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O INSTRUMENTO MATEMÁTICO BÁCULO DE PETRUS RAMUS EM SITUAÇÕES COTIDIANAS DOS SÉCULOS XVI E XVII
THE MATHEMATICAL INSTRUMENT BACULUM OF PETRUS RAMUS IN EVERYDAY SITUATIONS OF THE SIXTEENTH AND SEVENTEENTH CENTURIES
Revista de História da Educação Matemática, vol. 8, pp. 01-21, 2022
Sociedade Brasileira de História da Matemática

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

Revista de História da Educação Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática, Brasil
ISSN-e: 2447-6447
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 8, 2022

Resumo: Durante a Idade Moderna, tivemos a difusão de alguns instrumentos matemáticos, que foram direcionados para solucionar a necessidade dos afazeres rurais, das relações comerciais e das construções arquitetônicas, servindo de apoio aos trabalhadores do período, desencadeando a valorização da teoria alinhada com a prática. Esses elementos delimitavam um saber/fazer que mobilizava ações voltadas para as matemáticas e para o ofício de atividades laborais, promovendo a troca de conhecimentos entre áreas distintas. É nesse contexto que temos por objetivo apresentar formas de utilização do instrumento matemático báculo de Petrus Ramus em práticas e em situações cotidianas dos séculos XVI e XVII. Para tanto, pautados em um estudo exploratório, do tipo bibliográfico, trabalhamos, inicialmente, com o tratado Via regia ad geometriam – The Way To Geometry (1636), obra na qual o báculo de Petrus Ramus foi descrito, incluindo depois outras leituras que versassem sobre o instrumento destacado, com um olhar para o trabalho e para as situações de medição em que ele era qualificado. Assim, percebemos que o báculo de Petrus Ramus esteve presente em atividades práticas da Idade Moderna, auxiliando nas medições de comprimento, altura e largura, por meio de relações matemáticas aplicáveis em alguns segmentos do saber, como agrimensura e engenharia, que transformaram a infraestrutura daquele período. Com essa breve descrição, temos que tal instrumento matemático contribuiu de maneira positiva para os afazeres cotidianos em seu período de circulação, ajudando o homem a lidar com as necessidades em seu dia a dia, mobilizando os conhecimentos a seu dispor.

Palavras-chave: Báculo de Petrus Ramus, Instrumentos Matemáticos, Conhecimento Prático e Teórico, História da Matemática.

Abstract: During the Modern Age, we had the diffusion of some mathematical instruments that were directed to solve the need in rural activities, commercial relations, and architectural constructions, serving as an aid to the workers of the period, triggering the valorization of theory aligned with practice. These elements delimited a knowing and a doing that mobilized actions focused on mathematics and craft in labor activities, promoting the exchange of knowledge between different areas. It is in this context that we aim to present some daily applications with a mathematical instrument, focusing on the baculum of Petrus Ramus, articulating it to its way of handling between the sixteenth and seventeenth centuries. Thus, we were able to perceive that Petrus Ramus' baculum was present in the practical activities of the Modern Age, by assisting in measurements of length, height and width, through mathematical relationships applicable in some segments of knowledge such as surveying and engineering, which transformed the infrastructure of that period. With this brief description, we have that this mathematical instrument contributed positively to the daily tasks in their periods of circulation, helping man to deal with the needs in his daily life, mobilizing the knowledge at his disposal.

Keywords: Baculum of Petrus Ramus, Mathematical Instruments, Practical and Theoretical Knowledge, History of mathematics.

INTRODUÇÃO

A relação do uso de ferramentas dentro da prática cotidiana é um movimento ancestral, que vem sendo amplificado a partir do período paleolitíco, tendo como construções primárias objetos constituídos de madeira, de ossos e, principalmente, de pedras lascadas. Esses utensílios tinham finalidades comuns à frente de seu período de circulação, servindo para caça de animais, para produção de materiais domésticos e de vestimentas para o corpo (Navarro, 2006).

Pensando nisso, a partir de cada período histórico vivido pelo mundo, novas necessidades iam surgindo, fazendo com que os habitantes se adaptassem e desenvolvessem tecnologias para ampará-los em alguns serviços, mediante o conhecimento que estava disponível em cada situação. Assim sendo, essas atividades advindas do cotidiano serviram como um dos fatores para a produção de instrumentos que auxiliassem o homem em seus afazeres.

Dessa forma, muitos objetos foram sendo remodelados por intermédio de uma versão inicial, enquanto outros foram construídos para um determinado afazer, tendo variados instrumentos para uma mesma função, contando com mecanismos distintos ou similares, que dependiam de seus construtores (Silva, 2021). Alguns deles passaram a ser registrados em escritos particulares, como uma forma de registrar os processos de construção, o uso e a aplicação, a fim de serem repassados para outras gerações.

Entendemos que, em cada momento da histórica, houve ferramentas que foram disseminadas em muitas regiões do mundo, tendo utilidade para profissionais em seus afazeres. Contudo, em meados do século XVI, instrumentos foram fabricados para atividades direcionadas, incluindo aqueles em que foram aproximados o conhecimento teórico, que circulava nessa época, com o conhecimento prático disponível, vinculando esses objetos à experiência laboral de cada profissão (Saito, 2015; Pereira & Saito, 2018).

Logo, parte desses objetos tiveram usos direcionados para a agrimensura, outros para a navegação, bem como para o comércio e outras áreas que tinham atividades manuais em alta escala. Nessa variedade, encontramos os ditos “instrumentos matemáticos”, que recebiam essa denominação por medirem quantidades referentes a algumas grandezas matemáticas (Saito, 2014).

Segundo Saito (2013, p. 106), ao desenvolver-se uma investigação, tendo como base algum instrumento, é preciso ter a noção de que ele é um canal para a compreensão do contexto histórico de alguma civilização em uma linha do tempo, tendo que entender algo além de sua materialidade, pois isso pode “revelar conhecimentos na articulação entre o saber e o fazer e, assim, a produção de conhecimento de uma época”.

Portanto, por terem essa associatividade com os conhecimentos matemáticos e a prática cotidiana dentro de um período histórico, os instrumentos matemáticos passaram a fazer parte da história da matemática, contando como um recurso capaz de explicitar atividades laborais de determinado tempo. Destarte, dentro do quadro de instrumentos matemáticos que foram propagados na Idade Moderna, encontramos o báculo de Petrus Ramus, que teve a finalidade de medir, inserido em contextos de aplicação diferentes, contribuindo para o trabalho laboral, trazendo-nos a seguinte indagação: em que práticas e situações o instrumento matemático báculo de Petrus Ramus foi utilizado para medir grandezas nos séculos XVI e XVII?

Esse objeto foi uma das variações de báculos existentes ao longo da história, presente no tratado Via regia ad geometriam – The Way To Geometry, em uma versão traduzida do latim para o inglês, publicada em 1636, por William Bedwell (1561-1632), conhecido como um objeto de medição usado para mensurar grandezas, como comprimento, altura e largura. Tais designações são particularizadas em situações cotidianas nas quais são diferenciadas e destacadas pelo autor quanto à aplicação.

Dessa maneira, neste artigo, temos como objetivo apresentar formas de utilização do instrumento matemático báculo de Petrus Ramus em práticas e em situações cotidianas dos séculos XVI e XVII, em vista desse intervalo temporal ter sido o momento de grande circulação do objeto, junto da sua relevância para as possíveis atividades práticas do período. Para isso, apoiados em uma pesquisa exploratória, do tipo bibliográfica, analisamos o documento histórico citado, com a realização de outras leituras complementares que versassem sobre ele, como também observamos o período contextual do instrumento matemático, a fim de entender aspectos de ordem matemática, material e prática, que possibilitassem dialogar com as suas situações de medição.

Consequentemente, organizamos este ensaio teórico em quatro seções, em que, na primeira parte, houve uma explanação do caminho metodológico percorrido; ao passo que, na segunda etapa, construímos uma breve contexualização, de modo a explicitar como o conhecimento matemático passou a ser incorporado em antigos instrumentos. Nessa perspectiva, no terceiro momento, tratamos acerca de algumas variações de báculos na história, situando como esse objeto recebeu nomes e designações diferentes em sua forma de uso, além de discutirmos a forma de manuseio do báculo de Petrus Ramus na medição de distâncias.

1. O PERCURSO METODOLÓGICO EMPREGADO NA PESQUISA

A pesquisa com instrumentos matemáticos, ambientados em séculos passados, necessita de uma maturidade do pesquisador, bem como uma organização do material coletado, uma vez que, geralmente, partimos do estudo de um documento histórico até chegarmos a algo mais delimitado. Esses antigos objetos foram registrados em antigos tratados, contando com a descrição de sua construção, de seu uso e de algumas aplicações, carregando consigo elementos de ordem prática, matemática, contextual e epistemológica a serem explorados (Saito, 2014; Pereira & Saito, 2019; Silva, 2021).

Nesse sentido, consideramos que tecer um caminho metodológico, para esse tipo de investigação, é indispensável, posto que, em cada momento da pesquisa, obtemos resultados acumulativos para constituir a nossa proposta final. À vista disso, em nosso estudo, trabalhamos, inicialmente, com o tratado Via regia ad geometriam – The Way To Geometry (1636), cujo báculo de Petrus Ramus está inserido. Em seguida, incluímos outras leituras que versassem sobre o instrumento destacado, com um olhar para as suas aplicações no cotidiano da Idade Moderna.

Diante dessa noção, dividimos a nossa metologia em dois aspectos, para uma melhor compreensão de como foi constituída a perspectiva da investigação. No primeiro momento, caracterizamos a pesquisa desenvolvida em critérios relacionados à tipologia nos fundamentos científicos de Prodanov e Freitas (2013), junto aos de Marconi e Lakatos (2017). Posterior a isso, delimitamos outras pesquisas e trabalhos que foram tomados para a leitura, servindo como base teórica para este estudo em tela, destacando as principais abordagens.

1.1. Os procedimentos metodológicos com o aporte teórico utilizado

Por causa da relevância do uso de instrumentos metodológicos no âmbito científico, caracterizamos esta pesquisa em alguns aspectos de acordo com os tipos de estratégias existentes em seu processo de construção. Então, baseados nas concepções teóricas, organizamos as definições utilizadas com critérios relacionados à natureza da pesquisa, à sua abordagem, aos objetivos e aos processos metodológicos adotados.

Isso posto, em relação à natureza da investigação, esta se qualifica como um estudo básico, que “objetiva gerar conhecimentos novos úteis para o avanço da ciência sem aplicação prática prevista” (Prodanov & Freitas, 2013, p. 51). Essa caracterização deve-se ao fato de ter sido desenvolvido um estudo de cunho teórico, de modo a reunir elementos que influenciam a formação do manuseio do báculo de Petrus, com as suas devidas aplicações na Idade Moderna.

Quanto à abordagem da mesma, tem-se que ela é uma pesquisa qualitativa, já que utilizamos a interpretação de acontecimentos históricos e de outros elementos contextuais para discutir os dados, procurando situar essas questões dentro da época em que foram constituídas sob uma historiografia atualizada[3]. Sobre isso, Prodanov e Freitas (2013, p. 70) ressaltam que “a interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa”.

A respeito da pesquisa, que direcionamos para contemplar o objetivo do artigo, primamos por denominá-la de estudo exploratório, visto que ela proporciona “mais informações sobre o assunto que vamos investigar, possibilitando sua definição e seu delineamento, isto é, facilitar a delimitação do tema da pesquisa” (Prodanov & Freitas, 2013, p. 51-52). Dessa forma, a partir da leitura dos textos escolhidos, focamos em recolher informações relacionadas à temática do estudo para compor nosso quadro contextual no período histórico indicado.

Alinhado a isso, o procedimento metodológico usou as definições de uma pesquisa bibliográfica, que “é feita com base em textos, como livros, artigos científicos, ensaios críticos, dicionários, enciclopédias, jornais, revistas, resenhas, resumos”, colocando-nos em contato direto com todo o material publicado e disponível sobre nossos objetos de estudo (Marconi & Lakatos, 2017, p. 54). Em particular, voltamos a atenção para os artigos científicos, pois, neles, encontramos uma base de conhecimento científico atualizado em relação a assuntos que já foram maturados, metodologias utilizadas, como também uma interpretação e uma mobilização de objetos de pesquisa bem definidos.

A partir disso, exploramos o documento histórico Via regia ad geometriam – The Way To Geometry (1636)[4], a fim de colher informações iniciais sobre as aplicações de uso do instrumento matemático: báculo de Petrus Ramus. Esse texto serviu como base para a pesquisa, sendo a fonte primária utilizada, que nos encaminhou para a escolha das leituras secundárias. Além disso, fizemos outras leituras que nos ajudaram a constituir parte do contexto histórico dessas práticas cotidianas, em que esses instrumentos estavam inseridos.

Para pesquisar o báculo de Petrus Ramus e suas aplicações, fundamentamos nossa leitura nos estudos de Pereira e Saito (2019); Silva e Pereira (2020a, 2020b); junto com Silva (2021), que nos deram uma direção acerca do processo de construção do instrumento, articulando esse processo à sua utilização. Consequentemente, conseguimos entender o funcionamento do instrumento em si, articulando cada peça dele com sua respectiva função, reconhecendo que o seu processo de construção e de manuseio estão interrelacionados.

Ainda tivemos enfoque na pesquisa de Saito (2013, 2014, 2019); assim como de Pereira e Saito (2018); Batista (2018); Saito e Pereira (2019), que nos elucidaram quanto às atividades práticas e comerciais que operavam entre os séculos XVI e XVII, mostrando-nos a relevância dos antigos instrumentos nesse período. Portanto, tivemos entendimento de como a incorporação do saber matemático foi importante para o funcionamento e a construção desses objetos no meio laboral em que estavam inseridos.

Com isso, consideramos que o percurso metodológico descrito nos auxiliou no direcionamento preliminar em relação às ações de pesquisa na exploração das formas de uso do báculo de Petrus Ramus em situações comuns ao cotidiano da Idade Moderna. Ademais, houve um amadurecimento de conceitos iniciais, permitindo-nos destacar questões ligadas à forma de manuseio do instrumento, favorecendo as ideias para o recolhimento de elementos de ordem contextual, matemática, epistemológica e prática, que culminaram na discussão dos resultados encontrados.

2. A FORMA DE INCORPORAÇÃO DO SABER MATEMÁTICO NA UTILIZAÇÃO DE ANTIGOS INSTRUMENTOS

A partir da necessidade de o homem entender alguns processos da natureza, novas formas de conhecimento passaram a integrar as vertentes do saber, tendo uma característica mais sistemática, dando uma intepretação científica e racional a alguns desses fenômenos. Nesse contexto, as ciências naturais começaram a ter foco na observação desses fenômenos, de modo a interpretá-los mediante o conhecimento disponível para a sua formalização e mobilização.

Esse pensamento passou a ser estruturado por meio do movimento renascentista, que resgatou e valorizou conhecimentos da antiguidade clássica, trazendo à tona, para sua época, elementos que antes foram esquecidos, tendo uma nova reformulação (Saito, 2015). Esse movimento teve influência em muitas áreas do conhecimento, dando uma nova organização aos saberes literários, científicos, bem como aos matemáticos.

Até esse momento da história, a matemática ainda não tinha se tornado um corpo de conhecimento unificado, sendo distribuída em áreas conhecidas da época, que eram tratadas de maneiras distintas. Elas recebiam a denominação de “as matemáticas” e direcionavam o conhecimento matemático para elementos particulares de cada campo específico, fazendo com que os conceitos tivessem atribuições diferentes, como segue na descrição:

[...] antes do século XIX inexistia ainda uma matemática como campo de investigação autônomo e unificado de conhecimentos essencialmente matemáticos. Até meados do século XVIII, as matemáticas (isso mesmo, no plural) eram muitas de modo que campos de investigação e de conhecimentos, como a astronomia, a navegação, a mecânica, a cosmografia, a geografia, a agrimensura, a música etc., eram consideradas "ciências matemáticas" na medida em que lidavam com números, grandezas e medidas (Saito e Pereira, 2019, p. 17).

Sabendo disso, algumas dessas matemáticas ficam conhecidas por fazerem parte do Quadrivium, um rol de disciplinas que eram implementas nos centros de saberes da Idade Moderna na Europa, sendo elas: a geometria, a astronomia, a música e a aritmética (Saito, 2015). Dentro desse contexto, Pereira e Saito (2018) afirmaram que essas matérias eram ministradas sob preceitos aristotélicos, fazendo com que a abordagem téorica fosse mais visada, afastando-as de seu teor prático.

Com o advento do Renascimento, entre outros acontecimentos, essa concepção sobre a abordagem das disciplinas do Quadrivium foi sendo reformulada, passando a serarticulada com alguma aplicação prática do cotidiano, fazendo com que as disciplinas tivessem um desenvolvimento expressivo (Saito, 2013, 2014, 2015; Saito & Pereira, 2019). Assim, essas ciências matemáticas tiveram sua integração em atividades laborais, tal como nas oficinas, no campo rural, no meio astrológico e no marítimo, promovendo a diversificação dessas vertentes do saber.

Essas questões serviram de influência para muitos estudiosos da época, fazendo com que outros trabalhadores se interessassem pelas variadas vertentes do conhecimento, refletindo no aumento do número de escritos particulares produzidos nessa fase. Com isso, alguns instrumentos circulantes do período passaram a ser descritos em algumas dessas obras, que, dentro da história da matemática, são conhecidas como os tratados que impulsionaram a construção de novos objetos, com a reformulação dos que já existiam, surgindo variações, aumentando o arsenal (Silva, 2021).

Diante disso, conforme as matemáticas ganhavam respaldo e espaço em outras áreas do período, a construção dos escritos também foi aumentando e se particularizando nessas vertentes, fazendo com que houvesse instrumentos destinados a afazeres diferentes com mecanismos variados (Silva & Pereira, 2020a). Nisso, os praticantes de matemáticas[5] desempenharam um papel relevante na produção de tratados que teriam a incorporação de alguns instrumentos matemáticos como ferramentas de uso diário por meio de um viés mais prático com breves descrições, direcionados a algumas profissões através de concepções estabelecidas por cada trabalho da época.

Dentro dessa perspectiva, alguns instrumentos tiveram um caráter mais direcionado ao incorporarem, em sua estrutura, conhecimentos matemáticos que auxiliam no processo de fabricação e na forma de manuseio. Esses objetos foram denominados de “instrumentos matemáticos”, em parte, por causa dessa forte articulação criada com as matemáticas dos séculos XVI e XVII, junto, ainda, da concepção de que eles eram tidos para medir as quantidades, conforme Saito e Pereira (2019, p. 17-18) mencionam:

Esses instrumentos são ditos "matemáticos" porque foram elaborados e utilizados por praticantes e estudiosos de matemáticas e não por fazerem parte do rol de instrumentos da Matemática. [...] Isso significa que um instrumento matemático pode ainda ser designado como náutico, astronômico, óptico, topográfico entre outras tantas possibilidades, pois o que o define como "matemático" não é o segmento de saber em que é utilizado, mas a sua capacidadede de quantificar ou, no sentido mais estrito, de medir grandezas. Assim, quando nos referimos a antigos instrumentos matemáticos, nós os denominamos "matemáticos" porque eles incorporam e mobilizam, entre outras coisas, conhecimentos matemáticos.

A partir dessa concepção, para poder utilizar esses instrumentos matemáticos, seus usuários teriam que compreender as orientações específicas relacionadas com a forma de manuseio, além dos saberes matemáticos que operam por esse processo e parte do ofício em que esses objetos seriam aplicados (Silva & Pereira, 2020a; Silva, 2021). Essa ação requer um entendimento aprofundado dos elementos mencionados anteriormente, promovendo um alinhamento de concepções para que os instrumentos funcionassem da forma coerente.

Logo, pelo manuseio desses objetos, tinha-se a mobilização de muitos conhecimentos interrelacionados, que contribuíam nos resultados obtidos para um fazer direcionado, dando um sentido às concepções teóricas por meio das aplicações práticas. Isso conduziu à valorização do saber matemático alinhado ao conhecimento prático das profissões, integrando-as em um nível majoritário.

Dessa forma, percebemos que antigos instrumentos matemáticos incorporam conceitos que são relevantes para seu mecanismo em um formato geral, implementados tanto no processo de construção como na forma de manuseio, fazendo com que se diferenciem de outras ferramentas do seu período de circulação. Portanto, ao articularem-se os conhecimentos matemáticos teóricos com os afazeres práticos, desencadeiam-se ações para desenvolver a finalidade de cada instrumento, tornando esses objetos utéis em aplicações robustas.

3. AS DIFERENTES VARIANTES DE BÁCULOS DISSEMINADOS NA HISTÓRIA

A variedade de instrumentos matemáticos, que foram produzidos após o Renascimento, é bem diversificada se tomarmos como parâmetro de classificação a articulação do manuseio dessas ferramentas com o trabalho para o qual eram direcionadas (Silva & Pereira, 2020a). Ressaltamos que muitos objetos foram criados de modo que tivessem finalidades diferentes, enquanto outros passaram a ser utilizados em um mesmo campo de atuação, fazendo com que um instrumento apresentasse múltiplas maneiras de aplicação.

Com isso, parte dos instrumentos matemáticos tinha um próposito, que podemos generalizar como a finalidade de medir. Essa questão está ligada com o fato de o objeto requerer a apropriação do que se quer mensurar, que, comumente, é definida por seu usuário como uma grandeza (Saito, 2013; Saito, 2014). Tal configuração está presente em algumas ferramentas que emergiram na Idade Média, mantendo essa característica em variantes que iriam surgir após esse período (Batista, 2018; Pereira & Saito, 2020).

Partindo dessa variedade, temos o instrumento matemático denomiando de báculo, conhecido por medir distâncias entre diferentes tipos de grandezas, que veio a sofrer variações no decorrer da história, sendo adaptado a afazeres que lhe eram direcionados por alguns estudiosos antigos e pelos praticantes de matemática. Nesse sentido, segundo Pereira e Saito (2020, p. 14), encontramos “três tipos de ‘báculos’, ao longo da história, vinculados à astronomia, à agrimensura e à navegação. Essa demanda se deu por exercerem funções distintas, além do tamanho, da graduação, do material, do acessório, da teoria e do método de uso”.

À vista disso, o báculo passou a ter muitas nomenclaturas, chegando a ter outras características, sem perder a sua essência primordial. Assim, em alguns segmentos do saber, como a astronomia, o instrumento era designado como “bastão do astrônomo”, bem como radius astronomicus em meados do século XVI (Pereira & Saito, 2020). Por outro lado, na agrimensura, o objeto foi chamado de “bastão topógrafo ou agrimensor”, conhecido ainda como vara de Jacob e báculo geométrico (Batista, 2018; Pereira & Saito, 2020). Na navegação, tal ferramenta recebeu o nome de “bastão do marinheiro” a partir de sua disseminação pelos mares, chegando em regiões da Europa, passando a ser nomeado de balhestilha (Batista, 2018; Pereira & Saito, 2020).

Essas variantes de báculos passaram a ser incluídas em documentos históricos, que foram disseminados por todas as regiões do mundo. Em particular, damos ênfase, nessa parte da pesquisa, ao radius astronomicus (representado na Figura 1), a variante utilizada, na astronomia, por Regiomontanus (1436-1476), para a medição de altitudes celestiais, do diâmetro de comentas e do comprimento de sua calda (Pereira & Saito, 2020). O instrumento foi inserido na primeira versão do tratado Cometae magnitudine, longitudinecque, ac de loco eius vero Problemata XV, escrito pelo idealizador do instrumento, publicado no ano de 1531, em Nuremberg, por Fridericum Peypus.


Figura 1
O radius astronomicus de Regiomontanus
Retirado de Pereira e Saito (2020, p. 20).

Por outro lado, dentro do campo da agrimensura, há báculos com a finalidade principal de realizar medição em grandes lotes de terras nas propriedades rurais, como outras situações que remetem a essa prática cotidiana de tempos remotos (Silva, 2021). Para contemplar esses afazeres, Leonard Digges (1515-1569) inseriu em sua obra: A Booke Named Tectonicon, publicada em 1556, uma versão de seu báculo (como mostra a Figura 3), que era destinado para os “medidores de terra, os carpinteiros e os artesãos” em seus trabalhos manuais (Castillo, 2016, p. 79).


Figura 2
O báculo de Leonard Digges
Retirado de Castillo (2016, p. 90).

Por fim, sabemos que existiram báculos que tiveram o seu uso aplicado a áreas como a astronomia e o meio marítimo, em situações especiais, que necessitavam da articulação de conhecimentos desses campos, como obter localização espacial dentro de antigas caravelas. Um exemplo de báculo utilizado para esse fim é aquele que foi denominado como balhestilha (ilustrada na Figura 3), inserida no documento histórico Chronographia, Reportorio dos Tempos..., do português Manuel de Figueiredo (1568-1630), no de 1603 (Batista, 2018).


Figura 3
A medição com a balhestilha
Retirado de Batista (2018, p. 53).

Pelas representações de báculos, que foram apresentadas, percebemos que há semelhanças nas formas desses instrumentos, uma vez que, nos mesmos, temos a utilização de bastões para a sustentação com outras peças auxiliares. Ademais, os instrumentos contam com mecanismos adaptáveis para se adequarem à finalidade a que são dispostos, contudo, eles não perdem a sua essência, que é realizar a medição de distâncias por meio de variadas grandezas, apesar de serem objetos que se difereciam em outros aspectos, se considerarmos, principalmente, seus períodos de circulação.

Dentro dessa perspectiva, nas seções a seguir, apresentamos um instrumento matemático, que foi utilizado por antigos profissionais em suas atividades laborais, direcionando a forma de manuseio dele para as aplicações cotidianas comuns em seu período de circulação. Tal objeto é designado como báculo de Petrus Ramus[6], ferramenta bastante disseminada na Idade Moderna, uma vez que sua finalidade se voltou para campos como a agrimensura e a engenharia do período, servindo de auxílio para os profissionais em tais ramos.

3.1. O báculo de Petrus Ramus e a medição de distâncias em situações cotidianas

O báculo de Petrus Ramus foi um antigo instrumento matemático, descrito na nona seção do tratado Via regia ad geometriam – The Way To Geometry, como um objeto que realiza medições de grandezas, como comprimento, altura e largura[7], mediante alguns conhecimentos geométricos definidos nesse documento (Silva & Pereira, 2020b). Para que isso fosse possível, Ramus (1636) delimitou instruções a serem seguidas no processo de construção do instrumento, destacando, em uma ilustração, as principais partes de seu báculo (ver Figura 4).

Apesar de dar enfoque a essas partes do instrumento em um tópico específico, Ramus (1636) não explicita uma figura de seu báculo constituído totalmente, tornando o processo de visualização do encaixe de peças mais complexo. Por conseguinte, só é mostrada uma ilustração do báculo já montado nas seções de aplicação do instrumento, em que ele é colocado sob várias situações nas quais são mostradas as posições cujo instrumento pode ser posto a partir da grandeza a ser medida.


Figura 4
Principais partes do báculo de Petrus Ramus
Adaptado de Ramus (1636, p. 116).

O instrumento é composto por duas hastes principais (o indicador e a transversal), posicionadas pelos seus respectivos tubos (tubo do indicador e tubo da transversal) e articuladas com o cursor e as aletas, permitindo a mobilidade da haste menor (a transversal) sobre a haste maior (o indicador), que, dependendo da maneira de medir, pode variar no manuseio do objeto (Silva & Pereira, 2020b). As aletas são de igual altura, tendo influência direta no equilíbrio do instrumento, pois, com elas, podemos verificar se o báculo de Petrus Ramus permanece inclinado ou reto com o solo no qual está colocado. Com tais partes bem definidas do objeto, é preciso atenção do usuário no posicionamento correto para poder medir com o báculo de Petrus Ramus.

Nessa conjuntura, para usufruir do báculo de Petrus Ramus, visando a satisfazer as suas necessidades, o usuário, na Idade Moderna, deveria ter um conhecimento acerca da forma de posicionamento das principais partes do instrumento, de modo a pensar nas condições iniciais e específicas para a medição, posto que tais questões influenciam diretamente na medida encontrada no procedimento final (Silva & Pereira, 2020b).

Sabendo de tal questão, alinhando as considerações percebidas com o contexto histórico dos séculos XVI e XVII, as informações do tratado, a formalização dos conhecimentos matemáticos e as condições de manuseio do instrumento, foi preciso reconstituir parte do saber-fazer[8] para o qual o báculo de Petrus Ramus esteve direcionado. Diante disso, é possível construir uma concepção mais contextualizada das questões que perpassam pelo instrumento matemático, levando em conta o período Pós-Renascimento, em que o conhecimento teórico articulado com o conhecimento prático passou a ser evidenciado, em uma tentativa de valorizar as aplicabilidades feitas no cotidiano com tais saberes (Saito, 2013, 2015).

Dentro dessa perspectiva, Petrus Ramus acopla, no manuseio de seu báculo, dez formas de medir grandezas, organizadas em três situações para medir comprimento, seis situações para medir alturas e uma para medir largura. Segundo Silva e Pereira (2020b), para cada situação, é dada uma seção com enunciado que contém a estrutura de explicação com sua aplicação, cujo autor procura explorar, dentro do seu tratado, a formalização matemática de seus conceitos, dando, em seguida, a exemplificação de medição, fazendo referência a algumas situações cotidianas. Sobre essas situações, Silva e Pereira (2020b, p. 402-407) descrevem:

Dentre as variadas seções expostas por Ramus (1636) em seu tratado, tem-se as que se relacionam à medição de comprimento, que são divididas em três circunstâncias. Por se tratar, na maioria dos casos, como uma dimensão que se encontra no chão, é considerada uma grandeza simples para aferir a medida. [...] A respeito das seções direcionadas à medição de altura, que aparecem em abundância no nono livro do tratado, Ramus (1636) considera dois tipos usuais no período: aquela que se encontra acima do solo (comumente utilizada) e aquela que fica abaixo do solo, que recebe a denominação de altura reversa, ou atualmente denominada de profundidade. [...] Em meio a tantas seções voltadas para a medição de comprimento e altura, Ramus (1636), ao tratar da medição de largura, restringe-a apenas em uma condição. Para ser realizada a medição da largura, o usuário do báculo deverá adotar uma dupla posição, ou seja, ele deve se situar em dois locais diferentes que matenham a mira na grandeza que se quer medir.

Mediante isso, no documento histórico, Ramus (1636) particulariza esses procedimentos de medição a partir das condições dadas e da forma de posicionamento do seu báculo em relação às grandezas que são direcionadas, para que, assim, o usuário pudesse escolher qual forma seria adequada à sua precisão (Silva & Pereira, 2020a, 2020b). Nisso, Ramus (1636) também exemplifica com imagens, em cada seção, para o que leitor consiga associar a proposição com a aplicação real a ser feita, permitindo que ele consiga utilizar tais noções em outros contextos do trabalho laboral.

Essas representações serviam como parte complementar para o entendimento das situações de medição propostas por Ramus (1636), ao explicitar, aos trabalhadores da Idade Moderna, algumas aplicações a serem feitas com seu instrumento, de maneira que esses profissionais poderiam tirar proveito e satisfazer as suas necessidades. Perante a quantidade de situações apresentadas por Ramus (1636), para esta seção, decidimos escolher apenas três representantes, sendo um para cada grandeza mencionada e destacada, no Quadro 1, a seguir.

Quadro 1
Algumas situações de medição com o báculo de Petrus Ramus

Elaborado pelos autores.

Por essas situações de medição, salientamos a existência de uma regra específica para o processo de mensuração, dependendo diretamente da forma que o usuário do instrumento posiciona o bastão do indicador e o bastão da transversal, com orientações para a grandeza a ser medida. Nesse momento, os conhecimentos práticos sobre o ofício do trabalhador dos séculos XVI e XVII são mobilizados junto com o báculo de Petrus Ramus, uma vez que eles tinham condições de inserir o uso das ferramentas em suas atividades rotineiras (Saito, 2015).

Ante o exposto, na situação apresentada na Figura 5, temos um indivíduo realizando a medição do comprimento entre a base de uma coluna (PONTO A) até uma estaca demarcada (PONTO O), sendo conhecida apenas a medida da distância (SEGMENTO ) entre a segunda posição (PONTO E) até a primeira posição (PONTO O). Com isso, o báculo de Petrus Ramus é posicionado de maneira que a transversal fique paralela ao comprimento procurado, tomando como ponto referencial, para o campo visual, o final da altura da coluna nas duas posições.

Destarte, por meio dessa forma de posicionar o instrumento, frisamos que o instrumento, nessa situação, deve ser colocado sobre uma superfície plana, a fim de obter-se um equilíbrio com o mesmo, para que, a partir daí, possam ser desenvolvidos os cálculos matemáticos e, desse modo, chegar-se na medida do comprimento final. Por se tratar de uma medição terrestre, supomos que esse procedimento tenha sido usado em áreas como a agrimensura, a arquitetura, entre outras, que mexam com a infraestrutura da terra em si, para expandir grandes construções.

Em relação à Figura 6, está representada a medição da altura (SEGMENTO ) de uma construção habitacional (da epóca) acima de um morro, na qual o medidor pretende encontrar uma altura desconhecida (SEGMENTO ), através de uma distância conhecida (SEGMENTO ). Para que isso aconteça, ele coloca o indicador do báculo de Petrus Ramus na horizontal, em que essa haste permanece perpendicular à altura procurada, tendo como foco da visão os pontos A e B.

Tal como a medição de comprimento, para essa medição de altura, o báculo de Petrus Ramus ainda deve ser posicionado sobre um espaço balanceado, que não tenha tantas elevações que possam interferir na medição. Para esse tipo de altura acima do solo, consideramos que a aplicação do instrumento esteve presente na construção de estruturas como casas, igrejas, pontos de comércios, entre outras instalações, que são pertinentes ao campo da engenharia e também da arquitetura.

Por fim, na Figura 7, é ilustrada a forma de medição da largura de uma ruína (SEGMENTO ) próxima a lugares montanhosos, cujo usuário parte de duas posições (PONTO A e PONTO E) e da disposição correta do báculo de Petrus Ramus, para encontrar a medida da largua procurada. Para isso, a transversal é posta em paralelo à grandeza a ser medida, tendo o foco da visão passando pelo indicador ao encontro da transversal de maneira perpendicular.

Sendo uma grandeza de medição terrestre, a largura indicada deve ser parte de um monumento em regiões isoladas, podendo ser até parte de um local de trabalho, como minas, escavações ou outras situações similares. A maneira de medição empregada, para medir larguras, nesse caso, foi diferente das demais apresentadas a respeito do plano superfícial usado, já que, enquanto uma estava sobre uma área balanceada, a outra tinha elevações, fazendo-nos ter duas condições diferentes para medir.

Diante dessas perspectivas, conseguimos visualizar que as três grandezas mencionadas estão presentes em muitas instâncias do espaço geográfico, que compõem o cotidiano humano na Idade Moderna. Portanto, a partir disso e de outras considerações dentro do documento Via regia ad geometriam – The Way To Geometry, temos que outras situações de medição podem ser adaptadas de modo a serem utilizadas em áreas como a nevagação, a astronomia (para medição de distâncias celestes), a carpintaria e a geografia (Ramus, 1636).

Com efeito, percebemos que o instrumento matemático foi bastante útil a algumas profissões e áreas, que necessitavam realizar medições para erguer suas construções, mapear suas plantações, entre outras aplicações comuns ao cotidiano dos séculos XVI e XVII. Essas ações nos permitiram compreender como o báculo de Petrus Ramus estava sendo mobilizado por meio da estrutura material e do emprego do seu manuseio em variadas situações.

Ao relacionarmos o conhecimento teórico com o prático, percebemos que um diálogo é formado no momento da realização de medição, visto que o usuário do báculo de Petrus Ramus alinha tais concepções para realizar a medição, mobilizando os saberes de seu ofício com a matemática que é incorporada. Logo, essa ação de alinhar essas ramificações do conhecimento contribuíram para a valorização de aplicações matemáticas no cotidiano, implicando nos saberes que são mobilizados até a atualidade.

NOTAS FINAIS

Consideramos que os intrumentos matemáticos tiveram sua relevância para a prática cotidiana na Idade Moderna, como também para aplicações de conhecimentos, tornando-se um dos veículos que possibilita aproximar áreas distintas do saber para um mesmo procedimento. Assim sendo, por meio deles, é possível compreender parte do que foi explorado nos séculos XVI e XVII, dando uma visão sobre a roupagem de alguns conceitos que eram definidos de maneira distinta da que temos na atualidade.

Nesse contexto, o báculo de Petrus Ramus nos releva, em suas aplicações, elementos contextuais e matemáticos que fizeram parte de um período histórico, dando-nos uma direção acerca dos saberes que foram construídos e utilizados por profissionais em cada trabalho. Essas questões estão alinhadas com pressupostos epistemológicos para a formação do conhecimento geométrico, implicando em uma relação inseparável que temos entre a teoria e a prática.

Entre essas considerações, percebemos que houve uma valorização do conhecimento prático, que passou a ser bastante disseminado em diferentes centros de saberes, já que não ficavam apenas nas univerdades, mas também nos campos de trabalho. Com isso, a questão do saber-fazer, em torno do instrumento, foi acessada, uma vez que, para utilizá-lo, era preciso ter saberes prévios alinhados ao seu contexto de aplicação.

Diante disso, tivemos uma imensa produção de escritos, os quais passaram a fazer parte de uma rica literatura, que se proliferou ao longo dos séculos XVI e XVII no formato de tratados, em diferentes áreas do conhecimento. Muitos desses documentos históricos continham a descrição de antigos instrumentos matemáticos do período, que eram constituídos com base em algum problema da natureza, bem como no seu possível campo de atuação e nos conceitos em que ele incorporaria para garantir o seu funcionamento.

Por muito tempo, esses objetos serviram de grande utilidade para os trabalhadores da Idade Moderna, seja fornecendo procedimento de medição, facilitando cálculos aritméticos ou ainda auxiliando em navegações marítimas. Contudo, alguns desses entraram em desuso, outros passaram por reformulação, conforme as tecnologias do período se desenvolviam, fazendo com que novas variações fossem surgindo a partir de um teor mais rigoroso e preciso, tal como a exigência do trabalho laboral.

Desse modo, com a pesquisa que foi desenvolvida, conseguimos visualizar que o báculo de Petrus Ramus sofreu influências de aspectos relacionados à economia, às aplicações práticas, aos conceitos matemáticos, entre outros, que são alinhados com sua forma de manuseio. Tais questões são relevantes para entender em qual parte da malha histórica o instrumento se insere, permitindo-nos tomar conhecimento quanto às formalidades que eram utilizadas, servindo como parâmetro de um estudo contextual dentro da história da matemática.

REFERÊNCIAS

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Notas

[3] Um tipo de escrita da história que “visa a contextualizar o processo de construção do conhecimento [...] dentro do período histórico em que ele foi constituído” (Silva, 2021, p. 17).
[4] Esse tratado fez parte de uma pesquisa de pós-doutorado (realizada entre 2017 e 2018), que explorou os aspectos iniciais do documento, como também o processo de reconstrução física do báculo de Petrus Ramus, deixando algumas lacunas que passaram a ser mobilizadas em uma segunda investigação (realizada a partir de 2019), desenvolvida na graduação por meio da Iniciação Científica, culminando na construção de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e de uma pesquisa de mestrado (em andamento) para a mobilização das situações de medição com o antigo instrumento matemático.
[5] Trabalhadores das artes mecânicas “que utilizavam as matemáticas em suas vidas profissionais” (Bento, 2018, p. 46).
[6] Para maiores informações sobre a vida e as obras de Petrus Ramus, consultar: Pereira e Saito (2018, 2019) e Silva (2021).
[7] Para saber mais acerca da medição com essas grandezas, verificar as pesquisas de: Saito e Pereira (2019) e Silva e Pereira (2020a, 2020b).
[8] É uma ação que relaciona conhecimentos teóricos de determinado ofício com a sua aplicação no cotidiano.

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