Artigos Científicos
Recepção: 04 Agosto 2023
Aprovação: 16 Fevereiro 2024
Resumo: Esta pesquisa, de abordagem qualitativa, apresenta uma análise da analogia “função é como uma máquina de suco” desenvolvida para o ensino de funções. A análise utilizou o mapeamento estrutural de analogias e modelos proposto por Ferry, no qual foi possível estabelecer correspondências que permitiram evidenciar as potencialidades de seu uso em sala de aula. A analogia em questão fornece recursos úteis para que se possa trabalhar o conceito de função no ensino de matemática, além de apontar outros conceitos, como domínio e contradomínio, úteis para a aprendizagem dos estudantes.
Palavras-chave: analogias, ensino de matemática, funções matemáticas.
Resumen: Esta investigación, con un enfoque cualitativo, presenta un análisis de la analogía “la función matemática es como una máquina de jugos” desarrollada para la enseñanza de las funciones. El análisis utilizó el mapeo estructural de analogías y modelos propuesto por Ferry en el cual fue posible establecer correspondencias que permitieron resaltar el potencial de su uso en el aula. La analogía en cuestión brinda recursos útiles para trabajar el concepto de función en la enseñanza de las matemáticas, además de señalar otros conceptos, como dominio y rango, útiles para el aprendizaje de los estudiantes.
Palabras clave: analogías, enseñanza de las matemáticas, funciones matemáticas.
Abstract: This qualitative research presents an analysis of the "function is like a juicing machine" analogy developed for teaching functions. The analysis used the structural mapping of analogies and models proposed by Ferry, in which it was possible to establish correspondences that made it possible to highlight the potential of its use in the classroom. The analogy in question provides useful resources for working with the concept of function in mathematics teaching, as well as pointing out other concepts such as domain and contradomain which are useful for student learning.
Keywords: analogies, analogies, math teaching, mathematical functions.
Funções são como máquinas de suco: uma análise estrutural dessa analogia para o ensino de matemática
Resumo
Esta pesquisa, de abordagem qualitativa, apresenta uma análise da analogia “função é como uma máquina de suco” desenvolvida para o ensino de funções. A análise utilizou o mapeamento estrutural de analogias e modelos proposto por Ferry, no qual foi possível estabelecer correspondências que permitiram evidenciar as potencialidades de seu uso em sala de aula. A analogia em questão fornece recursos úteis para que se possa trabalhar o conceito de função no ensino de matemática, além de apontar outros conceitos, como domínio e contradomínio, úteis para a aprendizagem dos estudantes.
Palavras-chave: analogias; ensino de matemática; funções matemáticas.
Mathematical functions are like juice machines: a structural analysis of this analogy for teaching mathematics
Abstract
This qualitative research presents an analysis of the "function is like a juicing machine" analogy developed for teaching functions. The analysis used the structural mapping of analogies and models proposed by Ferry, in which it was possible to establish correspondences that made it possible to highlight the potential of its use in the classroom. The analogy in question provides useful resources for working with the concept of function in mathematics teaching, as well as pointing out other concepts such as domain and contradomain which are useful for student learning.
Keywords: analogies; analogies; math teaching; mathematical functions.
Las funciones matematicas son como máquinas expendedoras de jugo: un análisis estructural de esta analogía para la enseñanza de las matemáticas
Resumen
Esta investigación, con un enfoque cualitativo, presenta un análisis de la analogía “la función matemática es como una máquina de jugos” desarrollada para la enseñanza de las funciones. El análisis utilizó el mapeo estructural de analogías y modelos propuesto por Ferry en el cual fue posible establecer correspondencias que permitieron resaltar el potencial de su uso en el aula. La analogía en cuestión brinda recursos útiles para trabajar el concepto de función en la enseñanza de las matemáticas, además de señalar otros conceptos, como dominio y rango, útiles para el aprendizaje de los estudiantes.
Palabras clave: analogías; enseñanza de las matemáticas; funciones matemáticas.
Introdução
Dada a dificuldade que alguns professores encontram em apresentar conceitos abstratos aos estudantes, principalmente na primeira vez em que se apresenta o conteúdo, é comum, espontaneamente, recorrer às analogias como forma de simplificação de tais conceitos, já que as analogias fazem parte dos processos cognitivos humanos. Contudo, tais comparações que, inicialmente, aparentam fazer sentido, podem estar desconectadas da realidade do conceito que se pretende trabalhar/investigar.
Para Ferry (2016), as analogias podem ser vistas como recursos de mediação didática aos quais professores costumam recorrer, espontaneamente ou de forma planejada, em suas sequências didáticas, mas, segundo o autor, vários estudiosos do uso de analogias em contexto de ensino advertem que esses recursos, quando usados inadequadamente, podem causar equívocos na compreensão dos conceitos, comprometendo a apropriação do conteúdo pelos estudantes.
Para minimizar os danos do mau uso das analogias em sala de aula, diversos estudos foram realizados e metodologias de análise foram produzidas para auxiliar professores em suas aulas. Dentre elas destacam-se: a Teoria do Mapeamento Estrutural de Gentner (1983) e Gentner e Markman (1997), a Teoria das Múltiplas Restrições de Hollyoak e Thagard (1989), a Metodologia de Ensino de Ciência por Analogia (MECA) de Nagem, Carvalhaes e Dias (2001) e a Sistematização do Mapeamento Estrutural de Analogias e Modelos de Ferry (2016).
Este trabalho escolheu, como metodologia de análise, a Sistematização do Mapeamento Estrutural de Analogias e Modelos de Ferry, que foi desenvolvida a partir da compreensão da Teoria do Mapeamento Estrutural de Gentner. O Mapeamento Estrutural compõe um sistema de codificação das correspondências mapeadas ou mapeáveis identificadas em uma analogia que permitem uma análise de suas estruturas.
É relevante destacar que as metodologias de uso de analogias no ensino contribuem para que as atividades didáticas obtenham êxito após aplicadas em sala e o Mapeamento Estrutural se apresenta como ferramenta importante nesse contexto.
O objeto de análise deste trabalho foi uma comparação encontrada em diversos livros didáticos da Educação Básica e do Ensino Superior, artigos, dissertações e teses sobre o ensino de matemática que consistem em comparar as funções matemáticas com máquinas.
Para esta pesquisa, a comparação “função é como uma máquina” foi aprimorada para “função é como uma máquina de suco” de acordo com sugestões de Nagem e Oliveira (2004), pois permitiu uma especificação da comparação para explorar conceitos como domínio e contradomínio da função que compõem o conteúdo de ensino de funções na matemática.
A escolha da comparação foi orientada pela sua ocorrência em livros didáticos e pela sua aparente utilização por parte de professores de matemática em suas sequências didáticas para o ensino desse conteúdo.
De acordo com o referencial teórico, a análise permitiu compreender os aspectos estruturais da comparação e classificá-la como analogia, além de indicar formas de utilização em contexto de ensino e na composição de material didático.
Dessa forma, este trabalho teve como objetivo principal apresentar a análise de uma analogia desenvolvida para o ensino de funções a partir do seu mapeamento estrutural.
Referencial Teórico e Metodológico
Esta seção apresenta uma discussão sobre a importância do ensino de funções na formação de estudantes do Ensino Fundamental ao Ensino Superior. Em seguida, suscita sobre a Teoria do Mapeamento Estrutural, que orienta os estudos sobre a analogia proposta neste trabalho e finaliza apresentando a análise e o mapeamento estrutural de analogias e modelos como uma metodologia de análise de dados utilizada nos estudos sobre analogias empregadas em contextos de ensino e de pesquisa.
A importância do ensino de funções
De acordo com a Base Nacional Comum Curricular – BNCC, funções fazem parte do conteúdo de matemática do 9º (nono) ano do Ensino Fundamental II (ou Ensino Fundamental Anos Finais) e está atrelada à unidade temática “Álgebra”, ao objetivo de conhecimento “Funções: representações numéricas, algébricas e gráficas” e à habilidade
(EF09MA06) Compreender as funções como relações de dependência unívoca entre duas variáveis e suas representações numéricas, algébricas e gráficas e utilizar esse conceito para analisar situações que envolvam relações funcionais entre duas variáveis (Brasil, 2018, p. 316-317).
Dessa forma, as analogias são um bom recurso para viabilizar esse aprendizado e é crucial que os estudantes aprendam o conceito de função, bem como seu funcionamento, como apontam Paterlini e Salvador (2018, p. 2) sobre Arquimedes
para iniciar a investigação de questões matemáticas, Arquimedes considerava o método e analogias como valiosos instrumentos de descoberta, mas que deveriam ser posteriormente suplementados com as demonstrações rigorosas (Paterlini; Salvador, 2018, p. 2).
O ensino da matemática precisa introduzir diversos conceitos abstratos (e o ensino de funções não é uma exceção) que, embora representem situações reais, podem não fazer parte do cotidiano dos estudantes e, por isso, se tornam difíceis de serem compreendidos, já que representar o mundo real numericamente pode ser uma tarefa muito abstrata e exigir certa maturidade.
Santiago, Sousa e Alves (2022) pontuam, a partir de diversos autores, que funções é um assunto em que os estudantes costumam apresentar dificuldades e reforçam que
apesar de sua relevância comprovada e suas inúmeras possibilidades de associação ao cotidiano como nos veículos de comunicação, propagandas, jogos, entre outros, os alunos ainda apresentam uma série de dificuldades em sua compreensão (Santiago; Sousa; Alves, 2022, p. 5).
Além disso, entender funções como um agente transformador faz com que esse conceito imponha barreiras para a sua apropriação por parte dos estudantes. Por isso, é importante encontrar formas de favorecer essa compreensão em uma atividade de ensino. Stewart (2013) apresenta funções como sendo o objeto fundamental do cálculo, portanto, pode-se inferir a grande importância de se apropriar do conceito de funções e aprender a manipulá-las/resolvê-las utilizando procedimentos algébricos.
No Brasil, o Cálculo Diferencial e Integral (CDI) é ensinado a partir do Ensino Superior em cursos de exatas. Silva, Jardim e Carius (2016) apontam que a disciplina de cálculo de funções de uma variável real, na universidade, é o primeiro contato que os alunos desses cursos têm com uma matemática diferente do habitual, o que corrobora para a importância dessa aprendizagem já se iniciar na Educação Básica. Segundo Oliveira e Madruga (2018, p. 122), “a deficiência dos estudantes no CDI não começa apenas no momento em que o estudante adentra à Universidade, esse é um dos problemas que os acompanham desde a Educação Básica”. Portanto, a importância do ensino de funções se evidencia no seu uso ao longo da formação do estudante, iniciando no último ano do Ensino Fundamental II.
Como esse conteúdo impõe desafios aos professores no processo de ensino, é comum a recorrência a estratégias e recursos didáticos que favoreçam esse processo. Assim, o uso de analogias se adequa nessa escolha, pois estão intimamente ligadas ao raciocínio analógico que, de acordo com Paterlini e Salvador (2018, p. 2), “é considerado um componente central da cognição humana e exemplos de seu uso são encontrados em materiais didáticos e nas explicações orais”.
A teoria do mapeamento estrutural
As analogias são tomadas como comparações entre dois domínios, um base e um alvo, as quais privilegiam as relações entre elementos (originalmente chamados de objetos) e seus atributos, assim como as relações de ordem superior que impõem restrições às relações de ordem inferior. Com isso, é desenvolvida, em 1983, por Dedre Gentner e aprimorada por Gentner e Markman (1997), a Structure-mappingTheory (Teoria do Mapeamento Estrutural – TME). Essa teoria surgiu dentro da Psicologia Cognitiva e buscava diferenciar as analogias das similaridades literais e outras comparações por meio do alinhamento de conhecimentos sobre o domínio base no domínio alvo, denominado, portanto, “Mapeamento de Estruturas” (Gentner, 1983).
As analogias também são vistas como um mapeamento entre duas situações representadas, de modo que uma estrutura relacional comum é alinhada (Gentner, 1983; Gentner; Markman, 1997; Holyoak; Gentner; Kokinov, 2001 apud Gentner; Bowdle, 2008).
Apesar de a TME dar ênfase às analogias e diferenciá-las das similaridades literais, outros tipos de comparações (abstração, mera aparência e anomalia) são discutidas durante a construção da teoria que apresenta características que permitem que sejam distinguidas. Portanto, segundo Gentner (1983), uma analogia é uma comparação na qual predicados relacionais podem ser mapeados da base para o alvo. As analogias, ainda segundo Gentner (ibidem), assumem regras de interpretação que podem ser distinguidas das outras formas de comparação de domínios, na qual a sistematicidade dos predicados compartilhados versus os não compartilhados determina se uma comparação em particular é considerada como analogia, como similaridade literal ou como a aplicação de uma abstração. O Quadro 1 apresenta uma forma de distinção dessas diferenças entre os tipos de comparação.
Quadro 1 - Tipos de predicados mapeados em diferentes tipos de comparações
Fonte: Gentner (1983, p. 161), tradução livre – Adaptado pelo Autor (2024)
Pode-se observar que, segundo o Quadro 1, para diferenciar uma comparação no contexto da Teoria do Mapeamento Estrutural, é necessário olhar para a quantidade de predicados possíveis de serem mapeados do domínio base para o alvo. Além disso, a autora apresenta dois tipos de predicados: os atributos de objetos, como predicados descritivos dos elementos que compõem as estruturas dos domínios comparados, e as relações, como predicados relacionais entre esses elementos, seus atributos ou até mesmo entre outras relações de ordem estrutural menos complexas.
Com isso, pode-se dizer que: (a) uma similaridade literal estabelece uma comparação em que um grande número de predicados é mapeado da base para o alvo, relativo ao número de predicados não mapeados, de modo que os mapeados incluem tanto os relacionais quanto os atributos de objetos, (b) uma analogia estabelece uma comparação em que muitos predicados relacionais são mapeados da base para o alvo, mas com poucos predicados descritivos, (c) a abstração é uma comparação na qual a base é uma estrutura relacional abstrata. Tal estrutura se pareceria com a exceção de que os nós de objetos seriam entidades físicas generalizadas, e não objetos particulares como "sol" e "planeta" na comparação com o átomo e, assim como as analogias, apresenta muitos predicados relacionais mapeados da base para o alvo e poucos atributos, (d) uma comparação com nenhuma sobreposição de atributos ou sobreposição relacional é simplesmente uma anomalia. Por fim, ao contrário das comparações consideradas até o momento, as comparações por mera aparência não envolvem mapeamentos relacionais, mas apenas correspondências entre os predicados descritivos de objetos/elementos, isto é, entre os seus atributos, como forma, tamanho, cor etc (Gentner, 1983).
O estudo das analogias e outras comparações está fortemente ligado ao mapeamento analógico – um processo que permite um alinhamento estrutural entre duas situações representadas e a projeção de inferências sobre o domínio a ser compreendido (Falkenhainer; Forbus; Gentner, 1989; Gentner; Markman, 1997; Markman; Gentner, 1993 apud Gentner e Bowdle, 2008).
Esse mapeamento é o cerne da TME, pois ele modela os processos cognitivos ocorridos durante a interpretação de uma comparação. Gentner e Bowdle (2008), portanto, apresentam o mapeamento como sendo um alinhamento que consiste em um conjunto explícito de correspondências entre a representação de elementos de duas situações, na qual há ênfase nas correspondências relacionais. O alinhamento é condicionado por uma consistência estrutural de modo que se tenha: (1) correspondências um-a-um entre elementos mapeados na base e no alvo e (2) conectividade em paralelo, em que os argumentos dos predicados relacionais e dos predicados descritivos em um domínio sejam correspondentes aos argumentos similares dos predicados mapeados no outro domínio.
Ademais, a seleção dos alinhamentos é determinada pelo princípio de sistematicidade: a correspondência de um sistema de relações conectadas por relações de ordem superior que impõem restrições às relações de ordem inferior, assim como relações causais são priorizadas no alinhamento com um número igual de correspondências independentes.
Gentner e Markman (1997) apresentam três restrições psicológicas como características fundamentais para considerar uma comparação como uma analogia propriamente dita: (1) a Consistência Estrutural, apresentada anteriormente, (2) o Foco Relacional, que se refere a uma característica típica das analogias, diferentemente das similaridades de mera aparência que são focadas em predicados descritivos colocados em correspondência entre os domínios comparados, refere-se também à possibilidade de se mapear relações de primeira ordem e ordem superior, ou seja, relações complexas entre os elementos, atributos e relações de primeira ordem presentes nos dois domínios e (3) a Sistematicidade, que indica a existência de um sistema de relações mutuamente conectadas em correspondência nos dois domínios que, de certa forma, está relacionada ao poder inferencial sobre as relações pouco conhecidas no domínio alvo a partir da interconectividade das relações conhecidas no domínio base.
Diante disso, para uma comparação ser considerada uma analogia, segundo esse referencial teórico, seu mapeamento deve apresentar consistência estrutural, foco relacional e sistematicidade.
Mapeamento e análise estrutural de analogias
O mapeamento e a análise estrutural configuram uma metodologia desenvolvida por Ferry e colaboradores com base na TME e com maior foco em analogias e modelos. O mapeamento segue um sistema de notações simbólicas que se constitui de um padrão de codificação das correspondências mapeadas ou mapeáveis de uma comparação analógica. Já a análise estrutural, a partir de informações fornecidas pelo mapeamento, tem como base três categorias: a consistência estrutural, o foco relacional e a sistematicidade.
De acordo com Barbosa (2019), o Mapeamento Estrutural, proposto por Ferry, favorece a leitura das estruturas de uma analogia, bem como dá suporte para identificar sua consistência estrutural, seu foco relacional e sua sistematicidade, permitindo sua posterior análise com o objetivo, dentre outros, de evidenciar suas potencialidades e fragilidades, pois foi construído a partir de uma espécie de tradução de códigos básicos usados por Gentner em sua pesquisa para representar as analogias.
Gentner (1983) define que o Mapeamento Estrutural é um alinhamento mental que uma pessoa realiza ao transportar características do domínio base para o domínio alvo. Nesse processo, a pessoa privilegiará as correspondências que evidenciem as relações entre os elementos e seus atributos (originalmente descritos como objetos e predicados descritivos, respectivamente).
O Mapeamento Estrutural gera um quadro analítico, no qual são apresentadas as correspondências mapeadas entre os domínios. Nele também é possível apresentar diferenças presentes em uma correspondência (denominadas diferenças alinháveis da analogia) e suas limitações, que são características de um domínio que não podem ser transportadas para o outro, ou seja, não é possível encontrar correspondência entre os domínios (as limitações são denominadas diferenças não alinháveis).
Em 2015, Ferry e Paula apresentaram o Mapeamento Estrutural pela primeira vez, no qual consideravam apenas correspondências entre Elementos, Atributos, Relações de Primeira Ordem e Ordem Superior. Com a evolução dos estudos, o Mapeamento ganhou novas codificações e foi aprimorado de forma a contribuir ainda mais com as análises de analogias. Essas atualizações foram publicadas por Ferry (2016), Ferry e Paula (2017), Barbosa e Ferry (2018), Ferry (2018) e, por fim, Barbosa (2019) que, baseado em Gentner e Toupin (1986), inseriu o nível hierárquico e o fator de sistematicidade das correspondências, fornecendo a possibilidade de análise comparativa do poder inferencial entre analogias diferentes construídas a partir do mesmo Domínio Alvo.
Na construção do mapeamento, os códigos das correspondências são enunciados por letras e enumerados na sequência em que são mapeados sendo: elementos (En), atributos dos elementos (An), relações de primeira ordem (rn), e relações de ordem superior (nhRn). Além disso, as diferenças são codificadas com D.:[.], em que C faz referência à uma correspondência já mapeada e as limitações (L:[.]), em que C se configura como código novo e indica uma ausência de correspondência de uma estrutura de um domínio para outro.
Na análise do mapeamento, verifica-se a consistência estrutural pela conectividade em paralelo e correspondência um-a-um dos elementos mapeados. O foco relacional é verificado a partir do interesse da analogia em evidenciar as relações entre os elementos e a sistematicidade, pela existência de um sistema interconectado de relações de ordem superior.
A sistematicidade de uma analogia pode ser expressa numericamente pelo algoritmo matemático (Equações 1 e 2) que permite quantificar os fatores de sistematicidade de cada correspondência.
(1)
e
(2)
Sendo fs – fator de sistematicidade, . – objeto em correspondência (E., A., r., nhR.), nh – ordem da correspondência (nível hierárquico), Pfs – fatores de sistematicidade dos respectivos parâmetros, . – quantidade de parâmetros da correspondência, . – índice de cada parâmetro da correspondência (na Equação 1), S – Conjunto Sistematicidade, fs[Pr] – fator de sistematicidade do Predicado relacional e ERC – Estrutura Relacional Comum (na Equação 2).
Com isso, a metodologia de análise de analogias e modelos conta com um vasto conjunto de recursos que permitem explorar e identificar as estruturas que essas comparações podem apresentar, evidenciando suas potencialidade e limitações quando empregadas em contextos de ensino e favorecendo o estabelecimento de estratégias para as suas respectivas abordagens.
Metodologia
A pesquisa utilizou, como principal metodologia, a análise estrutural de analogias proposta por Ferry (2016, 2018), Ferry e Paula (2015, 2017), Barbosa e Ferry (2018) e Barbosa (2019) cuja abordagem é qualitativa. Dessa forma, o desenvolvimento desse trabalho seguiu as seguintes etapas: (1) identificação da comparação[2], (2) aprimoramento da comparação, (3) construção do mapeamento – estabelecimento das correspondências entre os domínios e (4) análise estrutural da comparação mapeada.
Na primeira etapa, escolheu-se a comparação de interesse da análise deste trabalho com base na sua recorrência em materiais didáticos e artigos científicos. Já na segunda etapa, houve o aprimoramento da comparação com especificação do domínio base e, ao invés de denominar a comparação como “função é como uma máquina”, optou-se por adotar a comparação “função é como uma máquina de suco”. Essa escolha foi orientada pela possibilidade de aprofundamento da comparação sobre o domínio alvo.
A terceira etapa foi marcada pelo exercício exaustivo de identificar as correspondências mais relevantes entre os dois domínios (máquina de suco e função). O procedimento de mapeamento é uma externalização da interpretação da comparação e seu detalhamento está diretamente relacionado ao nível de conhecimento e apropriação de quem interpreta e/ou mapeia a comparação tem sobre os domínios. O resultado do mapeamento, como o método sugere, foi disposto em um quadro que apresenta as correspondências mapeadas, bem como outras informações úteis para a sua análise.
A quarta etapa iniciou-se a partir da finalização arbitrária[3] do mapeamento estrutural. A análise do mapeamento baseou-se em três categorias: consistência estrutural, foco relacional e sistematicidade. Contudo, outras discussões e reflexões foram empregadas, a fim de refinar o mapeamento e o próprio uso da comparação em contextos de ensino.
É importante ressaltar que, embora alguns aspectos da análise estrutural, como a sistematicidade, sejam apresentados numericamente, a análise se configura como qualitativa, já que os dados analisados no mapeamento estrutural surgem de fontes subjetivas e varia de pessoa para pessoa que se propunha a realizar o mapeamento de uma comparação. Dessa forma, este artigo não tem a pretensão de finalizar uma análise sobre a comparação estudada, mas apresentar um caminho analítico e propostas de seu uso em sala de aula ou em composição de materiais didáticos que possam contribuir para a potencialização do ensino de funções.
Resultados e Discussões
Em uma breve pesquisa, a comparação de funções como máquinas foi encontrada em diversos trabalhos ou livros didáticos. Dentre os quais se destacam: Stewart (2013) apresenta um diagrama de máquina para uma função .; Nagem e Oliveira (2004) apresentam uma comparação entre funções e o processo de fabricação de suco em um liquidificador e Dante (2011) apresenta um modelo denominado máquina de dobrar e podem ser vistos no Quadro 2 abaixo:
Quadro2 – Representação ilustrativa da Analogia "função é como uma máquina"
Fonte: Elaborado pelo autor (2024)
Todas as comparações de funções como máquina induzem a compreensão de função como um agente transformador que recebe uma entrada (x) e transforma numa saída (f(x)). Dessa forma, inspirado na proposta de Nagem e Oliveira (2004), optou-se por aprimorar a descrição da comparação para “função é como uma máquina de suco” e criar uma representação própria, como pode ser vista na Figura 1.
Figura1 - Ilustração da analogia “função é como uma máquina de suco”
Fonte: Elaborada pelo autor (2024)
Na análise proposta por este trabalho, buscou-se abranger alguns conceitos importantes do conteúdo de funções, como os conceitos de domínio e contradomínio (imagem). Além disso, algumas ponderações foram explicitadas de forma a evitar generalização, uma vez que a analogia não é capaz de representar o conceito de funções em sua totalidade.
O Quadro 3 apresenta o mapeamento estrutural da analogia proveniente do estabelecimento das correspondências mapeadas pelo autor.
Quadro 3 - Mapeamento Estrutural da analogia “função é como uma máquina de fazer suco”
Fonte: Elaborado pelo autor (2024)
Na construção do mapeamento, foram identificadas algumas correspondências interessantes entre os dois domínios, sendo importante pontuar que o domínio base é representado pela máquina de suco e o domínio alvo é representado pelo conceito de função.
Observa-se que os elementos relevantes do conceito de função puderam ser mapeados na comparação, dando destaque para os conceitos de função, domínio e contradomínio.
Foi possível estabelecer uma correspondência de relação de primeira ordem (r.) que indica a relação do valor do x com a função, e das relações de ordem superior (.R., .R., .R.) que correspondem, respectivamente, à transformação do x pela função gerando um f(x), à definição de domínio e à definição de contradomínio.
A sistematicidade da analogia é dada pelo conjunto S = {15, 15} que representa os fatores de sistematicidade da Estrutural Relacional Comum (.R., .R.) composta por todas as relações de ordem superior que não foram tomadas como argumentos de outras relações e indicam maior complexidade dos conceitos de domínio e contradomínio.
Ao observar o mapeamento estrutural da comparação, pode-se dizer que ela possui consistência estrutural, uma vez que os elementos, atributos e relações estão em correspondência um-a-um e apresentam conectividade em paralelo, ou seja, todos os componentes dos domínios, base ou alvo, possuem correspondência unitária entre si. Além disso, a comparação extrapola as correspondências estruturais e descritivas, além de permitir o estabelecimento de correspondências relacionais, demonstrando o seu foco nas relações e, consequentemente, apresentando sistematicidade maior que 0 (zero). Dessa maneira, a comparação apresenta consistência estrutural, foco relacional e sistematicidade, podendo ser classificada, segundo a Teoria do Mapeamento Estrutural (Gentner, 1983), como uma analogia.
Não foram identificadas limitações ou diferenças no mapeamento. Entretanto, é possível que essas apareçam caso uma reflexão da comparação seja elevada para uma complexidade mais profunda do conceito de funções, principalmente se essa reflexão for relacionada às particularidades de funções específicas, como funções paramétricas e trigonométricas, por exemplo. Destaca-se que este trabalho não se propôs a fazer esse tipo de aprofundamento na análise.
A partir do mapeamento e da análise estrutural da analogia, pode-se perceber que se trata de uma ferramenta útil com diversas potencialidades para uso em sala de aula ou na composição de material didático, pois a analogia permite que um professor, com o objetivo de elucidar funções como agentes transformadores, pode explorar os conceitos fundamentais de função como domínio e contradomínio, além dos conceitos mais básicos como o papel do . na função e o significado de f(x) como o resultado de uma transformação.
Em adição, considerando que o processo de fabricação de sucos seja algo comum ao cotidiano de estudantes do 9º ano ou Ensino Superior, o uso dessa analogia por professores de matemática pode ser realizado de diversas formas: (1) descrição verbalizada em estímulo à imaginação dos estudantes, (2) com auxílio de ilustração como os modelos apresentados no Quadro 2 e na Figura 1, (3) com o auxílio de vídeos e/ou animações apresentando a analogia ou somente o processo de fabricação de suco e (4) a partir de atividade lúdica em sala em que os estudantes são conduzidos a fabricar sucos com auxílio de uma máquina ou de outras formas advindas da criatividade do professor.
Considerações finais
Em suma, este artigo cumpre o seu objetivo de apresentar o mapeamento e a análise estrutural da analogia “função é como uma máquina de suco” a partir do padrão de codificação proposto por Ferry e colaboradores. Para tanto, foram apresentados a escolha da analogia que foi orientada pelo interesse da pesquisa, o aprimoramento, o mapeamento estrutural e a análise da analogia.
A partir da análise, foi possível perceber que a analogia é útil para o ensino de função, pois oferece elementos para trabalhar, tanto o conceito geral de função quanto conceitos que fazem parte do conteúdo, como domínio e contradomínio. A utilidade da analogia também é reafirmada pela sua presença em diversos materiais didáticos e em artigos científicos que relatam seu uso em sala de aula, tendo-a como um recurso de forte interesse de professores e pesquisadores.
Embora não se tenha identificado limitações na analogia, tão pouco diferenças alinháveis, é importante pontuar que, devido ao não aprofundamento da análise para avaliar a aderência da analogia como recurso didático que trabalharia funções específicas da matemática, como funções paramétrica e trigonométricas, não é possível afirmar que a analogia não possuirá limitações para lidar com esses casos específicos.
Além disso, este artigo poderá servir como base ou como guia para a análise de analogias desenvolvidas para o ensino de outros conteúdos da matemática ou de outras áreas que permitirá que professores e pesquisadores possam avaliar as analogias que usam ou pretendem usar em contextos de ensino e/ou de pesquisa.
Por fim, o artigo indicou algumas formas de abordar a analogia investigada em sala de aula ou na composição de algum material didático que vise o ensino de funções. Contudo, há diversas formas de se fazer essa abordagem, da mais simples até a mais sofisticada e isso dependeria da criatividade, condição e disposição do professor.
Referências
BARBOSA, W. V. Análise da sistematicidade de analogias em contextos de ensino e de pesquisa na educação em ciências. Dissertação (Mestrado em Educação Tecnológica) – Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019.
BARBOSA, W. V.; FERRY, A. S. Concepção de um software para mapeamento estrutural de analogias empregadas no ensino de ciências. Revista de Estudos e Pesquisas sobre Ensino Tecnológico, Manaus, v. 4, n. 08, p. 224-243, nov. 2018. Edição Especial. Disponível em: https://sistemascmc.ifam.edu.br/educitec/index.php/educitec/article/view/580. Acesso em: 06 jul. 2023.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 25 jun. 2023.
DANTE, L. R. Matemática: contexto e aplicações. 1. ed. São Paulo: Ática, 2011.
FALKEHAINER, B.; FORBUS, K. D.; GENTNER, D. The structure-mapping engine: algorithm and examples. Artificial Intelligence, [S. l.], v. 41, p. 1-63, 1989. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/0004370289900775. Acesso em: 06 jul. 2023.
FERRY, A. S. Análise estrutural e multimodal de analogias em uma sala de aula de química. 2016. 170 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/BUOS-AR8GMT. Acesso em: 23 jul. 2023.
FERRY, A. S. Pesquisas sobre analogias no contexto da educação em ciências à luz da teoria do mapeamento estrutural (Structure-mappning Theory). São Paulo: Livraria da Física, 2018.
FERRY, A. S.; PAULA, H. F. Mapeamento estrutural de analogias e outras comparações em uma sala de aula de Química. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 10., 2015, Águas de Lindoia. Anais [...]. Águas de Lindoia, 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ciedu/a/WFQ6mz3sKvQnDKQzSSkHPWv/?lang=pt. Acesso em: 23 jul. 2023.
FERRY, A. S.; PAULA, H. F. Mapeamento estrutural de analogias enunciadas em uma aula sobre cinética química. Ciência & Educação, Bauru, v. 23, n. 1, p. 29 - 50, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ciedu/a/WFQ6mz3sKvQnDKQzSSkHPWv/?lang=pt. Acesso em: 23 jul. 2023.
GENTNER, D. Structure-mapping: a theoretical framework for analogy. Cognitive Science, Palo Alto, v. 7, n. 1, p. 155-170, 1983. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0364021383800093. Acesso em: 06 jul. 2023.
GENTNER, D.; BOWDLE, B. Metaphor as structure-mapping. In: GIBBS, R. (ed.). The Cambridge Handbook of Metaphor and Thought. New York: Cambridge University Press, 2008. Disponível em: https://psycnet.apa.org/record/2008-10315-007. Acesso em: 06 jul. 2023.
GENTNER, D.; MARKMAN, A. B. Structure mapping in analogy and similarity. American Psychologist, USA, v. 52, n. 1, p. 45 - 56, jan 1997. Disponível em: https://groups.psych.northwestern.edu/gentner/papers/GentnerMarkman97.pdf. Acesso em: 06 jul. 2023.
GENTNER, D.; TOUPIN, C. Systematicity and surface similarity in the development of analogy. Cognitive Science, [S. l.], v. 10, p. 277–300, 1986. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0364021386800192. Acesso em: 06 jul. 2023.
HOLYOAK, K. J.; GENTNER, D.; KIKINOV, B. N. Introduction: the place of analogy in cognition. In: GENTNER, D.; HOLYOAK, K. J.; KOKINOV, B. N. (ed.). The analogical mind: perspectives from cognitive science. Cambridge: Massachusetts Institute of Technology Press, 2001. Disponível em: https://groups.psych.northwestern.edu/gentner/papers/HolyoakGentnerKokinov01.pdf. Acesso em: 06 jul. 2023.
HOLYOAK, K. J.; THAGARD, P. Analogical mapping by constraint satisfaction. Cognitive Science, [S. l.], v. 13, p. 295 - 355, 1989. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/0364021389900165. Acesso em: 06 jul. 2023.
NAGEM, R. L.; OLIVEIRA, E. F. Analogias e metáforas em livros didáticos de matemática. Educ. Tecnol., Belo Horizonte, v. 9, n. 2, p. 17-22, jul./dez. 2004. Disponível em: http://www.sbem.com.br/files/viii/pdf/02/PO53675045668.pdf. Acesso em: 23 jul. 2023.
NAGEM, R.; CARVALHAES, D.; DIAS, J. Uma Proposta de Metodologia de Ensino com Analogias. Revista Portuguesa de Educação, Portugal, v. 14, n. 1, p. 197-213, 2001. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=37414109. Acesso em: 23 jul. 2023.
OLIVEIRA, J. D.; MADRUGA, Z. E. F. Modelagem matemática, cálculo diferencial e integral e banco de dados: um estudo sobre pesquisas brasileiras. Educitec - Revista de Estudos e Pesquisas sobre Ensino Tecnológico, Manaus, v. 04, n. 08, p. 120-142, nov. 2018. Edição especial. Disponível em: https://sistemascmc.ifam.edu.br/educitec/index.php/educitec/article/view/496. Acesso em: 15 jun. 2023.
PATERLINI, C. R.; SALVADOR, J. A. Analogias no Ensino de Matemática. In: CONGRESSO NACIONAL DE MATEMÁTICA APLICADA E COMPUTACIONAL, 38., São José dos Campos. Anais […]. São José dos Campos, v. 6, n. 1, 2018. Disponível em: https://proceedings.sbmac.org.br/sbmac/article/download/1980/1998. Acesso em: 15 jun. 2023.
SANTIAGO, P. V. S.; SOUSA, R. T.; ALVES, F. R. V. O ensino de funções do 1º grau por meio da gamificação com o Escape Factory. Educitec - Revista de Estudos e Pesquisas sobre Ensino Tecnológico, Manaus, v. 8, e178822, 2022. Disponível em: https://sistemascmc.ifam.edu.br/educitec/index.php/educitec/article/view/1788. Acesso em: 15 jun. 2023.
SILVA, J. M.; JARDIM, D. F.; CARIUS, A. C. O Ensino e a Aprendizagem de Conceitos de Cálculo Usando Modelos Matemáticos e Ferramentas Tecnológicas. Revista de Ensino de Engenharia, Minas Gerais, v. 35, p. 70-79, 2016. Disponível em: http://revista.educacao.ws/revista/index.php/abenge/article/view/518. Acesso em: 15 jun. 2023.
STEWART, J. Cálculo, volume I. 7. ed. tradução: EZ2 Translate. São Paulo: Cegage Learning, 2013.