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Temporalidade da floração em áreas de campo limpo seco e úmido na Chapada do Couto, Serra do Espinhaço Meridional-MG, Brasil
Flowering temporality in dry and wet grasslands from the Chapada do Couto plateau in the Southern Espinhaço Mountain range-MG, Brazil
Revista Espinhaço, vol. 12, núm. 1, 2023
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

Revista Espinhaço
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil
ISSN-e: 2317-0611
Periodicidade: Semestral
vol. 12, núm. 1, 2023

Aprovação: 04 Abril 2023

Resumo: A Serra do Espinhaço Meridional apresenta enorme biodiversidade, com vegetação caracterizada pelo predomínio de formações campestres (campos rupestres e campos limpos) intercaladas por formações florestais (capões de mata). O objetivo do trabalho foi avaliar a temporalidade da floração em áreas de campos limpos secos e úmidos (onde ocorrem os ecossistemas de turfeiras), buscando evidenciar a variação temporal de aspectos reprodutivos da vegetação (cor das flores) e o efeito da antropização. Parte das áreas estudadas encontra-se protegida pela unidade de conservação de proteção integral do Parque Estadual do Rio Preto, enquanto as outras áreas são adjacentes, mas fora da unidade de conservação e sujeitas à antropização pelo pastejo e fogo. As áreas foram percorridas mensalmente para coleta de material botânico e registro das espécies em floração, sendo enquadradas em seis categorias de cores (branco, amarelo, laranja, vermelho, rosa/roxo e azul). A área protegida apresentou maior riqueza de espécies (96) que a área não protegida (83), não sendo atingida estabilidade na curva do coletor. A maioria das espécies apresentou eventos anuais de floração, sendo que mais da metade delas foi observada em apenas um mês, com maior concentração na época chuvosa, indicando uma “estação de florescimento” anual. O branco foi a cor predominante nas flores (principalmente Asteraceae e Eriocaulaceae), seguida do rosa/roxo (Melastomataceae) e amarelo (Asteraceae e Xyridaceae). Enquanto as cores associadas a visitantes mais generalistas (branco e amarelo) apresentaram floração mais marcada pela sazonalidade, as flores associadas a sistemas mais especializados (vermelho e laranja) apresentaram floração aparentemente mais contínua ao longo do tempo.

Palavras-chave: Fenologia, Campo rupestre, Polinização, Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço.

Abstract: The Southern Espinhaço mountain range harbors enormous biodiversity, with a vegetation typically dominated by grassland formations (campos rupestres and campos limpos) speckled with forest formations (capões de mata). This study aimed to evaluate the flowering temporality in areas of dry and wet (where peatlands occur) campos limpos, in order to highlight the temporal variation in plant reproductive characteristics (flower collor) and the effect of anthropization. Some of the studied sites were protected by the Rio Preto State Park, a nature conservation site of full protection, whereas the other sites were adjacent, but outside the conservation unit and subject to anthropization by grazing and fires. The sites were monthly evaluated for collecting botanical material and registering flowering species, being placed in six color categories (white, yellow, orange, red, pink/purple and blue). The protected area presented higher species richness (96) than the unprotected sites (83), although sampling stability was not reached in the collector curves. Most species presented annual flowering events, with more than half of the species being observed in a single month, concentrated in the rainy season, indicating an annual “flowering season”. White was the dominant collor (especially in Asteraceae and Eriocaulaceae), followed by pink/purple (Melastomataceae) and yellow (Asteraceae and Xyridaceae). While the collors associated with generalist pollinators (white and yellow) presented a markedly seasonal flowering, the flowers associated to more specialized systems (red and orange) apparently presented a more continuous flowering over time.

Keywords: Phenology, Rupestrian Fields, Pollination, Espinhaço Biosphere Reserve.

1. Introdução

A Serra do Espinhaço, ocorrendo na região Neotropical, é um ambiente extremamente biodiverso, configurando-se como um laboratório natural para estudos ecológicos. Esse conjunto de terras altas atua como importante barreira biogeográfica, separando as áreas florestais do bioma Mata Atlântica a leste e as formações mais abertas do bioma Cerrado a Oeste (Giulietti et al., 1997; Almeida-Abreu et al., 2005; Silveira et al., 2016).

A vegetação nas áreas mais elevadas da Serra do Espinhaço Meridional é dominada por uma matriz campestre, intercalada por áreas de florestas ou capões de mata (Gonzaga e Machado, 2021). A vegetação campestre inclui as fitofisionomias de campos rupestres, associadas a solos rasos e pedregosos ou afloramentos de rochas; e de campos limpos, marcadamente distintos em função do gradiente edáfico em campos limpos úmidos e secos (Mendonça Filho et al., 2022). Os campos limpos úmidos ocorrem nas áreas mais baixas e abaciadas das superfícies de aplainamento da Serra do Espinhaço e estão associados à ocorrência de solos orgânicos e ecossistemas de turfeiras tropicais de montanha (Silva et al., 2022).

Nesses ecossistemas de turfeiras, pelo menos na região temperada, há um aparente efeito de filtragem ambiental que limita espécies não adaptadas a ocorrerem nessas áreas gerando um desacoplamento taxonômico-funcional no qual as espécies de turfeiras, mesmo sendo muito diversas filogeneticamente, são muito similares morfologicamente (Robroek et al., 2017). Apesar de muito ricos em espécies, esses ambientes, no mundo todo, e especialmente no Brasil, têm sido alvo de diversos vetores de antropização que contribuem para sua degradação, tais como a extração de matéria orgânica, uso indiscriminado de fogo, criação de gado e outras atividades agrícolas (Mendonça Filho et al., 2022). Essas atividades podem contribuir para a destruição global das turfeiras, mas também podem ter efeitos diferenciados sobre os diferentes grupos de plantas que neles ocorrem. Isso faz com que estudos de acompanhamento das turfeiras tropicais em diferentes escalas espaciais e temporais sejam fundamentais para avaliar sua manutenção diante das ameaças. Além disso, dadas as peculiaridades da comunidade vegetal e a vulnerabilidade das turfeiras, esses estudos também são fundamentais para o planejamento de iniciativas para sua recuperação e conservação (Steenvoorden et al., 2022).

Uma dimensão muito importante para entender o funcionamento de ecossistemas está relacionada aos processos reprodutivos das plantas que, em geral, é o elemento dominante das paisagens (Bawa, 1990). Dada a sazonalidade ambiental, tanto as flores quanto as sementes produzidas em diferentes momentos do ano encontrarão cenários fortemente contrastantes, a depender se acontecem quando há chuva ou seca. Além do papel determinante do clima sobre a estratégia de floração, é importante avaliar também se há determinantes ecológicos que atuam sobre as floradas. Nesse caso, uma floração sincronizada entre diferentes espécies pode representar facilitação na atração de polinizadores ou competição por eles. O processo estruturante neste caso depende de uma série de fatores que inclui, por exemplo, a disponibilidade de polinizadores no ambiente ao longo do ano. Essa disponibilidade pode ainda ser importante na definição de que tipo de flor (cor, formato, etc) esteja disponível no ambiente ao longo do ano.

Neste trabalho, avaliamos como se comporta a fenologia reprodutiva de uma comunidade de plantas em ambientes de campos limpos úmidos e secos de Minas Gerais, e como essa sazonalidade é marcada na distribuição das cores das flores durante as estações seca e chuvosa na região da Chapada do Couto, porção centro-leste da Serra do Espinhaço Meridional. Para isso, comparamos o padrão de cores entre áreas dentro de uma unidade de conservação (UC) e em uma área antropizada, fora da UC, mas muito próxima a ela, com a finalidade de entender os possíveis efeitos dessa perturbação sobre a comunidade de plantas em cada ambiente. Pelo fato de se tratar de ecossistemas montanos e campestres, espera-se encontrar mais espécies com flores brancas que sugerem um padrão mais generalista de visitação e menos flores especializadas, como por exemplo flores alaranjadas e vermelhas. Espera-se ainda encontrar muitas espécies com floração curta e ou anual e poucas espécies com florações longas e ou constantes.

2. Material e métodos

O estudo foi realizado na porção Sul do Parque Estadual do Rio Preto (PERP), em Minas Gerais (Figura 1), o qual encontra-se inserido na Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço (RBSE), sendo selecionadas duas áreas de campos limpos, a saber: uma dentro da referida Unidade de Conservação (RP – 18° 14’ 3,36” S; 43° 19” 37,32” W; altitude média de 1.550 m) e outra fora, na bacia do Rio Araçuaí (ARA – 18° 14’ 23,22” S; 43° 18’ 33,96” W; altitude média de 1.560 m). O Parque Estadual do Rio Preto foi criado em 1993 e desde então medidas para conservação e recuperação dos impactos pretéritos vêm sendo tomadas, enquanto a área do ARA, possui um histórico de utilização por rebanhos bovinos e fogo (Figura 2).



Figura 1. Localização das áreas de estudo, campos limpos, no interior do Parque Estadual do Rio Preto (RP) e fora da Unidade de Conservação na Bacia do Rio Araçuaí (ARA), na Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço (RBSE).
Fonte: IBGE (2010).

As áreas foram percorridas ad libidum utilizando preferencialmente transectos pré-definidos (Figura 1), sendo registrados os espécimes floridos. Para tanto, foram realizadas expedições mensais entre março de 2021 a fevereiro de 2023. Cada espécime florido foi fotografado e, em seguida, foram feitas coletas de amostras.

As amostras coletadas receberam o tratamento tradicional empregado em levantamentos florísticos: prensagem, secagem em estufa e montagem de exsicatas (Mori et al., 1989). Os espécimes coletados foram identificados com o auxílio de bibliografia específica, consultas a herbários e especialistas das diversas famílias botânicas e depositados no Herbário da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (DIAM). As espécies foram listadas nas respectivas famílias de acordo com o APG IV (APG, 2016). A Figura 2 demonstra a vista geral das áreas de estudo.



Figura 2. Vista geral das áreas de estudo, campos limpos, no interior do Parque Estadual do Rio Preto (RP) e fora da Unidade de Conservação na Bacia do Rio Araçuaí (ARA), na Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço (RBSE).
Fonte: Autores.

As imagens das plantas com flores foram organizadas mês a mês e, posteriormente, analisadas e identificadas para a montagem do fenograma. Para analisar o comportamento fenológico das espécies, em função das cores das flores, estas foram classificadas em seis classes de cores, baseadas na visão humana: vermelho, laranja, amarelo, rosa/roxo, azul e branco. Para as espécies que apresentavam brácteas florais mais evidenciadas que as pétalas, a cor assinalada foi a da bráctea; é o caso, por exemplo, de Gomphrena arborescens. Para se verificar a suficiência amostral, foram calculados as curvas do esforço coletor e os estimadores de riqueza de Jackknife e Chao.

3. Resultados

Foram registradas 96 espécies de plantas floridas no interior do Parque Estadual do Rio Preto (RP), distribuídas em 32 famílias (Tabela 1 – Material Suplementar), e 83 espécies na bacia do Rio Araçuaí (ARA), fora da Unidade de Conservação, distribuídas em 33 famílias (Tabela 2 – Material Suplementar). Não foi detectada estabilidade, para ambas as áreas estudadas, pelos estimadores de riqueza, demonstrando que provavelmente nem todas as espécies floridas foram registradas (Figura 3; Tabela 1).



Figura 3. Curvas do esforço coletor para as áreas de campo limpo ao longo dos meses de observação no interior do Parque Estadual do Rio Preto (RP – círculos cheios) e fora da Unidade de Conservação na Bacia do Rio Araçuaí (ARA – círculos abertos), na Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço (RBSE).
Fonte: Autores.


Tabela 1. Valores dos estimadores de riqueza potencial para as áreas de campo limpo ao longo dos meses de observação no interior do Parque Estadual do Rio Preto (RP) e fora da Unidade de Conservação na Bacia do Rio Araçuaí (ARA), na Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço (RBSE).

Fonte: Elaboração própria.

Em todos os meses havia pelo menos uma espécie de planta florida, sendo que em alguns meses foram verificadas muitas espécies floridas ao mesmo tempo. Aproximadamente 50% das plantas registradas no RP foram registradas com flores em um único evento de amostragem e cerca de 18% estavam floridas em dois eventos de amostragem. Apenas 15% das espécies foram registradas com flores em quatro ou mais eventos de amostragem distintos.

No ARA, 61% das espécies de plantas foram registradas com flores somente uma vez e 30% foram registradas com flores de duas a três vezes. Em alguns meses (três) não foi feito registro de plantas floridas pelo fato da área ter sido queimada. Já no RP, o número de espécies em flor no período seco (n=50) foi menor do que no período chuvoso (n=127). No RP foram registradas plantas floridas em oito eventos de amostragem no período seco e 11 no período chuvoso. A porcentagem de espécies em flor, por cada evento de amostragem, no período seco, foi de 6,25 plantas, enquanto no período chuvoso foi de 11,5. No RP, o maior número de espécies floridas foi registrada nos meses de janeiro (s = 25) e fevereiro (s = 38) de 2023. No ARA o número de espécies em flor no período seco (n = 65) foi maior do que o registrado no período chuvoso (n = 54). No ARA ainda foram registradas plantas floridas em nove eventos de amostragem no período seco e seis no período chuvoso. A percentagem de espécies em flor, por evento de amostragem no período seco foi de 7,2 e no período chuvoso de 9,0. No ARA o maior número de espécies floridas foi registrado nos meses de abril (s = 17) e setembro (s = 14) coincidindo com meses entre estações seca e chuvosa.

O padrão de cores que predomina em ambas as áreas estudadas é o branco, seguido de rosa/roxo e amarelo (Figuras 4 e 5). No RP, foram registradas 34 espécies com flores brancas, 23 rosas/roxas e 14 amarelas (Figura 4). No ARA, foram registradas 23 espécies com flores brancas, 17 rosas/roxas e 15 amarelas (Figuras 4 e 5). Flores alaranjadas, vermelhas e azuis foram pouco frequentes em ambas as áreas (Figuras 4 e 5).

Aproximadamente 45% das flores brancas encontradas no ARA e 83% das espécies encontradas no RP pertencem às famílias Asteraceae e Eriocaulaceae. Entre as espécies com flores amarelas, 29% pertencem à família Asteraceae e 21% à família Xyridaceae, no RP, e 27% e 13%, respectivamente, no ARA. Flores rosas/roxas foram registradas em 47% das famílias no RP (23 no total), sendo que em Melastomataceae foram encontradas 6 espécies (26%). Algumas espécies apresentaram floração contínua como Lessingianthus pycnostachyus, Galactia martii e Angelonia arguta, ambas com flores roxa/rosa, além de Byrsonima sericea, com flores amarelas. Por outro lado, algumas espécies apresentam apenas um evento de floração, sempre na estação úmida como por exemplo Hippeastrum glaucescens e Eryngium cf. eurycephalum.



Figura 4. Número de espécies de plantas floridas, para cada cor, nos campos limpos ao longo dos meses de observação no interior do Parque Estadual do Rio Preto (RP – círculos cheios) e fora da Unidade de Conservação na Bacia do Rio Araçuaí (ARA – círculos abertos), na Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço (RBSE).
Fonte: Elaboração própria.



Figura 5. Fenograma de cores das plantas floridas nos campos limpos ao longo dos meses de observação no interior do Parque Estadual do Rio Preto (RP – esquerdo) e fora da Unidade de Conservação na Bacia do Rio Araçuaí (ARA – direito), na Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço (RBSE). Onde: os números representam as espécies identificadas (Tabela 1 e 2 – Material Suplementar).
Fonte: Elaboração própria.

4. Discussão

As áreas de campo que formam os ecossistemas do Parque do Rio Preto e sua zona de amortecimento (bacia do rio Araçuaí), na região da Chapada do Couto, onde se encontram as duas regiões de amostragem, apresentaram uma alta riqueza de espécies de plantas floridas. A riqueza observada parece ainda estar abaixo do que se pode esperar, mesmo após 24 meses de amostragem, já que a riqueza estimada se mostrou maior (Tabela 1). Verificamos ainda que para grande parte das espécies, os eventos de floração são curtos, mas algumas espécies apresentaram períodos mais longos de floração, principalmente durante o período chuvoso.

A análise das espécies com flores em cada evento de coleta, embora também sugira um padrão de floração disperso ao longo do tempo, indica que parece haver uma demarcação sazonal clara de uma “estação de florescimento” já que mais registros de plantas em flor foram feitos ou no período chuvoso (no caso do RP) ou em períodos transicionais, no caso do ARA. Cabe ressaltar que, embora as áreas do ARA sofram queimadas regulares, no período seco, o número de espécies em flor nesse período foi maior do que no chuvoso. Uma explicação é que as amostragens podem ter sido feitas pouco antes da queimada (no período seco), mas durante as amostragens no período de chuva, em meses subsequentes às queimadas, não havia mais plantas em fase de floração.

Conforme esperado, a comunidade de plantas das áreas protegidas pela Unidade de Conservação apresentou maior riqueza de plantas do que as áreas impactadas. As diferenças encontradas podem ser atribuídas aos constantes eventos de fogo antrópico fora do parque, associadas ao pastejo por gado.

Apesar de algumas espécies apresentarem sistemas de polinização sabidamente especializados (mariposas, morcegos e beija-flores), a maioria das espécies apresentou flores de corolas abertas e coloração clara, sugerindo sistema de polinização por insetos diversos (Moreira e Freitas 2020). A prevalência de flores brancas, como encontrado em ambas as áreas de estudo, não é comum em comunidades tropicais onde predominam cores vibrantes, mas já foi registrado para a região montanhosa da Nova Zelândia e para outras áreas de Cerrado (McGimpsey e Lord, 2015; Silberbauer-Gottsberger e Gottsberger, 1988; Martins e Batalha, 2006). Esse padrão foi fortemente influenciado por duas famílias botânicas indicando um forte sinal filogenético da definição da cor floral entre as espécies com flores brancas, o que parece ser um padrão em Angiospermas (Muchhala et al., 2014). Além disso, as flores brancas ou palha são cores que são mais visíveis à noite em flores noturnas, como é o caso de Posoqueria latifolia (Endress, 1994).

Nas áreas protegidas, verificou-se uma maior riqueza de flores com cores como laranja, vermelho e azul/roxo, sugerindo que espécies com estas flores possam ser mais suscetíveis aos vetores de degradação do hábitat, como fogo e pastejo, por exemplo. Essas cores são relatadas na literatura como sendo possivelmente mais especializadas (Endress, 1994). Flores de cor vermelhas são frequentemente associadas com beija-flor e grupos de borboletas (Endress, 1994), pois as abelhas em geral não enxergam essa cor a menos que possuam também reflectância ultravioleta (Lunau et al., 2011).

Maglianesi, et. al., (2020) abordam que polinizadores especializados são mais vulneráveis para disrupção mutualísticas, ou seja, quebra da relação planta-polinizador, visto que, os polinizadores têm menos recursos disponíveis no ambiente e apresentam alto risco de incompatibilidade fenológica. Assim, é importante nesses dois ambientes o padrão observado de espécies de plantas apresentando flores com cores brancas e amarelas, menos especializadas. Alternativamente, percebe-se que a frequência de flores com a cor vermelha e laranja foi mais estável ao longo do tempo, o que pode contribuir para que as relações com seus polinizadores, em geral mais especializados, não se desfaçam. Além disso, há que se ressaltar que beija-flores podem utilizar néctar de plantas não necessariamente ornitófilas (Maruyama et al., 2013) e plantas muito especializadas, como Posoqueria latifolia, apresentam flores brancas, não sendo nesse caso válido assumir a generalização do sistema baseando-se exclusivamente na cor floral para estas espécies.

O grau de sobreposição de espécies floridas, de diferentes cores, pode ser considerado alto, indicando alta complementaridade funcional para o atributo cor da flor. Em alguns meses (por exemplo, jan, mar e ago 22 e jan 23) encontramos muitas espécies das seis cores florescendo ao mesmo tempo. Provavelmente sinalizando a complexidade estrutural do ambiente com muitos polinizadores diferentes, diferentes sistemas visuais e diferentes estratégias de forrageio. Além disso, estes são meses com maior pluviosidade, e agosto é o mês que em geral apresenta um evento de chuva no decorrer da estação seca. Percebemos, no entanto, que espécies próximas como é o caso de Microlicia cataphracta, Microlicia crassifolia (flores roxas) e Microlicia parviflora (flores brancas) não floresceram na mesma época, possivelmente atenuando a competição por polinizadores. Essas espécies foram recentemente transferidas do gênero Lavoisiera (as duas primeiras) e do gênero Trembleya (a última) para o gênero Microlicia (Versiane et al., 2021).

A maioria das espécies de plantas da família Melastomataceae apresentam anteras poricidas (Renner, 1989), ou seja, os grãos de pólen estão disponíveis apenas para abelhas capazes de vibrar os músculos das asas durante suas visitas às flores (Velloso et al., 2018). Quando comparada às outras famílias, Melastomataceae apresenta pouca diversificação floral (Reginato e Michelangeli, 2016), indicando que o fenótipo floral esteja provavelmente sob pressão convergente dos seus polinizadores vibradores. No entanto, quando se avaliam as flores rosas e roxas, principal cor floral de Melastomataceae, percebe-se uma oscilação grande na frequência de flores ao longo do ano, o que indica que os polinizadores dessas plantas provavelmente utilizam recursos em outras espécies para manterem-se no ambiente.

Os padrões percebidos no presente estudo demandam observações mais sistematizadas para sua confirmação, buscando evidenciar também as diferenças entre populações em função do gradiente edáfico local, marcado pela mudança de campos limpos secos nas posições mais altas das vertentes para campos limpos úmidos nas posições mais baixas, onde ocorrem solos orgânicos e as áreas de turfeiras. O desenvolvimento de trabalhos no âmbito do Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD) possibilita a condução desse tipo de monitoramento, sendo essencial para o conhecimento da biodiversidade e da ecologia desses ecossistemas com acentuada sazonalidade.

5. Conclusão

Os ecossistemas de ambas as áreas estudadas abrigam uma comunidade de plantas com alta riqueza de espécies com diferentes cores e eventos de floração. A menor riqueza de plantas registradas no ARA evidencia os efeitos dos impactos de fogo e pastejo a que estas áreas são submetidas.

Aparentemente existem diferentes temporalidades de floração que acompanham o nível de especialização dos sistemas de polinização: enquanto sistemas mais generalistas (flores brancas e amarelas) foram marcados pela “estação de florescimento” da época chuvosa, sistemas mais especializados (flores vermelhas e laranjas) aparentemente apresentaram florescimento mais contínuo ao longo do ano.

Agradecimentos

Agradecemos à equipe do Parque Estadual do Rio Preto (PERP) pelo apoio em todas as etapas de trabalho na região, especialmente ao Antônio Augusto Tonhão de Almeida e ao Silvanei da Luz Soares, bem como ao Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF-MG) pela licença concedida. Esta pesquisa foi apoiada pela Rede de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD-TURF) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq 441335/2020-9); pelo Programa de Ação Territorial (PAT Espinhaço Mineiro) coordenado pelo IEF, no âmbito do Projeto Pró-Espécies: todos contra a extinção, financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), sob a coordenação do Departamento de Conservação e Manejo de Espécies do Ministério do Meio Ambiente (MMA), implementado pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO) e tendo o WWF-Brasil como agência executora; pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq 423939/2021-1); pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001; pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG APQ-00932-21; APQ-01822-21; APQ- 02799-21). Agradecemos ainda à valorosa contribuição de especialistas nas identificações botânicas: Rosana Romero (UFU), Marcelo Monge Egea (UFU) e Claudenice Dalastra (UFRGS).

Material Suplementar


Tabela 1. Lista das espécies de plantas registradas no interior do Parque Estadual do Rio Preto (RP), na Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço (RBSE).

Fonte: Autores


Tabela 2. Lista das espécies de plantas registradas fora da Unidade de Conservação na Bacia do Rio Araçuaí (ARA), na Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço (RBSE).

Fonte: Autores.

REFERÊNCIAS

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