O Ensino a Distância e as novas formas de mercantilização do ensino superior no Brasil

Samira Loreto Edilberto Pompeu
Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca , Brasil

Revista de Estudos e Pesquisas sobre Ensino Tecnológico

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas, Brasil

ISSN-e: 2446-774X

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 9, e221723, 2023

educitec.revista@ifam.edu.br

Recepção: 12 Maio 2023

Aprovação: 14 Agosto 2023

Publicado: 25 Setembro 2023



DOI: https://doi.org/10.31417/educitec.v9.2217

Resumo: O ensino a distância vem ganhando crescente espaço no Brasil nos últimos anos, com o aumento de cursos em diversas áreas, bem como de alunos em diversas partes do país. Uma análise da legislação específica sobre o tema permite compreender o terreno criado para permitir este avanço, bem como os dados estatísticos sobre EAD apresentados em relatórios nacionais mostram o crescimento e a popularização desta modalidade de ensino no país nos últimos anos. Nesse contexto, o presente trabalho busca analisar criticamente o discurso sobre o ensino a distância em revistas de mídia de negócios a partir do discurso de uma liderança desta área. Foi realizada uma análise cartográfica do discurso com base em conceitos do linguista Dominique Mainguenau e da filosofia da linguagem de Mikhail Bakhtin. Para realizar tal análise, foram selecionadas duas entrevistas do diretor-presidente da Ser Educacional, Jânio Diniz. A primeira, uma entrevista concedida ao site “Moneytimes” e a segunda derivada desta, ao site da revista “Valor Econômico”. Foi com base na perspectiva da linguagem como intervenção que este trabalho foi desenvolvido. Desejou-se aqui problematizar a presença de organizações (ou empresas) de ensino em revistas de negócios e defende-se a ideia da existência crescente da mercantilização do ensino, bem como da educação tratada como um negócio que ganha novos moldes nos dias atuais com o advento e aumento de cursos do EAD.

Palavras-chave: Mercantilização do ensino Tecnologia do Ensino a distância. Análise de Discurso..

Abstract: Distance learning has been gaining ground in Brazil in recent years, with the growth in courses in several fields, as well as students in various parts of the country. An analysis of specific legislation on the subject allows us to understand the space created to allow this progress, as well as the statistical data on distance learning presented in national reports showing the recent growth and popularization of this type of education in the country. In this context, this study aims to critically analyze the discourse on distance learning in business media magazines based on the discourse of a leader in this area. A mapping discourse analysis was carried out based on concepts from the linguist Dominique Maingueneau and the language philosophy of Mikhail Bakhtin. Two interviews with the CEO of Ser Educacional, Jânio Diniz, were selected to perform such an analysis. The first was an interview given to the Moneytimes website, and the second was an interview derived from the previous one. It was given to the Valor Econômico magazine website. The research was developed based on the perspective of language as an intervention. The study objective was to question the presence of educational organizations (or companies) in business magazines and to defend the idea of the increasing commercialization of education, as well as education being treated as a business that is taking on new formats today due to the increase of distance learning courses.

Keywords: Commercialization of education Distance learning. Discourse analysis..

Resumen: La educación a distancia ha ganado un espacio creciente en Brasil en los últimos años, con el aumento de cursos en diversas áreas, así como de estudiantes en diferentes partes del país. Un análisis de la legislación específica sobre el tema permite comprender el terreno creado para permitir este avance, así como los datos estadísticos sobre la educación a distancia presentados en informes nacionales que muestran el crecimiento y la popularización de esta modalidad de enseñanza en el país en los últimos años. En este contexto, este trabajo busca analizar críticamente el discurso sobre la educación a distancia en revistas de medios de negocios a partir del discurso de un líder en esta área. Se realizó un análisis cartográfico del discurso basado en conceptos del lingüista Dominique Mainguenau y la filosofía del lenguaje de Mikhail Bakhtin. Para realizar este análisis, se seleccionaron dos entrevistas del director-presidente de Ser Educacional, Jânio Diniz. La primera, una entrevista concedida al sitio Moneytimes y la segunda derivada de esta, al sitio de la revista Valor Econômico. Este trabajo se desarrolló sobre la base de la perspectiva del lenguaje como intervención. Se buscó problematizar la presencia de organizaciones (o empresas) educativas en revistas de negocios y se defiende la idea de la creciente existencia de la mercantilización de la educación, así como la educación tratada como un negocio que adquiere nuevos modelos en la actualidad con la aparición y el aumento de los cursos de educación a distancia.

Palabras clave: Mercantilización de la educación Educación a distancia. Análisis del discurso..

O ensino a distância e as novas formas de mercantilização do ensino superior no brasil

Resumo

O ensino a distância vem ganhando crescente espaço no Brasil nos últimos anos, com o aumento de cursos em diversas áreas, bem como de alunos em diversas partes do país. Uma análise da legislação específica sobre o tema permite compreender o terreno criado para permitir este avanço, bem como os dados estatísticos sobre EAD apresentados em relatórios nacionais mostram o crescimento e a popularização desta modalidade de ensino no país nos últimos anos. Nesse contexto, o presente trabalho busca analisar criticamente o discurso sobre o ensino a distância em revistas de mídia de negócios a partir do discurso de uma liderança desta área. Foi realizada uma análise cartográfica do discurso com base em conceitos do linguista Dominique Mainguenau e da filosofia da linguagem de Mikhail Bakhtin. Para realizar tal análise, foram selecionadas duas entrevistas do diretor-presidente da Ser Educacional, Jânio Diniz. A primeira, uma entrevista concedida ao site “Moneytimes” e a segunda derivada desta, ao site da revista “Valor Econômico”. Foi com base na perspectiva da linguagem como intervenção que este trabalho foi desenvolvido. Desejou-se aqui problematizar a presença de organizações (ou empresas) de ensino em revistas de negócios e defende-se a ideia da existência crescente da mercantilização do ensino, bem como da educação tratada como um negócio que ganha novos moldes nos dias atuais com o advento e aumento de cursos do EAD.

Palavras-chave: Mercantilização do ensino. Tecnologia do Ensino a distância. Análise de Discurso.

Distance learning and the new forms of commercialization of higher education in brazil

Abstract

Distance learning has been gaining ground in Brazil in recent years, with the growth in courses in several fields, as well as students in various parts of the country. An analysis of specific legislation on the subject allows us to understand the space created to allow this progress, as well as the statistical data on distance learning presented in national reports showing the recent growth and popularization of this type of education in the country. In this context, this study aims to critically analyze the discourse on distance learning in business media magazines based on the discourse of a leader in this area. A mapping discourse analysis was carried out based on concepts from the linguist Dominique Maingueneau and the language philosophy of Mikhail Bakhtin. Two interviews with the CEO of Ser Educacional, Jânio Diniz, were selected to perform such an analysis. The first was an interview given to the Moneytimes website, and the second was an interview derived from the previous one. It was given to the Valor Econômico magazine website. The research was developed based on the perspective of language as an intervention. The study objective was to question the presence of educational organizations (or companies) in business magazines and to defend the idea of the increasing commercialization of education, as well as education being treated as a business that is taking on new formats today due to the increase of distance learning courses.

Keywords: Commercialization of education. Distance learning. Discourse analysis.

La educación a distancia y las nuevas formas de mercantilización de la educación superior en brasil

Resumen

La educación a distancia ha ganado un espacio creciente en Brasil en los últimos años, con el aumento de cursos en diversas áreas, así como de estudiantes en diferentes partes del país. Un análisis de la legislación específica sobre el tema permite comprender el terreno creado para permitir este avance, así como los datos estadísticos sobre la educación a distancia presentados en informes nacionales que muestran el crecimiento y la popularización de esta modalidad de enseñanza en el país en los últimos años. En este contexto, este trabajo busca analizar críticamente el discurso sobre la educación a distancia en revistas de medios de negocios a partir del discurso de un líder en esta área. Se realizó un análisis cartográfico del discurso basado en conceptos del lingüista Dominique Mainguenau y la filosofía del lenguaje de Mikhail Bakhtin. Para realizar este análisis, se seleccionaron dos entrevistas del director-presidente de Ser Educacional, Jânio Diniz. La primera, una entrevista concedida al sitio Moneytimes y la segunda derivada de esta, al sitio de la revista Valor Econômico. Este trabajo se desarrolló sobre la base de la perspectiva del lenguaje como intervención. Se buscó problematizar la presencia de organizaciones (o empresas) educativas en revistas de negocios y se defiende la idea de la creciente existencia de la mercantilización de la educación, así como la educación tratada como un negocio que adquiere nuevos modelos en la actualidad con la aparición y el aumento de los cursos de educación a distancia.

Palabras clave: Mercantilización de la educación. Educación a distancia. Análisis del discurso.

Introdução

O ensino a distância[2] vem ganhando crescente espaço no Brasil nos últimos anos, com o aumento de cursos em diversas áreas, bem como de alunos em diversas partes do país (Censo EAD, 2019b; 2021; 2022).

Pode-se dizer que o ensino a distância possui seus defensores, mas também seus críticos (Bertolin, 2021; Guerra; Carrara; Martins, 2022; Hernandes, 2017; Magalhães, 2021; Patto, 2013) - como ocorre com toda inovação ou mudança de ruptura com a tradição. Acontece que, no ano de 2020, para a maior parte dos(as) alunos(as) e professores (as), seja apoiador(a) ou crítico(a) do EAD, por conta da pandemia do coronavírus, o ensino mediado por tecnologias mostrou-se como única saída para a manutenção das aulas de colégios e nas faculdades, públicos(as) e privados(as), salvo raras exceções. Foi o chamado ensino remoto emergencial (ERE). Esse cenário trouxe à tona o aumento da discussão sobre o ensino a distância na mídia, nas escolas, universidades, nos círculos sociais de alunos(as) e profissionais da educação bem como na produção científica sobre o tema (Coqueiro; Sousa, 2021; Franco et al., 2022; Freires et al., 2023; Guerra; Carrara; Magalhães, 2021; Pagaime et al., 2023).

Assim, o presente trabalho busca analisar criticamente o discurso sobre o ensino a distância em revistas de mídia de negócios. Para tanto, foram selecionadas duas entrevistas diretor-presidente/CEO da Ser Educacional, Jânio Diniz. Uma entrevista concedida ao site Moneytimes intitulada “O ensino presencial não vai mais existir” e outra, derivada desta, ao site da revista Valor Econômico com o título “Com modelo híbrido não teremos mais curso 100% presencial diz presidente da Ser”.

Deseja-se aqui problematizar a presença de organizações (ou empresas) de ensino em revistas de negócios e defende-se a ideia da existência crescente da mercantilização do ensino, bem como da educação tratada como um negócio que ganha novos moldes nos últimos anos com a popularização e o crescimento dos cursos na modalidade do ensino a distância - EAD.

O artigo possui como fundamentação teórica baseado na legislação específica sobre o tema (Brasil, 1996; 2017; 2018; 2019a), bem como apresenta dados estatísticos extraídos de documentos/relatórios sobre EaD (Brasil, 2019; 2019b, 2022). Foi realizada uma análise cartográfica do discurso com base em conceitos do linguista Dominique Mainguenau e da filosofia da linguagem de Mikhail Bakhtin.

Referencial teórico

Para estruturar o quadro teórico que auxiliará na análise, foram selecionados os seguintes tópicos que possuem relação com o tema, a saber: mercantilização do ensino superior no Brasil e EAD e seu crescimento no Brasil contemporâneo. Os principais conceitos acerca desses temas serão abordados nas subseções a seguir.

Mercantilização do ensino superior no Brasil

Em termos de uma análise histórica sobre o processo de mercantilização do ensino superior, Pereira (2009) constata que a década de 1990 e o início do século 21 marcaram um intenso processo de expansão e de mercantilização do ensino superior no Brasil.

Alguns autores (Bechi, 2011; Chaves, 2010) assinalam a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), aprovada em dezembro de 1996 como marco da mercantilização do ensino na história da educação no Brasil. Especialmente por conta do seguinte artigo:

Art. 7º: O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

I - cumprimento das normas gerais da educação nacional e do respectivo sistema de ensino; II - autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público; III - capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no art. 213 da Constituição Federal (Brasil, 1996).

De acordo com Chaves (2010), com a LDB o Estado assumiu um papel de destaque no controle e gestão das políticas educacionais, ao mesmo tempo em que liberalizou a oferta da educação superior para a iniciativa privada. Com o artigo supracitado, pode-se dizer que a política que passa a ser adotada no país no que tange à educação é uma política em que a educação privada deva ser autofinanciada e que cabe à família arcar com seus custos (Chaves, 2010). De acordo com a autora, no caso da educação superior, a LDB contribuiu para um maior crescimento do setor privado, ao aceitar a existência e o funcionamento de instituições com fins lucrativos.

Em suma, pode-se dizer que a LDB:

serviu como base para o processo de reforma da educação superior, em atendimento às orientações dos organismos multilaterais internacionais para a implantação do modelo de Estado neoliberal, em que a lógica mercantilista assume a centralidade (Chaves, 2010, p. 486).

Ainda no que diz respeito à mercantilização do ensino, no pós-LDB/1996, é possível constatar, a partir de 2007, novas configurações da expansão da educação superior no Brasil que podem ser caracterizadas de diversas formas. Podem ser citadas: a criação de redes de empresas mediante a compra e/ou fusão de instituições de ensino superior privadas, seja por empresas nacionais, seja por empresas internacionais de ensino superior, pela abertura de capitais destas nas bolsas de valores e a consequente formação de oligopólios (Chaves, 2010). De fato, hoje existem grandes instituições reunidas que viraram empresas da área da educação como a Ser Educacional (cujo discurso do diretor/presidente será objeto de estudo aqui), Cogna, Ânima e Yduqs - para citar algumas.

Nos anos recentes, é possível destacar no Brasil a existência de alguns decretos e portarias que regulamentam a oferta do ensino a distância que interferem na mudança do cenário educacional. Entre eles, encontram-se o Decreto nº 9.057, de 25 de maio de 2017, assinada pelo então presidente Michel Temer, a portaria nº 1.428, de 28 de dezembro de 2018, e a portaria nº 2.117, de 6 de dezembro de 2019, assinada pelo ministro da Educação do então governo Bolsonaro, Abraham Weintraub (Brasil, 2017; 2018; 2019a).

O decreto nº 9.057, de 25 de maio de 2017, regulamenta o art. 80 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (Brasil, 2017). O referido artigo da LBD aborda o incentivo, por parte do poder público, do desenvolvimento e veiculação de programas de ensino a distância, em todos níveis e modalidades de ensino (Brasil, 1996). O referido decreto passou a permitir que as instituições de ensino superior ampliassem a oferta de cursos de graduação e pós-graduação na modalidade EaD. Além disso, permitiu que as IES ofereçam exclusivamente cursos a distância, sem que exista concomitantemente a oferta de cursos presenciais (Censo EAD, 2022).

Por sua vez, a portaria nº 1.428, de 28 de dezembro de 2018, dispõe sobre a oferta, por Instituições de Educação Superior - IES, de disciplinas na modalidade a distância em cursos de graduação presencial (Brasil, 2018). Segundo a portaria:

Art. 1º Esta Portaria dispõe sobre a oferta de disciplinas com metodologia a distância em cursos de graduação presencial ofertados por Instituição de Educação Superior - IES credenciadas pelo Ministério da Educação. [...] Art. 2º As IES que possuam pelo menos 1 (um) curso de graduação reconhecido poderão introduzir a oferta de disciplinas na modalidade a distância na organização pedagógica e curricular de seus cursos de graduação presenciais regularmente autorizados, até o limite de 20% (vinte por cento) da carga horária total do curso. (Brasil, 2018, p.1).

De acordo com o art. 3º, o limite de 20% poderá ser ampliado para até 40%[3] para cursos de graduação presencial, desde que também atendidos quatro requisitos, alguns dos quais ligados a IES ter boas avaliações no MEC.

No ano seguinte, a portaria nº 2.117, de 6 de dezembro de 2019, “dispõe sobre a oferta de carga horária na modalidade de Ensino a Distância - EaD em cursos de graduação presenciais ofertados por Instituições de Educação Superior - IES pertencentes ao Sistema Federal de Ensino” (Brasil, 2019a, p. 1). De acordo com esta portaria, em seu art. 2º: “As IES poderão introduzir a oferta de carga horária na modalidade de EaD na organização pedagógica e curricular de seus cursos de graduação presenciais, até o limite de 40% da carga horária total do curso”[4] (BRASIL, 2019a, p. 1). Enquanto a portaria do ano anterior tratava das instituições de ensino credenciadas pelo MEC, o foco desta, do ano de 2019, é para as instituições do “Sistema Federal de Ensino”.

O histórico das leis, decretos e portarias que versam sobre o ensino a distância no Brasil é importante para compreender o cenário que temos hoje e, principalmente, entender o contexto que possibilita o crescimento do EAD. É sobre este panorama que está desenvolvida a próxima seção.

Tendências recentes: EAD e seu crescimento no Brasil contemporâneo

Esta seção é dedicada a apresentar dados estatísticos extraídos de documentos/relatórios que versem sobre o crescimento dos cursos de graduação a distância no Brasil nos últimos anos de forma a embasar a análise discursiva com o contexto em que se insere. Nos relatórios, foram selecionados especialmente dados e gráficos que mostrem uma comparação com o ensino presencial e/ou pontos e critérios em que o EAD passa a ultrapassar a presença dos cursos presenciais tradicionais para fornecer uma melhor dimensão da participação do EAD no ensino superior brasileiro.

Vale lembrar que, até o ano de 2020, 87,6% das instituições de educação superior no Brasil são privadas. Há 304 IES públicas e 2.153 IES privadas no país (Brasil, 2022). No ano de 2020, a oferta de vagas da rede privada correspondeu a 95,6% do total de vagas em cursos de graduação. Por sua vez, as vagas ofertadas pela rede pública corresponderam a 4,4% das vagas ofertadas pelas instituições de educação superior no mesmo ano (Brasil, 2022).

Nos últimos anos, pode-se perceber um grande aumento no número de vagas oferecidas em cursos de graduação a distância no Brasil, como se pode observar no gráfico que se segue:

Gráfico 1: Número de vagas oferecidas em cursos de graduação, por modalidade de ensino no Brasil de 2014 a 2018.

Número de vagas
oferecidas em cursos de graduação, por modalidade de ensino no Brasil de 2014 a
2018.
Gráfico 1
Número de vagas oferecidas em cursos de graduação, por modalidade de ensino no Brasil de 2014 a 2018.
Brasil (2019).

Fonte: Brasil (2019).

Pode-se depreender do gráfico que há um aumento no número de vagas oferecidas em cursos de graduação na modalidade a distância, a ponto de, no ano de 2018, suplantar o número de vagas do ensino presencial. Naquele ano, o total geral de vagas foi de 13.529.101 sendo destes um total de 6.358.534 vagas abertas para o ensino presencial e 7.170.567 oferecidas na modalidade EAD (Brasil, 2019b).

Além disto, o número de ingressos em cursos do nível de graduação na modalidade a distância “[...] tem crescido substancialmente nos últimos anos, dobrando sua participação, no total de ingressantes, de 20% em 2008 para 40% em 2018” (Brasil, 2019b). É relatado no documento também que, de 2014 a 2018, os ingressos nos cursos de graduação presenciais diminuíram 13%. Um panorama geral das estatísticas da comparação do número de ingressos em cursos de graduação brasileiros por modalidade de ensino pode ser representado a seguir:

Gráfico 2: Número de ingressos em cursos de graduação por modalidade de ensino – 2010 - 2020.

Número de ingressos em
cursos de graduação por modalidade de ensino – 2010 - 2020.
Gráfico 2
Número de ingressos em cursos de graduação por modalidade de ensino – 2010 - 2020.
Fonte: Brasil (2022).

Fonte: Brasil (2022).

Nota-se que, de 2019 para 2020, houve uma mudança no número de ingressos. Se, em 2019, a maior parte dos ingressos era na modalidade presencial, em 2020, por sua vez, a maior parte dos ingressos corresponde aos alunos dos cursos da modalidade a distância, representando 53% do total de ingressos naquele ano. Além disso, enquanto o volume de ingressos aumenta no EAD em 2020, no presencial há uma queda em relação aos anos anteriores. Assim, o aumento do número de ingressantes totais em cursos de graduação brasileiros nos anos de 2019 para 2020 é devido, exclusivamente, aos ingressos de alunos(as) em cursos EAD (Brasil, 2022).

Tratar do surgimento da mercantilização do ensino superior no Brasil desde décadas atrás até os últimos anos é relevante para a análise aqui, bem como apresentar a dimensão do crescimento do EAD no país, já que em análise do discurso é preciso estabelecer uma ancoragem sócio-histórica do objeto de estudo (Rocha; Deusdará, 2005). Maiores detalhes sobre a abordagem discursiva estão contemplados na subseção que se segue.

Discurso e análise do discurso

A análise do discurso propõe a compreensão de um plano discursivo que liga a linguagem e a sociedade, permeadas pelo contexto ideológico em que se inserem (Rocha; Deusdará, 2005).

Na análise do discurso, conforme afirmam os referidos autores, existe um desejo do pesquisador de intervir em uma dada produção de realidade e, é tendo isto em mente que o pesquisador desta abordagem teórico-metodológica elabora sua pergunta de pesquisa.

Em uma perspectiva discursiva, a linguagem é vista como parte de uma construção social, não se dissocia da interação social e participa de uma intervenção sobre o social (Rocha; Deusdará, 2005). Pode-se dizer que existe, nesta abordagem, uma articulação entre linguagem e sociedade.

Dentro do campo da análise do discurso, um conceito especialmente importante a ser empregado no presente artigo é o de ethos (Maingueneau, 2013). Diz respeito à personalidade do enunciador que é revelada mediante a enunciação. Seu conceito de ethos engloba não apenas a dimensão vocal, como também “[...] o conjunto das determinações físicas e psíquicas ligadas pelas representações coletivas à personagem do enunciador” (Maingueneau, 2013, p. 108).

Outros conceitos relevantes do referido linguista francês são os de tom e fiador. O texto escrito possui um tom, que transmite autoridade ao que é dito e, este tom, permite que o leitor construa uma representação do corpo do enunciador. A leitura faz com que surja uma instância subjetiva que desempenha o papel do fiador do que se diz (Maingueneau, 2013).

Ao fiador, atribui-se um caráter, correspondendo a uma gama de traços psicológicos, e uma corporalidade, que corresponde a uma apresentação corporal, assim como a uma maneira de se vestir e se movimentar (Maingueneau, 2013). Segundo o autor, ambas noções são provenientes de um conjunto de representações sociais (tais como estereótipos culturais), sobre as quais se apoia a enunciação.

Pode-se dizer que o gênero do discurso (Bezerra, 2016; Maingueneau, 2013) a que pertence o material analisado é o de notícia de site/notícia de revista empresarial.

Além da referida noção de ethos, tom e fiador de Maingueneau, outro conceito importante da análise do discurso tratado aqui é do dialogismo de Bakhtin. Para o filósofo russo, a relação dialógica é “[...] uma relação (de sentido) que se estabelece entre enunciados na comunicação verbal” (Bakhtin, 1997, p. 345). Dois enunciados quaisquer, se justapostos no plano do sentido estabelecerão uma relação dialógica (Bakhtin, 1997). Nesse contexto, é possível afirmar que:

“[...] dois enunciados, separados um do outro no espaço e no tempo e que nada sabem um do outro, revelam-se em relação dialógica mediante uma confrontação do sentido, desde que haja alguma convergência do sentido” (Bakhtin, 1997, p. 354).

“Partindo do princípio dialógico da linguagem, todo discurso citante pode tornar-se discurso citado, num fenômeno telescópico de encaixes sucessivos” (Cunha, 2008, p. 129). O autor complementa que, de acordo com Bakhtin, o ser humano não existe fora da relação com o outro – o que é possível por meio da linguagem, tipicamente dialógica.

Tendo apresentado os principais conceitos de análise do discurso que serão úteis aqui, a próxima parte do artigo que realiza a análise do discurso das notícias.

Análise

NOTÍCIA 1: “O ENSINO PRESENCIAL NÃO VAI MAIS EXISTIR” – MONEYTIMES

A primeira notícia a ser analisada foi publicada no site Moneytimes. Consiste na reprodução de uma entrevista com Jânio Diniz. Antes de entrar em detalhes na matéria em si, cabe uma breve descrição do site. Em seu perfil do Twitter, ele se define como “Site de notícias para o mercado financeiro, econômico e político”. Na parte “sobre” do site, eles se apresentam da seguinte forma:

Com pouco mais de três anos de idade já estamos nos tornando uma referência de independência em informações de relevância para o mercado financeiro. Investidores, analistas, gestores ou entusiastas do ambiente econômico brasileiro usufruem de textos curtos que vão ao centro da informação, análise e debate (Moneytimes, 2021, n. p.).

Estas definições são relevantes para se ter ideia de qual é o perfil do seu coenunciador, com quem eles falam, para quem eles escrevem e por que o site escreve criando um determinado ethos e não outro. Como afirma Maingueneau (2013, p.19), “[...] para exercer um poder de captação, o ethos deve estar afinado com a conjuntura ideológica [...]”.

Pode-se dizer que a escolha do nome do site .Moneytimes” por parte de seu fundador faz uma alusão ao jornal internacional “Financial Times” - de Londres, Reino Unido. Este jornal europeu possui ênfase em notícias que abordem negócios e de cunho econômico, tal como o site brasileiro. Pode-se dizer que há, na escolha deste nome, um dialogismo (Bakhtin, 1979) ou uma interdiscursividade (Maingueneau, 2013). Embora seja coerente a escolha de um termo em inglês para um jornal com sede no Reino Unido, a manutenção deste idioma para um site brasileiro, pode ser explicada por uma tentativa de alinhamento com uma posição eurocêntrica e do Norte.

No menu superior do site, há algumas categorias de links que direcionam para determinado assunto. Eles são: menu, últimas notícias, cotações, comprar ou vender, carteira recomendada e próximos IPOs[5]. Logo abaixo, apresenta a situação, subida ou queda de ações de grandes empresas e índices como o IBOVESPA[6].

Pode-se, com isto, notar um site projetado com enunciação dirigida a um coenunciador que esteja buscando informações sobre o mercado de capitais. Toda essa descrição do cabeçalho do site, da forma como está estruturada e o que contém, revela uma relação dialógica com o discurso do mercado financeiro.

Porém, antes de começar a entrevista, aparece a seção “Educação”, avisando que a notícia está inserida neste tema ou, como diriam os especialistas em finanças, neste “setor”. Tal como existe, para os investidores, empresas que pertencem ao setor de construção civil, de bancos, óleo e gás, hoje há também o de educação. Todavia, cabe problematizar: por que a educação consta como um setor inserido em um site de notícia sobre finanças e mercado de capitais?

Dando prosseguimento à descrição da notícia, abaixo do nome da seção, o site apresenta como título: “‘O ensino presencial não vai mais existir’, afirma CEO da Ser Educacional”. Pode-se notar nele a presença da interdiscursividade com a fala do CEO entrevistado já que a parte do título dentro das aspas recupera a fala dele.

Porém, ao ler a entrevista completa, percebe-se que o CEO não falou exatamente que o que está no título, mas sim:

Para você ter ideia, no nosso caso, a gente esperava atingir a metade da nossa base de alunos em mais de cinco anos de EaD. Esse ano é o primeiro ano que a gente está captando mais alunos de EaD do que presencial. O ensino presencial puro não vai existir. Vai ser o ensino híbrido e o digital (Dantas, 2021, n.p., grifo da autora).

Percebe-se que o site se utiliza de uma estratégia de criação de título chamada click bait. Ou seja, a escolha de uma frase chamativa que, no contexto na internet em que há tantas opções de cliques em uma página, faça aquela página ter mais chances de ser clicada do que outras. Isso porque, na verdade, o entrevistado não disse que não vai mais existir. Mas, sim, que o ensino presencial puro não vai existir. Que será o ensino híbrido (parcialmente EaD e parcialmente presencial) e o digital (totalmente EaD). Isso pode ser confirmado na entrevista com o mesmo executivo na revista Valor Econômico sobre este tema (Favaro, 2021).

Cabe lembrar que, além do tom chamativo do título ao anunciar uma transformação de ruptura no ensino superior como um todo (já que não especifica que ele está falando só da empresa dele) ser um elemento-chave na formação do título click bait, o mesmo também possui um tom profético. Essa fala com um tom de quem prevê o futuro possui uma relação dialógica (Bakhtin, 1979) com os coenunciadores que possam ser potenciais investidores das ações do grupo Ser Educacional na bolsa. Em Análise de Investimentos, uma disciplina de Administração, é recomendado que os investidores acompanhem as notícias[7], que envolvam perspectivas futuras da companhia para fazer investimentos mais acertados. Ter investidores potenciais como coenunciadores em uma notícia que envolve educação pode ser problemático, uma vez que temas importantes da educação são deixados de lado para se submeter à mercantilização do ensino.

Tanto no título, quanto ao longo da matéria, o site se refere ao entrevistado como “executivo” em um momento e, mais adiante, como “CEO” da organização/ empresa “Ser Educacional”. Vale lembrar que CEO é a sigla inglesa de Chief Executive Officer, que pode ser traduzido para Diretor Executivo, em português. Pode-se dizer que este trecho da entrevista, que escolhe um termo em inglês tipicamente usado quando se trata de negócios, estabelece uma relação dialógica da matéria em foco com o mundo empresarial, já que expressões em inglês são amplamente usadas (inclusive no Brasil) nesse contexto. Logo, constata-se que o termo mantém dialogismo com a lógica de mercado, inclusive sob perspectiva da hegemonia norte-atlântica uma vez que não é próprio do idioma português.

Abaixo do título chamativo, a matéria apresenta uma foto do executivo que ocupa bom espaço da tela. Para efeito de publicações em redes sociais (como foi o caso do Linkedin, onde encontrei a matéria), a rede exibe o título e a foto de Jânio Diniz (o CEO). O executivo que aparece na imagem pode ser descrito como um homem, branco, heterossexual, de meia idade, cabelos grisalhos, sorrindo com um ar de confiança e de terno. Pode-se dizer que se trata da representação do típico “homem de negócios”. Esta determinada corporalidade retratada pela matéria do site é necessária para manter uma relação dialógica com seus coenunciadores (outros “homens de negócios”) bem como para criar uma cenografia tal para que o leitor incorpore esta imagem que contribui para a manutenção do ethos mercantil e empresarial da notícia.

Na matéria completa, após a foto, é apresentada uma rápida descrição dos resultados acionários bem-sucedidos do grupo Ser em comparação às outras empresas de educação. O parágrafo em questão destaca que a empresa Ser Educacional obteve um desempenho de sucesso (lucro) mesmo pertencendo a um dos setores mais afetados pela crise do coronavírus. Para tanto, a compara com outras empresas do segmento que tiveram resultados opostos (“alta no prejuízo ou queda no lucro”), tratando-as como concorrentes ao chamá-las de “rivais”, criando um ethos de competição, característico do mundo empresarial. Pode-se dizer que a matéria cria uma relação dialógica entre essas empresas. Além disso, ao citar o nome de cada empresa acompanhado com o código da ação na bolsa de valores (por exemplo, “Yduqs (YDUQ3)”) estabelece um dialogismo (Bakhtin, 1979) entre a empresa de educação e o discurso das finanças, mais especificamente com o mercado de capitais.

A relação dialógica com a área das finanças é feita em diversas partes ao longo do texto. Entre eles ao citar alguns termos que dialogam com a área de análise de investimentos: “analistas gostaram do que viram”, “Ágora Investimentos”, “o diretor de relações com investidores da Ser, Rodrigo de Macedo Alves”, “grande salto que o segmento deu no resultado final da companhia”; “Ebitda acumulado[8]”, “Ebitda total” e dados de resultados trimestrais.

Há também o uso de termos que criam um dialogismo, conceito mencionado por Bakthin, com termos da Administração de Empresas de forma geral. Por exemplo: “a empresa pretende dar continuidade ao seu marketplace da educação”. Além do problema do estrangeirismo, já mencionado na discussão sobre o uso do termo CEO, a educação é ligada a um termo do Marketing, “marketplace”, que pode ser definido como um shopping[9] virtual. Também, em outro momento, o entrevistado fala: “vamos oferecer todos os produtos”. Ou seja: a educação é tratada como um produto.

Os principais trechos da entrevista abordam temas como: perspectivas em relação à segunda onda da Covid, planos da Ser para superar os problemas provocados pela Covid no setor, o ensino a distância como tendência, queda acentuada de alunos do Fies dos últimos anos. A seguir, a próxima matéria.

NOTÍCIA 2: “COM MODELO HÍBRIDO, NÃO TEREMOS MAIS CURSO 100% PRESENCIAL, DIZ PRESIDENTE DA SER” – VALOR ECONÔMICO

A segunda notícia foi encontrada em uma tentativa de buscar a validade do título da primeira. Constatou-se que ela confirma não a posição radical do primeiro título, mas o que o CEO/ presidente disse em sua entrevista no corpo do texto.

A notícia do site valor econômico (Favaro, 2021) tem um tom bem menos financista em comparação com os dados numéricos e termos de mercados de capitais da primeira. Mas, ainda que não tenha um tom radicalmente mercantil, também possui os investidores e pessoas voltadas aos negócios como coenunciadores.

Segue um quadro com os principais termos que denotam um tom mercadológico na matéria da Valor Econômico:

Quadro 1: termos mercadológicos usados na notícia da Valor Econômico (Favaro, 2021) e seus respectivos contextos.

Quadro 1
termos mercadológicos usados na notícia da Valor Econômico (Favaro, 2021) e seus respectivos contextos.
Termos usados Contexto da entrevista
Diretor – presidente “O diretor-presidente da Ser Educacional, Jânyo Diniz”.
Marcas fortes “As marcas precisam ser fortes para atrair alunos. Estamos investindo em marcas locais e muito fortes”.
Aquisições / Segmento digital “o grupo continua com apetite para aquisições, sobretudo no segmento digital”.
Ativos digitais “A nossa fome para ativos digitais aumentou. Temos olhado para ativos interessantes de EaD no mercado”.
Produto “Nossa expectativa é que os produtos cresçam na nossa base”. “O que a gente não quer mais passar é situações onde somos extremamente dependentes de um produto só”.
Player “A gente não quer ser player de medicina. A gente quer que medicina seja parte do negócio”.
Empresas / executivos “Os executivos explicaram que o curso pode abrir diversas portas para a empresa”.
Diretor de relações com os investidores “disse o diretor de relações com investidores”.
Nossa marca de EaD “Isso é relevante porque ajuda a atrair alunos para a nossa marca específica de EaD”.
Captação “As incertezas e volatilidades explicariam a decisão da empresa de não divulgar a prévia de captação por agora”.
Fonte: Elaboração própria (2023).

Fonte: Elaboração própria (2023).

Percebe-se que os termos escolhidos pela revista Valor Econômico em sua matéria (Favaro, 2021) mantém uma relação dialógica com diversas áreas da Administração de Empresas. “Diretor-presidente”, “empresas / executivos” com a Administração em geral. “Marcas fortes”, “produto”, “segmento digital”, “nossa marca EaD” com Marketing e / ou branding. “Player” com estratégia. “Ativos digitais” com contabilidade e finanças. “Aquisições”, “diretor de relações com os investidores”, “captação” com a área de investimentos e finanças. Toda esta forte relação dos termos usados em uma entrevista com uma liderança de uma instituição de ensino com a área de Administração de empresas, reflete a existência da mercantilização do ensino.

Considerações finais

Este trabalho foi desenvolvido com base na perspectiva da linguagem-intervenção, no sentido de problematizar de forma crítica a presença de instituições de ensino em sites e revistas de mídia de negócios, tendo por base uma análise de documentos sobre a situação do ensino a distância no Brasil nos últimos anos e a legislação acerca do tema.

Pode-se perceber alguns indicadores que revelam o crescimento do EAD no Brasil nos últimos anos como o número de vagas oferecidas em cursos de graduação, por modalidade de ensino no Brasil e número de novos ingressantes nos cursos de graduação EAD. É importante ressaltar que os decretos e portarias publicados nos últimos anos que, entre outros fatores, podem ter contribuído para as bases da possibilidade de existência deste cenário de crescimento do EAD e, em alguns casos, até maior que do ensino presencial. Vale lembrar o posicionamento dos governos que assinaram tais legislações, são governos de direita ou extrema direita, neoliberais, com interesses mercadológicos, caracterizados também por oferecerem poucos investimentos à educação, por cortes em financiamentos de pesquisas e pouca (ou nenhuma) preocupação com questões sociais. Sendo assim, cabem as problematizações: será mesmo que estas mudanças na legislação sobre a educação no Brasil são boas para a educação de qualidade no país? Quem realmente se beneficia com tais mudanças? O crescimento e a expansão do EAD no Brasil nos últimos anos são acompanhados da manutenção da qualidade na educação dos cursos oferecidos nesta modalidade ou há perdas qualitativas?

As entrevistas são realizadas com o diretor-presidente da Ser. Sua posição de poder confere autoridade ao que é dito. A palavra vem de alguém que, por meio dela, demonstra possuir as características do homem de negócios presentes nas entrevistas, provocando, assim, uma identificação e influência sobre os leitores destas revistas que pertencem a este público.

Foi percebido nas notícias um ethos empresarial, mediante o uso de uma série de termos que remetem ao mercado empresarial e ao mundo dos negócios (embora o entrevistado seja um representante que fale de uma instituição da área de educação). Em termos do conceito bakhtiniano de dialogismo, pode-se dizer que foi encontrado nas notícias um discurso que mantém relações dialógicas com a matemática, finanças, mercado financeiro, economia e marketing.

Como conclusão, pode-se constatar que, para aqueles preocupados com a educação e não meramente com negócios, existe uma incoerência com a existência de notícias em revistas de mídias de negócios que abordem instituições de ensino. Organizações que trabalham com educação não deveriam aparecer em sites que dialogam com investidores.

No mundo dos negócios com quem estas revistas dialogam, existe um ethos permeado por valores materialistas, individualistas e de alta competição. Quando se fala em educação, principalmente, tais valores não deveriam existir, e sim seus opostos. A competição deveria dar lugar à cooperação, colaboração, pensamento coletivo e alteridade. A pandemia de COVID-19, mais do que mostrar quais ações subiram ou desceram, quais empresas foram bem-sucedidas - mesmo com milhares de desempregados no Brasil - mostrou como tais valores ligados ao altruísmo, ao pensamento comunitário e à coletividade estão tão escassos e são tão necessários.

A educação não deveria ser vista como um produto nem como um comércio. Deveria ser libertadora, ensinar a respeitar as diferenças. Como dizia Nelson Mandela: “A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo.” Talvez, cientes disto, com medo desta arma tão potente de transformação social, grupos hegemônicos não queiram tratar as instituições educacionais de acordo com o propósito verdadeiramente nobre que deveriam atender (a educação e a transformação da sociedade), mas, sim, resumindo-as a negócios e buscando apenas a manutenção social. É isso que devemos combater.

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