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Plantas raras, ameaçadas e endêmicas dos topos de serra do Espinhaço Meridional
Rare, threatened, and endemic plants from the mountaintops of the Meridional Espinhaço Range
Revista Espinhaço, vol. 12, núm. 1, 2023
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

Revista Espinhaço
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil
ISSN-e: 2317-0611
Periodicidade: Semestral
vol. 12, núm. 1, 2023

Recepção: 06 Abril 2023

Aprovação: 22 Abril 2023

Resumo: Topos de montanha são muitas vezes refúgios de vegetação por se tratarem, em geral, de ilhas isoladas distintas da vegetação do entorno, muitas vezes abrigando espécies raras e endêmicas. Nos últimos anos, muitas espécies raras que antes se pensava estarem extintas ou à beira da extinção foram redescobertas em regiões montanhosas. É o caso das espécies apresentadas aqui, que foram redescobertas depois de décadas, ou são ainda desconhecidas pela ciência. Os estudos florísticos em andamento em áreas de turfeiras no alto da Serra do Espinhaço Meridional, especificamente na Chapada do Couto, revelaram a existência de seis espécies raras de Eriocaulaceae, endêmicas dessas áreas elevadas do Espinhaço Meridional e associadas a ecossistemas úmidos. Duas espécies pertencem ao gênero Actinocephalus e quatro ao gênero Paepalanthus, incluindo uma redescoberta e duas espécies ainda desconhecidas pela ciência. Dada a raridade das ocorrências, o alto grau de endemismo e a fragilidade dos ecossistemas dos topos de montanha, são apresentados o estado de conservação destas espécies, além de comentários sobre morfologia, distribuição geográfica e imagens ilustrando cada uma delas.

Palavras-chave: Campos rupestres, Chapada do Couto, Conservação, Eriocaulaceae, Turfeiras.

Abstract: Mountaintops are often refugia for vegetation because they are generally isolated islands distinct from the surrounding vegetation, often harboring rare and endemic species. In recent years, many rare species that were once thought to be extinct or on the brink of extinction have been rediscovered in mountain regions. This is the case with the species presented here, which were rediscovered after decades, or were previously unknown to science. Ongoing floristic studies in peatlands areas in Chapada do Couto have revealed the existence of six rare species of Eriocaulaceae, endemic from the Espinhaço Meridional and associated with wet ecosystems. Two species belong to Actinocephalus genus and four belong to Paepalanthus genus, including one rediscovered and two species still unknown to science. Given the rarity of their occurrences, the high degree of endemism, and the fragility of the ecosystems of mountaintops, the conservation status of these species is presented, along with comments on their morphology, geographical distribution, and photos of each of the species.

Keywords: Campos rupestres, Chapada do Couto, Conservation, Eriocaulaceae, Peatlands.

1. Introdução

Segundo dados do Flora e Funga do Brasil (2023) cerca de 35.700 espécies de Angiospermas ocorrem no Brasil, sendo quase 60% delas endêmicas, ou seja, ocorrem apenas no território brasileiro. Os domínios Cerrado e Mata Atlântica abrigam, respectivamente, 7.296 e 9.887 espécies de Angiospermas consideradas endêmicas do Brasil (Flora e Funga do Brasil, 2023). Tal riqueza é frequentemente associada a formações florestais densas e exuberantes, no entanto, no estado de Minas Gerais, muitas destas espécies endêmicas ocorrem em fitofisionomias não florestais e, geralmente, situadas em regiões mais elevadas, como nas formações vegetacionais campestres da Serra do Espinhaço.

Espécies endêmicas ocorrem ao longo de toda a Serra do Espinhaço, algumas espécies com distribuição um pouco mais ampla e outras muito restritas, denominadas por alguns autores como micro-endêmicas (Assunção-Silva et al., 2021; da Silva, 2023) A riqueza de espécies endêmicas também é variável ao longo do Espinhaço, por alguns motivos discutidos por Echternacht et al. (2011) e Bitencourt e Rapini (2013), como isolamento geográfico proporcionado pela altitude e condições climáticas muito específicas. Mas o fato é que algumas áreas se destacam pela elevada riqueza e alta concentração de espécies endêmicas, como é o caso do Planalto de Diamantina, na porção central do Espinhaço em Minas Gerais, considerada o principal centro de endemismo da Serra do Espinhaço (Echternacht et al., 2011). Colli-Silva et al. (2018), baseado principalmente no elevado grau de endemismos nos campos rupestres, propuseram duas novas províncias biogeográficas, sendo uma delas a Província Sul Espinhaço, que inclui o Planalto de Diamantina como uma área importante dentro da Província. Trabalhos publicados recentemente (e.g. Costa et al. 2016; Campos et al., 2019; Cardoso et al., 2022), tratando de diferentes grupos taxonômicos, têm confirmado o elevado número de táxons endêmicos dessa região, principalmente nas áreas de campos rupestres.

É importante destacar que, muitas dessas espécies endêmicas podem ser consideradas como raras, seja porque seus indivíduos ocorrem em baixa frequência na natureza, ou porque sua área de distribuição é restrita, e/ou ocorrem em habitats específicos (Rabinowitz, 1981), ou ainda porque constitui o único grupo vivente de toda uma linhagem evolutiva. Outro aspecto importante é o fato de que a raridade pode ser um fenômeno inerente a algumas espécies, pois algumas das características intrínsecas de certas espécies contribuem para sua raridade na natureza, como a baixa taxa de reprodução, prole com poucos indivíduos, crescimento lento, baixa capacidade de dispersão, baixa amplitude ecológica e necessidades ambientais específicas (Sano et al., 2014). Diversamente, há fatores externos que também contribuem, às vezes em maior intensidade inclusive, para que uma espécie se torne rara ou extinta, como a perda ou a degradação de hábitat, que representa a maior causa de risco, seguida pela competição com espécies exóticas e ações antrópicas (Sano et al., 2014; Martinelli et al., 2014).

De toda forma, uma questão muito importante do ponto de vista da conservação é que informações sobre raridade devem apoiar decisões sobre a conservação e o manejo de espécies, devido à sua relação com o risco de extinção. Considerando que as espécies raras são as mais prováveis de serem perdidas dos ecossistemas, e que a diversidade de espécies determina a diversidade de funções e serviços prestados ao ambiente, a perda das espécies raras pode gerar significativas mudanças de biodiversidade. As espécies endêmicas são cruciais para a biodiversidade de uma área, uma vez que são componentes únicos e insubstituíveis do ecossistema. Sendo assim, no que diz respeito à conservação, é extremamente importante a avaliação do risco de extinção de espécies consideradas endêmicas e/ou raras, a fim de garantir ações que garantam a conservação dos ecossistemas como um todo (Martinelli et al., 2014).

A lacuna de informação disponível sobre essas espécies e seus habitats tornam a avaliação do risco de extinção dessas espécies uma tarefa difícil (Rosa et al., 2018). Na Serra do Espinhaço, principalmente nos campos rupestres, muitas espécies têm a distribuição geográfica bastante restrita, e quando ocorrem em áreas de topo de serra, de difícil acesso, a chance de encontrá-las e estudá-las depende de vários fatores ocorrendo simultaneamente e envolvendo uma logística complexa, o que pode ser um desafio. Muitas espécies permanecem até os dias atuais conhecidas por um único ou por poucos exemplares, geralmente coletados no século XIX ou início do século XX, e que nunca mais foram encontradas na natureza. Nesses casos há pelo menos duas hipóteses que podem ser levantadas: ou essas espécies foram extintas e por isso nunca mais foram encontradas na natureza, ou ocorrem em áreas remotas com populações pequenas e distribuição restrita (raras e/ou micro-endêmicas). Em ambos os casos, quando é feita a avaliação do risco de extinção, geralmente essas espécies são classificadas na categoria “Dados Insuficientes” (DD), seja pela falta de registros, falta de dados populacionais, fragmentação populacional, flutuações populacionais extremas, e/ou sobre ameaças incidentes ou potenciais em sua amplitude de distribuição que possam causar declínio continuado ou redução populacional, ou seja também pelo mau-entendimento e aplicação dos critérios estabelecidos pela metodologia internacional de listagem de espécies ameaçadas da IUCN (IUCN Red List of Threatened species). O conjunto dessas informações específicas e o entendimento correto dos conceitos para aplicação da metodologia é essencial para realização de avaliações consistentes do risco de extinção de espécies, já que a identificação de espécies em risco de extinção é um dos objetivos centrais da conservação (Collen et al., 2016). A medida que o uso de dados compilados para avaliações da Lista Vermelha da IUCN foi se expandindo, surgiram vários equívocos sobre o propósito, aplicação e uso das categorias e critérios da Lista Vermelha da IUCN e, portanto, é preciso treinamento e entendimento das diretrizes para aplicação dos critérios e categorias da listagem vermelha IUCN (Collen et al., 2016; IUCN Standards and Petitions Committee, 2022).

Nos últimos anos, com a intensificação das expedições em áreas mais remotas do Espinhaço, algumas dessas plantas endêmicas e raras têm sido localizadas, como as apresentadas por Echternacht et al. (2010) e Costa et al. (2018), e muitas outras têm sido descobertas, como, por exemplo, as espécies descritas recentemente por Andrino et al. (2016), Costa et al. (2016), Cândido e Loeuille (2021), Romero et al. (2021), Carvalho e Forzza (2022) e Cabral et al. (2022). Infelizmente, seja pela raridade, seja pela degradação do habitat, ou por ambos, na maioria das vezes essas espécies são redescobertas ou descobertas já sob algum grau de ameaça de extinção. É extremamente importante a intensificação do esforço amostral e o estudo dessas plantas raras e/ou endêmicas e, muitas vezes, ameaçadas de extinção, para que se possa compreender melhor os processos ecológicos envolvidos nesses ecossistemas tão peculiares e sensíveis, como os que ocorrem no topo das montanhas ao longo do Espinhaço, assim como valorizar e preservar a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos.

Em 2020, foi aprovado na Chamada CNPq/ MCTI/CONFAP-FAPS/PELD n.º 21/2020 – Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD), o projeto para implementação do Sítio PELD “Turfeiras da Serra do Espinhaço Meridional: serviços ecossistêmicos e biodiversidade” – PELD-TURF. Turfeiras são ecossistemas de transição entre ambientes terrestres e aquáticos, formados pela acumulação no tempo e no espaço de restos vegetais em condições de excessiva umidade, pouca disponibilidade de nutrientes, baixo pH e escassez de oxigênio, em que a matéria orgânica passa por processos de lenta humificação/mineralização (Silva, 2022). São ecossistemas extremamente importantes local, regional e globalmente, embora no Brasil ainda sejam pouco conhecidos, prestam serviços ecossistêmicos como armazenamento de água e sequestro de carbono, além de abrigar uma biodiversidade peculiar (Silva, 2022).

Em 2021 os sítios PELD TURF foram instalados no alto da Chapada do Couto, ou Chapadão do Couto, no Espinhaço Meridional, com o objetivo de monitorar áreas de turfeiras nas cabeceiras do alto curso do Rio Araçuaí, incluindo turfeiras nas nascentes do Rio Preto (afluente do rio Araçuaí) dentro do Parque Estadual do Rio Preto, e turfeiras nas nascentes do Rio Araçuaí, fora do Parque e com intervenções antrópicas constantes. Os estudos florísticos em andamento têm revelado a existência de uma flora bastante peculiar, com muitos elementos endêmicos (Mendonça Filho et al., 2022).

O presente trabalho tem como objetivo apresentar informações sobre seis espécies raras de Eriocaulaceae, endêmicas do Espinhaço Meridional e restritas às áreas úmidas de alguns topos de serra. Uma dessas espécies representa uma redescoberta, pois foi encontrada na natureza depois de mais de 80 anos sem novos registros e duas espécies ainda são inéditas para a ciência. São apresentados comentários sobre morfologia, distribuição geográfica e avaliação do estado de conservação de cada espécie.

2. Material e Métodos

As expedições de campo recentes na Chapada do Couto têm sido realizadas mensalmente, desde outubro de 2021, nas áreas das parcelas do PELD-TURF e áreas adjacentes, em caminhadas aleatórias.

A Chapada do Couto localiza-se no Planalto de Diamantina, com áreas nos municípios de São Gonçalo do Rio Preto, Felício dos Santos e Couto de Magalhães de Minas. Faz parte da bacia do Rio Jequitinhonha e abrange 4 sub-bacias hidrográficas: Rio Araçuaí, Rio Preto, Rio Soberbo (Jequitinhonha Preto) e Córrego Pindaíbas. O clima é do tipo Cwb (mesotérmico), de acordo com a classificação de Köppen, ocorrendo duas estações, chuvosa e seca, bem definidas, sendo o período chuvoso de novembro a março e o período seco de maio a setembro. Na Chapada, a estação climatológica registrou os valores médios anuais de precipitação pluviométrica e de temperatura de 1.472 mm e de 16,7 °C, entre 2016 e 2021, respectivamente (Silva et al., 2022). A vegetação é composta por um mosaico vegetacional formado principalmente por uma matriz campestre (campos rupestres e campos limpos) e florestas intercaladas (matas ciliares e capões de mata).

Os materiais coletados foram herborizados e depositados no herbário da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (DIAM), com duplicatas enviadas ao herbário da Universidade de São Paulo (SPF). As espécies foram identificadas e todo o material foi estudado, incluindo materiais anteriormente já depositados nos herbários, provenientes de coletas no Espinhaço Meridional, incluindo a Serra do Intendente e Serra Negra, nos municípios de Conceição do Mato Dentro e Itamarandiba, respectivamente. Os comentários acerca da morfologia das espécies foram elaborados de acordo com observações de campo, análise de material de herbário e obras originais de descrição das espécies. No caso das espécies novas, foram disponibilizadas informações limitadas devido ao ineditismo da publicação sobre essas espécies, que se encontra em fase final de redação para submissão em revista especializada nesse tipo de publicação. O mapa foi desenvolvido usando QGIS 3.28.3 (QGIS, 2023) e os shapefiles são citados na Figura 1.

O estado de conservação de cada espécie segue as Categorias e critérios da Lista Vermelha de espécies ameaçadas da IUCN (2012) versão 3.1, e recomendações das Diretrizes para o Uso das Categorias e Critérios da Lista Vermelha da IUCN. Versão 15.1 em inglês (IUCN Standards and Petitions Committee, 2022). Para avaliação de risco, os dados de distribuição extraídos dos vouchers aqui estudados foram usados em conjunto com bancos de dados, literatura e conhecimento especializado sobre preferência de habitat, ameaças e/ou tendências populacionais. A extensão de ocorrência (EOO) e área de ocupação (AOO) foram calculadas para cada espécie usando rCAT package for Rstudio (v. 2022.07.2+576). As espécies avaliadas preliminarmente neste estudo poderão ser enviadas ao Serviço de Informação de Espécies da IUCN (SIS), para concluir o processo de revisão por pares e preparar a submissão à Lista Vermelha da IUCN e à autoridade da Lista Vermelha da Flora do Brasil (CNCFlora/JBRJ).

3. Resultados e Discussão

Os estudos florísticos, em andamento na Chapada do Couto, apontam que a flora da região tem características e composição bem peculiares, com uma grande diversidade e um elevado número de espécies raras, algumas endêmicas da Chapada ou se estendendo ao topo de serras adjacentes (Mendonça Filho et al., 2022). Os primeiros estudos florísticos na Chapada do Couto foram efetuados pelo naturalista brasileiro Álvaro da Silveira no início do século XX, que coletou muitos exemplares de plantas que hoje encontram-se depositadas no herbário do Museu Nacional no Rio de Janeiro. Nas etiquetas das exsicatas há anotação que haviam sido coletadas na “Chapada do Couto”, mas muitos anos se passaram até se descobrir onde era tal localidade, sendo que muitas espécies descritas por Silveira (1908, 1928), por serem endêmicas da região, permaneceram durante décadas sem novos registros de coleta, como Paepalanthus montanus Silveira e Actinocephalus coutoensis (Moldenke) Sano, só redescobertas recentemente (Echternacht et al., 2010; Costa et al., 2018). Além da dificuldade de localizar essas áreas onde coletas antigas foram efetuadas, existe ainda a dificuldade de acessar essas áreas, pois muitas delas ainda permanecem até os dias atuais com uma logística de expedições de campo bastante complexa, como os topos de serras na Serra do Intendente e na Serra Negra, nos municípios de Conceição do Mato Dentro e Itamarandiba, respectivamente.

Até o momento, os estudos florísticos nas áreas de turfeiras da Chapada do Couto revelaram a existência de seis espécies raras de Eriocaulaceae, algumas endêmicas dessa localidade e outras ocorrendo também em topos de outras serras no Espinhaço Meridional, como Serra do Intendente e Serra Negra (Figura 1), todas ameaçadas de extinção.

Duas espécies pertencem ao gênero Actinocephalus (A. coutoensis (Moldenke) Sano e A. delicatus Sano) e as demais ao gênero Paepalanthus (P. diamantinensis Moldenke e P. montanus Silveira), sendo duas ainda inéditas para a ciência e em fase final de elaboração do manuscrito para publicação (Sauthier e Costa, in prep.), denominadas aqui como Paepalanthus sp. nov. 1 e Paepalanthus sp. nov. 2. A seguir são apresentadas informações sobre cada uma das espécies, com breve histórico taxonômico e detalhes de morfologia que permitem reconhecê-las em campo (exceto para as duas espécies novas), além de informações sobre a distribuição geográfica e o estado de conservação.



Figura 1. Localidades de ocorrências das seis espécies raras de Eriocaulaceae, incluindo a Chapada do Couto, com parte dela inserida no Parque Estadual do Rio Preto; Serra Negra, incluindo área do Parque Estadual da Serra Negra; e Serra do Intendente, incluindo o Parque Estadual da Serra do Intendente.
Fonte: IBGE (2010)

3.1 Actinocephalus coutoensis (Moldenke) Sano, Taxon 53: 102. 2004. Paepalanthus coutoensis Moldenke, Phytologia 2: 140. 1946

Essa espécie teve o nome validado por Moldenke (1946), mas foi descrita inicialmente por Silveira (1928) (com o nome não válido de Paepalanthus barbulatus) baseado em um material coletado pelo próprio Silveira em 1918 na Chapada do Couto. Actinocephalus coutoensis ficou quase 90 anos sem ser encontrada novamente na natureza, e apenas no ano de 2004 foi localizada uma população dessas plantas na Chapada do Couto, próximo ao Pico Dois Irmãos, no Parque Estadual do Rio Preto (coleta de N. Mota 762, depositada no herbário BHCB).

Echternacht et al. (2010) publicaram a redescoberta de Actinocephalus coutoensis incluindo dados de morfologia e distribuição geográfica, e citam a ocorrência dela no Pico do Itambé. Porém esses materiais citados para o Pico do Itambé foram identificados erroneamente, provavelmente são representantes de Actinocephalus callophyllus (Silveira) Sano, espécie também pouco estudada e que morfologicamente se parece com A. coutoensis, mas que pode ser distinguida pelo hábito e folhas da roseta diferentes. Echternacht et al. (2010) não apresentam avaliação de risco de extinção para a espécie, pois, apesar de ter sido encontrada novamente na natureza, não havia informações biológicas disponíveis para tal, tanto que no Livro Vermelho Plantas Raras do Cerrado (Martinelli et al., 2014) a espécie foi avaliada como DD, ou seja, sem dados suficientes para avaliar o risco de extinção. Com a intensificação dos trabalhos de campo na Chapada do Couto, novas populações têm sido registradas e as informações sobre o risco de extinção são aqui apresentadas.

Comentários: Actinocephalus coutoensis pode ser facilmente distinguida das espécies de Actinocephalus que ocorrem na Chapada do Couto, principalmente pela presença de caules curtos com folhas rosuladas formando pequenas rosetas basais, as folhas são eretas e não ultrapassam 8 cm de comprimento; os ramos laterais férteis são longos e eretos, emergindo da axila das folhas da roseta, e nunca de um eixo central como ocorre em Actinocephalus polyanthus (Bong.) Sano, espécie que também ocorre na Chapada. Outra diferença em relação às espécies simpátricas são os ramos laterais bem alongados (21-40 cm compr.), portando escapos relativamente curtos (3-4 cm) em relação aos ramos (Figura 2A). No ápice desses ramos laterais férteis há numerosos escapos em arranjo umbeliforme, bem característico do gênero Actinocephalus.

Distribuição: Até o momento é endêmica da Chapada do Couto (Figura 1) ocorrendo apenas acima dos 1600 metros de elevação e pode ser considerada uma espécie rara, tanto pela sua distribuição muito restrita como pelas populações pequenas. Ocorre em solos arenosos quartzíticos secos e também em solos arenosos úmidos, em áreas de campos rupestres que circundam áreas úmidas, como as turfeiras e pequenos cursos de água (Figuras 3A e 3B).

Estado de conservação: Actinocephalus coutoensis apresenta quatro registros de ocorrência, sendo dois deles presentes em localidades próximas dentro do Parque Estadual do Rio Preto e dois outros registros próximos localizados fora desta unidade de conservação (Figura 1). Apresenta distribuição geográfica restrita, com extensão de ocorrência (EOO= 2 km²), área de ocupação (AOO=12 km²) e localizações condicionadas por ameaças (locations=2) caindo dentro dos limiares de uma das categoria de espécies ameaçadas conforme os critérios B1a + B2a. O declínio continuado da qualidade do habitat é inferido devido sua ocorrência nos dois pontos externos a área protegida e em paisagem fragmentada, com base na projeção dos pontos em imagens de satélite (Rstudio, leaflet package). As principais ameaças regionais a espécie, internas ou no entorno da área protegida, incluem incêndios de origem humana, especialmente relacionada à formação de pastagem para alimentação de gado bovino e equino de forma extensiva (Figuras 3C e 3D) (Mendonça Filho et al., 2022), silvicultura e outros monocultivos em alguns trechos do entorno da UC; perfuração de poços artesianos no entorno do parque e captação de água superficial a jusante (Governo do Estado de Minas Gerais, 2020). Assim, devido a sua distribuição muito restrita, número de localizações condicionadas por ameaças e declínio da qualidade de habitat devido à perda e degradação de seus habitats, a espécie é aqui avaliada como Em Perigo (EN), acessando-se os critérios B1ab(iii)+B2ab(iii).

Material examinado: BRASIL. Minas Gerais; São Gonçalo do Rio Preto; Parque Estadual do Rio Preto, Chapada do Couto, 03 Jun. 2011, L. B. Costa et al. 17 (DIAM!, SPF!). Felício dos Santos, Chapada do Couto, 15 Dez. 2021, L. J. Sauthier et al. 200 (SPF!).



Figura 2. Espécies raras de Eriocaulaceae tratadas neste estudo. A. Actinocephalus coutoensis (Moldenke) Sano. B. Actinocephalus delicatus Sano. C. Paepalanthus diamantinensis Moldenke. D. Paepalanthus montanus Silveira. E. Paepalanthus sp. nov. 1. F. Paepalanthus sp. nov. 2
Fonte: Autores.



Figura 3. Área de estudo na Chapada do Couto. A. Vista do Chapadão do Couto na base do Pico Dois Irmãos, no Parque Estadual do Rio Preto. B. Turfeira circundada por campo rupestre, local de ocorrência de A. coutoensis, A. delicatus, P. montanus e P. diamantinensis, em área fora do Parque, na turfeira nas nascentes do Rio Araçuaí. C e D. Atividade pecuária bem próximo da área do Parque, em turfeiras nas nascentes do Rio Araçuaí.
Fonte: Autores.

3.2 Actinocephalus delicatus Sano, Phytotaxa 27: 27. 2011.

Actinocephalus delicatus Sano foi descrita recentemente (Echternacht et al., 2011) baseado em materiais coletados em duas localidades: Cachoeira do Sumidouro no município de Felício dos Santos; e Parque Estadual da Serra Negra, em Itamarandiba.

A Cachoeira do Sumidouro localiza-se na Serra do Gavião, que fica em uma área contígua à da Chapada do Couto, a leste. Já o Parque Estadual da Serra Negra localiza-se na borda leste do Espinhaço Meridional, distante cerca de 70 quilômetros em linha reta do Planalto de Diamantina e imerso no Domínio da Mata Atlântica, cujas áreas mais elevadas alcançam os 1580 metros, com ocorrência de campos rupestres e uma flora composta por elementos típicos desta fitofisionomia.

Echternacht et al. (2011) comentam que na Serra Negra foram encontradas populações dessa espécie composta por numerosos indivíduos, ao contrário das populações encontradas na Cachoeira do Sumidouro, na Serra do Gavião. Provavelmente, o habitat mais úmido seja mais favorável para essa espécie. Echternacht et al. (2011) citam também que na localidade da Cachoeira do Sumidouro os indivíduos foram encontrados no leito do rio, mas estudos posteriores não confirmaram seu hábito aquático. Na Chapada do Couto, apesar de ocorrerem em solos arenosos quartzíticos, foi observado que as populações sempre ocorrem próximo de solos encharcados ao redor das turfeiras.

Comentários: Actinocephalus delicatus pode ser reconhecida dentre as demais espécies do gênero principalmente pelo seu porte reduzido. São plantas perenes, delicadas com no máximo 25 cm de alt., caule curto e recobertos por folhas rosuladas, lineares e patentes, formando rosetas basais; os ramos laterais férteis possuem no máximo 20 cm de comprimento (Figura 2B). A descrição morfológica completa desta espécie foi apresentada por Echternacht et al. (2011), que também discutiram as diferenças desta com A. brachypus (Bong.) Sano, que seria a espécie mais parecida morfologicamente com A. delicatus e, considerada por esses autores como alopátricas. No entanto, na Chapada do Couto, essas espécies são simpátricas, e algumas características apontadas por Echternacht et al. (2011) para diferenciá-las não se aplica nessas populações, tais como pilosidade de ramos laterais férteis e cores de brácteas involucrais. Na Chapada essas espécies podem ser diferenciadas principalmente pela forma e pilosidade das folhas, estreitamente lineares e híspidas em A. brachypus, e lanceoladas a lineares e com faces glabras em A. delicatus, além disso, as folhas em A. brachypus geralmente são deflexas na metade basal e inflexas na metade apical, conferindo um hábito ligeiramente diferente de A. delicatus, que possuem folhas planas e patentes.

Distribuição: Até o momento é endêmica do topo da Serra Negra e do Planalto de Diamantina, na Chapada do Couto e Serra do Gavião (Figura 1), ocorrendo apenas acima dos 1300 metros de elevação. É uma espécie rara, provavelmente com especificidade por habitats úmidos e elevados. Ocorrem em solos arenosos pedregosos, úmidos ou até mesmo encharcados, em áreas de campos rupestres que circundam áreas úmidas, como as turfeiras e cursos de água (Figura 3B).

Estado de conservação: A espécie apresenta cinco registros de ocorrência, sendo quatro deles presentes em localidades próximas no entorno do Parque Estadual do Rio Preto e dois outros registros dentro do Parque Estadual da Serra Negra. Apresenta distribuição geográfica restrita, com extensão de ocorrência (EOO= 18 km²), área de ocupação (AOO= 16 km²) e localizações condicionadas por ameaças (locations = 2 a 3) caindo dentro dos limiares da categoria Em Perigo segundo os critérios B1a + B2a. O declínio continuado da qualidade do habitat é inferido devido à ocorrência dos quatro pontos externos a área protegida e em paisagem fragmentada (Rstudio, leaflet package). As principais ameaças regionais no entorno do Parque Estadual do Rio Preto, incluem incêndios de origem humana; silvicultura e outros monocultivos em alguns trechos do entorno da UC; perfuração de poços artesianos no entorno do parque e captação de água superficial a jusante (Governo do Estado de Minas Gerais, 2004). Além disso, apesar do acesso mais difícil na cachoeira do Sumidouro, Echternacht et al. (2011) consideram a população pequena nesta localidade, estando sujeita a turismo e atividades recreativas realizadas por moradores da região. Devido a sua distribuição restrita, número de localizações condicionadas por ameaças e declínio da qualidade de habitat, a espécie é aqui também avaliada como Em Perigo (EN), acessando-se os critérios B1ab(iii)+B2ab(iii).

Material examinado: BRASIL. Minas Gerais; Felício dos Santos, Chapada do Couto, 26 Nov. 2021, F. N. Costa & C. V. Mendonça 2206 (DIAM!); Chapada do Couto, 28 Out. 2021, F. N. Costa et al. (DIAM!).

3.3 Paepalanthus diamantinensis Moldenke, Phytologia 3: 314. 1950.

Paepalanthus diamantinenses Moldenke foi descrita por Moldenke (1950) baseado em materiais coletados por Mello Barreto em 1937 na Serra do Gavião. Desde então nunca mais foi recoletada e, apenas com o início dos trabalhos do PELD-TURF, em 2021, é que essa espécie foi novamente encontrada na natureza, na Chapada do Couto. Na etiqueta dos materiais coletados por Mello Barreto, em 1937, há a informação que foi coletada em “campo-margem córrego” e que era muito frequente no local de coleta. Provavelmente essa espécie ainda ocorre na localidade-tipo, na Serra do Gavião, e a ausência de coletas recentes seja devido à baixa amostragem na região, pois é uma área de difícil acesso. Apenas para ilustrar, uma busca na rede speciesLink usando os termos “Cachoeira do Sumidouro” e “Felício dos Santos” encontrou o registro de apenas 22 coletas de Eriocaulaceae. Esse número é extremamente baixo se considerado que essa família é uma das principais em áreas de campos rupestres na região.

É apresentada aqui a redescoberta da espécie, com informações sobre morfologia, distribuição geográfica e seu estado de conservação.

Comentários: Paepalanthus diamantinensis pode ser facilmente distinguida das demais espécies de Eriocaulaceae que ocorrem na área pela presença de escapos livres partindo diretamente da axila das folhas, e brácteas involucrais nitidamente pretas e pilosas, conferindo uma cor acinzentada ao invólucro, e mais curtas que a altura das flores no capítulo (Figura 2C). São plantas perenes, com 14-22 cm de altura, com caule curto e com folhas em rosetas basais; as folhas são lanceoladas, persistentes, 3,0-8,0 x 0,3-1,0 cm, com ápice mucronulado, faces adaxial e abaxial pubescentes a glabras e margens esparsamente ciliadas. Os escapos são verdes a castanhos, medindo entre 9 a 19 cm de comprimento e em número de 3 a 10 por roseta, glabros, pubescentes apenas no ápice. Os capítulos são alvos, medindo entre 0,8-1,5 mm de diâmetro. As sementes são dispersas nos meses de novembro e dezembro, ou seja, na estação chuvosa.

Distribuição: É endêmica da Chapada do Couto e Serra do Gavião (Figura 1), ocorrendo apenas acima dos 1400 metros de elevação. Assim como Actinocephalus coutoensis e A. delicatus, é uma espécie rara, provavelmente também com especificidade por habitats úmidos e elevados. Ocorrem em solos arenosos quartzíticos, nos campos rupestres que circundam áreas úmidas, e também nos campos úmidos em solos arenosos encharcados nas turfeiras ou ao lado de pequenos cursos d' água (Figura 3B).

Estado de conservação: A espécie apresenta somente quatro registros recentes de ocorrência muito próximos, apenas no entorno do Parque Estadual do Rio Preto. Apresenta distribuição geográfica muito restrita, com extensão de ocorrência (EOO= 1 km²), área de ocupação (AOO= 8 km²) e apenas uma localização condicionada por ameaça, o que significa que apenas um único evento de ameaça pode levar a extinção da população global da espécie, atendendo os requisitos dos limiares da categoria Criticamente em Perigo (CR) segundo os critérios B1a + B2a. O declínio continuado da qualidade do habitat é inferido devido à sua ocorrência fora de área protegida, em paisagem fragmentada (Rstudio, leaflet package), onde a principal ameaça é o aumento da intensidade de incêndios de origem antrópica. As áreas no entorno do PE do Rio Preto e as turfeiras localizadas fora das unidades de conservação no Espinhaço Meridional têm sido constantemente atingidas por queimadas relacionadas a formação de pastagem para gado extensivo bovino e equino (Governo do Estado de Minas Gerais, 2020; Mendonça Filho et al., 2022). Apesar de ocorrer em área de difícil acesso, ameaças como a aumento na frequência e intensidade de incêndios de origem humana, podem levar o táxon rapidamente a uma categoria de maior risco ou a sua extinção a curto prazo.

Devido a sua distribuição restrita, apenas uma localização condicionada por ameaças e declínio continuado da qualidade de habitat, a espécie é aqui avaliada como Criticamente em Perigo (CR), acessando-se os critérios B1ab(iii)+B2ab(iii).

Material examinado: BRASIL. Minas Gerais; Diamantina; Serra do Gavião, 20 Nov. 1937, H. L. de Mello Barreto 9920 (NY!, BHCB!, F!). Felício dos Santos; Chapada do Couto, 26. Nov. 2021, F. N. Costa & C. V. Mendonça 2205 (DIAM!). Chapada do Couto, 28 Out. 2021, F. N. Costa et al. 2171 (DIAM!). Chapada do Couto, 15 Dez. 2021, F. N. Costa & L. Sauthier 2210 (DIAM!). Chapada do Couto, 31 Ago. 2022, F. N. Costa et al. 2271 (DIAM!).

3.4 Paepalanthus montanus Silveira, Floral. Mont.: 76, fig. XLIV. 1928.

Paepalanthus montanus Silveira foi descrita por Silveira (1928) baseado em exemplares coletados por ele em 1918, na Chapada do Couto e nas proximidades do Pico do Itambé (“vicinia montis Itambé”). A etiqueta desses materiais apresenta as duas localidades, não sendo possível saber o local exato da coleta.

Durante quase 100 anos essa espécie permaneceu sem novos registros de coleta, apenas em 2011 é que foi novamente encontrada na natureza, nas proximidades da Chapada do Couto. Costa et al. (2018) citaram a redescoberta da espécie, mas por se tratar de um checklist com mais de uma centena de espécies, não apresentaram dados mais completos de Paepalanthus montanus. Com os estudos do PELD-TURF na área da Chapada foram encontradas mais duas populações dessa espécie e, portanto, são apresentadas aqui informações mais detalhadas, incluindo o estado de conservação dessa espécie rara e micro-endêmica.

Comentários: Paepalanthus montanus pode ser facilmente distinguida das demais espécies de Paepalanthus que ocorrem na área principalmente pela forma e pilosidade das folhas, que são eretas a deflexas, lanceoladas a lineares, com 0,5 a 5 cm de comprimento, com face adaxial vilosas a glabrescentes, e face abaxial com tricomas localizados apenas entre as nervuras da folha. São plantas delicadas, de porte reduzido, perenes, rizomatosas, com folhas rosuladas formando pequenas rosetas basais (Figura 2D). Diferentemente de Actinocephalus, as espécies de Paepalanthus não apresentam ramos laterais férteis, e em P. montanus os escapos (1-4 por roseta) originam-se nas axilas das folhas, são eretos, vilosos a glabrescentes, com 5 a 12 cm de comprimento. Os capítulos são esféricos, medindo entre 0,8 a 1,5 cm de diâmetro, alvos, com brácteas involucrais castanho escuras, com face abaxial velutinas a pubescentes.

Distribuição: Até o momento foi encontrada apenas na Chapada do Couto, sendo uma espécie micro-endêmica e rara, com populações pequenas formadas por poucos indivíduos. Ocorrem em solos arenosos quartzíticos ou pedregosos em áreas de campos rupestres que circundam áreas úmidas, como as turfeiras e cursos de água (Figura 3B).

Estado de conservação: Paepalanthus montanus apresenta apenas três registros de ocorrência, sendo apenas um deles presente dentro da área do Parque Estadual do Rio Preto e dois outros registros localizados no entorno e fora desta unidade de conservação. Apresenta distribuição geográfica restrita, com extensão de ocorrência (EOO= 8 km²), área de ocupação (AOO=12 km²) e localizações condicionadas por ameaças (locations= 2 a 3) caindo dentro dos limiares da categoria Em Perigo (EN) conforme os critérios B1a + B2a. O declínio continuado da qualidade do habitat é inferido devido dos dois pontos externos a área protegida e em paisagem fragmentada (Rstudio, leaflet package) sujeitos a ameaças regionais, internas ou no entorno da área protegida, que incluem incêndios de origem humana, especialmente relacionados à formação de pastagem para alimentação de gados bovinos e equinos (Mendonça Filho et al., 2022); silvicultura e outros monocultivos em alguns trechos do entorno da UC e perfuração de poços artesianos no entorno do parque e captação de água superficial a jusante (Governo do Estado de Minas Gerais, 2020). Assim como A. coutoensis, devido a sua distribuição muito restrita, menos de cinco localizações condicionadas por ameaças e declínio da qualidade de habitat devido à perda e degradação de seus habitats, a espécie é aqui avaliada como Em Perigo (EN), acessando-se os critérios B1ab(iii)+B2ab(iii).

Material examinado: BRAZIL, Minas Gerais: Chapada do Couto, Silveira 700 (R!); Diamantina, Caminho para Chapada do Couto, 14 Dez. 2011, F. N. Costa 1465 (DIAM!, SPF!); Felício dos Santos, Chapada do Couto, 15. Dez. 2021, F. N. Costa & L. Sauthier 2211 (DIAM!).

3.5 Espécies novas de Paepalanthus

As duas espécies de Paepalanthus ainda inéditas para a ciência foram descobertas no alto da Chapada do Couto e pertencem a Paepalanthus subg. Platycaulon, que tem como uma das características marcantes a presença de escapos e capítulos unidos entre si. A descrição morfológica destas duas espécies, assim como comentários sobre como diferenciá-las das espécies mais similares, será apresentada em detalhes na publicação sobre essas espécies novas, cujo manuscrito encontra-se em fase final de redação (Sauthier e Costa, in prep.).

No entanto, mesmo sem nomes científicos publicados, essas duas espécies foram incluídas no presente trabalho devido principalmente à raridade de ambas, por serem restritas às áreas de ocorrência de turfeiras e também pelo estado de conservação delas, pois mesmo sendo desconhecidas pela ciência, já se encontram ameaçadas de extinção.

Paepalanthus sp. nov. 1 é conhecida apenas da Chapada do Couto e da Serra do Intendente (Figura 1). Provavelmente é restrita aos topos de serras do Espinhaço Meridional, ocorrendo em altitudes superiores a 1300 metros e em organossolos bem úmidos a encharcados, em áreas de turfeiras ou de campos úmidos (Figura 3B).

A espécie apresenta dez registros de ocorrência, sendo dois deles em localidades próximas dentro da área do Parque Estadual do Rio Preto, cinco no entorno dessa UC, e três outros registros na Serra do Intendente, incluindo um registro dentro do Parque Estadual Serra do Intendente e dois registros no seu entorno. Apresenta distribuição geográfica restrita, com extensão de ocorrência (EOO= 518 km²), área de ocupação (AOO= 28 km²) e localizações condicionadas por ameaças (locations = 3 a 4) caindo dentro dos limiares da categoria Em Perigo segundo os critérios B1a + B2a. O declínio continuado da qualidade do habitat é inferido devido à ocorrência da espécie em paisagem fragmentada (Rstudio, leaflet package), sendo as principais ameaças: os incêndios de origem humana, especialmente na região de turfeiras fora das áreas protegidas para estímulo da brotação campestre e alimentação de gados bovinos e equinos de forma extensiva (Mendonça Filho et al., 2022), silvicultura e outros monocultivos em trechos do entorno de ambas as UC; perfuração de poços artesianos no entorno do parque e captação de água superficial a jusante (Governo do Estado de Minas Gerais, 2020), e expansão de atividades turísticas na região. Devido a sua distribuição restrita, menos de cinco localizações condicionadas por ameaças e declínio da qualidade de habitat, a espécie é aqui avaliada como Em Perigo (EN), acessando-se os critérios B1ab(iii)+B2ab(iii). São recomendadas ações de pesquisa sobre tamanho e tendência populacional, assim como o registro de ameaças incidentes locais e potenciais para estabelecer ações consistentes de conservação dessa espécie nova e de seu importante habitat das turfeiras.

Material examinado: BRASIL. Minas Gerais; Felício dos Santos; Chapada do Couto, 15 Dez. 2021, L. J. Sauthier et al. 188 (SPF!); 15 Dez. 2021, L. J. Sauthier et al. 191 (SPF!); 15 Dez. 2021, L. J. Sauthier et al. 196 (SPF!); 16. Dez. 2021, L. J. Sauthier et al. 207 (SPF!); São Gonçalo do Rio Preto, Parque Estadual do Rio Preto, Chapada do Couto, 16 Dez. 2021, F. N. Costa et al. 2224 (DIAM!); 26 Nov. 2021, F. N. Costa & C.V. Mendonça 2196 (DIAM!).

Paepalanthus sp. nov. 2 é endêmica da Chapada do Couto, no município de Felício dos Santos. Até o momento não foi encontrada no interior do Parque Estadual do Rio Preto, apenas nas proximidades desta unidade de conservação (Figura 1). Ocorre em altitudes superiores a 1400 metros e em organossolos bem úmidos a encharcados (Figura 3D), na borda ou dentro de turfeiras ou nos campos úmidos.

Assim como P. diamantinensis, essa espécie nova apresenta apenas quatro registros de ocorrência muito próximos, apenas no entorno do Parque Estadual do Rio Preto. Apresenta distribuição geográfica muito restrita, com extensão de ocorrência (EOO= 1 km²), área de ocupação (AOO= 8 km²) e apenas uma localização condicionada por ameaça, o que significa que apenas um único evento de ameaça pode levar a extinção da população global da espécie, atendendo os requisitos dos limiares da categoria Criticamente em Perigo (CR) segundo os critérios B1a + B2a. O declínio continuado da qualidade do habitat é inferido devido à ocorrência fora de área protegida e em paisagem fragmentada (Rstudio, leaflet package). As áreas no entorno do Parque Estadual do Rio Preto e as turfeiras localizadas fora das unidades de conservação no Espinhaço Meridional têm sido constantemente atingidas por queimadas relacionadas a formação de pastagem para gado extensivo bovino e equino (Governo do Estado de Minas Gerais, 2020; Mendonça Filho et al., 2022). O aumento na frequência e intensidade de incêndios de origem humana, podem levar o táxon rapidamente a uma categoria de maior risco e a sua extinção a curto prazo. Devido a sua distribuição restrita, apenas uma localização condicionada por ameaças e declínio continuado da qualidade de habitat devido ao aumento da frequência ou intensidade de incêndios, a espécie é aqui avaliada como Criticamente em Perigo (CR), acessando-se os critérios B1ab(iii)+B2ab(iii).

Material examinado: BRASIL. Minas Gerais; Felício dos Santos; Chapada do Couto, 16 Dez. 2021, L. J. Sauthier et al. 202 (SPF!); 16 Dez. 2021, L. J. Sauthier et al. 204 (SPF!); 26 Nov. 2021, F. N. Costa & C.V. Mendonça 2204 (DIAM!); 01 Set. 2022, F. N. Costa et al. 2278 (DIAM!).

4. Considerações Finais

Os ecossistemas montanhosos são extremamente importantes para a saúde e o bem-estar de nosso planeta. Eles são o lar de uma vasta biodiversidade, com muitas espécies não encontradas em nenhum outro lugar. No entanto, os ecossistemas montanhosos também são frágeis e sensíveis a distúrbios humanos, especialmente às mudanças climáticas. Atividades humanas como a mineração, o aumento da frequência e intensidade de incêndios antrópicos, incluindo aqueles relacionados a pecuária extensiva de bovino e equinos, podem ter impactos devastadores sobre esses ecossistemas, sendo ameaças constantes na região da Chapada do Couto e em todo o Planalto de Diamantina. A intensificação dos estudos em áreas mais remotas da Serra do Espinhaço, especificamente na Chapada do Couto, é crucial para os esforços de conservação.

Todas as espécies estudadas ocorrem em ambientes úmidos, ocorrendo em solos arenosos ou pedregosos ao redor dos campos úmidos ou das turfeiras, ou mesmo nos organossolos de áreas úmidas ou alagadas, como as duas espécies ainda inéditas para a ciência. A presença de neblina nesses topos de serra também pode ser um fator importante na manutenção da umidade dos solos e das próprias plantas, e provavelmente as populações ou indivíduos que ocorrem em solos mais secos são favorecidos pela presença de neblina, o que não ocorre em áreas mais baixas.

Em relação à conservação, as espécies avaliadas apresentam juntas uma distribuição restrita, e mesmo que considerássemos todos os registros de ocorrência de todas as espécies em uma única avaliação de risco, os valores dos parâmetros extensão de ocorrência (EOO = 3487 EN), área de ocupação (AOO = 44 EN), número de localizações condicionadas por ameaças (<5) e declínio continuado da qualidade de habitat causadas por degradação e perda de seus habitats em escala regional, atingiriam os limiares para o alcance de uma categoria de ameaça.

Por fim, a partir do conhecimento de novas populações ou novas localidades de registros, é possível avaliar o estado de conservação dessas espécies, como foi apresentado aqui, e assim embasar argumentos para desenvolver estratégias de conservação eficazes. As informações das espécies avaliadas preliminarmente neste estudo poderão ser enviadas ao Serviço de Informação de Espécies da IUCN (SIS) e também, após a publicação do trabalho, será submetido à autoridade da Lista Vermelha da Flora do Brasil (CNCFlora/JBRJ) para revisão e possível inclusão nas avaliações oficiais do país.

Agradecimentos

Agradecemos à equipe do Parque Estadual do Rio Preto (PERP) pelo apoio em todas as etapas de trabalho na região, especialmente ao Antônio Augusto Tonhão de Almeida e ao Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF-MG) pela licença concedida. Ao Diego Tassinari pela elaboração do mapa. Ao Rafael Barbosa-Silva pela elaboração das pranchas de fotos. Aos revisores Evandro Luiz Mendonça Machado e Daniela Zappi pelas valiosas contribuições. Esta pesquisa foi apoiada pela Rede de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD-TURF) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq 441335/2020-9).

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