ARTIGOS

SABER POPULAR E O CONHECIMENTO CIENTÍFICO: RELATO DE EXPERIÊNCIA ENVOLVENDO A FABRICAÇÃO DE SABÃO CASEIRO

KNOW PEOPLE AND THE SCIENTIFIC KNOWLEDGE: REPORT OF EXPERIENCE INVOLVING SOAP MAKING HOMEMADE

Diego Marlon Santos
Universidade Estadual do Paraná, Brasil
Lucila Akiko Nagashima
Universidade Estadual do Paraná, Brasil

Revista de Ensino de Ciências e Matemática

Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil

ISSN-e: 2179-426X

Periodicidade: Trimestral

vol. 8, núm. 2, 2017

rencima@cruzeirodosul.edu.br

Recepção: 29 Outubro 2015

Aprovação: 08 Junho 2017



DOI: https://doi.org/10.26843/rencima.v8i2.1083

Resumo: Relata-se uma experiência envolvendo um diálogo entre o saber popular e o conhecimento científico sobre a fabricação de sabão caseiro. Na busca desse objetivo uma moradora da cidade de Paranacity, Estado do Paraná, descreveu o processo, de uma forma bastante singular e tradicional. A coleta de dados realizou-se mediante entrevista e gravação da fala da participante. Assim, analisou-se o processo de fabricação caseiro, sendo discutidos os aspectos teóricos e metodológicos da pesquisa, propondo relacionar o saber popular com a linguagem científica e a reação de saponificação. Nesse sentido, deve haver uma reflexão da importância entre o saber popular e o conhecimento científico na vida da população, de modo que os professores desenvolvam atividades que relacionem os saberes cotidianos por meio de relatos de experiências.

Palavras-chave: Conhecimento científico, Sabão caseiro, Saber popular.

Abstract: We report an experiment involving a dialogue between the popular knowledge and scientific knowledge about the manufacture of homemade soap. In pursuit of that goal a resident of the city of Paranacity, Parana State, described the process in a very unique and traditional way. Data collection was conducted through interviews and recording the speech of the participant. Thus, it analyzed the homemade manufacturing process, and discussed the theoretical and methodological aspects of research, proposing to relate the popular knowledge with scientific language and the saponification reaction. In this sense, there must be a reflection of the importance of popular knowledge and scientific knowledge in people's livelihood, so that teachers develop activities that relate the everyday knowledge through experience reports.

Keywords: Scientific, knowledge, homemade soap, popular knowledge.

Introdução

A exploração dos saberes populares no contexto da educação em ciências vem sendo apontada com uma forma de valorizar o conhecimento construído por grupos sociais distintos, permitindo contextualizar o conhecimento científico a partir de uma realidade mais próxima daqueles diretamente envolvidos com tais saberes. Imbuído por tal apontamento a pretensão é que o saber escolar, ao invés de abordado assepticamente e sem conexão ao contexto local dos estudantes, seja ensinado a partir do saber popular (CHASSOT, 2008).

O saber popular é fruto da produção de significados das camadas populares da sociedade, ou seja, as classes dominadas do ponto de vista econômico e cultural. As práticas sociais cotidianas, a necessidade de desenvolver mecanismos de luta pela sobrevivência, os processos de resistência constituem um conjunto de práticas discursivas formadoras de diferentes saberes.

O conhecimento popular diz respeito às informações acumuladas ao longo do tempo por uma determinada comunidade em relação às suas práticas, seus valores, sua cultura, enfim, suas vivências e experiências. Tais conhecimentos não são permanentes nem inabaláveis, pois são gerados, modificados e reformulados pela comunidade.

De acordo com Marconi e Lakatos (2003), o conhecimento vulgar ou popular, às vezes denominado senso comum, não se distingue do conhecimento científico nem pela veracidade nem pela natureza do objeto conhecido: o que os diferencia é a forma, o modo ou o método e os instrumentos do “conhecer”. Saber que determinada planta necessita de uma quantidade “X” de água e que, se não a receber de forma “natural”, deve ser irrigada pode ser um conhecimento verdadeiro e comprovável, mas, nem por isso, científico. Para que isso ocorra, é necessário ir mais além: conhecer a natureza dos vegetais, sua composição, seu ciclo de desenvolvimento e as particularidades que distinguem uma espécie de outra. Dessa forma, patenteiam-se dois aspectos:

a) A ciência não é o único acesso ao conhecimento e à verdade.

b) Um mesmo objeto ou fenômeno – uma planta, um mineral ou uma comunidade ou as relações entre chefes e subordinados – pode ser matéria de observação tanto para o cientista quanto para o homem comum; o que leva um ao conhecimento científico e outro ao vulgar ao popular é a forma de observação.

A descontinuidade radical existente entre a Ciência e o conhecimento popular, em numerosos aspectos (principalmente no que se refere a método), não nos deve fazer ignorar certa continuidade em outros aspectos, quando limitamos o conceito de conhecimento vulgar ao “bom senso”. Se excluirmos o conhecimento mítico (raios e trovões como manifestações de desagrado da divindade pelos comportamentos individuais ou sociais), verificamos que tanto o “bom senso” quanto a Ciência almejam ser racionais e objetivos: “são críticos e aspiram à coerência (racionalidade) e procuram adaptar-se aos fatos de uma vez de permitir-se especulações sem controle (objetividade)”. Entretanto, o ideal de racionalidade, compreendido como uma sistematização coerente de enunciados fundamentados e passíveis de verificação é obtido muito mais por intermédio de teorias, que constituem o núcleo da Ciência, do que pelo conhecimento comum, entendido como acumulação de partes ou “peças” de informação frouxamente vinculadas. Por sua vez, o ideal de objetividade, isto é, construção de imagens da realidade, verdadeiras e impessoais, não pode ser alcançada se não ultrapassar os estreitos limites da vida cotidiana, assim como da experiência particular; é necessário abandonar o ponto de vista antropocêntrico, para formular hipóteses sobre a existência de objetos e fenômenos além da própria percepção de nossos sentidos, submetê-los à verificação planejada e interpretada com auxilio de teorias. Por esse motivo é que o senso comum, ou o “bom senso”, não pode conseguir mais do que uma objetividade limitada, assim como é limitada sua racionalidade, pois está estreitamente vinculado à percepção e à ação (BUNGE, 1976, p. 20 apud MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 76).

“Se o ‘bom senso’, apesar de sua aspiração à racionalidade e objetividade, só atingi essa condição de forma muito limitada”, pode-se dizer que o conhecimento vulgar ou popular, latu sensu, é o modo comum, corrente e espontâneo de conhecer, que se adquire no trato direto, com as coisas e os seres humanos: “é o saber que preenche nossa vida diária e que se possui sem o haver procurado ou estudado, sem a aplicação de um método e sem haver refletido sobre algo” (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 77).

Para Ander-Egg (1978) o conhecimento popular caracteriza-se por ser predominantemente:

- superficial, isto é, conforma-se com a aparência, com aquilo que se pode comprovar simplesmente estando junto das coisas: expressa-se por frases como “porque o vi”, “porque o senti”, “porque o disseram”, “porque todo mundo o diz”; - sensitivo, ou seja, referente a vivências, estados de ânimo e emoções da vida diária; - subjetivo, pois é próprio sujeito que organiza suas experiências e conhecimentos, tantos os que adquirem por vivência própria quanto os “por ouvi dizer”; - assistemático, pois esta “organização” das experiências não visa a uma sistematização das ideias, nem na forma de adquiri-las nem na tentativa de validá-las; - acrítico, pois, verdadeiros ou não, a pretensão de que esses conhecimentos não se manifesta sempre de uma forma crítica (ANDER-EGG, 1978, p. 13 apud MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 77).

Para Chassot (2006, p. 207), o saber popular é “aquele que detém, socialmente, o menor prestígio, isto é, o que resiste a menos códigos” e acrescenta que, “popular pode significar vulgar, trivial, plebeu. Talvez devêssemos recordar que este saber popular, em algum tempo, foi/é/será um saber científico”.

Sendo assim, desses conceitos nota-se que a valorização dos conhecimentos tradicionais e populares de um determinado grupo é muito importante, pois, além de resgatarem os saberes quase esquecidos no tempo, proporcionam também o fortalecimento e a difusão destes conhecimentos para a sociedade. Neste sentido, Chassot (2006), resgata tais saberes e técnicas utilizadas por pessoas simples, mas que possuem um valor inestimável:

[...] o pescador solitário, que encontramos em silenciosas meditações, sabendo onde e quando deve jogar a tarrafa, também tem saberes importantes. A lavadeira, que sabe escolher a água para os lavados, tem os segredos para remover manchas mais renitentes ou conhece as melhores horas de sol para o coaro. A parteira, que os anos tornaram doutora, conhece a influência da lua nos nascimentos e também o chá que acalmara as cólicas do recém-nascido. A benzedeira não apenas faz rezas mágicas que afastam o mau-olhado, ela conhece chás para curar o cobreiro, que o dermatologista diagnostica como herpes-zoster. O explorador de águas, que indica o local propício para se abrir um poço ante o vergar de sua forquilha de pessegueiro, tem conhecimentos de hidrologia que não podem ser simplesmente rejeitados (CHASSOT, 2006, p. 221).

Portanto, objetivando-se maior precisão, devemos nos referir aos saberes populares, enfatizando seu caráter de multiplicidade. Não podemos falar de um saber das classes dominadas brasileiras, por exemplo, mas de diversos saberes de diferentes grupos sociais específicos das classes populares. Ou seja, enquanto o senso comum aponta para a universalidade e para a uniformidade, o saber popular aponta para a especificidade e para a diversidade.

Um dos pontos principais da Educação química é fazer como que o estudante aprenda a ciência, mas que tenha uma interação cultural, com os conhecimentos antigos, participando de uma diversidade cultural, onde os saberes populares contribuam com seus valores trazidos por várias gerações. Como aponta Chassot (2007), “A escola precisa aprender a valorizar os mais velhos e o não letrado como fontes de conhecimento que podem ser levados à sala de aula”.

Paulo Freire já sinalizava a respeito dos saberes trazidos pela população quando propunha a apreensão da cultura primeira dos educandos, a partir do processo de codificação temática, onde é empreendida a identificação de fenômenos, situações ou eventos de maior relevância na vida sócio-cultural dos sujeitos envolvidos. A experiência da situação vai se tornando objeto de reflexão, amealhando-se novos conhecimentos e novos saberes, o que culmina em uma compreensão mais crítica da própria realidade, inclusive com propostas que visem sua superação.

Os meios escolares tendem ao descaso frente aos saberes populares, nas escolas ocorre à perda do vínculo com a história dos antepassados e saberes à margem das bases científicas. Hobsbawm (1995) aponta para um dos grandes pontos no final do século passado e que provavelmente persiste:

A destruição do passado — ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal a das gerações passadas — é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínua, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem torna-se mais importantes que nunca no fim do segundo milênio (HOBSBAWM, 1995, p. 13).

O uso do conhecimento químico para compreensão e controle das substâncias e suas transformações é relativamente recente e tornou-se fundamental para o desenvolvimento da sociedade ocidental a partir de revolução industrial. O desenvolvimento do pensamento químico está relacionado com as necessidades de resolver novos problemas e atender a novas demandas surgidas a partir das novas atividades que foram surgindo. O conhecimento químico possibilita hoje que a humanidade esteja inserida em um contexto altamente tecnológico.

Assim, pessoas e civilizações sobreviveram e ainda sobrevivem à custa de conhecimentos práticos e tradições acumuladas ao longo do tempo, sem uma base dita científica constituída de forma explícita.

Outra questão relevante nessa conjuntura é a possibilidade de reconhecimento sociocultural de conhecimentos praticamente ignorados sob a ótica acadêmico-escolar vigente, possibilitando adensar discussões sobre a ciência, o seu papel na sociedade, além de aspectos históricos, o problema da discriminação entre outros (JUNIOR et al., 2012).

Chassot (2007) nos remete a refletir o uso dos saberes populares x saberes escolares, em espaços onde se promove aprendizagem, “quer-se fazer que esse saber escolar, em vez de ser ensinado de uma maneira asséptica, matematizada e descontextualizada, seja ensinado a partir do saber popular conhecido por aqueles que constroem e/ou usam”.

Nessa perspectiva, se os estudantes receberem a devida atenção frente aos diferentes saberes herdados dos seus antepassados e a escola propiciar a mediação entre os saberes popular e científico, facilitando a construção do conhecimento e capacidade de conversação entre educador e educando, certamente propiciaria uma aprendizagem mais significativa no ambiente escolar.

Concordamos assim com Silva e Zanon (2000), que a escola é o local de mediação entre a teoria e a prática, o ideal e o real, o científico e o cotidiano. As autoras ressaltam que,

[...] cabe considerar a não homogeneidade dos saberes, sempre diversificados e singulares, sejam os cotidianos, os empíricos, os práticos, os teóricos, os científicos, os tecnológicos, que fazem parte do movimento dialético que produz as formas renovadas de saber e gera rupturas conceituais. Isso implica contemplar e valorizar a dinamicidade das relações infinitas de “ir e vir” entre níveis/formas de saber (SILVA; ZANON, 2000, p. 146).

Dessa forma, com a diversidade de saberes dos alunos no ambiente escolar, o professor pode através da contextualização criar condições relevantes para que ele aprenda associar os seu saberes com os conhecimentos científicos estudados em sala de aula. De acordo com o PCN+ (BRASIL, 1999. p. 93), contextualizar a química não é promover uma ligação artificial entre o conhecimento e o cotidiano do aluno. Não é citar exemplos como ilustração ao final de algum conteúdo, mas que contextualizar é propor “situações problemáticas reais e buscar o conhecimento necessário para entendê-las e procurar solucioná-las”.

Contudo, é notória a distância da escola em relação à comunidade em que o educando está inserido. Os saberes que os estudantes apresentam devido a sua formação histórica e social, são desapreciados ou até negligenciados pela escola. A relação entre as experiências dos estudantes e os conteúdos ensinados na escola é quase inexistente, principalmente quando se refere ao ensino de ciências, caracterizando um ensino baseado na transmissão-recepção, descontextualizado, no qual o estudante é visto como tábula rasa.

O Conhecimento Científico

A criação do conhecimento científico ocorre essencialmente por meio das pesquisas científicas realizadas por pesquisadores-docentes. Durante a realização desses estudos, o pesquisador, um dos atores do processo de comunicação, faz uso do sistema de comunicação em diversos momentos, uma vez que, à medida que produz conhecimento, ele necessariamente o consome.

Lopes (1999, p. 106) escreve que o conhecimento científico trata-se de “todo saber verdadeiro em termos absolutos, não ideológico por excelência, sem influência da subjetividade e, fundamentalmente, descoberto e provado a partir dos dados da experiência, adquiridos por observação e experimentação”.

Já para Dickmann e Dickmann (2008, p. 70), o conhecimento científico “[...] é aquele sistematizado, publicado e elaborado na academia. Fruto, na maioria das vezes, de reflexões de lideranças oriundas da classe média que se debruçam curiosamente sobre as pelejas dos mais pobres para analisá-las”.

De modo geral, o conhecimento científico não é aplicado aos saberes tradicionais/populares, uma vez que estes são mais flexíveis e tolerantes, pois podem acolher, com a mesma intensidade, explicações diversas de um mesmo fenômeno, por um mesmo grupo de pessoas ou comunidade (CUNHA, 2007). Sendo assim, “[...] o que leva um ao conhecimento científico e outro ao vulgar ou popular é a forma de observação” (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 76).

Por estas razões, na maioria das vezes, apenas o conhecimento científico é reconhecido e ensinado nas escolas e, assim, observa-se a ausência ou menosprezo pelas outras formas de saber que os alunos e a comunidade escolar já possuem. Acredita-se também que este fato, pode estar relacionado à falta de visão das instituições de ensino e das políticas curriculares em incorporar estes conhecimentos, mas, principalmente a origem deste problema está na formação tanto inicial quanto continuada dos professores que, muitas vezes, não problematizou o significado dos saberes populares, tradicionais e do cotidiano, inerentes à vida dos alunos.

A literatura internacional tem estimulado interações com saberes populares, locais, tradicionais, nativos e indígenas nas aulas de ciências (George e Glasgow, 1989), destacando-se uma experiência pioneira realizada em Uganda, na África (Haden, 1973), na qual alunos de ensino médio investigaram saberes tradicionais associados à produção de ferro metálico a partir de seus minérios com a cooperação de anciãos da tribo Okebu. Neste caso, George (1989) indica os benefícios da motivação e da participação ativa dos alunos nas aulas, o elevado nível de socialização, o melhor desempe­nho, a compreensão mais rápida e melhor dos conceitos científicos, a ampliação da visão de ciência, sua aplicação na vida e a valorização das heranças culturais pelos alunos. George também mencionou haver dificuldades nesse empreendimento, destacando o desconhecimento dos professores sobre os saberes científi­cos operantes nas práticas populares e a necessidade de haver formação específica e de realizar mudanças na prática pedagógica.

A Alfabetização Científica no Ensino de Química

A Alfabetização Científica pode potencializar nossa leitura de mundo, mas não só ela. A realidade é complexa e para compreendê-la é preciso que os/as professores/as façam um esforço para integrá-la, considerando seu contexto histórico e político. Quando pensamos, a partir de uma perspectiva de inclusão social, podemos entender a Alfabetização Científica como uma leitura de mundo; um modo que nos permite estar presente nesse mundo (CHASSOT, 2010). Postura importante para compreender que os interesses de um grupo social predominam, inclusive, sobre as verdades estabelecidas pela atual Ciência.

Para Aguilar (1999), a alfabetização científica está colocada como uma linha emergente na didática das ciências, que comporta um conhecimento dos fazeres cotidianos da ciência, da linguagem científica e da decodificação das crenças aderidas a ela. Há aqueles que advogam que se deva procurar especialmente conhecimentos que estão no dia-a-dia do grande público, em particular os que são apresentados com imprecisão pelos meios de comunicação à opinião pública (PUIGCERVER; SANS, 2002). Essas são propostas que vêem a alfabetização científica como uma possibilidade para fazer correções em ensinamentos distorcidos. Aqui se defende essa postura mais ampla, mesmo que se reconheça válida a outra tendência, de fazer correções em ensinamentos que são apresentados distorcidos.

Conforme Chassot (2006), a descrição de ciência, mesmo que possa parecer reducionista, serve para os propósitos das discussões que se quer fazer aqui. A ciência pode ser considerada como uma linguagem construída pelos homens e pelas mulheres para explicar o nosso mundo natural.

Entender a ciência nos facilita, também, contribuir para controlar e prever as transformações que ocorrem na natureza. Assim, teremos condições de fazer com que essas transformações sejam propostas, para que conduzam a uma melhor qualidade de vida. Isto é, a intenção é colaborar para que essas transformações que envolvem o nosso cotidiano sejam conduzidas para que tenhamos melhores condições de vida. Isso é muito significativo. Aqueles por exemplo que se dedicam à química têm significativos estudos nessa área.

Diante disso, pode-se considerar a ciência como “uma linguagem para facilitar nossa leitura do mundo natural” (Chassot, 1993, p. 37) e sabê-la como descrição do mundo natural ajuda a entender a nós mesmos e o ambiente que nos cerca.

Cobern (1995) ressalta que,

a alfabetização científica não é uma característica que os estudantes adquirem automaticamente com êxito completo nas aulas de ciências. Os estudos desenvolvidos com alunos da nona-grade, nos Estados Unidos – o equivalente a 9º ano do Ensino Fundamental no Brasil – demostraram o pouco envolvimento do conhecimento da ciência escolar em discussões sobre o mundo natural. “Eles parecem separar o conhecimento e as habilidades adquiridas na escola do seu mundo fora da sala de aula” (COBERN, 1995, p. 28).

Desse modo, os alunos não são ensinados como fazer conexões críticas entre os conhecimentos sistematizados pela escola com os assuntos de suas vidas. Os educadores deveriam propiciar aos alunos a visão de que a Ciência, como as outras áreas, faz parte do seu cotidiano e não um conteúdo separado, dissociado, da sua realidade.

Assim, as escolas, através dos professores, devem criar condições para que os alunos aprendam os conceitos científicos e os utilizem em sua vida diária, construindo uma linguagem científica e crítica, onde o aluno seja capaz de relacionar os conhecimentos científicos aprendidos na escola com o saber popular.

A comunicação é um processo social: comunicamo-nos melhor com pessoas que são membros da nossa própria comunidade, isto é, com aqueles que utilizam a linguagem na mesma forma que nós a empregamos. Desse modo, o ensino de química deve ser visto como um processo social no qual o estudante é introduzido nesta comunidade de pessoas que "se comunicam com uma linguagem feita de conhecimentos científicos" e compartilham significados específicos. Essa perspectiva tem colocado em destaque o papel da linguagem científica para a prática e para o aprendizado da química.

A linguagem científica é muito mais densa que a linguagem coloquial, pois as palavras utilizadas têm significado dentro do corpo teórico que as sustenta. A ciência também faz uso de palavras do cotidiano, mas as utiliza dentro de contexto especializado, ou seja, o contexto científico. São exemplos o uso dos termos: força, energia e trabalho, na física; elemento, condutor ou composto, em química. O sentido conferido a estas palavras no contexto social pode representar um desafio para os estudantes em significá-las no contexto científico.

Um dos maiores problemas na aprendizagem de ciências, que é usualmente reforçado pelo excesso de definições apresentados nos livros didáticos e por sistemas de avaliação que privilegiam a reprodução integral destas definições, é a apresentação do conhecimento científico como imutável e verdadeiro. Como exemplo, poderíamos citar o conceito de função química como conjunto de substâncias com propriedades químicas semelhantes. Assim, sal é uma espécie de elevado caráter iônica, enquanto óxido é composto binário de oxigênio. Ora, o óxido de cálcio (CaO) apresenta caráter iônico de 79% e é composto binário de oxigênio. Então, como classificar esta função? Este composto é sal ou óxido? A pergunta pode ser respondida se considerarmos que as definições aqui expostas para sal e óxido estão fundamentadas em critérios constitucionais, de modo que não é possível atribuir propriedades funcionais a estes compostos (CAMPOS; SILVA, 1999).

Outro exemplo de conceitos ensinados como verdade: ácido tem sabor azedo. Só o ácido que tem em sua composição o grupamento carboxila tem sabor azedo. E os outros, como seriam classificados diante desta verdade?

Devido à noção de relatividade no comportamento das espécies químicas, só podemos definir as chamadas funções químicas, tais como ácidos ou bases, em termos de seus comportamentos químicos: comportamento ácido ou comportamento básico.

Dessa forma, as definições de ácidos e bases de Arrhenius, Brönsted, Lewis e Unsanovich, apesar de abrangências e significados diferentes, estão articuladas pela definição comportamental dada às espécies. Por exemplo, segundo Arrhenius, ácidos são compostos que em solução aquosa ionizam-se produzindo como íon positivo H+.Por isso, não se pode escolher um desses conceitos de ácido e base esperando descrever de modo racional todas as reações químicas em qualquer solvente.

Para se compreender a Química é necessário um conhecimento da linguagem científica, não só em relação ao seu vocabulário, mas também ao seu processo de pensamento. Conhecer e usar a linguagem científica ajuda a compreender os conceitos científicos essenciais do conhecimento na sociedade em que vivemos.

A utilização da linguagem científica envolve compreensão considerável da base conceitual que a sustenta sendo:

· uma integração sinérgica de palavras, gráficos, diagramas, figuras, equações, tabelas e outras formas de expressão matemática (LEMKE, 1998). Dessa forma, aprender ciências significa entender como estas diferentes formas de representação interagem entre si e suportam umas as outras.

· distinta a comunicação científica, pois é expositiva, analítica, impessoal e faz pouca ou nenhuma utilização de componentes metafóricos ou figurativos (BENITE, et al., 2015).

Por sua vez, a comunicação científica é expressa na voz passiva e no passado. A enculturação científica implica em ter a capacidade de usar a linguagem científica de forma adequada e ser capaz de apresentar ideias e resultados nos diferentes gêneros da ciência, incluindo relatório científico de atividades em laboratório (BENITE, et al., 2015).

Por tudo que foi aqui exposto, a linguagem científica permanecerá sempre uma barreira para a aprendizagem, portanto, um grande obstáculo ao acesso à ciência.

Este artigo tem como objetivo relatar a experiência vivenciada por uma moradora da cidade de Paranacity, no estado do Paraná, que descreveu de uma forma bastante singular e tradicional as etapas de fabricação do sabão caseiro.

Metodologia

Trata-se de um estudo descritivo acerca de um relato de experiência no qual foi possível investigar o processo de fabricação caseiro, sendo discutidos os aspectos teóricos e metodológicos da pesquisa, relacionando o saber popular com a linguagem científica e a reação de saponificação. O presente relato de experiência resultou do trabalho acadêmico realizado no programa de pós-graduação em Formação Docente e Interdisciplinar da Universidade Estadual do Paraná/Campus Paranavaí sobre o saber popular e o conhecimento científico, no mês de maio de 2015, onde fomos até Paranacity, Pr, para se encontrar com uma das moradora mais antigas desta cidade. Participamos como observadores, com relação a temática abordada sobre saber popular e o conhecimento científico. Portanto, foram observados os princípios éticos, sendo que os dados apresentados procederam de observação simples, registrada através de anotações de campo, entrevista e gravação da fala da participante.

Segundo Gil (2011), as entrevistas podem ser estruturadas em: informais, focalizadas, por pautas e formalizadas. O tipo de entrevista informal é a menos estruturado e só se distingue da simples conversação porque tem como objetivo básico a coleta de dados. É recomendado nos estudos exploratórios, que visam abordar realidades pouco conhecidas pelo pesquisador, ou oferecer uma visão aproximativa do problema pesquisado.

Nessa perspectiva, a entrevista pode proporcionar muitas vantagens, ainda mais quando pretende-se trabalhar com diferentes participantes, dessa forma, pode ser utilizada independente do grau de alfabetização, possibilitando uma melhor compreensão da pesquisa, a medida que o entrevistador vai esclarecendo as dúvidas sobre as questões diante de dificuldades encontradas.

Relato de Experiência envolvendo a Fabricação do Sabão Caseiro

Muitas pessoas sobreviveram e ainda sobrevivem à custa de conhecimentos práticos e tradições acumuladas ao longo do tempo, sem uma base dita científica constituída de forma explícita.

O sabão utilizado desde o século XXV a. C. somente teve a sua produção reconhecida como uma reação química a partir do século XIX. A reação de saponificação foi descoberta por Chevreul (1786 - 1889). Portanto durante mais de 4500 anos a reação foi realizada tendo como base apenas o conhecimento popular. Apesar da industrialização, nunca se perdeu a tradição da fabricação caseira, utilizando as mesmas matérias-primas principais e materiais que melhoram sua eficiência.

Neste contexto, o diálogo e a descrição da preparação do sabão caseiro retrata esta tradição. Assim, foi coletada a receita da Dona Shirley, moradora da cidade de Paranacity, na região Noroeste do Paraná, e feito o acompanhamento na fabricação do sabão caseiro, por meio de entrevista e gravação. Consideramos tratar-se de uma manifestação do saber popular devido às suas origens na comunidade e ao seu desenvolvimento independente de saberes científicos escolares e de tecnologia industrial. Nessa experiência foi desenvolvido estudos para auxiliar na compreensão dos conhecimentos científicos presentes e o planejamento de atividades para a sala de aula.

Dona Shirley tem 64 anos, estudou apenas o ensino fundamental e produz sabão caseiro há mais de 15 anos. Aprendeu a preparar o sabão com seu pai “Seu Epaminondas”, uma herança dos tempos de adolescência em que sua família produzia para uso próprio, logo são processos de experimentação transferidos e validados que se deu ao longo de gerações.

Segundo o relato da Dona Shirley, o sabão é preparado no quintal da sua residência nos meses de janeiro e junho, é produzido em torno de 50 kg do produto, visando o consumo próprio e também para presentear amigos e parentes.

A receita indica o emprego dos seguintes ingredientes: 5 litros de óleo de cozinha usado e filtrado, 1 litro de água, 1 kg de soda cáustica, 130 mL de álcool etílico e 10 mL de essência de baunilha. Após filtrar o óleo usado para remover os resíduos que posteriormente podem ficar incrustados nos sabão, o óleo é aquecido. Simultaneamente é preparada a solução de soda cáustica: o produto foi “misturado” em água fria em um balde de 25 litros e agitou a mistura até dissolução completa. Na etapa seguinte adicionou o óleo aquecido à solução de soda e agitou a mistura por 20 minutos. Acrescentou a seguir 10 mL de essência de baunilha e 130 mL de álcool etílico, homogeneizando a mistura até dar o “ponto final”, em que o sabão começa a ficar espesso e a fixar nas laterais no interior do balde, segundo as palavras da dona Shirley. Em seguida, foi utilizado dois sacos de lixo para forrar duas formas assadeiras, o sabão caseiro foi colocado dentro das formas, ficando em repouso por 24 h em um lugar arejado para a secagem. Na última etapa o sabão foi retirado da forma e cortado em pedaços (Figura 1). Por fim, o sabão caseiro estará pronto para uso após cinco dias e a sua validade é de 24 meses.

Sabão caseiro pronto cortado em vários pedaços.
Figura 1
Sabão caseiro pronto cortado em vários pedaços.
Autor

A Fabricação do Sabão Caseiro em uma Linguagem Científica

As matérias-primas para a fabricação de sabão são: um óleo de origem vegetal ou um gordura de origem animal, uma base alcalina em geral hidróxido de sódio (NaOH), água ou álcool etílico. O sabão começa ser feito em um tanque agitador, onde é feita mistura do óleo com o hidróxido de sódio e a água. Em relação à adição de álcool infere-se que a solubilização do óleo se faz melhor em etanol que em água. O processo de solubilização do etanol em água é exotérmico, e, consequentemente, o calor liberado acelera a reação. A adição do etanol, portanto, aumenta a velocidade de reação. Assim, a reação química que da origem ao sabão é chamada reação de saponificação, pois o sabão é um sal de ácido graxo ele é obtido da reação entre éster e hidróxido de sódio (alcalino), originando o sabão, mais uma outra substância que é a glicerina. Como em qualquer processo químico a proporção das quantidades dos reagentes é decisiva para obtenção do produto. Neste sentido, a proporção molar é de 1 mol de triéster para 3 mols de base alcalina e se a quantidade de hidróxido de sódio for inferior a quantidade necessária haverá sobra do triéster (Figura 2).

Reação de Saponificação.
Figura 2
Reação de Saponificação.
http://quimicasemsegredos.com/reacao-de-Saponificacao.php.

Assim, se a quantidade hidróxido de sódio for muito superior à quantidade necessária haverá sobre de hidróxido de sódio, onde isso acarreta a outro problema que seria a elevação do pH, tornando o sabão impróprio para o uso. No caso do sabão duro utiliza-se hidróxido de sódio em sua formulação, onde o resultado é um sabão sólido, no entanto, para se obter um sabão mole ou produto de consistência pastosa utiliza-se como base alcalina o hidróxido de potássio. As evidências de reações químicas na saponificação são basicamente três: uma delas que a reação é exotérmica, com isso ocorre uma pequena liberação de calor (reação exotérmica), outra ocorre na própria transformação das substâncias, você parte de substâncias que se encontram em fase líquida e obtêm-se sabão no estado sólido e outra evidência é a alteração de cor ficando mais claro. Esse é o processo de fabricação de sabão industrial.

Resultados e Discussão

A escolha do tema sobre fabricação de sabão caseiro visou aproveitar um assunto comum às vivências de muitas pessoas, previamente conhecido pelo seu uso no cotidiano e pela sua ampla divulgação na mídia. No relato de experiência envolvendo a fabricação de sabão, Dona Shirley demonstrou a importância do saber popular para obtenção de sabão caseiro, onde foi preparado através de um trabalho manual de misturar diferentes ingredientes e que existem teorias que explicam adequadamente os fenômenos ocorridos.

No momento da preparação do sabão caseiro mantive atento e acompanhando a etapas segundo a receita de Dona Shirley, percebe-se o despreparo, a falta de uso dos equipamentos de segurança e também de conhecimento científico, que pode comprometer a integridade física no momento do manuseio das matérias-primas utilizadas, como soda cáustica e o álcool etílico, que precisam ser manuseados com cuidados, pois a soda cáustica (hidróxido de sódio) é corrosiva, sendo necessário o uso de máscaras, luvas, óculos, botas de borracha e avental para sua proteção. Desse modo, durante o preparo não foi observado o uso dos equipamentos de segurança, pois Dona Shirley estava usando apenas luvas para a proteção de suas mãos.

O saber popular está presente no cotidiano de muitas pessoas, situações semelhantes a da Dona Shirley, mas percebe-se que falta uma relação entre o saber popular e o conhecimento científico para a maioria das pessoas, e isso pode ocasionar problemas mais tarde.

Relacionando o relato de experiência do processo de fabricação do sabão caseiro com o da linguagem científica, percebe-se algumas etapas similares como a adição e mistura das matérias-primas, porém, uma ausência de conhecimento científicos na fabricação de sabão caseiro, assim, compreender o mecanismo da reação de saponificação é fundamental para que obtenha-se um sabão de boa qualidade. Neste sentido, a formulação com a proporção dos reagentes químicos é decisiva para a obtenção do produto final e importante para o entendimento sobre as reações químicas e as propriedades físico-químicas.

Durante a preparação de sabão caseiro foram feitos algumas perguntas para a Dona Shirley, sendo a primeira, qual medida de segurança deve ser tomada, caso a soda cáustica entre em contato com alguma parte do seu corpo?

Se por acaso a soda entrar em contato com alguma parte do corpo, pode passar um pouco de vinagre, mas se for uma quantidade um pouco maior tem que procurar um pronto atendimento, pois o cuidado é fundamental neste momento e sempre procure fazer esta etapa em um lugar arejado (Dona Shirley).

Neste caso, para Dona Shirley o uso do vinagre é no sentido de retirar a ardência provocada pela soda cáustica, isso demonstra a presença da sabedoria popular em sua resposta. Mas o que acontece em linguagem científica é uma clássica reação de neutralização ácido-base, gerando calor, isto é exotérmica. Portanto, essa é uma das limitações do uso do vinagre, que gera calor e o calor potencializa o ferimento. “Enfim, nunca use vinagre na queimadura com soda. Lave somente com muita água”. Mas caso não saiba qual atitude tomar no momento do acidente, procure um pronto atendimento.

A segunda pergunta feita a Dona Shirley, qual a diferença de você usar um sabão caseiro e um detergente?

Então, este sabão caseiro ele é bom assim, pra roupa suja de graxa e mais rústica, o sabão também é muito bom na cozinha, pois ele desengordura os copos e faz bastante espuma, pode colocar no tanquinho para lavar tapetes e roupas mais grosseiras, é muito vantajoso porque mesmo que a pessoa não venda, é uma economia para dentro de casa e importante para preservar o meio ambiente (Dona Shirley).

Para Dona Shirley o sabão é muito importante para a limpeza de roupas, tapetes e copos, assim, percebe-se a existência do saber popular, com pouco entendimento sobre a linguagem científica, sem que ela compreenda como ocorre o processo de limpeza, a ação dos componentes químicos do sabão com os da sujeira, no entanto, há uma preocupação financeira e ambiental, que é um reflexo de uma opinião construída ao longo do tempo por uma determinada comunidade em relação às suas práticas, seus valores, sua cultura, enfim, suas vivências e experiências.

A terceira pergunta realizada à Dona Shirley foi a respeito de, como o sabão é capaz de limpar superfícies engorduradas?

Não tenho certeza, mas a espuma do sabão talvez seja responsável em limpar a gordura dos copos, pratos, roupas, tapetes e outros. Assim, quanto mais espuma forma o sabão caseiro, me parece que ele vai limpando melhor e isso ajuda na remoção da sujeira (Dona Shirley).

Desse modo, percebe-se que essa sabedoria popular foi transformada em uma linguagem escolar carente de conhecimentos científicos, além da Dona Shirley existem muitas pessoas que acreditam que a espuma é a principal responsável em limpar superfícies engorduradas. Mas na linguagem científica, o sabão é capaz de limpar devido ao seu caráter polar e apolar. Abaixo uma demonstração de como funciona a interação entre sabão, água e óleo (Figura 3).

Interação entre sabão, água e óleo.
Figura 3
Interação entre sabão, água e óleo.
http://www.brasilescola.com/quimica/como-sabao-limpa.htm.

Repare que a molécula de sabão possui uma parte polar e outra apolar. A cadeia apolar formada por hidrocarbonetos (− CH.) se sente atraída por óleos (apolar) e a extremidade polar (contendo íons) interage com a água. Então, pode-se dizer que a molécula COONa é polar e hidrofílica (reage com água) e a cadeia de hidrocarbonetos é hidrofóbica (tem aversão à água). Essa força de atração é baseada na regra: “semelhante dissolve semelhante”.

Nessa perspectiva, é possível que se forme uma emulsão (mistura) caracterizada pela espuma. É a partir dessa interação entre os componentes do sabão que se torna possível limpar superfícies cheias de gordura.

Enfim, verifica-se que ainda existe uma grande distância entre os saberes populares e os saberes científicos, temos que compreender a ciência tão presente no nosso dia-a-dia, pois ela contribui para controlarmos e prevermos as transformações que ocorrem na natureza. Portanto, teremos condições de fazer com que essas transformações sejam propostas, para que conduzam a uma melhor qualidade de vida. O saber popular e a linguagem científica são fundamentais para a compreensão das informações que cercam nossas vidas, pois as palavras utilizadas têm significado dentro do corpo teórico que as sustenta.

Considerações Finais

Um aspecto que consideramos positivo nessa experiência foi o esta­belecimento de um contexto cultural local que permitiu valorizar o saber popular e aplicar sa­beres científicos em sua interpretação. O homem sempre usou de seus conhecimentos práticos para produção de materiais mesmo sem base científica.

O estudo de sabão caseiro é tema adequado para relacionar a Química com os saberes populares. Neste sentido, a aplicação que interage o lado prático e cultural com a ciência cria um paralelismo da ação cotidiana simples com o pensamento lógico e compreensível.

O trabalho permitiu realizar discussões entre o conhecimento popular e a linguagem científica na fabricação de sabão caseiro, relacionando os saber popular e o saber científico, assim, é muito importante que as pessoas façam conexões destes saberes, reconheça e valorize seus conhecimentos.

Enfim, deve haver uma reflexão da importância entre o saber popular e o conhecimento científico na vida da população, e que estes possam sempre estar cada vez mais presente, fazendo com que os professores tenham mais interesse em discutir esses temas em sala de aula, desenvolvendo atividades que relacionem os saberes cotidianos por meio de relatos de experiências da comunidade.

Espera-se que o saber popular e o conhecimento científico, possam estar cada vez mais presentes em nossa sociedade, principalmente na escola que necessita se voltar mais aos saberes do cotidiano, tradicionais e populares que fazem parte da vida e da cultura dos educandos. No entanto, na maioria das vezes a escola não reconhece tais saberes e acaba ignorando-os. Neste sentido, o diálogo se constitui de um instrumento fundamental para o reconhecimento e a valorização destes conhecimentos.

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