Recepção: 07 Março 2023
Aprovação: 03 Abril 2023
Resumo: Bacias hidrográficas são a unidade básica para estudos hidrológicos, por permitirem a compartimentalização espacial e temporal dos fluxos de água dentro do ciclo hidrológico. A resposta hidrológica das bacias hidrográficas varia em função de inúmeros fatores, como sua forma e tamanho, características da rede de drenagem e do relevo, dentre outros, o que demanda a caracterização fisiográfica das bacias quanto a estes parâmetros. O objetivo do presente trabalho foi caracterizar duas bacias hidrográficas experimentais que vêm sendo monitoradas no sítio de Pesquisa Ecológica de Longa Duração Turfeiras da Serra do Espinhaço Meridional (PELD TURF) implantado na Chapada do Couto, extremo leste da Serra do Espinhaço Meridional, Minas Gerais, Brasil. As duas bacias foram caracterizadas por parâmetros de tamanho e forma, relacionados à rede de drenagem e relacionados ao relevo. A vazão nas duas bacias foi medida por dois anos (2021 e 2022) na época seca (junho) e chuvosa (dezembro). A caracterização fisiográfica indicou que a bacia localizada no interior da unidade de conservação do Parque Estadual do Rio Preto (bacia RP) apresentou maior probabilidade de geração de escoamento superficial, com formato mais compacto, rede de drenagem menos extensa e maior declividade. Contudo, a bacia sujeita à antropização (bacia ARA), localizada fora da unidade de conservação, apresentou menores vazões na época seca e maiores vazões na época chuvosa que a bacia RP, possivelmente indicando que sua resposta hidrológica tem sido afetada pelas condições em sua área de recarga, sujeita a queimadas e pastejo por gado.
Palavras-chave: Hidrologia, turfeira, monitoramento hidrológico, morfometria.
Abstract: Watersheds are the basic unit for hydrological studies, as they allow the spatial and temporal compartmentalization of water fluxes within the hydrological cycle. The hydrological response of watersheds varies according to numerous factors, such as size and form, drainage network and relief characteristics, among others, what demands the physiographical characterization of watershed in relation to these parameters. The aim of the present study was to characterize two experimental watersheds that are being monitored in the Long-Term Ecological Research Site Peatlands from Southern Espinhaço Mountain Range (PELD TURF) installed in the Chapa do Couto plateau, at the easternmost Southern Espinhaço Mountain Range, Minas Gerais state, Brazil. Both watersheds were characterized according to parameters related to shape and size, parameters related to the drainage network and parameters related to relief. The water discharge from both watersheds was measured on two different years (2021 and 2022) during the dry season (June) and the rainy season (December). The physiographical characterization pointed that the watershed located within the conservation unit of the Rio Preto State Park (RP watershed) was more likely to generate surface runoff, given its more compact shape, less extensive drainage network and higher slope. Nevertheless, the watershed impacted by anthropization (ARA watershed) presented lower water discharge during the dry season and higher discharges during the rainy season than the RP watershed, possibly indicating that its hydrological response is being affected by the conditions of the recharge area, subject to fires and grazing by cattle.
Keywords: Hydrology, peatland, hydrologic monitoring, morphometry.
1. Introdução
Bacias hidrográficas são áreas definidas por divisores hidrográficos, dentro das quais o fluxo de água converge para um ponto comum de exutório, representando a unidade básica de manifestação do ciclo hidrológico (Ward et al., 2016). Bacias hidrográficas experimentais, por sua vez, são um instrumento extremamente importante para a hidrologia, por permitirem instrumentação e monitoramento de parâmetros hidrológicos em locais representativos de áreas maiores (Mello et al, 2020). Os sítios de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD) convergem para essa estratégia, ao definirem áreas para condução de pesquisas ecológicas e ecossistêmicas durante períodos maiores de tempo.
A Serra do Espinhaço Meridional (SdEM) é um importante divisor de águas no estado de Minas Gerais, sudeste do Brasil, separando as bacias hidrográficas dos rios São Francisco, para leste; Jequitinhonha, a nordeste; e Doce, a sudeste (Figura 1). Sua condição geomorfológica de terras altas favorece a ocorrência de chuvas orográficas (Neves et al., 2005) e suas superfícies de aplainamento e vales dissecados abrigam cabeceiras de inúmeros cursos d’água de importância regional e nacional, como os rios Jequitinhonha, Araçuaí, Paraúna e Preto (Fraga et al., 2005). Em uma região marcada pela forte sazonalidade climática (Neves et al., 2005), a ocorrência de turfeiras nas baixadas das superfícies de aplainamento contribui para a disponibilidade de água mesmo nos meses mais secos do ano (Bispo et al., 2016, Silva et al., 2022; Barral et al., 2023), já que esses solos orgânicos são constituídos, de modo geral, por 84% de água e 16% de matéria orgânica (Campos et al., 2012).
Devido à enorme importância dos serviços ecossistêmicos que provêm, como sequestro e armazenamento de carbono e disponibilidade de água (Campos et al., 2012; Silva et al., 2022), o monitoramento ambiental de longo prazo em áreas de turfeiras da SdEM é essencial para verificar os impactos da antropização e das mudanças climáticas nesses ecossistemas (Bispo et al., 2016; Barral et al., 2023). Além do monitoramento do fluxo hídrico, é essencial caracterizar as bacias hidrográficas quanto à sua fisiografia, de forma a subsidiar a comparação entre ambientes protegidos e antropizados. A caracterização fisiográfica de bacias hidrográficas envolve a determinação de parâmetros que influenciam os fluxos hídricos dentro do ciclo hidrológico, a partir de atributos relacionados à sua forma, tamanho e topografia (Mello et al, 2020).
Assim, o objetivo do presente trabalho foi realizar a caracterização fisiográfica de duas bacias hidrográficas monitoradas no sítio PELD-TURF instalado na Chapada do Couto, no extremo leste da SdEM, como subsídio ao monitoramento hidrológico que tem sido desenvolvido no âmbito do projeto, além de determinar a vazão dos cursos d’água que drenam essas duas bacias nas épocas seca (junho) e chuvosa (dezembro) dos anos de 2021 e 2022.
2. Material e métodos
2.1. Área de estudo
A Chapada do Couto é uma superfície de aplainamento que se eleva no extremo leste da porção central da Serra do Espinhaço Meridional (Figura 1), com altitudes predominantemente entre 1.500 e 1.600, tendo como ponto culminante o Morro Dois Irmãos, com 1.830 m de altitude (Figura 2). Engloba terras principalmente dos municípios de Couto de Magalhães de Minas, São Gonçalo do Rio Preto e Felício dos Santos. O Parque Estadual do Rio Preto é uma unidade de conservação de proteção integral que abrange parcialmente o território da Chapada do Couto no município de São Gonçalo do Rio Preto, incluindo as cabeceiras do Rio Preto e afluentes (Figura 1).
A litologia é dominada por quartzitos e, secundariamente, por filitos, da Formação Sopa-Brumadinho do Supergrupo Espinhaço (Souza et al., 1997). Cambissolos Háplicos e Neossolos Litólicos são os solos predominantes na Chapada do Couto, comumente com baixos teores de argila e teores elevados de areia, evidenciando forte influência de processos erosivos (rejuvenescimento) e deposicionais (solos poligênicos, coluvionamento) decorrentes de mudanças climáticas pretéritas (Abreu Filho et al., 2021).
Como divisor hidrográfico, a Chapada do Couto estabelece o limite entre as bacias do Alto Rio Jequitinhonha, a sudoeste, e do Rio Araçuaí, a nordeste (Figura 1). A rede de drenagem é composta principalmente pelos cursos d’água Ribeirão Soberbo (“Jequitinhonha Preto”) e córrego das Pindaíbas, da bacia do Alto Rio Jequitinhonha; e pela drenagem da bacia do Rio Araçuaí, incluindo cabeceiras do Rio Preto e seus afluentes, como o Córrego Taioba; e cabeceiras do Rio Araçuaí e seus afluentes, como o Córrego da Cachoeira, Córrego Cotó e Córrego da Baía (Figura 1).
2.2. Fisiografia das bacias hidrográficas
O delineamento das bacias hidrográficas foi realizado por Barral (2018) e os mesmos limites foram utilizados no presente estudo. Essas bacias hidrográficas experimentais têm sido monitoradas desde 2016 e o monitoramento continua no âmbito do projeto de Pesquisa Ecológica de Longa Duração Turfeiras da Serra do Espinhaço Meridional (PELD TURF). A área e o perímetro das bacias foram calculados no software QGIS 3.28.3 (QGIS Development Team, 2023), que foi o sistema de informação geográfica empregado nas análises seguintes.
O comprimento axial das bacias hidrográficas e a largura média foram determinados a partir de mapas na escala 1:10.000 em software de processamento gráfico vetorial (Inkscape). Um polígono foi desenhado acompanhando os limites das bacias hidrográficas, sendo traçado um segmento ao longo da maior dimensão para determinação do comprimento axial e, perpendicular a este segmento, foram traçados segmentos paralelos entre si (Figura 3) para determinação da largura média das bacias hidrográficas, conforme Mello et al. (2020).
Os parâmetros fisiográficos coeficiente de compacidade (kc), fator de forma (kf) e índice de conformação (Ic) foram determinados pelas equações 1, 2 e 3 respectivamente (Mello et al., 2020).
As análises seguintes foram conduzidas a partir do modelo digital de elevação com resolução espacial de 12,5 m e com correção radiométrica e de terreno (ALOS PALSAR, cena ALPSRP2732796810 de 16 de março de 2011) (ASF DAAC, 2015). As análises foram realizadas empregando-se funções do software SAGA GIS 7.8.2 (Conrad et al., 2015) implementadas dentro do software QGIS 3.28.3. Inicialmente, um modelo digital de elevação hidrologicamente consistente foi obtido pelo preenchimento de depressões espúrias (FiLL sinks), adotando uma declividade mínima de 0,01°. A área drenada para cada pixel (FLow accumulation) foi determinada pelo algoritmo Rho 8 (Fairfield, Leymarie, 1991) e ajuste de montante a jusante (Top-Down), que apresentou canais mais bem definidos, área drenada sempre crescente a jusante e ponto de exutório bem definido em relação aos demais métodos. A rede de drenagem foi definida a partir do limite de 10 ha de área drenada, o que está de acordo com observações de campo nas bacias estudadas, sendo o ordenamento dos cursos d’água definida pelo método de Strahler.
A densidade de drenagem (Dd) e a densidade da rede de drenagem (Dr) foram calculadas de acordo com as equações 4 e 5 (Mello et al., 2020).
A partir da rede de drenagem gerada, a extensão média do escoamento superficial (Lcm) foi determinada pela equação 6 (Mello et al., 2020), enquanto a distância média percorrida pelo escoamento superficial até a rede de drenagem (LRD) (Overland flow distance to channel network) foi determinada pelo módulo do software SAGA implementado no QGIS.
A declividade média do curso d’água principal foi determinada a partir da diferença de cota entre a nascente e o exutório, de acordo com os valores do modelo digital de elevação, e do comprimento do curso d’água.
O tempo de concentração das bacias foi determinado pelas equações de Kirpich (equação 7), Ven Te Chow (equação 8) e Picking (equação 9), conforme Mello et al. (2020).
2.3. Monitoramento da precipitação e da vazão dos cursos d’água
A precipitação na área de estudo é monitorada desde 2016 por uma estação meteorológica automática, com intervalo de registro de 1 hora. Os valores de precipitação foram somados considerando o período de 30 dias antes das medições de vazão. Devido a falhas na estação, o período de interrupção da coleta de dados de 26/11/2021 a 15/12/2022 foi imputado a partir dos valores de precipitação da estação mais próxima, situada em Diamantina-MG.
A vazão dos cursos d’água foi determinada a partir do produto da área da seção transversal dos cursos d’água e da velocidade média da água. A área da seção transversal foi determinada por batimetria, com medição da profundidade do curso d’água a cada 10 cm de uma margem a outra. A velocidade média da água foi medida a vau com micromolinete fluviométrico (Hidromec), a 2/3 da profundidade do curso d’água (Santos et al., 2001), também a cada 10 cm de uma margem a outra. As determinações de vazão foram realizadas em 23/06/2021, 15/12/2021, 25/06/2022 e 16/12/2022.
3. Resultados
3.1. Caracterização fisiográfica das bacias
As bacias hidrográficas diferem em tamanho e forma (Tabela 1). A bacia ARA tem 101,3 ha, enquanto a bacia RP tem 36,6 ha, tendo apresentado também maior perímetro, comprimento axial e largura média. A bacia RP apresentou menor coeficiente de compacidade, maior fator de forma e maior índice de conformação, indicando que essa bacia apresenta maior probabilidade de concentração do escoamento superficial, sendo mais sujeita à ocorrência de inundações e de inundações de maior intensidade (Mello et al., 2020).
A rede de drenagem das duas bacias hidrográficas também apresentou diferenças (Tabela 2). Enquanto o curso d’água da bacia ARA é de 2ª ordem, com dois tributários de 1ª ordem, a drenagem da bacia RP é de 1ª ordem, não possuindo tributários. Contudo, as bacias não apresentaram grandes diferenças em termos de densidade de drenagem. A bacia ARA apresentou densidade de drenagem de 1,41 km km-2 e densidade da rede de drenagem de 2,96 cursos d’água km-2, enquanto para a bacia RP esses valores foram, respectivamente, 1,23 km km-2 e 2,73 cursos d’água km-2. A densidade de drenagem é fortemente afetada pela topografia, com maior número de canais de drenagem quanto mais acidentado o relevo (Mello et al., 2020).
Os dois métodos para caracterização da extensão e da distância percorrida pelo escoamento superficial diferiram quanto aos valores obtidos (Tabela 2). A determinação a partir da equação 6 indicou extensão média do escoamento superficial de 203,2 m para a bacia RP e 177,3 m para a bacia ARA, refletindo as diferenças da densidade de drenagem. A determinação da distância média do escoamento superficial a partir da análise do modelo digital de elevação resultou em valores de 279,7 m para a bacia RP e 300,6 m para a bacia ARA. A declividade média do curso d’água principal é um parâmetro que influencia diretamente na velocidade do escoamento da água e no tempo de concentração, tendo apresentado pequena diferença entre as duas bacias, sendo de 22 m km-1 par a bacia ARA e 25 m km-1 para a bacia RP,
A caracterização topográfica indicou ligeiras diferenças entre as bacias hidrográficas quanto ao relevo (Tabela 3). A bacia RP apresenta uma condição topográfica mais elevada, com altitude média de 1.609 m, sendo a amplitude de 50 m, de 1.587 a 1.637 m. A bacia ARA apresentou altitude média de 1.601 m, com amplitude um pouco maior, de 61 m, variando de 1.572 a 1.633 m. Apesar da maior amplitude altimétrica, a bacia ARA apresentou menor declividade média, de 9,7%, enquanto a bacia RP apresentou declividade média de 11,5%. A declividade média de uma bacia hidrográfica é um parâmetro com enorme relevância hidrológica, uma vez que afeta o volume de escoamento superficial gerado (e as vazões máximas da bacia) e o tempo de transporte do escoamento até o exutório (Mello et al., 2020).
A curva hipsométrica (Figura 4) também evidencia as diferenças entre as duas bacias quanto ao relevo. As curvas para as duas bacias partem de posições diferentes, refletindo as diferenças de altitude entre as duas bacias (Tabela 3). Ambas as curvas progridem com inclinação similar até a altitude de cerca de 1.620 m, que divide 90% da área das bacias abaixo e 10% acima. A partir dessa condição, a curva da bacia RP sofre um aumento bem mais pronunciado que a bacia ARA, indicando maiores incrementos de altitude em direção ao divisor de água, ou seja, interflúvios mais declivosos. Esse comportamento da curva hipsométrica pode ser verificado também no mapa de declividade das bacias (Figura 5).
O perfil longitudinal dos cursos d’água principais das duas bacias apresenta sucessões de trechos declivosos e planos (Figura 4). Na bacia RP, o curso d’água principal inicia seu curso com maior declividade, logo passando a correr em um trecho quase plano, em uma área de turfeira que ocupa as partes mais baixas da bacia (Figura 5). Depois, volta a correr por um trecho de maior declividade, onde a turfeira é um pouco mais estreita e a drenagem mais encaixada nas vertentes laterais (Figura 5), voltando então a correr por um trecho mais plano (Figura 4), em um fundo de vale com menores declividades (Figura 5). O curso d’água principal da bacia ARA, por sua vez, corre por um longo trecho em declive em sentido sudeste ao longo da porção centro-norte da bacia (Figura 5), até atingir um trecho de cerca de 250 m praticamente plano (Figura 4), quando passa a correr na área de turfeira que ocupa as posições mais baixas da bacia.
Em decorrência das diferenças nos seus parâmetros fisiográficos, as duas bacias estudadas apresentaram diferentes tempos de concentração (Tabela 4), que representa uma estimativa do tempo para que toda a bacia hidrográfica esteja contribuindo para o escoamento superficial direto no exutório (Mello et al., 2020). O tempo de concentração da bacia RP (5,0 a 17,8 minutos, dependendo do método), foi cerca de duas vezes menor em relação à bacia ARA (11,7 a 30,9 minutos, dependendo do método), indicando que a bacia RP tem uma resposta hidrológica mais rápida, de modo que um mesmo evento de precipitação intensa tende a originar maiores vazões de pico. Ressalta-se que as fórmulas de Kirpich e Ven Te Chow tendem a apresentar desempenho satisfatório em bacias hidrográficas rurais (Silveira, 2005). Contudo, a expressiva diferença entre os tempos de concentração estimados indica a necessidade de estudos específicos para definição da formulação mais adequada para estimativa do tempo de concentração em bacias hidrográfias predominantemente ocupadas por turfeiras.
3.2. Vazão dos cursos d’água
Os dois cursos d’água que drenam as bacias estudadas apresentaram vazões marcadamente distintas ao longo do período estudado (Figura 5). Considerando a vazão observada, o curso d’água da bacia ARA apresentou vazões mais baixas na época seca e vazões mais altas na época chuvosa em comparação com o curso d’água da bacia RP, mesmo tendo maior área (o que garantiria maior capacidade de armazenamento de água e maior vazão mínima) e menor potencial de geração de escoamento superficial (conforme indicado pela caracterização fisiográfica).
Já para a vazão específica, que considera as diferenças de tamanho entre as bacias, o curso d’água da bacia RP apresentou maiores valores em quase todos os momentos avaliados (Figura 5), ainda que a caracterização fisiográfica indicasse um sistema hidrologicamente menos tamponado, ou seja, com maior propensão à formação e concentração de escoamento superficial em detrimento do escoamento de base. Essas diferenças podem ser decorrentes das condições na área de recarga de cada curso d’água. Enquanto a bacia RP encontra-se protegida pela unidade de conservação do Parque Estadual do Rio Preto, a bacia ARA está sujeita a impactos da antropização por queimadas e pastejo. A antropização nessa área de recarga pode estar contribuindo para redução da capacidade de infiltração do solo e aumento do escoamento superficial, o que reduziria a recarga de água das turfeiras, que constituem um aquífero livre que alimenta os cursos d’água.
Comportamento semelhante foi observado por Bispo et al. (2016) nesses mesmos cursos d’água, com vazões de 23 L s-1 na bacia RP e 67 L s-1 na bacia ARA durante a estação seca (junho de 2013) e com vazões de 17 L s-1 na bacia RP e 3 L s-1 na bacia ARA durante a estação chuvosa (novembro de 2012). Os autores também observaram que, além da diferença no regime hidrológico, a antropização na bacia ARA também resultou em maiores perdas de carbono dissolvido na água ao longo do ano, evidenciando o processo de degradação da turfeira não protegida (bacia ARA) pela unidade de conservação.
4. Conclusões
A caracterização fisiográfica evidenciou diferenças entre as duas bacias estudadas, sendo que a bacia RP apresentou maior propensão à formação de enchentes, menor tempo de concentração e maior potencial de geração de escoamento superficial.
A vazão dos cursos d’água no período monitorado indicou que a bacia ARA apresenta maiores vazões máximas e menores vazões mínimas, enquanto o curso d’água da bacia RP, protegida pela unidade de conservação do Parque Estadual do Rio Preto, apresentou maior vazão específica ao longo de quase todo o período avaliado.
Agradecimentos
Esta pesquisa foi apoiada pelo Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq 441335/2020-9 e 150002/2023-8); pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG APQ-03364-21 e APQ-01000-18) e pelo Programa de Ação Territorial (PAT Espinhaço Mineiro) financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) e implementado pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO), tendo o WWF-Brasil como agência executora. Agradecimentos à gerência e equipe do Parque Estadual do Rio Preto.
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