HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
Resumo: A Matemática ensinada no século XVIII no Brasil era considerada apenas um complemento do currículo de Filosofia, não sendo identificada como disciplina. Com a expulsão dos jesuítas da colônia brasileira, houve outra perspectiva para a Matemática que visava atender às necessidades práticas do cotidiano, principalmente, ligadas ao Exército e à Marinha, que trabalhavam para a Coroa Portuguesa. Tal situação permitiu a criação da Faculdade de Matemática em Coimbra, que formou os primeiros doutores brasileiros em Matemática e criou as primeiras escolas náuticas que tinham, exclusivamente, a Matemática como conteúdo. O presente artigo descreve, de forma breve, o contexto da Matemática no Brasil no século XVIII desde o Ratio Studiorum da Companhia de Jesus até a formação dos primeiros doutores em Matemática.
Palavras-chave: História da Matemática no Brasil, Ratio Studiorum, Doutores Brasileiros em Matemática, Século XVIII, Educação Matemática.
Abstract: The Mathematics taught in the 18th century in Brazil was considered just a complement to the Philosophy curriculum, not being identified as a subject. With the expulsion of the Jesuits from the Brazilian colony, there was another perspective for Mathematics that aimed to meet the practical needs of everyday life, mainly linked to the Army and Navy, which worked for the Portuguese Crown. This situation allowed the creation of the Faculty of Mathematics in Coimbra, which trained the first Brazilian doctors in Mathematics and created the first nautical schools that had exclusively mathematics as their content. This article briefly describes the context of Mathematics in Brazil in the XVIII century, from the Ratio Studiorum of the Society of Jesus to the formation of the first doctors in Mathematics.
Keywords: History of Mathematics in Brazil, Ratio Studiorum, Brazilian Doctors in Mathematics, XVIII Century. Mathematics Education.
INTRODUÇÃO
O século XVIII no Brasil foi caracterizado pela escassez de instituições educacionais e pouca divulgação de conhecimento, principalmente, em relação à Matemática. Nessa época, sabe-se que, no Brasil, predominavam-se as escolas jesuítas como instituições de ensino até o ano de 1759 e essas instituições tinham como foco a propagação da fé católica por meio da educação (Mondini, 2013).
A Companhia de Jesus desenvolveu um plano de estudos chamado Ratio Studiorum no ano de 1599 que, de acordo com Franca (1952), permaneceu por quase dois séculos sendo referência em educação no mundo todo. O Ratio Studiorum teve várias versões desde 1584, sendo que foram feitas diversas experiências com essas versões em colégios jesuítas de toda a Europa por mais de meio século (1584-1599), sendo considerado um trabalho elaborado ao longo de quinze anos. É importante destacar que esse método foi divulgado somente após meio século de experiência em centenas de colégios europeus, sempre obedecendo aos critérios de currículos pedagógicos da época. Esse método de ensino visava o homem perfeito espiritualmente e intelectualmente (Franca, 1952).
No Brasil, o trabalho dos jesuítas nas casas de formação e em colégios inacianos do século XVIII destacava-se na parte educativa e no ensino das primeiras letras pelo curso elementar. Os cursos secundários eram de Letras e Filosofia e os cursos de nível superior, que direcionavam-se à formação de sacerdotes, eram de Teologia e Ciências Sagradas (Mondini, 2013).
Não havia instituições de ensino superior no Brasil Colônia em meados do século XVIII e quem quisesse obter o grau de doutor precisaria estudar no exterior. Os jovens pertencentes às famílias elitistas brasileiras muitas vezes frequentavam os colégios jesuítas até o ensino secundário e faziam cursos preparatórios para ingressarem na Universidade de Coimbra para cursarem Medicina, Direito, Teologia, Filosofia Natural ou Matemática.
A Coroa portuguesa tinha diversos interesesses na formação superior desses brasileiros, principalmente, na formação de pilotos náuticos que tivessem conhecimentos amplos de demarcação territorial e cartografia e essas disciplinas eram contextualizadas no currículo da Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra, para que os futuros doutores em Matemática pudessem ocupar cadeiras nos cursos preparatórios de pilotos náuticos na colônia brasileira e em Portugal (Ferreira, 2016).
O presente artigo é uma revisão de literatura sobre a situação do ensino da Matemática no Brasil no século XVIII, desde o ensino nas escolas jesuítas até a Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra, com o intuito de informar ao leitor como a Matemática no Brasil deixou de ser parte do currículo de Filosofia passando a ter importância prática por meio de interesses da Coroa Portuguesa e ser um curso específico. Além disso, no último tópico fundamentado no trabalho de Lima (2009), serão abordados os primeiros doutores brasileiros em Matemática formados na Universidade de Coimbra em Portugal e que foram frutos da Reforma Pombalina.
1. O MÉTODO DE ENSINO DOS JESUÍTAS
O período jesuítico foi o marco da educação no Brasil, que se deu pelo estabelecimento da Companhia de Jesus no país no período de 1549 a 1759, sendo extinta com a expulsão dos jesuítas pelo Marques de Pombal de nome Sebastião José de Carvalho, que era o primeiro ministro de Portugal no período de 1750 a 1777 (Mondini, 2013).
A Companhia de Jesus tinha como meta criar escolas em diferentes países e precisava sistematizar suas normas, organização curricular, objetivos e métodos. Através de inúmeras tentativas de estruturar o ensino, criaram diversos documentos que deram origem ao Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Iesu[2], conhecido como Ratio Studiorum, que organizou o ensino em todos os colégios jesuítas e é considerado o primeiro documento que sistematizou a educação brasileira (Mondini, 2013).
O Ratio Studiorum consistia em um manual prático que recomendava métodos de ensino e direcionava os professores na estruturação de suas aulas, contendo explicações sobre as regras do provincial, do reitor e do prefeito de estudos, bem como as regras da prova escrita, da distribuição de prêmios, do debel, dos alunos e as regras das academias da época[3] (Toyshima; Montagnoli & Costa, 2012).
De acordo com Franca (1952), a administração da Companhia de Jesus é dividida em províncias e circunscrições territoriais que abrangem diversas casas e colégios da Ordem Jesuítica. Em frente a cada província, localiza-se o Provincial que tem a função de nomear o Prefeito de estudos e de disciplina, cuidar da formação de professores, promover os estudos em sua província, vigiar através da observação das normas impostas pelo Ratio Studiorum e propor possíveis modificações ao Geral, que era a autoridade máxima, relacionadas ao tempo e lugar referentes à província.
A função do Reitor, além de ser a figura central do colégio jesuíta e ser sua autoridade interna mais alta, era publicar ofícios, dirigir e convocar reuniões com professores e presidir as grandes solenidades realizadas na escola. O Reitor era subordinado ao Provincial, quando estava na província, e ao Geral, quando estava fora dela que, inclusive é responsável por sua nomeação (Franca, 1952).
O Prefeito de estudos trabalhava junto com o Reitor, era considerado seu braço direito e precisava ser um homem de doutrina com vasta experiência pedagógica. Ele tinha a função de acompanhar a rotina escolar visitando regularmente as aulas, cobrar a execução de programas e regulamentos internos e de formar e aconselhar novos professores. Quando a escola tinha muitos alunos, nomeava-se um Prefeito de disciplina para ajudar o Prefeito de estudos na manutenção da boa ordem da escola (Franca, 1952).
Os currículos organizados pelo Ratio Studiorum eram representados de acordo com o Quadro 1.
Observa-se que a disciplina de Matemática não era priorizada como nos dias atuais, pois era cursada apenas no 2º ano no Currículo de Filosofia com duração de uma hora por dia e não se cursava mais. É importante ressaltar que eles estudavam cinco horas por dia de forma que duas horas e meia era na parte da manhã e o restante das aulas eram dadas no período da tarde; em relação à ordem das aulas, as mesmas eram dadas de acordo com os costumes de cada região (Toyshima et al., 2012).
De acordo com Franca (1952), as aulas (classes) eram caracterizadas por graus ou estágios de progresso e representavam menos uma unidade de tempo do que a soma de conhecimentos que o aluno adquiriu, ou seja, o aluno só subiria para um grau superior se assimilasse todo o conhecimento necessário para a finalização da disciplina através de provas orais e escritas e por esse motivo o currículo muitas vezes se estendia para seis ou sete anos de duração.
Em relação ao ensino da Matemática, o livro Os Elementos de Euclides era o único referencial utilizado juntamente com conteúdos de outras disciplinas como, por exemplo, a Geografia ou sobre o Tratado da Esfera, com o foco na repetição e memorização dos conteúdos.
Na organização do ensino dos jesuítas, a Matemática é vista como um recurso auxiliar das disciplinas de Física e Geografia e só se torna uma disciplina separada no ano de 1757. Esse fato é devido à generalização da Matemática pelos ensinos das escolas jesuítas, que era dado como cultura dessas instituições, o que era contraditório ao cenário europeu da época que tinha a Matemática em ascensão, que de acordo com Mondini (2013), nesta mesma época:
cria-se o método Científico por Galileu; desenvolve-se o simbolismo da Álgebra Clássica por Recorde, Viete, Bombelli, Oughtred e Harriot; já se resolve equações de 3º e 4º grau, com Cardano e Tartáglia; criam-se as frações decimais por Stevin, e os logaritmos com Napier e Briggs, desenvolve-se a Teoria dos Números com Fermat; ocorrem avanços na Geometria Analítica com Fermat e Descartes e na Geometria Projetiva com Descartes e Pascal; desenvolve-se o Cálculo Diferencial e Integral com Fermat, Cavalieri, Barrow, Leibniz e Newton. Também estão se dando aplicações do Cálculo Diferencial e Integral em todas as Ciências e os embriões da Topologia e das Geometrias não Euclidianas. (pp.530-531)
A explicação plausível para a desvalorização da Matemática no ensino jesuítico seria o fato de que os professores dos cursos superiores da Companhia Jesuítica eram padres e teólogos, não havendo formação científica, enquanto nos países europeus a Matemática avançava cada vez mais. A Matemática era aprofundada apenas para os alunos que demonstrassem aptidão para essa área e limitava-se a conhecimentos cartográficos.
De acordo com Almeida (2011), o rei D. João V enviou Diogo Soares e Domenico Capassi para elaborarem o Novo Atlas da América Portuguesa com rigor e detalhes geográficos precisos das regiões da colônia brasileira. Domenico Capassi (1694-1736) e Diogo Soares (1684-1748) eram conhecidos como “os padres matemáticos” por seus estudos em cartografia sendo que o Padre Domenico era reconhecido internacionalmente por publicar observações astronômicas importantes em revistas e sociedades europeias. Já o Padre Diogo publicou obras sobre topografia, astronomia e ciências em geral. Esses padres são responsáveis por elaborar uma tabela de latitudes e longitudes do território brasileiro (D’Ambrosio, 2011).
Apesar da valorização e ênfase do estudo da cartografia nesse período, o livro Os Elementos de Euclides era considerado a formação básica para a Matemática da época e tornou-se um conhecimento fundamental para formação filosófica e teológica na instituição jesuítica, além de ter sido um pré-requisito para o aprendizado da disciplina de Física. (Mondini, 2013).
A Companhia de Jesus teve um papel significativo para a educação no Brasil nesse período em que nada podia ser divulgado ou publicado, trazendo as primeiras leituras e montando as primeiras bibliotecas brasileiras. Entretanto, mesmo com o início da circulação de alguns livros e ideias, alguns autores continuaram sendo proibidos no Brasil. Segundo Nascimento e Barreto (2007), durante o século XVIII no Brasil, a Inquisição confiscou a biblioteca do cônego mineiro Luís Vieira da Silva contendo duzentos e setenta obras com aproximadamente oitocentos volumes em diversos idiomas no qual, dentre eles, haviam livros de filósofos e escritores da época considerados hereges pela Igreja Católica. De acordo com Araújo (1988), se na metrópole portuguesa a mentalidade em relação à expansão da cultura era a mais atrasada da Europa e ainda tinha uma lista de livros proibidos, na colônia brasileira a situação não seria diferente.
O perfil literário das pessoas que viveram no Brasil Colonial era, basicamente, gostos pelo catecismo teológico, livros de devoção, práticas de sermonários e nesse mesmo período existiam os seguintes autores clássicos censurados: Horário, Virgílio, Cícero, Ovídio, Cêneca, Aristóteles, Platão, Demóstenes, Homero, Hesídio e Píndaro (Nascimento & Barreto, 2007). Não é por acaso que na lista citada anteriormente aparecem filósofos que admiravam e estudavam a Matemática.
Para as pessoas da elite brasileira, especificamente para os jovens que tinham o desejo de se tornarem doutores em Matemática, a opção era cursar a Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra em Portugal, fato que será detalhado no próximo tópico.
2. A FACULDADE DE MATEMÁTICA DE COIMBRA
No reinado de D. José, no perído de 1750 a 1777, foi desenvolvida uma nova pedagogia voltada para náutica com o objetivo de formar pilotos náuticos profissionais para a segurança das navegações frequentes que aconteciam, principalmente, entre Portugal e Brasil. A Matemática passou a ser estudada e ensinada para servir às necessidades da época, tornando-se uma disciplina autônoma (Ferreira, 2016).
De acordo com Ferreira (2016), esse novo modelo pedagógico estava restrito exclusivamente à formação profissional e à valorização da Matemática como forma de conhecimento prático e humano, visando a formação de efetivo técnico que serviria ao Estado. O Marquês de Pombal patrocinou a reforma da Universidade de Coimbra no ano de 1772, que resultou na criação das faculdades de Matemática e de Filosofia Natural. A figura 1 é uma pintura do século XVIII da Universidade de Coimbra.
Os alunos que se formassem na Faculdade de Matemática teriam o grau de doutor e teriam os mesmos direitos e privilégios que eram concedidos a quaisquer outras faculdades. Todos os ingressantes do curso poderiam rentabilizar os conhecimentos adquiridos a serviço da Coroa com o privilégio de terem preferência aos que possuíssem outras habilidades (Estatutos, 1772 apud Ferreira, 2016). A idade mínima para ingressar na faculdade era de quinze anos e os candidatos deveriam saber latim e era desejável, não obrigatório, saber o grego e as línguas vivas inglês e francês (Ferreira, 2016).
O curso de Matemática tinha uma duração de quatro anos e era ministrado por professores formados em Coimbra. As disciplinas do curso eram divididas em Mathematicas Puras e em Sciencias Fysico-Mathematicas (Mixtas). As Matemáticas Puras eram Álgebra, Geometria e Aritmética e as Mixtas eram Hidráulica, Hidrodinâmica, Astronomia e suas disciplinas dependentes, que eram Cosmografia, Hidrografia e Pilotagem (Ferreira, 2016).
Terminando o curso de Matemática, os recém-formados teriam o direito de exercerem profissões ligadas à engenharia, à arquitetura ou à Armada. Atividades como medição e demarcação de terras, manobra de navios e atividades que exigissem conhecimentos táticos nas áreas militares e navais e a carreira docente eram as opções profissionais para quem se formasse em Matemática (Estatutos, 1772 apud Ferreira, 2016).
No século XVIII, era comum os brasileiros que desejavam avançar em seus estudos irem para Portugal. O Padre Bartolomeu de Gusmão (1685-1724), brasileiro e nascido na cidade de Santos no estado de São Paulo, foi para a Universidade de Coimbra para completar seus estudos e lá foi nomeado lente de Matemática, porém decidiu abdicar de seu cargo na universidade para se dedicar aos estudos sobre balões, motivo pelo qual ele é conhecido como “O Padre Voador” (D’Ambrosio, 2011). Os estudos do Padre Bartolomeu anteciparam, aproximadamente, em 100 anos as pesquisas dos irmãos Montgolfier[4], que foram responsáveis pela construção do primeiro balão tripulado do mundo.
3. MATEMÁTICOS BRASILEIROS DO SÉCULO XVIII
Quando o Marquês de Pombal financiou a reforma da Universidade de Coimbra para a criação dos cursos de Filosofia Natural e Matemática, ele também custeou bolsas de estudos para alunos sem condições financeiras para fazerem seu doutoramento em Portugal e com a segunda intenção de nomeá-los a cargos e missões públicas para impedir que retornassem à colônia brasileira (Lima, 2009).
De acordo com Lima (2009), os brasileiros que iam estudar na Universidade Coimbra eram chamados de “homens da ciência” e quando retornavam de suas missões a serviço da Coroa, assumiam cargos na administração, faziam catalogações sistemáticas de amostras coletadas nas colônias e incorporavam dados dessas amostras coletadas em obras científicas.
Desses homens da ciência que estudaram na Universidade de Coimbra, os que foram doutores em Matemática foram: Antônio Pires da Silva Pontes Leme, Francisco José de Lacerda e Almeida, Manuel Jacinto Nogueira da Gama, Mateus Valente do Couto e Francisco Vilela Barbosa (Lima, 2009).
Antônio Pires da Silva Pontes Leme nasceu na cidade de Mariana, em Minas Gerais, no ano de 1750 e foi para a cidade de Coimbra, em Portugal, no ano de 1772, doutorando-se em Matemática em 1778 pela Universidade de Coimbra. Leme foi um dos primeiros formandos que foram frutos da reforma pombalina. Dois anos após sua formatura, foi designado pela Coroa para uma missão além-mar. Pontes Leme foi nomeado matemático da Terceira Partida do Tratado de Limites do Brasil integrando o corpo técnico da expedição que partiu do porto de Lisboa, no ano de 1780, com destino ao Pará no Brasil e durou cerca de dez anos (Lima, 2009).
Um fato interessante a se destacar é que Leme foi nomeado fundador da Academia de Ciências no dia 22 de maio de 1780, período em que estava em missão em alto-mar. Ao retornar para Portugal no ano de 1791, a Rainha D. Maria I nomeou Antônio Leme como Lente de Matemática e Navegação da Companhia de Guardas-Marinhas. Anos depois, em 1801, retornou ao Brasil para assumir o cargo de Governador da Capitania do Espírito Santo, prestando serviços de proteção e civilização de indígenas (Lima, 2009).
Francisco José de Lacerda e Almeida nasceu na cidade em São Paulo em 1753 e realizou alguns cursos preparatórios antes de partir para Portugal aos dezessete anos de idade. Doutorou-se em Matemática pela Universidade de Coimbra no ano de 1777 e em seguida foi nomeado integrante de uma comissão de delimitação de fronteiras do Brasil com a Venezuela e a Bolívia, que estavam sob o domínio espanhol. Ficou em missão por dez anos e retornou a Portugal em 1790, sendo nomeado, em seguida, sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa e lhe foi concedida a cátedra de Matemática na Academia Real da Marinha. No ano de 1797, Lacerda e Almeida foi designado governador subalterno dos Rios de Sena e foi promovido a Capitão de Fragata[5], partindo, nesse mesmo ano, para Moçambique. Foi o primeiro cientista a fazer observações astronômicas na África Central. Faleceu no Lago Moero, na África Central, de febre maligna no ano de 1798 (Lima, 2009).
Manuel Jacinto Nogueira da Gama nasceu na cidade de São João Del-Rei, em Minas Gerais, no ano de 1765. Filho de família nobre, partiu para Portugal aos dezenove anos de idade para cursar Matemática e Filosofia na Universidade de Coimbra, concluindo apenas o curso de Matemática. Manuel foi lente da Academia Real da Marinha e exerceu a profissão docente de 1791 a 1801 em Portugal, partindo para o Brasil no ano de 1804. Foi nomeado deputado e escrivão da Junta da Fazenda de Minas Gerais e em 1806, passou para o Real Erário[6].
Em 1811, Gama foi inspetor e membro da junta dirigente da Real Academia Militar até o ano de 1821. No ano de 1822, iniciou sua carreira política no Rio de Janeiro com a função de Marechal de Campo. No ano de 1823, foi transferido para o Ministério da Fazenda e assumiu a presidência do Tesouro Nacional. Posteriormente, foi nomeado pelo imperador para lavrar o projeto da Constituição Brasileira de 1824 e 1825, recebendo o título de Marquês de Baependi, retornando, assim, ao Ministério da Fazenda. No ano de 1827, foi nomeado senador do império pela Província de Minas Gerais. Manuel da Gama faleceu no Rio de Janeiro em 1847 (Lima, 2009).
Mateus Valente do Couto nasceu no ano de 1770, na cidade de Macapá, no Amapá e era filho de pais portugueses. Aos dezenove anos, foi estudar Medicina na Universidade de Coimbra e ao cursar o primeiro ano do curso, demonstrou aptidão e talento para Matemática. O intendente da polícia, chamado Diogo Inácio de Pina Manique, fez uma proposta a Mateus Valente para cursar Matemática sem abandonar o curso de Medicina fornecendo todos os subsídios necessários a ele para a realização dos dois cursos. Com o aceite da proposta, Mateus Valente concluiu a Faculdade de Matemática em 1795 e continuou seus estudos na Faculdade de Medicina posteriormente (Amaral, 2016).
Mateus Valente exerceu as profissões de cavaleiro fidalgo, comendador da ordem de São Bento de Avis, conselheiro de Estado, coronel do Corpo de Engenheiros, lente e diretor do observatório da Academia Real da Marinha de Lisboa, censor régio da Mesa do Desembargo do Paço para a censura de livros, sócio efetivo e diretor de classe da Academia Real das Ciências de Lisboa. Mateus Couto faleceu em dezembro de 1848. (Lima, 2009).
Francisco Vilela Barbosa nasceu no ano de 1769, na cidade do Rio de Janeiro e era filho de um comerciante português e de uma brasileira. Ficou órfão muito jovem e foi criado por uma tia que lhe proporcionou recursos financeiros para frequentar cursos preparatórios para que pudesse se preparar para partir para Portugal no ano de 1787 aos dezoito anos de idade. Matriculou-se, inicialmente, no curso de Direito na Universidade de Coimbra, mas desistiu e optou por fazer Faculdade de Matemática na mesma universidade, doutorando-se em 1796 (Lima, 2009).
Na cidade de Lisboa, Francisco Vilela ingressou na Marinha com o cargo de segundo tenente e posteriormente, no ano de 1801, foi promovido a major no Corpo de Engenharia do Exército. Francisco Barbosa foi nomeado lente substituto da Academia Real da Marinha e logo depois foi promovido a lente proprietário, ocupando a cadeira até 1822. Foi deputado das Cortes Gerais e Constituintes da Nação Portuguesa e foi conselheiro do Estado nomeado pelo imperador D. Pedro I com a atribuição de elaborar a Constituição do Império (LIMA, 2009). Um fato importante a se destacar foi que Barbosa participou das reuniões da preparação do Tratado de Amizade, sendo um dos mediadores:
[...] o Tratado de amizade e aliança entre El-Rei o Senhor D. João VI e D. Pedro I, Imperador do Brasil, feito por mediação de Sua Majestade Britânica, assinado no Rio de Janeiro a 29 de Agosto de 1825, e ratificado por parte de Portugal e 15 de Novembro e pela do Brasil em 30 de Agosto de dito mesmo ano, em que Portugal “reconhece o Brasil na categoria de Império independente e separado dos Reinos de Portugal e Algarves” (Lima, 2009, p. 154).
Francisco teve um papel importante na política, desempenhando, também, os cargos de secretário de Estado, ministro, senador, além de ter recebido títulos nobiliárquicos[7] de Visconde e Marquês de Paranaguá. Francisco Barbosa faleceu em 1846, na cidade do Rio de Janeiro (Lima, 2009).
As atribuições e contribuições dos matemáticos anteriormente descritos foram essencialmente políticas e voltadas para o serviço da Marinha e do Exército com os objetivos de explorar a colônia brasileira, delimitar suas terras e coletar e estudar recursos naturais diversos para serem futuramente explorados. No Brasil, os lentes responsáveis pelas cadeiras Matemáticas frequentemente faltavam ou atrasavam suas aulas nas Academias Reais Militares (ARM), criadas para formar pilotos náuticos, pois estavam cumprindo missões designadas pela Coroa, prejudicando o andamento das aulas nessas academias formadoras de pilotos náuticos (Ferreira, 2016).
É importante ressaltar que o currículo das Academias Reais Militares era essencialmente Álgebra, Geometria e Aritmética e era totalmente voltado para prática da cartografia e das navegações, ou seja, não levavam em conta outras profissões ou problemas relacionados à sociedade daquele tempo, que poderia se beneficiar com o ensino da Matemática nas escolas. Tal situação poderia ser uma forma de obrigar os brasileiros interessados em evoluir seus estudos a servirem a Coroa portuguesa, pois seria a única forma de terem mais acesso aos conhecimentos matemáticos da época.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ensino da Matemática no Brasil até meados do século XVIII foi desvalorizado pela influência dos métodos de ensino jesuíticos, que continham restrições quanto aos livros que poderiam circular no país, assim como a metrópole portuguesa, e era estritamente voltado para o catolicismo. Os estudos e leituras independentes permitidos pela Coroa não eram muito diferentes dos livros permitidos pela Companhia de Jesus. A Matemática na Europa estava se desenvolvendo como ciência e novos métodos algébricos e analíticos estavam sendo criados, enquanto no Brasil e em Portugal, as escolas náuticas limitavam-se a ensinar Os Elementos de Euclides.
A criação da Faculdade de Matemática na Universidade de Coimbra permitiu que alguns brasileiros pudessem ter o título de doutor em Matemática, mas não contribuiu em quase nada para a educação do país, já que esses doutores tinham missões determinadas pela Coroa portuguesa para explorarem os recursos naturais dos países colonizados por Portugal. A Matemática era voltada exclusivamente para demarcações de terreno e cartografia para auxiliar os pilotos náuticos nas navegações, que eram constantes entre Portugal e Brasil.
Os doutores matemáticos brasileiros acabaram tendo grandes contribuições na política e permaneceram grande parte de suas vidas fora do Brasil cumprindo missões ou exercendo cargos administrativos para a Coroa em Portugal. Essas missões, em grande parte das vezes, não tinham relação com a Matemática, mas com a geologia, cartografia e minerologia, por exemplo. Quando esses doutores eram lentes das escolas náuticas no Brasil, não conseguiam cumprir sua carga horária, deixando os alunos mais evoluídos os substituírem nas aulas. Não era esse tipo de evolução Matemática que a educação do país precisava, mas a introdução da Matemática através das escolas de formação de pilotos náuticos foi um passo importante para a evolução dessa área no país e que posteriormente, já no século XIX, possibilitaria a introdução de uma nova Matemática no Brasil, mas isso já é uma outra história.
Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) com o financiamento da bolsa de estudos da autora do presente artigo.
REFERÊNCIAS
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Notas
Ligação alternative
https://histemat.com.br/index.php/HISTEMAT/article/view/486 (pdf)