Imputação e análise da série de dados meteorológicos da região da Chapada do Couto, Serra do Espinhaço, Minas Gerais, Brasil
Imputation and analysis of the series of meteorological data from the Chapada do Couto region, Southern Espinhaço Mountain Range, Minas Gerais, Brazil
Revista Espinhaço
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil
ISSN-e: 2317-0611
Periodicidade: Semestral
vol. 12, núm. 1, 2023
Recepção: 03 Abril 2023
Aprovação: 21 Abril 2023
Resumo: O registro de séries históricas de dados meteorológicos vem sendo realizado na região da Chapada do Couto desde 2016, buscando caracterizar a dinâmica dos parâmetros climáticos e sua relação com processos hidrológicos e ecológicos. No entanto, períodos de falha no registro dos dados das séries históricas representam um desafio em estudos de longo prazo. Dessa forma, o objetivo desse estudo foi verificar a relação entre parâmetros meteorológicos coletados a partir de diferentes fontes para efetivar a imputação de dados em intervalos sem registros na região da Chapada do Couto, abrangendo doze meses descontínuos entre os anos de 2020 e 2022. Foram utilizadas técnicas de interpolação a partir de duas bases de dados, INMET (observados) e ERA5 (reanálise). Os dados do INMET foram obtidos da estação meteorológica automática instalada em Diamantina-MG (DTA). Os dados obtidos do ERA5 foram interpolados espacialmente pelo Inverso da Distância a partir de quatro pontos ao redor da estação meteorológica instalada na Chapada do Couto. Os dados foram submetidos à análise de regressão linear simples e os valores de coeficiente de determinação (R2) e erro padrão residual (EPR) foram avaliados. As temperaturas do ar diárias média e máxima, a umidade relativa do ar, a temperatura do ponto de orvalho e a precipitação apresentaram fortes correlações com as duas bases de dados, com melhor predição pela estação DTA, enquanto a temperatura mínima diária apresentou maior correlação com os dados do ERA5. A imputação de dados de precipitação apresentou desempenho inferior quando comparada aos demais parâmetros, para ambas as bases de dados. O uso de dados da DTA mostrou-se mais adequado para a imputação de dados meteorológicos na Chapada do Couto, mas o ERA5 também se mostrou viável para completar as séries históricas de dados meteorológicos da região, sendo indicado para situações onde não existem registros disponíveis. A partir da série imputada, durante o período de monitoramento obteve-se temperatura média mensal de 16,5 °C, variando de 13,3 °C no mês mais frio (julho) a 18,6 °C no mês mais quente (janeiro). A precipitação total anual foi em média de 1410 mm, com 84% do volume concentrado entre outubro e março.
Palavras-chave: Parque Estadual do Rio Preto, parâmetros meteorológicos, climatologia.
Abstract: The historical series of meteorological data has been recorded in the Chapada do Couto region since 2016, seeking to characterize the dynamics of the relation between climatic parameters and hydrological and ecological processes. However, periods of failure in the record of historical series data represent a challenge in long-term studies. Thus, the objective of this study was to evaluate the relation between climatic parameters collected from different sources to allow the imputation of missing values in the data series from the Chapada do Couto, including twelve discontinuous months between 2020 and 2022. Interpolation techniques were used based on two databases, INMET (observed) and ERA5 (reanalysis). The INMET data was obtained from the automatic meteorological station installed in Diamantina-MG (DTA). The ERA5 data were spatially interpolated by the Inverce Distance from four points distributed around the meteorological station intalled in the Chapada do Couto. The data were used in linear regression analysis and the values of the coefficient of determination (R²) and residual standard error (EPR) were evaluated. The daily average and maximum air temperatures, relative air humidity, dew point temperature and precipitation showed strong correlations to both databases, with better predictions from the DTA station, while minimum daily temperature showed higher correlation to the ERA5 data. Precipitation data imputation performed worse when compared to other parameters for both databases. The use of DTA data was more appropriate to support meteorological data imputation in the Chapada do Couto region, although ERA5 also performed as a viable predictor for completing historical series of meteorological data in the region for situations where reliable data records are not available. From the imputed series for the monitoring period, a monthly average temperature of 16.5 °C was calculated during the monitoring period, ranging from 13.3 °C in the coldest month (July) to 18.6 °C in the hottest month (January). The total annual precipitation was on average 1410 mm, with 84% of the volume concentrated between October and March.
Keywords: Parque Estadual do Rio Preto, meteorological parameters, climatology.
1. Introdução
A percepção de que os ecossistemas terrestres são condicionados à variabilidade climática do planeta é muito antiga, contudo, existe uma reciprocidade nessa relação, levando os ecossistemas a exercerem influência no clima a partir de processos químicos, físicos e biológicos (Bonan, 2015). Estimar a contribuição dos ambientes naturais para o balanço de carbono global é uma das principais preocupações dos estudos contemporâneos sobre mudanças climáticas (IPCC, 2021). O monitoramento frequente desses ambientes, especialmente os estocadores de carbono, permite uma melhor compreensão do ciclo sazonal desses locais (Folken, 2021), fornecendo informações para políticas de proteção e estratégias de mitigação (Leifeld e Menichetti, 2018). Uma vez que a interação entre os organismos e o ambiente é uma das questões centrais da ecologia, o monitoramento de parâmetros climatológicos é essencial nos estudos ecológicos (Silveira et al., 2019).
A Serra do Espinhaço é um cinturão orogênico que se estende longitudinalmente por cerca de 1.000 km desde Minas Gerais até a Bahia, e em sua porção sul (Serra do Espinhaço Meridional), as depressões na rocha quartzítica do Supergrupo Espinhaço (Abreu, 1995) são preenchidas por materiais biogênicos, formando turfeiras (Saadi, 1995), com idades pleistocênicas e holocênicas (Horák-Terra et al., 2014; 2015; 2020; Silva et al., 2020).
Próximo ao limite sul do Parque Estadual do Rio Preto (PERP), na região da Chapada do Couto, está instalada a Estação Meteorológica do PERP (EMPERP), a 1.573 m de altitude, em operação desde 12/07/2016. Dentre os parâmetros meteorológicos monitorados estão: temperatura do ar, temperatura do ponto de orvalho, umidade relativa do ar, precipitação e velocidade do vento. Esses dados são utilizados em diversas pesquisas desenvolvidas no local, nas áreas de botânica, zoologia, estudos do solo e hidrologia.
No entanto, durante cerca de doze meses descontínuos, entre 2020 e 2022, problemas operacionais e eletrônicos inviabilizaram o registro desses parâmetros. Assim, o objetivo desse estudo é efetivar a imputação dos dados relativos aos intervalos sem registro de dados meteorológicos observados na região da Chapada do Couto, entre 2016 e 2022.
2. Material e Métodos
2.1 Área de Estudo
Este estudo foi realizado na Chapada do Couto, uma superfície de aplainamento na Serra do Espinhaço Meridional (SdEM) com cerca de 12.000 ha, localizada a leste de Diamantina, compreendendo porções dos municípios de Couto de Magalhães de Minas, São Gonçalo do Rio Preto e Felício dos Santos em Minas Gerais (Figura 1), próximo ao limite sul do Parque Estadual do Rio Preto (PERP). O mosaico de vegetação que recobre a região, nas áreas de depressão das superfícies aplainadas, é composto por Campo Úmido, e com núcleos de Floresta Estacional Semidecídual, localmente conhecidos como Capões de mata (Bispo et al., 2015; Gonçalves et al., 2020).
O clima da região é classificado como subtropical de montanha - Cwb (Alvares et al., 2013; Köppen e Geiger, 1936). A média anual de temperatura da região é de 19°C (Silva et al., 2005). Nos dias mais quentes do verão a temperatura do ar pode chegar a 30°C, e nos dias mais frios do inverno a temperatura média diária tende a permanecer abaixo de 15°C.
A precipitação anual total média é de 1.350 mm (Silva et al., 2005) e a sazonalidade da precipitação na região do PERP é diretamente influenciada pela atuação da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) e da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) (Alvares et al., 2013; Santos e Garcia, 2016; Horák-Terra et al., 2015; 2020). Entre meados de outubro e meados de março (cerca de 150 dias) no período das monções positivas da ZCAS, ou seja, na estação úmida (Santos e Garcia, 2016; Reis et al., 2005), são observadas, historicamente, a maior parte da precipitação anual (± 225 mm por mês) na região do PERP. Enquanto na estação seca, entre meados de março e meados de outubro, observa-se os menores índices de precipitação (± 50 mm por mês).
2.2 Parâmetros Meteorológicos
Em 2016, próximo ao limite sul do PERP (latitude 18,23° S, longitude 43,32° O, altitude 1.573 m), foi iniciado um programa de monitoramento de longo prazo, onde o balanço hidrológico de duas turfeiras com diferentes cenários de degradação tem sido monitorado. Para tanto, foi instalada no local (Figura 1) uma estação meteorológica automática (modelo HOBO U30 Weather Station), programada para coleta horária dos parâmetros meteorológicos. A estação é equipada com sensores de temperatura (amplitude de medição de -40 a 75 ºC, resolução de 0,02 °C e acurácia de 0,2 °C), umidade relativa do ar (amplitude de medição de 0 a 100%, resolução de 0,01% e acurácia de 2,5% na faixa de medição de 10 a 90%), precipitação (pluviógrafo de cuba basculante, com capacidade de medição de precipitação com intensidade de até 127 mm h-1, resolução de 0,2 mm e acurácia de 1%), além de velocidade do vento e intensidade de radiação.
Assim, dentre os parâmetros meteorológicos registrados na EMPERP e disponíveis nas bases de dados da Estação Meteorológica de Diamantina (DTA) e no ERA5, foram considerados no presente estudo: temperatura do ar, temperatura do ponto de orvalho, umidade relativa do ar e precipitação. Para todos os parâmetros foram consideradas as médias, totais ou máximos/mínimos diários.
2.2.1 Temperatura do Ar
Além de ser um dos parâmetros meteorológicos mais simples de ser registrado, a temperatura do ar tem grande efeito sobre a atividade e características das comunidades bióticas (Bonan, 2015), além de ser importante para o cálculo de diversas relações ambientais, tais como: taxa de fotossíntese, taxa de evaporação e atividade microbiana nos horizontes superficiais do solo (Pereira et al., 2002).
Nesse estudo foram considerados três parâmetros de temperatura diária. A temperatura média (Tm) foi obtida pela média de todos os valores horários de temperatura para cada dia. A temperatura máxima (Tx) é descrita como o maior valor de temperatura do ar registrado no intervalo de 24h. De modo semelhante, a temperatura mínima (Tn) representa a menor temperatura do dia.
2.2.2 Umidade Relativa do Ar (Ur)
A umidade relativa do ar (Ur) é a porcentagem aproximada da parcela de ar ocupada por moléculas de vapor d’água. O cálculo é feito a partir da umidade absoluta registrada na atmosfera. A Ur apresenta uma relação direta com a sensação térmica, sendo influenciada pela temperatura do ar, que regula o volume de vapor d’água possível na parcela de ar.
Valores máximos de Ur são observados em atmosferas saturadas, que mesmo em ambientes com baixas temperaturas do ar, são acompanhados de neblina ou nuvens baixas, comuns nas manhãs na Chapada do Couto. A Ur diária foi calculada considerando-se a média dos valores medidos ao longo do dia.
2.2.3 Temperatura do Ponto de Orvalho (To)
A temperatura do ponto de orvalho identifica o ponto onde as moléculas de água trocam de estado físico, de vapor para líquido, observável como orvalho. Quando há redução da incidência solar, a To tende a reduzir, favorecendo a formação de gotículas. Nas camadas mais altas da atmosfera, essa condensação promove a formação de nuvens e a precipitação, geralmente em forma de chuva (Pereira et al., 2002). A To foi calculada considerando-se a média dos valores obtidos ao longo do dia.
2.2.4 Precipitação (P)
A precipitação pluvial (P) é a forma mais comum de retorno da água, da atmosfera para o solo nas regiões tropicais e subtropicais. O volume de água e a ocorrência de precipitações ao longo do ano definem o clima regional (Pereira et al., 2002). Consequentemente, a vegetação natural de uma região se define principalmente pela combinação da precipitação com a temperatura do ar. Para a P, foram considerados os totais somados ao longo de cada dia para obtenção dos valores diários.
2.3 Imputação das lacunas de dados
Devido à vida útil da bateria chumbo-ácido empregada na estação meteorológica (3 a 5 anos, de acordo com o fabricante) e problemas na porta USB, ocorreu interrupção na coleta de dados meteorológicos pela estação meteorológica do PERP (EMPERP) de 12/09/2020 a 25/05/2021 e de 26/11/2021 a 03/03/2022. Assim, para a imputação desses dados, foram utilizados dados da estação meteorológica de Diamantina e de análises retroativas (ERA5).
A Estação Meteorológica Automática de Diamantina (DTA), localizada no Aeroporto Juscelino Kubitschek (latitude 18,23° S, longitude 43,65° O, altitude 1.359 m) (Figura 1), é a mais próxima do PERP (33 km). Em operação desde 04/06/2007, a DTA faz parte da rede WMO (A537) (INMET, 2023) e foi escolhida como referência para a imputação dos dados faltantes da série histórica do PERP. Além da proximidade, a região da DTA apresenta mais similaridades com a Chapada do Couto do que outras estações da região, como Itamarandiba (latitude 17,86° S, longitude 42,85° O, altitude 919 m), Carbonita (latitude 17,53° S, 43,01° O, altitude 765 m) ou Guanhães (latitude 18,79° S, longitude 42,94° O, altitude 802 m). Essas estações encontram-se em altitudes mais baixas, com regimes de precipitação distintos e em regiões com climas mais quentes. Com base na série de dados registrados pela estação A537, de Diamantina-MG, disponibilizada pelo BDMEP – INMET (INMET, 2023), foram estabelecidas relações entre os mesmos parâmetros registrados na EMPERP.
O ERA5, segundo Hersbach et al., (2018), é um conjunto de produtos de análise retroativa, desenvolvidos pelo Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Prazo (ECMWF). A base de dados desses produtos consiste em observações registradas em estações meteorológicas fixas, navios, boias oceânicas, balões meteorológicos e imagens de satélite. Combinados, esses dados são interpolados para uma grade regular que cobre todo o globo. Dentre as opções consideradas, o pacote de dados agrometeorológicos (Boogaard et al., 2020), derivados de reanálises, com cobertura temporal de 1979 ao presente e resolução espacial de 0,1° x 0,1°, apresentou melhor adequação aos dados registrados na EMPERP. Dentre os parâmetros considerados nesse estudo estão: temperatura do ar média, máxima e mínima diárias (2m temperature), temperatura do ponto de orvalho (2m dewpoint temperature), umidade relativa do ar (2m relative humidity) e precipitação (precipitation flux).
Visto que a grade espacial do ERA5 apresenta dados meteorológicos para coordenadas regulares, a cada 0,1° para latitude e longitude, o procedimento de obtenção das séries de dados do ERA5 relativos à localização da EMPERP envolveu interpolação espacial. Foram considerados quatro pontos ao redor da EMPERP (Figura 1), com coordenadas A (18,19° S 43,40° O), B (18,19° S 43,30° O), C (18,29° S 43,40° O) e D (18,29° S 43,30° O), nos quais foram obtidos os dados de reanálise do ERA5. Posteriormente, foi utilizada interpolação pelo inverso da distância (Pinto, 2017) para determinação dos valores referentes à localização da EMPERP.
2.3.1. Análises estatísticas
Inicialmente a relação entre as séries de dados foram estabelecidas por modelos de regressão linear do tipo y = ax + b para temperaturas e umidade relativa e do tipo y = ax para precipitação. Nesse caso, foi empregado modelo sem intercepto para evitar que dias sem precipitação observada nas bases DTA e ERA5 fossem imputados com valores fixos de precipitação na EMPERP.
Os modelos de regressão foram obtidos tendo as bases DTA e ERA5 como variáveis observadas (preditoras) e a EMPERP como variável dependente. Essas relações foram estabelecidas a partir dos dados observados, sendo depois empregadas para estimar os parâmetros meteorológicos nas lacunas de dados da EMPERP a partir dos dados das séries DTA e ERA5. A qualidade dos modelos foi verificada a partir do coeficiente de determinação (R²) e do erro padrão residual (EPR). A partir das séries de dados imputada para a EMPERP, foram calculadas as médias mensais. Todas as análises estatísticas foram realizadas no programa R (versão 4.2.3).
3. Resultados e Discussão
3.1 Imputação de dados faltantes
Os modelos de predição desenvolvidos e a qualidade dos ajustes obtidos encontram-se na Tabela 1, enquanto a relação entre valores observados e preditos pode ser visualizada na Figura 2.
Para a temperatura média diária (Tm), ambas as séries de dados apresentaram bom ajuste, com valores de coeficiente de determinação (R²) de 0,922 para DTA e 0,921 para ERA5 e erro padrão residual (EPR) de 0,727 °C e 0,729 °C respectivamente (Tabela 1), além de pequena dispersão dos valores preditos em relação à linha 1:1 (Figura 2A). Considerando os valores dos coeficientes dos modelos ajustados (Tabela 1), verifica-se que, em relação à base ERA5, a Tm no PERP é, em média, 2,25 °C inferior (valor do intercepto da equação de regressão), com variação muito semelhante (coeficiente angular próximo de 1,0). Já em relação à estação DTA, a Tm na EMPERP é, em média, além de 1,15 °C mais baixa (valor do intercepto), também 95% (coeficiente angular de 0,949) daquela registrada pela DTA.
Comportamento semelhante foi observado para a temperatura máxima diária (Tx), porém com ajuste ligeiramente inferior em relação à Tm, com menores valores de R² e maiores valores de EPR (Tabela 1), o que pode ser verificado também pela maior dispersão dos dados em relação à linha 1:1 (Figura 2B). Os valores de Tx observados na EMPERP são, em média, 2,3 °C inferiores àqueles registrados na estação DTA e 3,4 °C inferiores aos dados do ERA5. Já para a temperatura mínima diária (Tn), o conjunto de dados do ERA5 apresentou melhor correlação que os dados de DTA, com maior R² (0,839 e 0,774 respectivamente) e menor EPR (1,144 °C e 1,358 °C respectivamente), sendo que as predições foram piores principalmente para os menores valores de Tn, como pode ser percebido pela maior dispersão dos pontos, principalmente acima da linha 1:1, para valores abaixo de 10 °C (Figura 2C). A temperatura do ponto de orvalho (To) foi o parâmetro que apresentou melhores estimativas em relação aos demais, com maiores valores de R² (0,955 para DTA e 0,929 para ERA5) (Figura 2D).
A predição da umidade relativa do ar diária (Ur) evidenciou grandes diferenças entre as duas bases de dados. A predição a partir da estação DTA resultou em maior R² (0,878) e menor EPR (3,45%) do que a predição pela base ERA5 (R² de 0,765 e EPR de 4,79%). A dispersão dos pontos (Figura 2E) indicou que a predição pelo ERA5 tendeu a subestimar a Ur para valores mais altos e superestimar para valores mais baixos, possivelmente indicando que o emprego de um modelo não-linear ou linear com polinômio de 2º grau poderia melhorar a predição. A tendência de superestimar a predição para menores valores de Ur também foi observada para a estação DTA, principalmente para Ur abaixo de 70%.
A precipitação foi a variável meteorológica com as piores predições (Tabela 1) e grande dispersão dos valores preditos em relação aos observados (Figura 2F). O modelo de regressão a partir da base ERA5 estimou a precipitação na EMPERP como 7% superior ao registrado na base de dados (valor do coeficiente angular do modelo), porém com baixo R² (0,378) e EPR de 9 mm. O modelo de predição a partir dos dados da estação DTA estimou a precipitação na EMPERP como 82% daquela observada em DTA, com R² de 0,512 e EPR de 8 mm.
De modo geral, a estação DTA melhor descreveu os parâmetros meteorológicos considerados nesse estudo. Embora mais distante (33 km), do que o ponto mais distante do ERA5 (15,3 km), ao redor da EMPERP, a estação DTA resultou em modelos mais precisos e adequados para a preenchimento dos dados faltantes nas séries da EMPERP. O cálculo da reanálise empregado na geração dos dados da base ERA5 considera todas as estações disponíveis, havendo assim, provavelmente, uma influência das observações registradas em Itamarandiba, Carbonita e/ou Guanhães, estações localizadas em altitudes abaixo de 1000 m. Entretanto, a Tn foi mais bem descrita pelos dados do ERA5. Uma hipótese que se apresenta é a de que essa base de dados consegue melhor estimar o ambiente da madrugada, onde pouco antes do nascer do Sol, geralmente observa-se uma atmosfera estável, saturada por vapor d’água e com menos vento.
Considerando-se as equações dos modelos lineares (Tabela 1), foram calculadas os valores para preenchimento das lacunas para os parâmetros analisados nesse estudo, apresentados na Figura 3 na forma de séries contínuas de dados diários. A imputação permitiu preencher as lacunas nas séries de dados, possibilitando sua análise como séries contínuas.
A maior temperatura média diária observada no período de monitoramento pela EMPERP foi de 22,9 °C, em 22/10/2017 (Figura 3A). Considerando a série contínua, incluindo os valores imputados, a maior temperatura média diária foi de 23,6 °C (valor imputado, tendo sido observada temperatura média diária de 26,3 °C na estação DTA), em 07/10/2020, enquanto a menor temperatura média diária foi de 8,3 °C, em 19/05/2022 (Figura 3A).
A maior temperatura máxima diária foi de 29,9 °C, em 10/11/2019 (Figura 3B), enquanto a menor temperatura mínima diária foi de 2,8 °C, em 16/06/2022. A umidade relativa média diária mais baixa observada foi de 36,6%, em 12/08/2018. A maior precipitação diária observada foi de 216,4 mm, em 24/01/2020, visualizada no maior pico da Figura 3F. Nessa ocasião, em menos de uma semana a precipitação chegou a 603 mm, sendo observadas, de 22/01/2020 a 26/01/2020, precipitações diárias de 57,8, 132,4, 216,4, 146,8 e 50,0 mm respectivamente. Nesse período, a precipitação em Diamantina (estação DTA) chegou a 403 mm.
3.2. Valores médios mensais e anuais
A partir da série completa de valores diários, foram calculadas as médias e totais mensais para os parâmetros meteorológicos considerados durante o período de monitoramento (Figura 4). As séries de dados mensais indicam que existe uma boa concordância entre os valores observados na estação DTA e aqueles estimados pelo ERA5, enquanto os dados observados no PERP em geral acompanham as mesmas tendências de variação, porém em posições distintas, inferiores (temperatura) ou superiores (umidade relativa do ar) em relação às ordenadas.
As menores temperaturas registradas na EMPERP são decorrentes da maior altitude, com um gradiente altimétrico de cerca de 200 m em relação à estação DTA, que corresponderia a uma diferença de 1 a 2 °C pelo gradiente adiabático do ar saturado e seco respectivamente (Bonan, 2015). A temperatura inferior e a menor capacidade de retenção de umidade do ar frio contribuem para os valores mais elevados de umidade relativa no PERP o que, juntamente com valores ligeiramente mais altos para a temperatura do ponto de orvalho, indicam grande potencial de condensação da água na superfície da vegetação campestre, que pode contribuir para suprimento de água na estação seca. Li et al. (2020) observaram taxas de formação de orvalho de 0,4 mm por noite em vegetação de gramíneas na Europa Central, enquanto Jacobs et al. (2006) estimaram em 4,5% a contribuição do orvalho em relação à precipitação anual. A capacidade das gramíneas de aproveitarem a água condensada na forma de orvalho depende de tratos morfológicos, como presença de pilosidade e altura da planta (Xie et al., 2021).
A partir das séries de dados com as lacunas preenchidas, foram determinadas as médias mensais e anuais para o PERP (Tabela 2). Para o período de monitoramento, a temperatura média mensal variou de 18,6 °C em janeiro a 13,3 °C em julho, com uma temperatura média anual de 16,5 °C. Dentre os fatores que influenciam a temperatura do ar, a altitude e a latitude são determinantes do clima de uma região e estão relacionados com a espessura da atmosfera e com a quantidade de radiação solar que chega ao local sazonalmente, enquanto a configuração e exposição do relevo afetam a incidência dos raios solares e de acordo com o tipo de cobertura do solo, resultando em diferentes taxas de absorção e refração da energia advinda do Sol, transferindo mais ou menos calor para atmosfera (Pereira et al., 2002). Enquanto os climas tropicais apresentam temperatura média mensal superior a 18 °C durante todo o ano, a variação da temperatura ao longo do ano registrada na EMPERP corresponde àquela observada em climas subtropicais com verões amenos (Alvares et al., 2013). Essas características são decorrentes do efeito das maiores altitudes da Serra do Espinhaço Meridional, como pode ser constatado pela comparação com estações próximas, mas em altitudes mais baixas. A temperatura média normal (1981-2010) mensal em Curvelo (130 km de distância da EMPERP, altitude 672 m), por exemplo, varia de 19,7 a 24,9 °C, com média anual normal de 23 °C (INMET, 2022), característico de clima tropical (Alvares et al., 2013). O município de Curvelo está situado a sota-vento da Serra do Espinhaço Meridional em relação ao oceano Atlântico, sofrendo efeito do aquecimento das massas de ar que descem a vertente ocidental da cordilheira de acordo com o coeficiente adiabático do ar seco de 1 °C a cada 100 m de desnível (Bonan, 2015). Já o município de Itamarandiba (65 km de distância EMPERP, altitude de 914 m) apresenta temperatura mensal normal (1981-2010) de 16,8 °C a 22,3 °C (INMET, 2022), enquadrando-se como clima subtropical com verão quente (Alvares et al., 2013).
A maior temperatura máxima média mensal foi observada em janeiro, atingindo 23,9 °C, enquanto a menor temperatura mínima mensal foi observada em julho, de 9,3 °C durante o período de monitoramento. Considerando as temperaturas máximas e mínimas mensais, a amplitude térmica média mensal atinge o maior valor em setembro, com 10,9 °C, justamente o mês que marca a passagem do inverno frio e seco para o verão quente e chuvoso. A umidade relativa do ar manteve-se bastante elevada ao longo de todo o ano, atingindo valor médio mensal inferior a 80% apenas no mês de setembro, quando também foi registrada a menor precipitação total mensal (23,4 mm).
A precipitação total anual foi de 1.410 mm, sendo que a estação chuvosa (outubro a março) concentra 84% da lâmina precipitada anual (1.184 mm) e a estação seca (abril a setembro) concentra apenas 16% da precipitação anual (226 mm), ou seja, as precipitações mensais são, em média, 197,3 mm por mês na época chuvosa e 37,7 mm por mês na estação seca.
4. Conclusões
A utilização de técnicas estatísticas de imputação de valores a partir de outras séries com registros contínuos apresentou desempenho satisfatório para os parâmetros meteorológicos da região da Chapado do Couto, com um desempenho inferior para a precipitação em comparação aos demais. A imputação a partir de dados da Estação Meteorológica de Diamantina apresentou melhor desempenho em relação aos dados do ERA5 para todos os parâmetros avaliados, exceto para Temperatura Mínima. Contudo, a utilização de dados do ERA5 pode ser vantajosa para estudos em regiões com baixa densidade de estações meteorológicas, visto sua cobertura global.
A partir da aplicação das técnicas de imputação, constatou-se que, no período de monitoramento (julho de 2016 a dezembro de 2022), a temperatura média anual na Chapada do Couto foi de 16,5 °C e a precipitação média anual foi de 1.410 mm.
Agradecimentos
O presente estudo foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, foi apoiado pelo Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq 441335/2020-9 e 150002/2023-8); pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG APQ-03364-21 e APQ-01000-18) e pelo Programa de Ação Territorial (PAT Espinhaço Mineiro) financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) e implementado pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO), tendo o WWF-Brasil como agência executora. Agradecimentos à gerência e equipe do Parque Estadual do Rio Preto. Os autores agradecem ao CNPq pelas Bolsas de Produtividade em Pesquisa (Procs. 302120/2022-0 para IHT; 302969/2021-7 para ACS).
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