submetidos à análise estatística. Utilizou-se para análise dos dados a frequência percentual e absoluta, e o teste do qui-quadrado para verificar possíveis associações entre as variáveis apresentadas: o conhecimento da equipe de enfermagem em relação à mulher em situação de violência e a categoria profissional no campo da enfermagem. Para efeito de interpretação, o limite do erro tipo I foi de até 5% (p≤0,05).
Os resultados obtidos foram relacionados e discutidos, com outros estudos na temática com a tentativa de verificar possíveis associações e lacunas que os profissionais possuam diante da violência sexual contra a mulher, na necessidade da assistência à saúde.
A Resolução do Ministério da Saúde/Conselho Nacional de Saúde (11), aponta que a presente pesquisa incorreu riscos relacionado ao constrangimento do participante durante o preenchimento do questionário, entretanto através da prévia orientação sobre o instrumento de coleta e objetivos da pesquisa, além da orientação sobre o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o sigilo das informações, estes riscos foram minimizados.
RESULTADOS
A maioria dos profissionais de enfermagem da pesquisa encontravam-se: 87% acima de 31 anos; 94% do sexo feminino; 60% com tempo de atividade superior a 03 anos e 54% sendo dos técnicos de enfermagem (tabela 1).
VARIÁVEIS | Nº | % |
Faixa Etária | ||
20-26 | 6 | 6% |
27-31 | 8 | 7% |
>32 | 95 | 87% |
Sexo | ||
Masculino | 6 | 6% |
Feminino | 103 | 94% |
Tempo de atividade: | ||
Até 1 ano | 16 | 14% |
1-2 anos | 28 | 26% |
3 ou mais | 65 | 60% |
Categoria Profissional | ||
Auxiliar de Enfermagem | 17 | 16% |
Técnico de Enfermagem | 59 | 54% |
Enfermeiro | 33 | 30% |
TOTAL | 109 | 100% |
De acordo com a tabela 2 a violência sexual contra a mulher era um tema de interesse para 90% dos profissionais, 88% deles responderam que a violência sexual é um problema sob o ponto vista jurídico, cultural e de saúde pública. Em relação às formas de violência doméstica 73% afirmaram que são classificadas em cinco: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
Entretanto, quando questionados sobre o conhecimento em relação à política de proteção a mulher, 83% dos participantes referiram ter algum tipo de conhecimento, em que apenas 45% descreveram que a violência contra à mulher é de notificação compulsória e apenas 37% que a ficha de notificação compulsória foi utilizada na unidade, corroborando na concepção de insuficiência informacional para o atendimento nestes casos.
Nº | % | |
A violência contra mulher é um tema do seu interesse? | ||
Sim | 98 | 90% |
Não | 11 | 10% |
A violência contra a mulher é um problema: | ||
Jurídico | 2 | 2% |
Saúde Pública | 4 | 4% |
Cultural | 7 | 6% |
Todas (Social+ Jurídico+ Saúde Pública + Cultural) | 96 | 88% |
A violência doméstica pode ser classificada de diversas formas, dependendo das características apresentadas e reconhecidas, tais como: | ||
Sexual | 10 | 9% |
Moral | 5 | 5% |
Patrimonial | 0 | 0 |
Física | 9 | 8% |
Psicológica | 5 | 5% |
Todas | 80 | 73% |
Conhecimento sobre a política de proteção à mulher? | ||
Sim | 70 | 65% |
Não | 19 | 17% |
Pouco | 20 | 18% |
A violência contra a mulher é de notificação compulsória? | ||
Sim | 49 | 45% |
Não | 40 | 37% |
Não sabe | 20 | 18% |
A ficha de notificação compulsória de notificação é utilizada na unidade? | ||
Sim | 40 | 37% |
Não | 50 | 46% |
Não sabe | 19 | 17% |
TOTAL | 109 | 100% |
No que concerne ao planejamento e preparação da equipe relativos à assistência a mulher vítima de violência, evidenciou-se que não há planejamento ou ação bem definidos. Outrossim, 87% dos entrevistados apontaram que na unidade não possui capacitação, nem tampouco atualização destes profissionais ante à violência contra a mulher e, consequentemente, 65% afirmaram que possuir dificuldade em lidar com esses casos de violência (tabela 3).
Nº | % | |
A unidade possui planejamento e ações de assistência relacionadas á violência contra a mulher? | ||
Sim | 33 | 30% |
Não | 49 | 45% |
Não sabe | 27 | 25% |
A unidade possui cursos de capacitação e atualização em violência contra a mulher? | ||
Sim | 13 | 12% |
Não | 95 | 87% |
Não sabe | 1 | 1% |
A equipe tem dificuldades em lidar com a violência contra a mulher? | ||
Sim | 71 | 65% |
Não | 38 | 35% |
TOTAL | 109 | 100% |
Em relação ao atendimento prestado, a tabela 4 demonstra que 78% dos profissionais referem ser de responsabilidade da equipe multiprofissional. Quando foram também questionados de quem foi a responsabilidade do atendimento, 83% responderam que foi da enfermagem, medicina, assistente social, psicólogo e que outros profissionais também foram responsáveis. Em relação ao reconhecimento da violência e encaminhamento, 99% dos participantes reconhecem a importância de identificar e encaminhar os casos para outros integrantes da equipe multiprofissional. Quando questionados sobre como evitar a revitimização, predominou a resposta: deve-se chamar alguém da família para explicar o que ocorreu com 43%.
Nº | % | |
A equipe multiprofissional é responsável em prestar um atendimento de qualidade à mulher em situação de violência? | ||
Sim | 85 | 78% |
Não | 24 | 22% |
Por quem é realizado o atendimento às mulheres vítimas de violência sexual? | ||
Medicina | 3 | 3% |
Enfermagem | 2 | 2% |
Assistente Social | 6 | 6% |
Delegado(a) | 7 | 6% |
Medicina, Enfermagem, Assistente Social, Psicólogo e outros | 91 | 83% |
A enfermagem ao passo que reconhece a violência como um problema deverá encaminhar para outros integrantes da equipe de saúde multiprofissional? | ||
Sim | 108 | 99% |
Não | 1 | 1% |
O que pode evitar a revitimização (forma de contar a violência repetidas vezes)? | ||
Chamar alguém da família para explicar o que ocorreu | 47 | 43% |
Fazer perguntas várias vezes para ter certeza | 9 | 8% |
Registrar detalhadamente o relato | 30 | 28% |
Obrigar a mulher a denunciar o agressor | 13 | 12% |
Nenhuma das respostas | 10 | 9% |
TOTAL | 109 | 100% |
No que se refere a distribuição dos profissionais acerca das responsabilidades no atendimento as mulheres vítimas de violência 78% afirmam ser de responsabilidade da equipe multiprofissional o atendimento prestado a mulher vítima de violência. No entanto, ao analisar-se a distribuição dos profissionais quanto ao conhecimento sobre as responsabilidades no atendimento as mulheres vítimas de violência por categoria profissional (tabela 5) observa-se uma queda para 58% (P= 0,002).
Variáveis | Total | Categoria | ||||||
(%) | (N) | Auxiliar de Enfermagem | Técnico de Enfermagem | Enfermeiro | ||||
(%) | (N) | (%) | (N) | (%) | (N) | |||
Sim | 78 | 85 | 94 | 15 | 85 | 51 | 58 | 19 |
Não | 22 | 24 | 6 | 1 | 15 | 9 | 42 | 14 |
Total | 10 | 10 | 100 | 16 | 100 | 60 | 100 | 33 |
Em detrimento da análise, evidencia-se a insuficiência de conhecimento acerca dos aspectos relacionados à violência contra a mulher, bem como a assistência dos profissionais de saúde e como a intervenção pode acarretar consequências danosas a essas vítimas, fortalecendo o processo de revitimização.
DISCUSSÃO
Em um determinado estudo observou-se a relação entre o conhecimento da violência e idade do profissional, onde médicos e enfermeiros que possuíam mais de 48 anos tinham um maior conhecimento acerca da violência de gênero. Contudo, apenas a idade não é o único fator importante para adquirir conhecimentos, mas o aperfeiçoamento e a educação permanente são essenciais para atuação do profissional, aspecto esse que 87% afirmam não haver na unidade me questão (11,12).
O campo da saúde vem se preocupando cada vez mais com as nuances que envolvem a violência contra a mulher, antes essa temática apenas envolvia interesse das esferas do direito e da segurança pública, e essa compreensão também pôde ser encontrada entre os entrevistados dessa pesquisa. A Organização Mundial da saúde, bem como o Ministério da saúde no final da década de 90 assumiram responsabilidades no que se referem a esse agravo em diversos documentos e portarias, classificando como um importante problema de saúde pública, pois além de uma forte prevalência também tinha suas consequências negativas na vida das pessoas (13).
A equipe de enfermagem participante dessa pesquisa também identificou essa violência em todas suas esferas e complexidades, haja vista que 78% apontam a relevância da atuação de uma equipe multidisciplinar no atendimento dos referidos casos. Compreendendo a abrangência dos traumas advindos da violência sofrida, não obstante, um estudo indica que na esfera mundial cerca de 30% das mulheres já sofreram violência sexual e/ou física(14), nos EUA e no Reino Unido estima-se que uma em cada cinco mulheres e uma em cada seis mulheres, de modo respectivo, será vítima de violência sexual durante a vida. A violência sexual apresenta índices elevados de subnotificação onde apenas 16,5% - 26,1% das agressões são relatadas (15).
Considerando que a agressão sexual representa uma das formas mais explícitas da violência contra a mulher e ainda assim haja esse alto índice de subnotificação, as demais formas de abuso seguem veladas por não se configurarem como notificação compulsória e, consequentemente, corroboram na propagação do feminicídio.
Em consonância com os resultados apresentados, ressalta-se o conhecimento da equipe ante a notificação compulsória, haja vista que 55% da equipe não considera ou não sabe se a violência contra mulher se configura como notificação compulsória. Portanto, tem o seu uso e preenchimento banalizados o que dificulta a implementação de políticas de atendimento, bem como a mensuração quantitativa dos casos.
Por conseguinte, 71% da equipe afirma não saber como lidar com os casos de violência contra a mulher esses indicativos evidenciam a necessidade de uma educação constante aos profissionais, a fim de que saibam como lidar nos referidos casos e, por consequência, prestem o serviço da maneira condizente com a política de enfrentamento.
Ademais, compreendendo a importância do profissional da saúde no controle epidemiológico da violência contra mulher, acentua-se a pertinência do estudo de notificação compulsória e qualificação da equipe proporcionando o desenvolvimento de programas e ações específicas. Outra dificuldade identificada além do não preenchimento dessa ficha, é o erro de registro em decorrência de inúmeros fatores como: medo de represálias, dúvidas ou intimidação durante o seu preenchimento, insegurança pessoal, descrença na atuação e dificuldade em lidar com os casos
Em uma outra pesquisa observou-se que a ficha de notificação compulsória tem seu uso e preenchimento banalizados pela rotina dos profissionais envolvidos. Esses dados convergem com o atual estudo, revelado pelo alto percentual de participantes que responderam não saber da obrigatoriedade de notificação do agravo e do uso da ficha referida na unidade de saúde. E outra dificuldade identificada além do não preenchimento dessa ficha, é o erro de registro em decorrência de inúmeros fatores como: medo de represálias, dúvidas ou intimidação durante o seu preenchimento, insegurança pessoal, descrença na atuação e dificuldade em lidar com os casos (16).
Outrossim, dentro das responsabilidades no atendimento e ao registro de informações às mulheres vítimas de violência, as instâncias da gestão do Sistema único de saúde (SUS), deverão garantir os direitos, sendo necessário que as normatizações possam ser acompanhadas pelos processos de educação permanente (17). Nesse contexto, os profissionais de enfermagem deste estudo denotaram a carência e a necessidade de educação contínua na unidade de saúde referente ao tema.
A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher no Brasil inclui o atendimento das mulheres em situação de violência, que nos últimos anos juntamente com outros países vem tentando modificar a resposta dos serviços de saúde no intuito de garantir direitos e reduzir riscos a essas vítimas. Os profissionais de saúde que acolhem a essas mulheres desenvolvem um papel trivial nesse contexto, contudo, ainda não conseguiram compreender ou identificar esse agravo e desta foram deixam lacunas nos registros de violência nos prontuários médicos (18)
Logo, este estudo evidenciou que mesmo afirmando conhecimento sobre a política de proteção à mulher, os profissionais não demonstraram entendimento sobre alguns aspectos relacionados à legislação e a forma de aplicá-la (19). Não obstante, os entrevistados afirmaram que a equipe multidisciplinar é responsável pelo atendimento à mulher vítima de violência sexual.
Assim, é importante compreender a responsabilidade de cada profissional, que por sua vez pode demonstrar dificuldades e torna-se imperceptível diante da violência contra a mulher e com isso deixar de reconhecer as suas manifestações como instrumento mediador das recomendações institucionais da atenção, e tê-las incluídas como atribuição nos serviços (20).
Por conseguinte, no presente estudo evidenciou-se que os profissionais de saúde apresentam dificuldades acerca das condutas que devem ser tomadas diante dos casos de violência, da forma de abordagem direta, dos limites da prática assistencial e as grandes demandas, determinantes para que o atendimento seja adequado à mulher em situação de violência e que não resulte no processo de revitimização. Questionar esses limites visa transmitir a necessidade de melhoria nos espaços de discussão objetivando elaborar protocolos e fluxos que possam orientar uma prática assistencial multidisciplinar (21).
No que concerne esse processo de revitimização, apenas 30% da equipe afirma que a melhor forma para evitar que a vítima reviva o trauma é a utilização de um registro detalhado. Em contrapartida, 70% contribuem no processo de revitimização, haja vista que por não fazerem uso de um registro detalhado submetem a paciente a relatar os fatos diversas vezes a fim de atestarem a veracidade.
Ademais, foi identificado que os participantes entendem a importância da atuação da equipe multidisciplinar diante de mulheres vítimas de violência. Logo, os profissionais de enfermagem bem como a equipe multidisciplinar de saúde, precisam ter determinado grau de percepção para lidar com essas mulheres. Por isso se torna indispensável que o profissional compartilhe suas emoções, para que a mulher vitimada possa sentir-se protegida e assim como resultado desta conduta, exprimir as suas necessidades de atenção à saúde (22).
Vale ressaltar que no estudo em questão foi identificado uma diferença significativa entre o conhecimento da violência entre os profissionais, em que os auxiliares de enfermagem foram comparados com os outros profissionais (técnicos e enfermeiros). Através dessa análise, embora sejam o nível mais básico da categoria profissional no campo da enfermagem, apresentaram um maior entendimento sobre a responsabilidade multidisciplinar diante da violência contra à mulher. Acredita-se que talvez por esses profissionais trabalharem em outros serviços de referência para esse agravo possuam uma melhor percepção e entendimento sobre a problemática abordada.
CONCLUSÕES
Esta pesquisa identifica fragilidades na percepção da equipe de enfermagem no que concerne à violência contra a mulher, determinando a necessidade de implantar novas ações que integrem de maneira efetiva a equipe multidisciplinar, trazendo para estes profissionais: reflexões, informações e orientações importantes. Não só diante do sofrimento e os danos gerados pela violência, mas também para melhoria da assistência a essas vítimas.
Dentre os imbróglios percebidos ressalta-se a necessidade de uma educação permanente a fim de atualizar os profissionais ante as políticas de enfrentamento a violência contra a mulher, em todos os aspectos vistos, considerando-se as dificuldades respaldadas pelos entrevistados.
Desta forma, primando por uma assistência de enfermagem de qualidade às mulheres, recomenda-se a promoção de ações de prevenção e combate à violência contra todas as suas formas, através da divulgação dos centros de referência e principalmente da prioridade no atendimento. É preciso engajamento das instituições na solicitação de treinamentos, na promoção de acesso ao material didático e às ações em conjunto com toda equipe multidisciplinar, proporcionando um atendimento com mais segurança e comprometimento.
Assim sendo, mostra-se indispensável a educação permanente na capacitação destes profissionais, possibilitando que o conhecimento sobre os inúmeros aspectos relacionados à violência contra a mulher, para que possa contribuir na melhoria da assistência de saúde. O fortalecimento da concepção desse agravo como uma problemática de saúde pública permite que a situação traumática vivenciada por essas mulheres seja minimizada por meio de um atendimento interdisciplinar e humanizado.
Em síntese, na referida pesquisa não foi identificado qual fator esteve relacionado ao enfermeiro ser a categoria dentro dessa equipe que menos percebeu a importância da responsabilidade do atendimento multiprofissional diante dessas mulheres violentadas. Visto que se trata de um imbróglio complexo e que requer uma atuação multiprofissional nesse contexto, necessita-se de mais estudos na área para preencher essa lacuna.
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Autor notes
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