ARTIGOS
Recepção: 02 Novembro 2015
Aprovação: 05 Janeiro 2016
Resumo: Neste artigo, são apresentados os resultados de um mapeamento de dissertações e teses sobre interdisciplinaridade, defendidas em programas de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática do Rio Grande do Sul. A partir de considerações teóricas sobre o tema “interdisciplinaridade” e de apontamentos sobre as pesquisas do tipo estado da arte, os dados de 63 produções, apresentados em quadros e gráficos, são analisados. Constata-se que a maior parte dos trabalhos investiga os anos finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio e a produção se distribui, principalmente, entre as que abordaram dois ou mais enfoques e as que trabalharam com Educação Ambiental. A partir dessa coleta de dados, considera-se que as investigações sobre interdisciplinaridade deveriam, também, ser realizadas em cursos de graduação e pósgraduação, especialmente levando em conta que a formação inicial e continuada de professores de Ciências e Matemática precisa se voltar para essa temática que pode integrar disciplinas, níveis e modalidades de ensino.
Palavras-chave: Interdisciplinaridade, Estado da Arte, Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática.
Abstract: In this article, we present the results of a mapping on dissertations and theses about interdisciplinary, defended in the Pos-graduate Programs in Mathematics and Science Teaching of Rio Grande do Sul. From theoretical considerations on "interdisciplinary" and notes on the research known as state of the art, are analyzed data from the 63 productions, presented in tables and graphics. It appears that most of the researches investigate the final years of elementary school and high school and that the production is distributed specially among those who focused two or more approaches and have worked with environmental education. From this data collection, it is considered that the interdisciplinary nature of investigations should also be carried out in undergraduate and graduate education, especially given that the initial and continuing training of mathematics and science teachers have to go back to this theme that can integrate disciplines, levels and types of education.
Keywords: Interdisciplinary, State of the Art, Graduate in Mathematics and Science Teaching.
Introdução
O tema interdisciplinaridade vem sendo discutido amplamente em diferentes momentos, pesquisas e ênfases, mas nem sempre essas discussões são consensuais. Há, algumas vezes, debates antagônicos ou complementares. Pesquisadores que demonstram interesse em um trabalho conjunto, para dirimir as dúvidas e encontrar alternativas para resolução de problemas que vão muito além do ambiente acadêmico, esbarram, muitas vezes, na especialização das diferentes áreas.
Na perspectiva de busca de soluções para determinado problema, existe a necessidade da construção de uma visão mais interligada de conhecimentos e não é suficiente apenas seguir passos de um roteiro. É necessário buscar na fragmentação um sentido de unidade e construir uma visão global do conhecimento.
Ainda que atividades interdisciplinares possam ser realizadas em qualquer nível de ensino, nos cursos de graduação e pós-graduação são esperadas produções que discutam as questões subjacentes a esse tipo de atividade, apontem soluções para os problemas e sugestões para novos trabalhos.
Assim, em cursos de mestrado profissional na área de Ensino, em especial aqueles relacionados ao ensino de Ciências e Matemática, em que o trabalho final deve dar origem a um produto, tem-se a oportunidade de discutir os fundamentos das atividades interdisciplinares propostas, bem como produzir sequências de ensino que abranjam áreas distintas.
Trabalhando em um Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática, as autoras deste texto preocuparam-se em fazer uma revisão da literatura já produzida na área sobre o tema “interdisciplinaridade”, para disponibilizar uma fonte de consulta para os mestrandos interessados em pesquisas com esse enfoque. Essa revisão pode ser feita a partir de dissertações, teses, livros, artigos ou comunicações apresentadas em congressos. Pela quantidade de material existente, é necessário fazer algumas escolhas: por exemplo, sobre o tipo de produção analisada e sobre sua origem.
Assim, esta investigação aqui relatada tem como objetivo realizar um mapeamento das dissertações e teses defendidas em programas de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática do Rio Grande do Sul. Esse mapeamento, que é um estudo do tipo estado da arte, englobou produções defendidas nesses Programas desde sua origem até o final do primeiro semestre de 2015.
A Interdisciplinaridade
O interesse pela interdisciplinaridade cresce no momento em que surgem diversas problemáticas que não podem ser solucionadas de modo isolado. Para Thiesen (2008), o tema interdisciplinaridade pode ser debatido levando-se em conta dois grandes enfoques: o epistemológico e o pedagógico, ambos envolvendo conceitos amplos e diversos. Em termos epistemológicos, o conhecimento é levado em conta, em seus aspectos de produção, reconstrução e socialização: “o método como mediação entre o sujeito e a realidade” (p. 545) e a ciência e seus paradigmas. No enfoque pedagógico discute-se o currículo, o ensino e a aprendizagem escolar.
A interdisciplinaridade, especialmente na educação, constitui-se em um debate mais amplo e complexo, que vai além da educação e currículo formais, mas abrange a área social, econômica, política e tecnológica. Para Moraes (2002), existe uma necessidade de mudança de paradigma, que requer um pensamento multidimensional, abrangente e capaz de construir conhecimento que não só leve em consideração a amplitude mas também a complexidade da realidade cotidiana.
A necessidade da interdisciplinaridade na produção e socialização do conhecimento se dá quando, ao se observar a realidade, verifica-se que existe um todo que a forma, uma interligação de fatos e fenômenos. Para compreendê-la melhor, ocorre a fragmentação, que permite apenas a visualização de partes que acabam sem significado. Para Morin (2002), é preciso ensinar os métodos que permitam estabelecer influências recíprocas e relações mútuas entre o todo e as partes em um mundo marcado pela complexidade.
Assim, um dos objetivos do trabalho com interdisciplinaridade é formar um sujeito que possa atuar no seu cotidiano com uma visão mais globalizada e humana de sua realidade, buscando superar a visão fragmentada nos processos de produção e socialização do conhecimento.
Muitas vezes, na busca de novas formas de resolução de problemas, o homem acaba dissociando a dificuldade enfrentada do contexto geral, o que pode provocar inúmeras soluções desarticuladas, gerando maior complexidade e distanciando-se cada vez mais da compreensão da realidade. Os conhecimentos, quando articulados, organizam-se de tal forma que é possível refletir sobre determinado tema, utilizando todos os recursos disponíveis, de modo a superar as dificuldades e a construir conhecimentos conectados e condizentes com o ambiente em que vivem.
Conforme Lück (2000, p. 20),
O enfoque interdisciplinar, no contexto da educação manifesta-se, portanto, como uma contribuição para a reflexão e o encaminhamento de solução às dificuldades relacionadas à pesquisa e ao ensino, e que dizem respeito à maneira como o conhecimento é tratado em ambas funções da educação.
Nessa perspectiva de busca de soluções para determinado problema, existe a necessidade da construção de uma visão mais interligada de conhecimentos e não é suficiente apenas seguir passos de um roteiro.
Para superar a divisão e o fracionamento do conhecimento, amplia-se o movimento dialógico entre diferentes áreas de tal modo a estabelecer-se uma unidade de saberes. Para que esse diálogo possa acontecer, é preciso existir uma ação diferenciada entre os envolvidos no processo, dispondo-se a construir significados na realidade que se apresenta.
É necessário estabelecer objetivos comuns entre as áreas e, como Morin (2002) defende, é primordial considerar que se devem conservar as noções chave que estão implicadas em um trabalho dessa natureza, “que envolve cooperação, objeto comum e, melhor ainda, projeto comum” (p.115).
Neste diálogo, estabelecido entre as diferentes áreas verifica-se que muitas disciplinas se aproximam e se identificam, enquanto outras se diferenciam e se afastam, dependendo dos aspectos que se pretende conhecer. Assim é necessária uma nova interação entre os saberes e, nesse sentido,
[...] o conceito de interdisciplinaridade fica mais claro quando se considera o fato trivial de que todo conhecimento mantém um diálogo permanente com outros conhecimentos, que pode ser de questionamento, de confirmação, de complementação, de negação, de ampliação, de iluminação de aspectos não distinguidos. (MELLO, 1998, p.38).
O trabalho interdisciplinar possibilita uma interligação entre questões que envolvem a organização de materiais, desenvolvimento de habilidades motoras e questões mais subjetivas, e referem-se à capacidade de fazer análises, produzir questionamentos, estabelecer relações e tomar decisões.
A construção dialógica de conhecimentos envolve um encontro dos diferentes saberes, com a capacidade de buscar, entre tantas possibilidades, aquela que melhor responda aos questionamentos inicialmente propostos. Nesse sentido “conhecer e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente certa, mas dialogar com a incerteza” (MORIN, 2010, p. 59).
Não existe uma única verdade e um único caminho a ser trilhado. As certezas são inúmeras e as incertezas constantes. É preciso conviver com o desconhecido e “é preciso, portanto, prepararmo-nos para nosso mundo incerto e aguardar o inesperado” (Ibid., 2010, p. 61).
Atividades interdisciplinares que buscam partir da realidade cotidiana, de grupo de estudantes ou de problemas da comunidade, aproveitam a contribuição que cada disciplina pode oferecer na medida em que os questionamentos vão surgindo. Desse modo, os estudantes podem transformar informações, vão complexificando seus conhecimentos, buscando, nas diferentes áreas, respostas ou soluções para os problemas.
O desconhecido passa a ser um desafio que carrega consigo a reflexão e, para isto, é preciso um olhar para dentro de si mesmo na busca de razões e significados. As razões justificam as buscas e os significados, a procura de caminhos. Esses podem tornar os desafios encontros com novos saberes que, por sua vez, interligam-se, formando as infinitas possibilidades de escolha.
Para Maturana (1997, p.56), “o mundo se origina nas explicações de um observador dos acontecimentos de sua vida, em um processo de responder perguntas que se faz em relação às suas experiências, enquanto as distingue como fatos importantes de sua vida”. Assim, a interdisciplinaridade, mesmo estando sujeita a debates e discussões amplas e diversas, busca a interação entre os saberes, para que possa ocorrer o avanço do conhecimento, levando-se em conta todas as suas manifestações.
As Pesquisas do Tipo Estado da Arte
Na revisão de literatura brasileira sobre procedimentos metodológicos de investigações, encontramos vários estudos do tipo estado da arte, distribuídos por várias áreas (VERMELHO; AREU, 2005; MIANI et al., 2006, entre outros). No Ensino de Ciências e Matemática, o primeiro trabalho destacado é a tese de Fiorentini (1994), seguida pela de Megid Neto (1999) e pelas produções por eles orientadas.
Para conceituar esse tipo de trabalho, recorremos a autores que vêm se debruçando sobre tal temática, como Ferreira (2002). A autora considera que os trabalhos que fazem o estado da arte
[...] parecem trazer em comum o desafio de mapear e de discutir uma certa produção acadêmica em diferentes campos do conhecimento, tentando responder que aspectos e dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares, de que formas e em que condições têm sido produzidas certas dissertações de mestrado, teses de doutorado, publicações em periódicos e comunicações em anais de congressos e de seminários. (p. 258)
Já Fiorentini e Lorenzato (2006) inserem as pesquisas sobre estado da arte entre os estudos bibliográficos ou documentais, que inventariam e sistematizam a produção de uma determinada área, fornecendo um panorama geral e abrangente, buscando regularidades que permitam classificações.
Romanowski e Ens (2006, p. 39) consideram que os estudos do tipo estado da arte são assim denominados “quando abrangem toda uma área do conhecimento, nos diferentes aspectos que geraram produções”, inclusive buscando dissertações, teses, artigos e comunicações sobre o tema. Mas Alves-Mazzotti, em 1998, comentava que esses estudos ainda não eram comuns em revisões feitas no Brasil. Acreditamos que a possibilidade de uso da Internet, juntamente com a disponibilização de dissertações e teses em sites de programas de Pós-Graduação ou no banco de teses da CAPES, tenha modificado esse panorama, pois cada vez mais são encontradas revisões da produção acadêmica de determinada área.
Destacamos, como exemplo de pesquisas que fazem esses levantamentos de produções acadêmicas no ensino de Ciências e Matemática, a tese de Dario Fiorentini (1994), que descreveu o estado da arte da Educação Matemática brasileira, investigando a produção de cursos de pós-graduação de 1971 a 1990. A partir dos dados coletados, o autor apresentou uma classificação das produções, com comentários sobre as obras estudadas. A partir de seu trabalho, foi criado o Banco de Teses do Centro de Estudos Memória e Pesquisa em Educação Matemática (CEMPEM), da Universidade Estadual de Campinas, que atualmente origina listagens de dissertações e teses defendidas em todo o Brasil, publicadas na revista Zetetiké.
Indicamos também a tese de Jorge Megid Neto (1999), que analisou as tendências nas produções sobre ensino de Ciências no Brasil, focalizando 212 trabalhos, dos quais destacou autor, orientador, ano de defesa, nível de ensino e conteúdo, entre outros aspectos. O autor concluiu que a produção enfoca questões internas do processo de ensino e aprendizagem, preocupando-se mais com a formação cognitiva e a aprendizagem dos alunos e menos com os aspectos sociais das ciências e suas relações com a sociedade.
A partir desses trabalhos, foram produzidos vários outros, enfocando aspectos diferenciados da Educação em Ciências e Matemática, tais como:o de Silveira (2007), que estuda as dissertações e teses sobre modelagem matemática em Educação; o de Fernandes e Megid Neto (2007), que revisa o estado da arte em Educação em Ciências, em periódicos brasileiros; o de Lorenzetti e Delizoicov (2009), que analisa a produção brasileira em Educação Ambiental; o de Rosa (2009), que traça um panorama das dissertações e teses defendidas no Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, de 1994 a 2007, sobre ambientes computacionais no ensino de Geometria; e o de Teixeira e Megid Neto (2012), que revisa o estado da arte das pesquisas em Ensino de Biologia.
Essa breve revisão mostra que os estudos de estado da arte são alicerces para a construção de novas investigações, pois disponibilizam o que já foi produzido em uma determinada área. Mesmo trazendo uma visão menos abrangente, com foco apenas em um tema, período ou instituição, são fundamentais para a definição de um problema de pesquisa, de objetivos ou mesmo das fundamentações teóricas que vão embasar a pesquisa.
Procedimentos Metodológicos
Para coletar os dados para este estudo, inicialmente listamos os Programas de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática, da área Ensino da CAPES, estabelecidos em instituições de ensino superior do Rio Grande do Sul.
Em seguida, buscamos produções de mestrado profissional, mestrado acadêmico e doutorado nos sites dessas Instituições, desde o início dos respectivos cursos até as dissertações e teses disponibilizadas nos sites até o mês de agosto de 2015. A busca foi feita pela palavra “interdisciplinaridade”, mas cada site tem uma sistemática de busca quando indicamos um termo: alguns apenas listam as dissertações e teses com essa palavra no título, outros a incluem, também, entre as palavras-chave e outros, ainda, localizam qualquer dissertação ou tese que tenha a palavra “interdisciplinaridade” no texto, mesmo que essa palavra apareça apenas uma vez, em algum comentário ou citação.
Alguns Programas não têm qualquer produção sobre esse tema, outros foram iniciados há pouco tempo e não têm dissertações ou teses defendidas e outros, ainda, apresentam no site do Programa alguma dissertação sobre o tema, mas não é possível acessar o arquivo.
Conferimos, ainda, no banco de teses da CAPES, mas os mecanismos de busca nesse site não produziram resultados diferentes dos já obtidos. Com as observações acima, talvez a amostra encontrada não esgote o tema “interdisciplinaridade” nas dissertações ou teses em ensino de Ciências ou Matemática no Rio Grande do Sul, mas, para nossos propósitos, já é uma quantidade de produção que permite coletar dados que fornecem um panorama da produção com caráter interdisciplinar.
Os dados obtidos foram inseridos em uma planilha Excel, para facilitar contagens e cruzamentos de informações. A partir dessa planilha, foi realizada a análise apresentada a seguir.
Apresentação e Análise dos Dados
Primeiramente, destacamos a distribuição de produções sobre interdisciplinaridade nos diversos programas da área no Rio Grande do Sul, apresentada no Quadro 1:
Como esperado, Programas que envolvem as quatro áreas, Matemática, Física, Química e Biologia, como os da PUCRS e da ULBRA, apresentam maior número de produções.
Quanto ao nível de pós-graduação em que foram elaboradas as produções, encontramos 48 dissertações de mestrado acadêmico, 14 de mestrado profissional e uma tese de doutorado.
A distribuição por ano de defesa, desde a publicação da primeira dissertação, em 2003, é apresentada na Figura 1:
Vemos que não há uma tendência definida na realização de pesquisas que envolvem interdisciplinaridade, pois a distribuição tem altos e baixos. Como este levantamento foi feito na metade de 2015, a ocorrência da interdisciplinaridade pode ser enfocada em outras produções, até o final do ano.
Outros dados destacados são os participantes envolvidos nas investigações e o nível de ensino. Como algumas pesquisas foram feitas com alunos e professores e, às vezes, envolveram mais de um nível de ensino ou, mesmo, foram desenvolvidas por meio de análise documental, o número de citações é maior do que o de produções. Esses dados são apresentados no Quadro 2:
Além disso, ainda foram encontradas cinco produções que investigaram alunos ou professores, de maneira geral, sem identificar nível de ensino, três que pesquisaram documentos oficiais ou dissertações e três que trabalharam com outros tipos de participantes, como trabalhadores, visitantes de Feiras de Ciências ou membros de grupos ecológicos.
Vemos, portanto, que os interesses dos autores se distribuíram por todos os níveis de ensino, bem como por todos os atores envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem, enfatizando, em termos de nível de ensino, os anos finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Essa constatação vem ao encontro das recomendações de documentos oficiais. No Referencial Curricular de Matemática para o Ensino
Fundamental (RIO GRANDE DO SUL, 2009), lemos que “A superação da fragmentação do conhecimento é estimulada por meio da interdisciplinaridade” (p. 31). Já os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 2000) consideram que “a interdisciplinaridade não tem a pretensão de criar novas disciplinas ou saberes, mas de utilizar os conhecimentos de várias disciplinas para resolver um problema concreto ou compreender um determinado fenômeno sob diferentes pontos de vista”. (p. 21).
No tocante à interdisciplinaridade, notamos que muitas produções que apresentavam o termo “interdisciplinaridade”, no título ou nas palavras-chave, não enfocavam, efetivamente, mais de uma disciplina escolar. Assim, uma primeira classificação dos enfoques abordados é indicada na Figura 2:
Pelos dados da Figura 2, notamos que as pesquisas que envolveram dois ou mais enfoques são numericamente próximas às que tratam de Educação Ambiental. Efetivamente, a Educação Ambiental, em geral, é trabalhada pelas disciplinas de Biologia e Química. O artigo 1º da Lei 9.795 (BRASIL, 1999, p. 1) define educação ambiental como “os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”. Dessa forma, pode-se entender que é necessário criar condições para a construção desses valores, conhecimentos, habilidades e competências e que as disciplinas de Biologia e Química são as que melhor integram esses conhecimentos.
Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental, o seu artigo 8º, estabelece que
A Educação Ambiental, respeitando a autonomia da dinâmica escolar e acadêmica, deve ser desenvolvida como uma prática educativa integrada e interdisciplinar, contínua e permanente em todas as fases, etapas, níveis e modalidades, não devendo, como regra, ser implantada como disciplina ou componente curricular específico. (BRASIL, 2012, p. 3).
O mesmo documento ainda preconiza:
I. pela transversalidade, mediante temas relacionados com o meio ambiente e a sustentabilidade socioambiental;
II. como conteúdo dos componentes já constantes do currículo;
III. pela combinação de transversalidade e de tratamento nos componentes curriculares. (Ibid., p. 5).
Portanto, se um determinado projeto é desenvolvido por meio de inter-relações entre diferentes componentes curriculares, inserindo a Educação Ambiental nas atividades planejadas, então, efetivamente, pode-se entender que este projeto é interdisciplinar. Da mesma forma, das produções analisadas, pode-se considerar que as duas dissertações sobre temas geradores e as três sobre temas transversais também são interdisciplinares.
O tema “variado” surge nas produções em que o autor cita várias disciplinas da grade curricular, mas a pesquisa não leva em conta cada uma delas, mas as opiniões de alunos ou professores sobre um trabalho interdisciplinar ou, ainda, é um ensaio teórico, que sugere alguma atividade supostamente interdisciplinar. Da mesma forma, há produções que não explicitam quais disciplinas se envolveram na pesquisa, apenas indicam, pelos questionários aplicados ou pelas tarefas desenvolvidas, que houve intenção de fazer um trabalho interdisciplinar.
Sobre as 17 produções que abordaram duas ou mais disciplinas no trabalho realizado, apresentamos as várias combinações na Figura 3, em que foram usadas as seguintes simbologias para resumir as disciplinas/áreas: A (Artes), AGRI (Agricultura), B (Biologia), C (Ciências), E (Estatística), EF (Educação Física), F (Física), FI (Filosofia), FO (Fotografia), H (História), LP (Língua Portuguesa), M (Matemática), Q (Química):
A análise das distintas combinações interdisciplinares ocorre, muitas vezes, pela necessidade de responder aos questionamentos decorrentes da pesquisa proposta ou para resolver problemas de uma área específica, que busca alicerce em conhecimentos de outras áreas. Este movimento surge no momento em que as diferentes áreas do conhecimento buscam não só a integração entre as mesmas, mas, também sua complementaridade. Dessa forma, as combinações visualizadas na Figura 3 parecem atender essas demandas, visto que os trabalhos são feitos com os profissionais que se motivam e conforme as necessidades da instituição.
A experiência dos indivíduos que formam o corpo docente de uma instituição que se dispõem ao trabalho interdisciplinar é fundamental, pois, para um trabalho dessa natureza, é necessário motivação, espírito de inovação e cooperação. A pesquisa interdisciplinar faz um apelo aos pesquisadores “a fim de que, debruçando-se cada um sobre o mesmo problema, na linha de sua especialidade, decorra de seus saberes reunidos e integrados um conhecimento mais completo e menos unilateral” (JAPIASSÚ, 1976, p.88).
As novas descobertas e os novos conhecimentos decorrem portanto, muitas vezes, da integração disciplinar, do diálogo e da disposição das pessoas, especialistas nas suas áreas disciplinares, em compreender uma problemática específica, que ganha espaço e relevância quando ocorre a interdependência de saberes que se complementam para buscar respostas a temas complexos.
Pela limitação de espaço neste texto, não é possível apresentar a análise de todos os elementos das produções, ou seja, seus objetivos, metodologias, referenciais teóricos e resultados. Optou-se, então, por abordar apenas um desses aspectos, a saber, os objetivos propostos nas dissertações e tese analisadas.
Algumas produções não apresentavam, explicitamente, o objetivo da investigação, mas a leitura do problema ou das questões de pesquisa permitiu esboçar os propósitos das 63 produções analisadas. Todas elas envolveram questões de ensino ou aprendizagem, como seria esperado, visto que foram elaboradas em programas de PósGraduação em Ensino de Ciências e Matemática. No entanto, levando em conta a distinção apontada em Thiesen (2008), sobre os dois grandes enfoques em que é debatida a interdisciplinaridade, elaborou-se uma classificação dos objetivos em três classes: aqueles que se propõem a avaliar como fazer determinada ação; os que investigam uma proposta de ação já implementada; e os que analisam o conhecimento de professores ou alunos, levando em consideração um sistema de ensino ou um conjunto de participantes de determinada região.
Na primeira categoria, têm-se 11 produções, pesquisando a melhor maneira de executar uma proposta de ensino. Em cada categoria, são apresentados, por extenso ou resumidamente, alguns objetivos. Nesta primeira classe, têm-se:
[...] de que forma seria possível instituir um trabalho interdisciplinar e cooperativo, envolvendo a comunidade escolar, que fosse capaz de difundir informações objetivas sobre os perigos dos disruptores endócrinos, causando modificações efetivas nas atitudes ecológicas dos envolvidos?
[...] como um curso de formação continuada que aborde o tema Trilhas Interpretativas pode promover mudanças da prática pedagógica no cotidiano dos docentes?
[...] como a temática acerca das doenças sexualmente transmissíveis, trabalhadas através de metodologias ativas, pode auxiliar na
Na terceira categoria, têm-se 27 produções, em que houve interesse em analisar conhecimentos de professores ou alunos. Como exemplos, são apresentados os seguintes objetivos:
[...] compreender as contradições de sentido da interdisciplinaridade no contexto do Ensino Médio em enunciados educacionais diversos.
[...] analisar as concepções de interdisciplinaridade presentes nos discursos e nas práticas dos professores ao longo da construção de um projeto interdisciplinar.
[...] investigar a possibilidade de construir uma educação contextualizada, interativa, significativa, que tenha implicação direta na formação continuada de professores e no posicionamento frente a práticas interdisciplinares.
Supunha-se que as pesquisas realizadas em mestrados profissionais tivessem objetivos da segunda classe, a saber, que investigassem a aplicação de atividades em sala de aula; no entanto, não houve diferença entre as três categorias, pois foram encontradas pesquisas dos três tipos, tanto nos mestrados acadêmicos como nos profissionais.
Considerações Finais
Neste trabalho, foram apresentados os resultados de um mapeamento de dissertações e teses sobre interdisciplinaridade, defendidas em programas de PósGraduação em Ensino de Ciências e Matemática do Rio Grande do Sul. A partir de considerações teóricas sobre o tema “interdisciplinaridade” e de apontamentos sobre as pesquisas do tipo estado da arte, os dados de 63 produções, apresentados em quadros e gráficos, foram analisados. Constatou-se que a maior parte dos trabalhos investiga os anos finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio e que a maior parte da produção se distribui entre as que abordaram dois ou mais enfoques e as que trabalharam com Educação Ambiental.
Chamou a atenção o fato de que, dos 14 Programas de Pós-Graduação em atividade à época deste mapeamento, seis deles (43%) não apresentaram produções que abordassem a interdisciplinaridade, mesmo envolvendo pelo menos duas ciências. Assim, considera-se que as investigações sobre interdisciplinaridade deveriam ser realizadas com mais frequência em cursos de graduação e pós-graduação, especialmente levando em conta que a formação inicial e continuada de professores de Ciências e Matemática precisa se voltar para essa temática, que pode integrar disciplinas, níveis e modalidades de ensino, desenvolvendo habilidades e competências que contribuam na busca de respostas a temas complexos e desafiadores.
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