Recepção: 05 Março 2022
Aprovação: 13 Outubro 2022
Publicado: 10 Fevereiro 2023
Resumo: Este trabalho tem como objetivo verificar os efeitos de conteúdos multimodais na produção de resumos e suas implicações no ensino da leitura de alunos do ensino superior através da interação com um Objeto Digital de Aprendizagem Multimodal (ODAM). Nesse sentido, realizou-se uma intervenção pedagógica com uma turma do componente curricular Leitura e Produção de Textos I, de uma universidade privada, na qual os estudantes interagiram com o material didático digital, que tem como propósito o ensino da leitura do gênero textual artigo científico, mediado por conteúdo multimodal. Para coletar dados para a análise, as telas dos computadores usados pelos estudantes foram gravadas a fim de verificar se os conteúdos multimodais refletem na capacidade de produzir um resumo do texto contido no ODAM, o qual se tornou um parâmetro para analisar a compreensão leitora dos alunos. Os dados gerados pela gravação das interações com os conteúdos multimodais foram comparados com a produção dos resumos decorrentes da interação com o ODAM, a partir de uma estratégia de integração de dados mistos, qualitativos e quantitativos (CRESWELL, 2010). Com base nas análises, verificou-se que os estudantes que investiram menos tempo para interagir com os conteúdos multimodais apresentaram mais dificuldades em produzir os resumos, enquanto os que interagiram mais tempo conseguiram concluir a tarefa com menos dificuldades.
Palavras-chave: Ensino da leitura Compreensão leitora. Multimodalidade. Ensino Superior. Objeto digital de aprendizagem..
Abstract: This paper aims to verify the effects of using multimodal contents in summary productions as well as its implications in the teaching of reading in higher education students through interacting with a Multimodal Digital Learning Object (MDLO). In this regard, a pedagogical intervention was held with students enrolled in a Reading and Text Production class in a private university. In this intervention, students interacted with the digital learning material, presented in a multimodal interface, whose purpose is to teach to read scientific papers, mediated by multimodal content. The data was collected by recording the computer screens used by the students to verify whether the multimodal resources reflect the ability to write a summary of the text available in the MDLO, which became a parameter to analyze students' reading comprehension. The data generated by recording the interactions with the multimodal content were compared with the production of the summaries resulting from the interaction with the MDLO, based on an integration strategy of qualitative and quantitative data (CRESWELL, 2010). Based on the analyses, it was found that students who invested less time interacting with multimodal content presented more difficulties in producing summaries, while those who interacted longer were able to complete the task with less difficulty.
Keywords: Reading teaching Reading comprehension. Multimodality. Higher education. Digital learning objects..
Resumen: Este trabajo tiene como objetivo verificar los efectos del contenido multimodal en la producción de resúmenes y sus implicaciones para la enseñanza de la lectura en estudiantes de educación superior a través de la interacción con un Objeto Digital de Aprendizaje Multimodal (ODAM). En este sentido, se realizó una intervención pedagógica con una clase del componente curricular Lectura y Producción de Textos I, de una universidad privada, en la que los estudiantes interactuaron con el material didáctico digital, cuyo propósito es enseñar a leer el género textual artículo científico, mediada por contenido multimodal. Para recolectar datos para el análisis, se registraron las pantallas de las computadoras utilizadas por los estudiantes con el fin de verificar si los contenidos multimodales reflejan la capacidad de producir un resumen del texto contenido en el ODAM, que se convirtió en un parámetro para analizar la comprensión de los estudiantes. Los datos generados por el registro de las interacciones con el contenido multimodal fueron comparados con la producción de los resúmenes resultantes de la interacción con el ODAM, a partir de una estrategia de integración de datos mixtos, cualitativos y cuantitativos (CRESWELL, 2010). Con base en los análisis, se encontró que los estudiantes que invirtieron menos tiempo para interactuar con contenido multimodal tuvieron más dificultades para producir resúmenes, mientras que aquellos que interactuaron más tiempo pudieron completar la tarea con menos dificultad.
Palabras clave: Enseñanza de la lectura Comprensión lectora. Multimodalidad. Enseñanza superior. Objeto de aprendizaje digital.
Compreensão leitora no ensino superior: um estudo sobre os efeitos de recursos multimodais na produção de resumos e suas implicações no ensino da leitura
Resumo
Este trabalho tem como objetivo verificar os efeitos de conteúdos multimodais na produção de resumos e suas implicações no ensino da leitura de alunos do ensino superior através da interação com um Objeto Digital de Aprendizagem Multimodal (ODAM). Nesse sentido, realizou-se uma intervenção pedagógica com uma turma do componente curricular Leitura e Produção de Textos I, de uma universidade privada, na qual os estudantes interagiram com o material didático digital, que tem como propósito o ensino da leitura do gênero textual artigo científico, mediado por conteúdo multimodal. Para coletar dados para a análise, as telas dos computadores usados pelos estudantes foram gravadas a fim de verificar se os conteúdos multimodais refletem na capacidade de produzir um resumo do texto contido no ODAM, o qual se tornou um parâmetro para analisar a compreensão leitora dos alunos. Os dados gerados pela gravação das interações com os conteúdos multimodais foram comparados com a produção dos resumos decorrentes da interação com o ODAM, a partir de uma estratégia de integração de dados mistos, qualitativos e quantitativos (CRESWELL, 2010). Com base nas análises, verificou-se que os estudantes que investiram menos tempo para interagir com os conteúdos multimodais apresentaram mais dificuldades em produzir os resumos, enquanto os que interagiram mais tempo conseguiram concluir a tarefa com menos dificuldades.
Palavras-chave: Ensino da leitura. Compreensão leitora. Multimodalidade. Ensino Superior. Objeto digital de aprendizagem.
Reading comprehension in Higher Education: a study on the effects of multimodal resources in summary production and its implications for teaching reading
Abstract
This paper aims to verify the effects of using multimodal contents in summary productions as well as its implications in the teaching of reading in higher education students through interacting with a Multimodal Digital Learning Object (MDLO). In this regard, a pedagogical intervention was held with students enrolled in a Reading and Text Production class in a private university. In this intervention, students interacted with the digital learning material, presented in a multimodal interface, whose purpose is to teach to read scientific papers, mediated by multimodal content. The data was collected by recording the computer screens used by the students to verify whether the multimodal resources reflect the ability to write a summary of the text available in the MDLO, which became a parameter to analyze students' reading comprehension. The data generated by recording the interactions with the multimodal content were compared with the production of the summaries resulting from the interaction with the MDLO, based on an integration strategy of qualitative and quantitative data (CRESWELL, 2010). Based on the analyses, it was found that students who invested less time interacting with multimodal content presented more difficulties in producing summaries, while those who interacted longer were able to complete the task with less difficulty.
Keywords: Reading teaching. Reading comprehension. Multimodality. Higher education. Digital learning objects.
La comprensión lectora en la educación superior: un estudio sobre los efectos de los recursos multimodales en la producción de resúmenes y sus implicaciones para la enseñanza de la lectura
Resumen
Este trabajo tiene como objetivo verificar los efectos del contenido multimodal en la producción de resúmenes y sus implicaciones para la enseñanza de la lectura en estudiantes de educación superior a través de la interacción con un Objeto Digital de Aprendizaje Multimodal (ODAM). En este sentido, se realizó una intervención pedagógica con una clase del componente curricular Lectura y Producción de Textos I, de una universidad privada, en la que los estudiantes interactuaron con el material didáctico digital, cuyo propósito es enseñar a leer el género textual artículo científico, mediada por contenido multimodal. Para recolectar datos para el análisis, se registraron las pantallas de las computadoras utilizadas por los estudiantes con el fin de verificar si los contenidos multimodales reflejan la capacidad de producir un resumen del texto contenido en el ODAM, que se convirtió en un parámetro para analizar la comprensión de los estudiantes. Los datos generados por el registro de las interacciones con el contenido multimodal fueron comparados con la producción de los resúmenes resultantes de la interacción con el ODAM, a partir de una estrategia de integración de datos mixtos, cualitativos y cuantitativos (CRESWELL, 2010). Con base en los análisis, se encontró que los estudiantes que invirtieron menos tiempo para interactuar con contenido multimodal tuvieron más dificultades para producir resúmenes, mientras que aquellos que interactuaron más tiempo pudieron completar la tarea con menos dificultad.
Palabras clave: Enseñanza de la lectura. Comprensión lectora. Multimodalidad. Enseñanza superior. Objeto de aprendizaje digital
Introdução
A habilidade de ler é ensinada ao longo de todo o ensino básico, desde o início da alfabetização, através de práticas voltadas à decodificação, até as séries finais, quando os professores buscam ensinar aos seus alunos a compreender o que leem. No entanto, as competências requeridas pelos leitores aumentaram à medida que os textos sofrem advindas do avanço de tecnologias digitais
Atualmente, a escrita de textos se vale do avanço da tecnologia e essa ligação promoveu mudanças significativas em sua estrutura. Os textos que antes estampavam os jornais, agora apresentam novos semblantes, mais robustos e coloridos, mediados por tecnologias digitais, com gráficos, tabelas, imagens, memes, entre outros. Esse novo formato de textos, que chamamos de multimodais, une diferentes modos semióticos a fim de oferecer aos leitores narrativas precisas, atrativas e dinâmicas. Portanto, torna-se ainda mais necessário que os leitores monitorem seu processo de compreensão, a fim de avaliar o nível de credibilidade de todos esses recursos, como também evitar que muitas informações os confundam, prejudicando sua leitura.
A partir desse contexto e de indicadores de qualidade que continuam apontando o baixo desempenho linguístico dos alunos concluintes de graduação[3], realizou-se uma pesquisa com o objetivo de verificar os efeitos de conteúdos multimodais na compreensão leitora de alunos do ensino superior, de uma universidade privada, a partir da escrita de um resumo, atividade realizada durante a interação com um objeto digital de aprendizagem multimodal.
Feita a apresentação, passemos à organização do texto. Num primeiro momento, serão apresentados os fundamentos conceituais que sustentaram a produção da investigação, sendo eles leitura, multimodalidade e objetos digitais de aprendizagem. Em seguida, será descrito o processo de produção de um Objeto Digital de Aprendizagem Multimodal, a metodologia empregada nesta pesquisa e os resultados alcançados.
Fundamentação teórica
Leitura
O conceito de leitura, neste trabalho, está relacionado à capacidade do sujeito em compreender as informações que interagem ao longo do ato de ler. Nessa perspectiva, entende-se que a leitura é uma habilidade que precisa ser ensinada e, para que esse processo se concretize, é necessário que os sujeitos perpassem por duas etapas. A primeira inicia nos primeiros anos escolares dos indivíduos, nos quais o processo de alfabetização se estabelece; nesse período, que exige tempo e dedicação dos professores e dos alunos, o objetivo é ensinar os alunos a decifrar os códigos da língua. Tal processo pode ser efetivado a partir de diferentes abordagens, e o êxito nessa etapa costuma ser obrigatório para a aprovação para os anos iniciais (SOLÉ, 2015).
Já com a habilidade de decodificar os grafemas e conseguir decifrá-los de forma eficiente, o aluno aprende a compreender, que é a segunda etapa da leitura, e isso será constantemente exigido nos próximos anos de estudo, através de momentos de leitura seguidos de atividades de compreensão leitora. De fato, “aprender a decodificar pressupõe aprender as correspondências que existem entre os sons da linguagem e os signos ou os conjuntos de signos gráficos - as letras e conjuntos de letras - que os representam” (SOLÉ, 2015, p. 51). No entanto, o que se evidencia é que a etapa de decodificação pertence ao processo de leitura, entretanto, o ato de ler não se limita apenas a isso.
Ler, neste trabalho, é estabelecer uma relação entre texto e leitor, os quais tornam-se “como duas engrenagens correndo uma dentro da outra: onde faltar um encaixe nas engrenagens leitor e texto se separam e ficam rodando soltos” (LEFFA, 1996, p. 22). Com isso, tal processo exige que o sujeito compreenda as informações que são oferecidas ao longo da leitura do texto, a fim de criar inferências e monitorá-las, para que consiga extrair o sentido correto do texto. Além disso, o leitor precisa identificar informações importantes do texto que são necessárias para o processo de compreensão.
O processo de compreensão inicia desde quando o sujeito realiza a leitura do título, realizando predições, prevendo quais informações vai interagir ao longo do texto, assim como produzindo inferências, ou seja, criando deduções lógicas para identificar informações importantes e alcançar a compreensão final do texto.
No contexto escolar, há diferentes formas de incentivar os alunos a performar essas ações, como realizar atividades de predição e ativação de conhecimentos prévios (KATO, 2000; PEREIRA, 2002), através de perguntas ou de brainstorming a partir do título do texto, assim como realizar pausas protocoladas (LEFFA, 1996) a fim de verificar a produção de inferências dos estudantes ao longo da leitura, ou ainda, realizar atividades de produção textual, como o resumo, para analisar se o processo de compreensão foi alcançado (SOLÉ, 2015).
A necessidade de práticas de leitura, do nível fundamental ao superior, se intensifica à medida que há diferentes formas de estruturar um texto. Nesse sentido, textos modais surgem acompanhados da incerteza de seu benefício para a compreensão textual, uma vez que se tornam mais complexos para leitores menos experientes. Portanto, é importante conhecer a natureza dos textos multimodais, a fim de reconhecer o efeito da multimodalidade nos processos de compreensão. Em vista disso, em seguida, será discutido o conceito de multimodalidade e suas implicações no escopo da leitura.
Multimodalidade
No âmbito da criação de textos, o que se percebe é que esse processo, assim como muitos outros relacionados ao ensino, experimenta mudanças que vão sendo experimentadas conforme o avanço da tecnologia, tal processo resulta em estruturas textuais complexas. Os recursos tecnológicos e as plataformas digitais oportunizam criar textos que não se prendem à linearidade da escrita. Atualmente, percebemos que os textos apresentam design inovador que se utiliza de outras unidades de significação além da linguagem escrita, tais como sons, vídeos, imagens, infográficos, entre outros, para proporcionar ao leitor uma informação precisa.
Conforme Kress (2010), essas unidades de significação são chamadas de modos semióticos, os quais são considerados recursos semióticos construídos socialmente e culturalmente para expressar um significado, e são utilizados para representar ou comunicar de diferentes formas. Considera-se que o uso dos modos varia, já que podem ser utilizados como uma ilustração do que foi dito, como uma mera ornamentação ou podem ser a fonte principal de significado. Cabe ressaltar que as sociedades têm diferentes preferências modais, as quais vão ao encontro de fins específicos e de necessidades de comunicação particulares.
Na perspectiva da criação de textos, os modos semióticos são organizados pelo layout, o qual os interliga e os transforma em textos multimodais. Nesse processo, reforçam-se as especificidades de certos modos - uma imagem pode ser escolhida com o objetivo de retratar, com o propósito de representar, e um gráfico com a finalidade de esboçar. Entretanto, o layout deve disponibilizar ao leitor esse compilado de informações e orientá-lo a partir das relações feitas entre um modo e o outro (KRESS; VAN LEEUWEN, 2020).
Sobre o processo de compreensão de textos multimodais, Kress e Van Leeuwen (2020) discutem que a leitura desse tipo de texto deve ser atenta, uma vez que é necessário que o leitor perceba que há modos imagéticos e verbais que podem (e devem) ser questionados pelo leitor, principalmente o grau de confiabilidade desses e se há um encadeamento correto de um modo com o outro - A imagem está de acordo com o conteúdo escrito? O conteúdo verbal vai ao encontro dos dados apresentados na tabela ou no gráfico? Assim, esse processo deve ocorrer de forma contínua, pois isso influencia diretamente na produção correta de inferências.
Com a presença dos modos semióticos, há uma maior variedade de roteiros de leitura, ou seja, diferentes possibilidades sequenciais de interação do leitor com essas informações. Logo, os sujeitos podem ler o texto linearmente, das partes para o todo, do todo para as partes, da esquerda para a direita, de cima para baixo, do centro para a margem. No entanto, ressalta-se que, embora a ausência de um percurso convencional de leitura seja uma das características de textos que utilizam mais de um recurso semiótico, deve-se reforçar que, mesmo que o leitor possa interagir com os modos semióticos em qualquer ordem e que isso proporcione uma interação única, todos devem ser organizados e construídos para ampliar a compreensão leitora, não para confundir. Por isso, pensar sobre esse roteiro de leitura como um sistema com o qual o leitor pode interagir onde e quando bem entende é ignorar que há uma continuidade e certa organização por trás do texto (RIBEIRO, 2016).
Uma das possibilidades de organizar os modos semióticos e criar textos multimodais, de forma bem estruturada, é o desenvolvimento de Objetos Digitais de Aprendizagem (ODA). O conceito de ODA é diverso e pode ser constituído por uma sequência didática, que “é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 94). O conteúdo dos ODA pode ser criado a partir de qualquer mídia ou formato, podendo ser simples, como uma sequência de slides, ou mais complexo, como sequências diagramadas por softwares sofisticados. Com isso, percebe-se que, assim como na sequência didática, a criação de ODA também precisa seguir certos passos, como traçar o objetivo, escolher modos semióticos adequados, criar atividades referentes ao conteúdo elencado, entre outros (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004).
No que tange à definição de digital, pode-se afirmar que o conteúdo desta modalidade de objetos de aprendizagem está intrinsecamente ligado à sua plataforma de criação e compartilhamento, uma vez que essa permite que o conteúdo seja editado e melhorado constantemente, o que inicia a discussão sobre a reusabilidade dos ODA. Essa é uma das principais características dos ODA, já que, depois de planejados, podem ser inseridos em diferentes contextos para aprimorar certas habilidades e competências dos alunos, além de promover aulas mais dinâmicas (AGUIAR; FLÔRES, 2014).
Wiley (2000) corrobora ao afirmar que os Objetos Digitais de Aprendizagem podem ser considerados unidades didáticas que podem ser acessadas por qualquer pessoa quando compartilhados em rede, o que significa que há um alcance maior de sujeitos e que não há uma necessidade de retirada ou devolução do material, como ocorria com as mídias usadas anteriormente, por exemplo o CD e o DVD. Além disso, o conteúdo desenvolvido nos ODA pode ser atualizado e disponibilizado sem que isso interfira no acesso dos interessados, o que potencializa sua qualidade de reusabilidade.
Com base nessa discussão conceitual, em seguida, apresenta-se o processo de criação do Objeto Digital de Aprendizagem Multimodal que foi desenvolvido para essa pesquisa, com o objetivo de investigar os efeitos de recursos multimodais na produção de resumos e suas implicações no ensino da leitura de alunos do ensino superior.
O processo de criação de um objeto digital de aprendizagem
O desenvolvimento do Objeto Digital de Aprendizagem Multimodal (ODAM) teve como propósito servir de instrumento para investigar o efeito dos recursos multimodais na compreensão textual dos alunos. A criação do ODAM iniciou-se através da organização de um roteiro, que se iniciou com a escolha de um texto-base, no caso um artigo científico. Essa escolha se deveu ao nível de ensino em que esta pesquisa se realizou, já que esse gênero textual é um dos principais utilizados pelos professores para o estudo de teorias e realização de atividades.
Depois da escolha do texto, organizaram-se atividades relacionadas à compreensão leitora, como também foram escolhidos conteúdos multimodais que poderiam ser inseridos durante a leitura do texto, a fim de auxiliar os alunos, do ensino superior, em sua leitura.
Feito o desenho do roteiro, iniciou-se a diagramação do material projetado na plataforma de organização de conteúdo chamada H5P, no formato de livro interativo, no qual o texto-base foi dividido, assim como as atividades, por páginas. Os conteúdos multimodais, como infográficos e imagens interativas, foram distribuídos ao longo do objeto, como também alocados em Cartões Dialógicos, a fim de potencializar os conhecimentos prévios dos alunos. Os Cartões Dialógicos tornaram-se um recurso optativo, ou seja, o aluno escolhia interagir quando clicava no ícone “Virar”, conforme Figura 1:
Figura 1 – Cartões dialógicos
Fonte: Elaborado pelos autores (2022).
A oferta de interação dos cartões foi embasada no processo de ampliação dos conhecimentos prévios do aluno, uma vez que a escolha de interagir e dedicar tempo ao recurso deve ser motivada, conforme Solé (2015), por alguns questionamentos: o que sei sobre isso? Esse conteúdo pode ser útil para mim? Saber sobre o autor, o gênero ou o tipo do texto pode auxiliar na minha compreensão leitora?
Nessa perspectiva, os alunos têm a opção de interagir com os cartões. Por isso, o nível de interação com recursos multimodais pode sofrer alterações, visto que cada leitor avalia, antes de ler o conteúdo, se as informações contidas neles são pertinentes ou não para a sua leitura, fato que também incentiva os estudantes a monitorarem as suas inferências.
Durante a manipulação do ODAM, os alunos que interagem com o objeto podem realizar diversas atividades relacionadas ao texto-base. Essas tarefas têm diferentes objetivos, como incentivar a ativação de conhecimentos prévios, realizar predições, inferências e monitorá-las, como também de realizar produções textuais, como um resumo. A escrita desse gênero textual tornou-se o indicador de compreensão leitora dos alunos participantes deste estudo, uma vez que um bom resumo precisa apresentar informações importantes do texto lido, como o objetivo e o tema.
A seguir, será apresentada a metodologia utilizada nesta pesquisa, como o contexto no qual o estudo foi realizado, sua caracterização e sua abordagem.
Metodologia
O presente estudo apresenta-se como uma pesquisa descritiva que se utiliza tanto de dados quantitativos quanto qualitativos, ou seja, de caráter misto (GIL, 2002). Com o objetivo de avaliar as ações em diferentes aspectos, a pesquisa em questão utiliza-se do método misto (CRESWELL, 2010). A escolha desse método justifica-se pela intenção de expandir as discussões no que se refere aos percursos digitais dos alunos, originados pela gravação das telas via OBS Studio. Nesse sentido, procura-se, a partir dos dados quantitativos e qualitativos, não limitar a análise a apenas uma perspectiva sobre as ações dos alunos durante o uso do ODAM, mas entrecruzar os dados, sem apresentar algum tipo de prioridade (quantitativa ou qualitativa). Logo, é empregada a estratégia de integração (CRESWELL, 2010) dos dois tipos de dados; ou seja, haverá uma frequente combinação dos dados a fim de criar uma análise ou uma interpretação sobre eles.
O processo de pesquisa iniciou por meio de uma intervenção pedagógica. Inicialmente, o material didático (ODAM) foi usado na dinâmica de uma das aulas do componente curricular chamado Leitura e Produção de Textos I, visto que tal disciplina, em seu plano de ensino, ressalta a importância dos alunos em saber aplicar diferentes estratégias de leitura de forma adequada, conforme as intenções comunicativas e os objetivos de cada leitura. A prática ocorreu na Universidade do Vale do Taquari – UNIVATES, no primeiro semestre de 2021, com seis alunos de diferentes cursos[4], sendo eles Fisioterapia, Psicologia, Odontologia e Estética e Cosmética.
A intervenção durou, em média, 54 minutos. Inicialmente, o pesquisador apresentou a proposta para a turma e levou os estudantes para um laboratório de informática da universidade.
Antes de iniciar a intervenção, os pesquisadores apresentaram a proposta da investigação, assim como a importância de tal experimento para a área do ensino e da leitura. A fim de se garantir a ética em pesquisa, todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) que continha indicação de aprovação da realização da atividade na turma por parte do coordenador do curso além de indicar a garantia do anonimato aos participantes e de sua salvaguarda durante a realização das atividades, de modo a não causar nenhuma espécie de dano, de qualquer natureza, aos participantes por meio da análise dos dados. Na sequência, foi ressaltado que, mesmo no decorrer da pesquisa, caso algum sujeito afirmasse estar cansado ou inseguro quanto à participação, ou qualquer outra situação estressora fosse desencadeada devido ao teste, era possível sua desistência do processo, a fim de garantir os direitos do participante, conforme o TCLE.
Além disso, os participantes foram informados de que a realização do teste, assim como suas performances, não trariam nenhum tipo de benefício ou prejuízo em suas notas advindas do componente curricular em que a pesquisa ocorreu, visto que a participação não era obrigatória e sim espontânea. Após a assinatura do TCLE, concordando com os procedimentos, cada aluno participante foi direcionado a um computador.
Em cada computador foi instalado o aplicativo OBS Studio, que tem o objetivo de gravar a tela durante a interação com o material, e o ODAM pronto para uso. Logo, os estudantes foram orientados que, para gerar dados, suas interações seriam gravadas, por isso, depois de clicarem no ícone “LER”, no material, o OBS foi iniciado e parado apenas quando o aluno terminou de interagir com o objeto.
O aplicativo de registro das telas proporcionou a esta pesquisa a possibilidade de monitorar a interação dos alunos com os conteúdos multimodais e identificar o processo de resolução de questões e atividades, principalmente a produção do resumo, última atividade do material didático digital.
Para verificar o efeito dos recursos multimodais na compreensão leitora, foi comparado o tempo que cada estudante dedicou aos conteúdos multimodais com a qualidade da atividade discursiva que solicitava aos alunos a escrita de um resumo. Para fins de avaliação das produções, foi analisado se os textos apresentavam informações importantes, do texto-base, as quais tornaram-se indicadores de qualidade (I.Q) da produção textual, sendo eles: 1) trajetórias de leitura e 2) comunidades de leitores. Esse parâmetro foi desenvolvido com base na discussão teórica de que criar um bom resumo está intrinsecamente ligado à capacidade dos sujeitos em reconhecer informações importantes durante a leitura de textos, como o objetivo e o tema (SOLÉ, 2015).
Em seguida, serão apresentados os resultados gerados dos registros das interações dos sujeitos participantes dessa pesquisa, os quais denominamos de S1, S2, S3, S4, S5, S6. Os dados, como dito acima, referem-se ao tempo investido nos recursos multimodais e à produção do resumo.
Resultados e Discussão
A partir da gravação das telas dos computadores utilizados pelos estudantes, durante a interação com o ODAM, foi possível quantificar o tempo necessário para interagir com o objeto e, especificamente, com os conteúdos multimodais.
No que se refere ao uso do material didático, a duração média dos alunos ficou em torno de 54 minutos, contando do momento em que os estudantes clicam em “LER”, na primeira página do material, até a página em que a ficha técnica é apresentada, com as informações dos idealizadores do objeto.
A média de interação dos sujeitos com os Cartões Dialógicos, conteúdos multimodais, foi de 7 minutos e 40 segundos, com desvio padrão de 2 minutos e 44 segundos, conforme podemos verificar por meio do Gráfico 1:
Gráfico 1 – Tempo médio de interação
Fonte: Elaborado pelos autores (2022).
No que tange à interação dos sujeitos S1 e S3, com os conteúdos multimodais, ambos dedicaram menor tempo a esses conteúdos. O S1, de um total de 40 minutos e 17 segundos de interação, dedicou 5 minutos e 47 segundos aos Cartões Dialógicos ao longo do uso do ODAM, com um total de 13 lidos, sendo 16 o número máximo.
Relativo à produção textual desses estudantes, podemos perceber que apresentaram dificuldades em escrever seus resumos. S1 escreveu seu resumo da seguinte forma:
S1 - O processo de leitura envolve questões individuais, sociais, econômicas, étnicas e raciais. A cultura juvenil de leitura começa a se formar na escola, mas não se restringe às obras lidas na mesma, os indivíduos buscam outras obras de seu interesse.
Para fins avaliativos, percebemos que, no primeiro momento, o estudante retoma características importantes, que influenciam nas trajetórias de leitura dos jovens - “O processo de leitura envolve questões individuais, sociais, econômicas, étnicas e raciais” -, elencando alguns resultados discutidos ao longo do texto- “A cultura juvenil de leitura começa a se formar na escola, mas não se restringe às obras lidas na mesma, os indivíduos buscam outras obras de seu interesse” -, mas não disserta sobre a formação de comunidades de leitores, que é o segundo indicador de qualidade. Já S3, que dedicou 43 minutos e 49 segundos ao ODAM, investiu 3 minutos e 9 segundos na multimodalidade, interagindo com apenas seis Cartões Dialógicos. Na atividade discursiva, apresentou, também, dificuldades em sumarizar, escrevendo o seguinte resumo:
S3 - A leitura, a prática da leitura é importante tanto para novos conhecimentos, tanto para nosso desenvolvimento pessoal.
Percebe-se que o estudante não conseguiu escrever um resumo ou apontar informações importantes do texto (as trajetórias de leitura ou as comunidades de leitores), uma vez que sua resposta é embasada em informações de senso comum, que não são abordados no texto, já que o artigo versa sobre a importância do perfil leitor do jovem na atualidade e suas respectivas escolhas literárias, que refletem tanto no âmbito escolar como fora dele.
Nesse viés, é importante evidenciar que o processo de escrita de um resumo está associado à capacidade do leitor de produzir inferências corretamente (SOLÉ, 2015) e de monitorá-las (LEFFA, 1996), como também de identificar informações essenciais do texto, a fim de que consiga perceber a representação global de seu significado.
Caso o leitor apresente dificuldades em realizar esse processo, possivelmente terá dificuldades em produzir um resumo, já que a tarefa de reproduzir o que leu está estritamente ligada à compreensão do sujeito. Embora haja possibilidade de estruturar um resumo de diferentes formas, as informações arquitetadas pelos autores sempre estarão voltadas à macroestrutura do texto-base, como o tema, a ideia principal e os objetivos (BATISTA, 2020; SOLÉ, 2015).
Logo, percebe-se que S1 interagiu mais com os conteúdos multimodais do que o S3, o que pode justificar sua melhora no desenvolvimento do seu resumo, o qual buscava perceber o nível de compreensão leitora. Relativo ao tempo dedicado aos recursos multimodais, esse estudante investiu 14,36% do seu tempo com esse material. Já S3 dedicou, aproximadamente, a metade desse valor, contabilizando um tempo de 7,19%.
Tendo isso em vista, podemos afirmar que S1 se propôs a realizar uma leitura mais atenta, já S3, em alguns momentos, não dedicou tempo suficiente para interagir ou ler os conteúdos alocados nos Cartões Dialógicos (como ler os conteúdos ou atentar-se às imagens). No que tange ao conceito de multimodalidade, a inserção de modos semióticos pode auxiliar leitores mais hábeis ou prejudicar os menos preparados. Com base na experiência de interação dos sujeitos, torna-se possível afirmar que a multimodalidade utilizada no ODAM pode ter melhorado a compreensão leitora do S1, o qual se deteve mais tempo nesse material. No entanto, não há como afirmar que os conteúdos prejudicaram ou melhoraram a compreensão do S3, já que sua interação foi insuficiente para levantar hipóteses.
Seguindo com a análise, na sequência, seguem os resumos dos sujeitos S2, S4, S5 e S6, já com os indicadores de qualidade:
S2 - (I.Q2) O texto enfatiza a importância de todo e qualquer tipo de texto ou leitura. Não devemos julgar ou desmerecer, e sim influenciar a leitura.
S4 - (I.Q1) O texto fala sobre as comunidades de leitores, o porquê elas são criadas e quais objetivos. (I.Q2) Além disso, traz reflexões sobre os gostos literários dos jovens atuais e a forma como são vistos pelas outras pessoas, que acreditam que a literatura mais antiga deveria ser priorizada.
S5 - (I.Q1) Atualmente encontramos diversos grupos de leituras, cada um com suas peculiaridades. (I.Q2) Os jovens de hoje acreditam que cada um possui suas próprias ideias e objetivos, formando assim opiniões diferentes que interferem na maneira com que se relacionam com a leitura. Podemos perceber tudo isso através das preferências literárias de cada um e ainda do seu nível de interesse pela leitura.
S6 - (I.Q2) Os livros tidos como cânone são importantes na construção educacional e cultural de cada estudante, entretanto, vem sendo observada a importância e crescimento da literatura juvenil, isto é, aqueles livros que atraem os jovens, seja sagas, livros em quadrinhos, RPG, fanfics. É essencial entender que toda literatura atua no desenvolvimento social e cultural.
Dadas às respostas, percebe-se que S2 escreveu apenas duas frases, e elencou apenas um dos indicadores de qualidade (I.Q2). Avaliando seu percurso digital, pode-se perceber que apresentou uma leitura distraída, e isso é evidenciado quando responde a questões de múltipla escolha. A primeira atividade, também alocada ao longo da leitura e interação do ODAM, em que apresentou dificuldade foi a que solicitava que o estudante escolhesse três palavras que definissem os principais tópicos discutidos no capítulo anterior do texto-base. Nessa, S2 errou quatro vezes consecutivas, sendo que em duas das tentativas não escolheu novamente as opções que foram apontadas como corretas anteriormente pelo feedback da atividade.
Já os sujeitos 4 e 5 conseguiram abordar as comunidades de leitores (I.Q2), afirmando que há diferenças entre elas, como também abordam as trajetórias de leitura (I.Q1), uma vez que apontam que esse público acredita em suas ideias e opiniões e que isso reflete diretamente nas suas escolhas literárias. Além disso, afirmam que essas obras são julgadas pelos que acreditam que a literatura clássica deve ser prestigiada. Todas essas informações são baseadas em trechos do texto-base.
Já o S6 apresentou as trajetórias de leitura (I.Q1), sem se dedicar a mencionar a criação ou os objetivos das comunidades de leitores. No entanto, escreveu seu resumo com clareza e trouxe exemplos de gêneros literários que são mencionados no texto, como sagas, livros em quadrinhos, RPG e fanfics.
No que se refere à interação dos sujeitos com os conteúdos multimodais, conforme registrado pelas gravações das telas percebe-se que, mesmo S2 apresentando dificuldade em construir seu resumo, ainda expressou uma boa interação com os conteúdos multimodais, uma vez que, de 51 minutos e 8 segundos, dedicou 8 minutos e 30 segundos para esse material (16,6%). Já o S4, que produziu seu resumo de forma sucinta, apresentou um tempo de interação de 53 minutos e 16 segundos. Entre os sujeitos de pesquisa, esse estudante foi o que dedicou o maior tempo aos conteúdos multimodais, totalizando 11 minutos e 46 segundos (22,1%), interagindo com 15 cartões dos 16 inseridos no material didático, como também não desistiu e/ou deixou em branco nenhuma atividade.
S5 interagiu com o Objeto Digital de Aprendizagem Multimodal por 54 minutos e 17 segundos e, durante seu percurso digital, virou todos os Cartões Dialógicos inseridos no material didático, totalizando um tempo de 7 minutos e 46 segundos dedicado a esses conteúdos (14,3%).
Além disso, S5 também realizou todas as atividades, tanto discursivas e dissertativas quanto as de múltipla escolha, sem desistir ou deixar em branco. S6, que apontou apenas um dos dois indicadores de qualidade, interagiu 53 minutos e 16 segundos com o ODAM e investiu 9 minutos e 30 segundos nos conteúdos multimodais, girando quatorze Cartões Dialógicos (17,8%). No entanto, desistiu de uma das atividades de múltipla escolha por estar distraído, uma vez que, depois de duas tentativas, repete as mesmas opções que haviam sido apontadas como incorretas pelo feedback.
Percepções sobre as interações dos estudantes
Os dados analisados dos sujeitos, descritos anteriormente, revelam percursos digitais diferentes, como também apresentam disparidades na qualidade de suas produções. Os estudantes S2, S4, S5 e S6, diferentemente do S1 e do S3, dificilmente desistiram das atividades discursivas, nem as deixaram em branco.
Nesse sentido, cabe ressaltar que as diferenças de percurso dos participantes podem estar ligadas a sua capacidade de monitorar suas inferências ao longo da sua leitura (LEFFA, 1996). Essa habilidade pode ser somada à competência de cada participante em aplicar diferentes estratégias de leitura quando se deparam com alguma dificuldade ou lacuna de compreensão. Nesses casos, cada leitor deve avaliar qual é seu objetivo de leitura e qual a melhor estratégia para ser aplicada (SOLÉ, 2015).
Ademais, no que se refere à interação desses estudantes com os conteúdos multimodais, pode-se afirmar que investiram uma média de 17,7% do tempo total de interação com o Objeto Digital de Aprendizagem Multimodal (ODAM) nesse material, o que consideramos um bom percentual devido à extensão do objeto. Tal dado aponta que esses sujeitos possuem habilidades de leitura suficientes para conseguir conduzir e administrar as informações do texto, tanto de forma integral quanto as que foram inseridas ao longo do material didático, como os conteúdos multimodais.
Assim, pode-se afirmar que os Cartões Dialógicos, ou seja, os conteúdos multimodais potencializaram e facilitaram o processo de compreensão do texto lido (KRESS; VAN LEEUWEN, 2020), uma vez que aumentaram os conhecimentos prévios dos alunos (SOLÉ, 2015; LEFFA, 1996), os quais seriam necessários para a construção gradativa de suas inferências e do significado global do texto (KATO, 2000; KINTSCH; RAWSON, 2013), já que os estudantes não pertenciam a cursos relacionados à linguagem, tema do texto base do ODAM.
Logo, pode-se verificar, conforme os registros de tela, que os estudantes que tiveram dificuldades na escrita do resumo (S1 e S3) apresentaram menor tempo de interação com os recursos multimodais. Com isso, voltamos ao debate sobre a leitura de textos multimodais requerer atenção dos leitores para a construção de uma boa compreensão. Nesse sentido, se retomarmos e refletirmos sobre os sujeitos anteriormente descritos, que apresentaram maior dificuldade (S1 e S3), percebemos que também é preciso que o leitor saiba quando e onde a compreensão foi rompida, para que possa realizar processos conscientes, ou seja, metacognitivos, a fim de reparar possíveis lacunas de compreensão, seja através de pesquisa de tópicos específicos ou de consulta de outras fontes - ações possíveis durante a interação com o ODAM - para que consiga conduzir e produzir suas inferências corretamente.
As diferentes interações dos estudantes reforçam que o uso de Objetos Digitais de Aprendizagem, sejam eles multimodais ou não, não promovem momentos de ensino mecanicistas (LEFFA, 2006), mas estimulam os estudantes a realizar leituras e momentos de estudo mais independentes, uma vez que, de maneira autônoma, os interagentes precisam realizar atitudes para resolver ou diminuir as dificuldades com que se deparam ao longo do seu percurso digital de leitura.
Considerações finais
A presente pesquisa possibilitou a reflexão sobre a recepção e manuseio dos estudantes frente ao material didático digital – como produzem resumos, qual o tempo que dedicam a conteúdos multimodais. Com esse processo, tornou-se possível avaliar o processamento da leitura dos estudantes, suas escolhas e suas dificuldades.
No que tange ao objetivo deste trabalho, que buscou verificar os efeitos de conteúdos multimodais na compreensão leitora de alunos do ensino superior, a partir da escrita de um resumo, durante a interação com um Objeto Digital de Aprendizagem Multimodal (ODAM), pode-se afirmar que os estudantes que investiram menos tempo para interagir com os conteúdos multimodais apresentaram mais dificuldades em produzir os resumos, enquanto os que interagiram mais tempo conseguiram concluir a tarefa com menos dificuldades.
Além dos resultados acerca da multimodalidade, também é possível afirmar que práticas que utilizam recursos digitais (ODAM), como a realizada neste estudo, comprovam que esses materiais não promovem momentos de ensino mecanicista, uma vez que, a partir da experiência vivenciada neste estudo, foi possível identificar diferentes formas de leitura, dificuldades e facilidades.
Na esfera do ensino, práticas que envolvem o ensino da leitura e são combinadas aos recursos tecnológicos não só potencializam as habilidades de leitura dos alunos como também estimulam os estudantes a conhecer ferramentas que os auxiliem nos seus estudos, as quais podem contribuir para seu processo de aprendizagem. Mais especificamente aos docentes, a estratégia de monitoramento de tela pode ser usada para fins educativo-investigativos, a fim de reconhecer possíveis dificuldades de alunos em diferentes áreas. Na leitura, é possível observar as rotas que o leitor realiza ao longo da leitura de textos, quais são suas dificuldades ao longo desse processo e quais estratégias de leitura são aplicadas para alcançar a compreensão.
Esses achados, ainda que circunscritos a um universo restrito de participantes, devido às complicações da pandemia da Covid-19, podem servir de base para o desenvolvimento de intervenções pedagógicas que busquem oferecer momentos de aprendizagem acerca da compreensão leitora, favorecendo o desempenho dos estudantes em atividades relacionadas à leitura.
Agradecimentos
Agradecemos à Capes, pelo financiamento desta pesquisa sob a forma de bolsa do Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições Comunitárias de Educação Superior (PROSUC).
Referências
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