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Recepção: 13 Março 2024
Aprovação: 17 Abril 2024
Resumo: Este artigo tematiza a Política de Avaliação da Secretária Municipal de Educação do Rio de Janeiro-SME, nos últimos vinte anos. Ao problematizar a influência das políticas educacionais sob o alinhamento das avaliações externas no Estado, traz-se ao foco de análise um discurso político hegemônico através do conceito da Governamentabilidade (Ball, 2014), forjando um regime de verdade em torno das avaliações de larga escala utilizadas como medição do sentido de qualidade da educação carioca. A discussão consiste no endereçamento de um sentido de qualidade da educação, determinado por agências econômicas internacionais (Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico – OCDE, Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional – FMI) através das avaliações externas. Estudos sobre globalização e redes de políticas de Stephen Ball atrelados a Michel Foucault, fundamentam a conjectura sobre demandas neoliberais presentes nas políticas curriculares da SME. Thomas Popkewitz (2016) aporta a problematização das políticas educacionais comprometidas com uma significação de qualidade da educação baseada na economia capitalista. A revisão teórica e análise de documentos oficiais deste artigo apresentam: o detalhamento das características e políticas da SME; a problematização das estatísticas como promotoras de regime de verdade, na perspectiva de “número mágico” que pauta discussões sobre as produções de políticas educacionais vigentes a partir dos resultados das avaliações externas; e a análise de cunho empírico político educacional da legitimação das avaliações externas no país. Destaca-se, por fim, a contribuição das agências internacionais para a difusão do ideário de um cidadão global forjado nas escolas na relação currículo-avaliação de larga escala-sentido de aprendizagem e neoliberalismo.
Palavras-chave: SME-RJ, avaliações externas, governamentabilidade.
Abstract: This article addresses the Policies of Evaluation of the Municipal Education Office of Rio de Janeiro - MEO, in the last twenty years. By discussing the influence of educational policies under the alignment of external evaluations in the State, an hegemonic political discourse is focused through the concept of Governmentality (Ball, 2014), forging a regime of truth around the large scale evaluations used to measure the meaning of quality of the carioca’s education. The debate consists of addressing the meaning of quality of education, determined by international economic agencies (Organization for Economic Cooperation and Development - OECD, World Bank, International Monetary Fund - IMF) through external evaluations. Studies about globalization and networks of policies from Stephen Ball linked to Michel Foucault underpin the conjecture about neoliberal demands present in the curricular policies of the MEO. Thomas Popkewitz (2016) provides the questioning of educational policies committed with a significance of quality of education based on capitalist economy. This article’s theoretical revision and official documents analysis present: the MEO characteristics and policies details; the questioning of statistics as truth regime promoters, in the view of a “magic number” that sets the agenda for debates about the production of current educational policies on the basis of external evaluations results; and qthe empirical political educational analysis of the legitimation of external evaluations in the country. Finally, it is worth stressing the international agencies contribution to the diffusion of the ideology of a world citizen forged in the schools in the relation curriculum - large scale evaluation - meaning of learning and neoliberalism.
Keywords: MEO-RJ, external evaluations, governmentality.
Resumen: Este artículo tematiza la Política de Evaluación de la Secretaría Municipal de Educación de Rio de Janeiro - SME, en los últimos veinte años. Al problematizar la influencia de las políticas educativas bajo el alineamiento de las evaluaciones externas en el Estado, enfoca-se un discurso político hegemónico a través del concepto de la Governamentabilidad (Ball, 2014), forjando un régimen de la verdad alrededor de las evaluaciones de gran escala utilizadas como medición del sentido de calidad de la educación carioca. El debate consiste en el direccionamiento de un sentido de calidad de la educación, determinado por agencias económicas internacionales (Organización para Cooperación del Desarrollo Económico – OCDE, Banco Mundial, Fondo Monetario Internacional – FMI) a través de las evaluaciones externas. Estudios sobre globalización y redes de políticas de Stephen Ball vinculados a Michel Foucault fundamentan la conjetura sobre demandas neoliberales presentes en las políticas curriculares de la SME. Thomas Popkewitz (2016) aporta la problematización de las políticas educativas comprometidas con una significación de calidad de la educación basada en una economía capitalista. La revisión teórica y análisis de documentos oficiales de este artículo presentan: los detalles de las características y políticas de la SME; la problematización de las estadísticas como promotoras del régimen de la verdad, en la perspectiva del “número mágico” que pauta debates sobre las producciones de políticas educativas actuales a partir de los resultados de las evaluaciones externas; y el análisis de carácter empírico político educativo de legitimación de las evaluaciones externas en el país. Finalmente, se destaca la contribución de las agencias internacionales para la difusión de la ideología de un ciudadano del mundo forjado en las escuelas en la relación currículo-evaluación de gran escala-sentido de aprendizaje y neoliberalismo.
Palabras clave: SME-RJ, evaluaciones externas, governamentabilidad.
Introdução
O presente artigo tem como objeto de análise a Política de Avaliação da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME-RJ) nos últimos vinte anos. Através dela, problematizamos a influência das políticas educacionais sob um viés de alinhamento das avaliações externas no Estado.
Ainda neste artigo, buscaremos de maneira heurística entender como um discurso político hegemônico, através do conceito da Governamentabilidade (Ball, 2014), forja-se um regime de verdade em torno dessas avaliações que vêm tendo legitimidade e estão sendo utilizadas como premissa de medição de um sentido de qualidade da Educação carioca, a partir de apresentação de dados.
Na primeira seção, tratamos do detalhamento da Secretaria Municipal do Rio de Janeiro através de suas características e políticas educacionais. Discorremos sobre seus objetivos, metas e resultados a serem alcançados. Dessa forma, apresentamos o tamanho de sua estrutura, com números expressivos que são ostentados, de forma recorrente, nas páginas institucionais e perfis oficiais nas redes sociais da SME-RJ, de ser a responsável pela maior Rede Municipal de Educação da América Latina.
Ressaltamos nos seus domínios, o viés prontamente padronizado para dar conta das metas que estão sendo postas, na tentativa de responder a qualidade de educação que vem sendo administrada a partir dos resultados estatísticos das avaliações de larga escala.
Na segunda seção, tratamos das estatísticas como promotores de regime de verdade, debruçando-se sobre como um número mágico vem pautando, nos últimos anos, as discussões sobre as produções de políticas educacionais vigentes a partir dos resultados das avaliações externas.
Analisamos também, o histórico das avaliações de larga escala desde a sua criação no Brasil, no fim dos anos oitenta e início de noventa, até os comparativos atuais. Elencamos, a partir de dados, a constância da legitimação dessas avaliações de larga escala como pretensos medidores de qualidade da educação em todo território nacional. Frisa-se, a sua expansão do âmbito Federal para os Estados e Municípios, acompanhado, inclusive, de uma interferência e influência nas produções curriculares e materiais que pudessem dar garantias as avaliações no âmbito da SME-RJ.
Na terceira seção, fazemos uma análise de cunho empírico político educacional, entendendo como são dinamizadas e legitimadas em todo o país, as avaliações externas.
Para isso, discursamos sobre o ciclo de políticas visando explicar como as políticas educacionais são alinhadas a partir de três contextos que o autor Stephan Ball (1992) nos apresenta: o primeiro, sendo o contexto de influência, que ditam as normativas e metas para que os Estados-Nações escrevam as políticas e alcancem o sentido de qualidade almejado; o segundo, consistindo no contexto da produção de texto, onde os Estados-Nações vão escrever essas políticas tentando responder as metas e as influências propostas; o terceiro e último, o contexto da prática, onde essas políticas educacionais vão ser ressignificadas dentro dos ambientes escolares. Vale ressaltar que trabalharmos numa ótica cíclica, ou seja, onde todos esses contextos se encontram, sendo assim, não linear.
Todavia, o artigo procura o viés de abordar as redes de políticas com ênfase nas políticas educacionais e influência das avaliações externas. Destaca-se, neste estudo, a ideia de que as políticas podem se tornar "regime de verdade" mencionando o paradigma gerencialista que busca controlar a educação. Essas políticas educacionais também são vistas como oportunidades de lucro, comercializadas por empresas nacionais e multinacionais.
Destacamos, portanto, com veemência, o discurso salvador presente nas políticas educacionais e a influência das avaliações externas como medição da qualidade da educação, através de dados alcançados. Neste contexto, o entendimento se dá na percepção que estamos deslegitimando a experiência de formação de professores e de pesquisas das Universidades brasileiras, para “comprar” parcerias internacionais contestadas em seus cenários nacionais e que pouco conhecem da cultura brasileira, notoriamente rica e diversa, cujo processo de subjugação promove o apagamento e exclusão, e afastam o sentido de avaliação, priorizando dados produzidos como medidas.
Nota-se nos ambientes escolares, uma dinamicidade com viés homogêneo voltado para uma padronização, sob um discurso de "melhoria de qualidade”, excepcionalmente pela aplicação das avaliações externas.
Argumentamos, nesse sentido, que há uma disseminação de discursos de instituições supranacionais, pautadas hegemonicamente pelo poder na qual usufrui de um sentido de melhoria na qualidade da educação para obtenções de resultados das avaliações externas que corrobora nas produções de políticas educacionais no Brasil, sobretudo, na SME-RJ.
Logo, nosso foco é apresentar conhecimento ao leitor sobre a SME-RJ e uma perspectiva crítica sobre as avaliações de larga escala no Município, buscando evidenciar que existe, no dia a dia dos docentes e discentes, uma clara pressão sobre a realização e obtenção de resultados visando uma educação forjada de qualidade.
Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME-RJ) – Números expressivos da América Latina
Situando a questão, a Secretaria Municipal do Município do Rio de Janeiro (SME) ostenta, nas páginas institucionais e perfis oficiais das redes sociais, a afirmativa de ser a responsável pela maior Rede Municipal de Educação da América Latina. É estruturada em 1.579 unidades escolares, sendo: 536 unidades exclusivas de atendimento à Educação Infantil; 263 unidades de Ensino Fundamental I; 286 unidades de Ensino Fundamental II; 443 unidades com mais de um segmento; 9 unidades de Educação Especial; 6 de Educação de Jovens e Adultos e 36 unidades vocacionadas, tal como mostra a figura a seguir:
A SME assume-se em seus domínios, o direcionamento de trabalho por:
[...] elaborar a política educacional do município do Rio de Janeiro. Oferecer educação para a vida, com aprendizagem na idade certa para todos os estudantes. Cabe à Secretaria cuidar das crianças e jovens da Educação Infantil (6 meses a 5 anos); do Ensino Fundamental (1° ao 9° ano) e da Educação de Jovens e Adultos [e traz como visão] ser referência brasileira em educação pública de qualidade, liderando avanços com redução das desigualdades de aprendizagem entre os alunos (SME-RJ, 2021).
Historicamente, a SME tem sua estrutura sistemática e é caracterizada num viés de desenvolvimento de uma política pública de Educação focada e voltada na gestão de aprendizagem/resultados.
Por meio de um de acompanhamento monitorado, constantemente a SME define as metas e indicadores para tentar alcançar o melhor desempenho a partir das orientações do Ministério da Educação - MEC.
Para isso, a secretaria tem duas formas de gerenciamento no que rege as competências estabelecidas para alcançar o desempenho almejado na qualidade do ensino. A primeira consiste na Gerência de Análise e Devolutiva de Dados, no qual tem a responsabilidade de:
Gerenciar e analisar os resultados de diversos instrumentos avaliativos de aprendizagem aplicados na Secretaria; analisar indicadores de forma multivariada para nortear ações da Secretaria e fornecer parâmetros para o acompanhamento da evolução e das características do desempenho escolar; consolidar as análises em relatórios operacionais adequados aos diversos níveis de atuação de cada setor envolvido no processo ensino aprendizagem e dar visibilidade a esses relatórios; monitorar, analisar banco de dados e tratar estatisticamente as informações; colaborar com a elaboração de documentos de normatização da avaliação escolar; buscar e analisar evidências de práticas exitosas ou dificuldades crônicas para subsidiar decisões de gestores para a melhoria do processo de ensino aprendizagem; subsidiar e elaborar relatórios gerenciais com base na divulgação de indicadores educacionais oriundos de avaliações externas no âmbito Municipal e Federal; promover e gerenciar cursos, seminários e palestras de apropriação de resultados para docentes e profissionais técnico-pedagógicos (Rio de janeiro, Decreto Rio nº 52708, 2023, p.17).
Observa-se que há um encaminhamento sobre a forma que deve ser regida o processo de aprendizagem na Secretaria. Num outro eixo, analisamos a Gerência de Elaboração e Aplicação que monitora o segmento avaliando, assegurando a sua eficácia, observando que:
Gerenciar: · a realização das avaliações especiais (Simulados, provas da Rede, Diagnose etc.); · e colaborar com a elaboração de documentos de normatização da avaliação escolar; · o planejamento e a realização das avaliações externas; · a análise dos resultados produzidos e a elaboração dos instrumentos e materiais das avaliações da Rede; · o estudo e análise de indicadores e informações educacionais; · o acompanhamento e monitoramento dos resultados das avaliações externas; · cursos, seminários e palestras de apropriação de resultados para docentes e profissionais técnico-pedagógicos; · subsidiar: · a análise pedagógica do desempenho escolar e das avaliações internas e externas; · a elaboração de documentos de normatização da avaliação escolar; · a elaboração das propostas pedagógicas da Secretaria, considerando as observações e as interações com os níveis regional e local; · promover a discussão da concepção e das diretrizes de avaliação escolar para a Rede Municipal de Ensino (Rio de janeiro, Decreto Rio nº 52708, 2023, p.17).
A partir dessas gerências, entende-se a função e finalidade às competências estabelecidas no pressuposto do monitoramento das avaliações em todo município, para alcançar uma educação de qualidade.
Enfatiza-se que toda a política pedagógica da Rede Municipal do Rio de Janeiro tem como ponto de partida o currículo. No caso da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, a Rede conta com o Currículo Carioca, alinhado à Base Nacional Comum Curricular – (BNCC, 2017) e aprovado pelo Conselho Municipal de Educação - CME em janeiro de 2020.
Salientando a linha do tempo dos últimos vinte anos, e incidindo sobre as mudanças e verbetes que constituíram e constituem a gestão estrutural da SME, discutiremos, diante dessa tamanha estrutura, como as produções curriculares e sistemas de avaliações externas foram sendo implementadas a partir dos anos 1990.
O que se observa durante esse período é o incremento das políticas de avaliações trazendo esses elementos de produção que vem de fora da escola, pois, quando problematizamos sobre as avaliações externas, estamos argumentando que são pensadas e produzidas fora do ambiente escolar.
A título desse exemplo, a SME diz por sua característica que "Otimizar a gestão é aumentar a eficiência operacional, entregando serviços de qualidade e resultados efetivos”. Destacamos nesta questão, que algumas produções atreladas a avaliações merecem destaque, como por exemplo, o currículo da MultiRio e a produção de material didático apostilado que tende a trilhar o caminho dessa “qualidade com resultados efetivos”.
Logo, essas produções, com o decorrer do tempo, buscaram-se alinhar às avaliações externas que passaram a ganhar mais espaço na dinâmica das escolas da Rede.
Elencamos a grande importância das políticas educacionais de avaliação na influência que exerce sobre o Estado. Primeiramente é preciso esclarecer, que estamos falando de algo muito maior que a própria governança do Estado, por referir-se como processos e dispositivos político-administrativos que são hegemônicos, normativos e totalmente voltados para ação e coordenação de objetivos.
Portanto, o foco deste artigo, é analisar as ações políticas educacionais derivadas de uma noção de avaliação como medidor e promoção de qualidade, escritas pelos Estados e que são condicionadas pelas avaliações de larga escala que parte do âmbito Federal, perpassando pelos Estados, até chegar aos Municípios, onde o último é o espelho e o tom da nossa pesquisa.
Vale frisar que essas avaliações estão cada vez mais ganhando notoriedade nos últimos anos, uma vez que obtêm a premissa de interferência e influência direta na educação do Município do Rio de Janeiro a partir dos resultados.
Ao debruçarmos sobre a SME, lançando mão de um estudo de análise documental, buscamos dialogar com autores que operam a partir de uma perspectiva discursiva na análise desta pesquisa.
Com esse propósito, trabalharemos com os estudos de Stephan Ball, atrelado a Michael Foucault e Thomas Popkewitz, sendo esses os aportes principais para problematizarmos como essas políticas educacionais comprometidas com uma dada significação de qualidade da educação pelas avaliações externas, estão se forjando e, como essa ideia de influência tem sido dinamizada para justificar a adoção dessas avaliações nas escolas da Rede.
Uma das primeiras influências para tal justificativa, são as premissas existentes sobre o mito das estatísticas. São elas os grandes fatores e causadores predominantes para produção de políticas curriculares voltadas para qualidade e o fracasso da educação, de acordo com o desempenho das escolas da Rede.
Dessa maneira, esses arranjos incessantes pela busca dos resultados baseados nas estatísticas (Popkewitz,2016), permitem a disseminação de discursos de inclusão e exclusão. Buscamos argumentar que este tipo de entendimento sobre algo que é social a educação e, portanto, atravessado por subjetividades baseado em estatística, busca estabelecer uma verdade social de forma cartesiana, homogênea e “governável” a partir de uma verdade demonstrável através dos números. Neste sentido, Thomas Popkewitz (2016, p. 731), argumenta:
Estatística como ferramenta de intervenção social envolve um determinado sistema da razão que não é apenas a dos próprios números. No século 19, o planejamento estatal para o progresso unia-se ao planejamento das pessoas: O estado poderia intervir na vida social para permitir a ação (agência) do indivíduo para planejar sua vida para a felicidade futura, esta última como um tema político central na república.
Sendo assim, a utilização das aferições estatísticas como tecnologia de governança, nos termos de Popkewitz (2016) é um entendimento importante para a interpretação de como as avaliações externas ganharam corpo numa política baseada nesta arquitetura discursiva.
Por conseguinte, podemos analisar esse aspecto das estatísticas sobre a ótica em torno de um ponto de referência quando Popkewitz (2016, p. 736), reforça que:
À medida que as comparações internacionais dos desempenhos dos alunos são examinadas mais de perto, os conjuntos de princípios correlacionados com a segurança e a incerteza, com esperança e medo da mudança na educação, tornam-se mais visíveis. A certeza e incerteza estão incorporadas nas avaliações ordenadas pelas abstrações da escola como um sistema cujas qualidades desejadas são chamadas de “benchmarks internacionais”, que estabelecem como norma a teoria de escolas eficazes. O benchmark é o que deve ser alcançado para o futuro sucesso do aluno e da sociedade.
As estatísticas acabam por legitimar um regime de verdade sobre esses “benchmarks internacionais”. É através de uma referência perpassada por uma performatividade em torno dos resultados das avaliações externas, que são analisados os benefícios e os malefícios, que consequentemente vão ditar uma influência sobre o que o Estado deve intervir sobre a melhoria da qualidade de sua educação.
Partindo desse princípio, as políticas educacionais e propriamente as avaliações externas, conseguem “controlar” os desempenhos sobre a ótica das estatísticas que progressivamente estão presentes nas escolas da Rede.
Progressivamente, a discussão abrange o possível clareamento que subsidia a cadeia argumentativa sobre o mito das estatísticas como verdade, e que vem ganhando credibilidade através de um número expressado por intermédio de um poder hegemônico, pautando assim, as políticas públicas no cenário educacional da SME.
As avaliações externas e os sentidos de qualidade na educação
Os atrelamentos das políticas acerca das avaliações externas, transcorrem por uma ótica que ao mesmo tempo que tenta incluir, exclui os estudantes numa discursividade contraditória. Quando se fala de medição de qualidade, as políticas vão ser feitas a partir das estatísticas obtidas como promotores de uma possível solução dos problemas e desafios das instituições avaliadas.
Nas últimas décadas, a discussão desses problemas e desafios educacionais vem ganhando muito destaque. Um dos grandes condicionantes por essa discussão são as próprias estatísticas, que tem como premissa a divulgação dos resultados das avaliações externas por meio das instituições de ensino através de um simples número.
Argumentamos que o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) e as avaliações externas, passam a ser de nível global, sendo assim, uma referência de modo de qualidade da educação. Essa ideia e noção de qualidade é reproduzida em grande escala nas políticas regionais.
Em todas as normativas produzidas, há indicativos e afirmações que atrelam essas políticas a um sentido de qualidade de educação determinado e assentado (supostamente) a partir das avaliações externas em larga escala. A título de observação, constata-se na Base Nacional Comum Curricular, Brasil (2018) esse referencial de modo de qualidade da educação quando fala que:
Além disso, desde as décadas finais do século XX e ao longo deste início do século XXI, o foco no desenvolvimento de competências tem orientado a maioria dos Estados e Municípios brasileiros e diferentes países na construção de seus currículos. É esse também o enfoque adotado nas avaliações internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que coordena o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês), e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, na sigla em inglês), que instituiu o Laboratório Latino-americano de Avaliação da Qualidade da Educação para a América Latina (LLECE, na sigla em espanhol) (p.13, grifos nossos).
Desse modo, podemos entender que as avaliações de larga escala, por ser um modelo universal, têm a possibilidade de forjar capital político. Compreendemos que a maneira como se pretende avaliar a qualidade da educação no âmbito da SME, potencializa um sentido restrito sobre o que de fato significa a qualidade da educação, uma vez que essas avaliações visam a padronização e a homogeneidade sobre os resultados.
É possível identificar que a própria SME disponibiliza em seu site os resultados, podendo ser observado os desempenhos das escolas no Índice de desenvolvimento da educação Básica (IDEB) em torno das avaliações externas. Com isso, destacamos essas escolas da SME que apresentaram um “bom desempenho”, tal como explicita a citação a seguir e a figura 2:
A Didia Machado Fortes não foi a única Escola da Rede Municipal com ótima avaliação no Ideb nos anos iniciais do Ensino Fundamental. A Escola Municipal Friedenreich (nota 7,8), no Maracanã, e a Escola Municipal Roberto Burle Marx (nota 7,7), em Jacarepaguá, estão entre as dez mais bem avaliadas do Estado. As 13 mais bem avaliadas da Rede Municipal nos anos iniciais tiveram nota superior a 7,0. Além das já citadas acima, também se destacaram: Escola Municipal Dom Meinrado, em Campo Grande – nota 7,5; Escola Municipal Ayrton Senna Da Silva, em Bangu – 7,5; Escola Municipal João de Deus, na Penha Circular – nota 7,4; Escola Municipal J. Carlos, em Irajá – 7,2; Escola Municipal Alberto Barth, no Flamengo – 7,2; Escola Municipal Adlai Stevenson, em Irajá – nota 7,2; Escola Municipal Suíça, na Penha Circular – nota 7,1; Escola Municipal Benedito Ottoni, no Maracanã – nota 7,1; Escola Municipal Sérvulo de Lima, em Piedade – nota 7,1; e Escola Municipal Padre José De Anchieta, em Jardim Guanabara, nota 7,1. (Rio de Janeiro, Prefeitura, 2020).
Destaca-se as estatísticas mostrando detalhadamente, um parâmetro dessas avaliações que são aplicadas em grande escala, nas escolas que a SME atende no Município do Rio de Janeiro.
O objetivo é avaliar o desempenho dos alunos e das instituições por meio desses indicadores educacionais, produzidos por essas avaliações dos sistemas de ensino, obtendo um número “mágico”, número esse, capaz de diagnosticar e aferir a situação da instituição mediante as avaliações de larga escala.
A título de reflexão, nos anos noventa, o cenário educacional vigente no país, com 22% da população analfabeta e 38% somente com o primeiro segmento do ensino fundamental (antiga 4ª série), ou seja, 60% da população era muito desqualificada. A evasão escolar também era bastante expressiva: das 22 milhões de matrículas feitas em 1982, pouco mais de 3 milhões chegaram ao ensino médio em 1991 (Santos, 2010).
Consequentemente, o Estado priorizou a implementação de intervenções de natureza avaliativa, como o Censo Escolar, IDEB, e ainda no final da década de oitenta e no início de noventa, com as diversas criações e modificações em torno das políticas educacionais no território brasileiro, se fomentar as avaliações externas, sendo ensaiada as primeiras experiências nesse período e com algumas reformulações importantes, até os dias de hoje, observamos as avaliação em larga escala na Educação Básica como no caso do nosso famoso Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB).
Vale destacar, que o IDEB nessa desenvoltura é de suma importância para entendermos de que modo a política se forjou em torno das avaliações externas como sentido de medição de qualidade. Partindo desse contexto, entendemos de que maneira se legitimou a busca incessante em torno dos resultados, além da influência no funcionamento da prática na SME, e ilustrando esse cenário:
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) foi criado em 2007 e reúne, em um só indicador, os resultados de dois conceitos igualmente importantes para a qualidade da educação: o fluxo escolar e as médias de desempenho nas avaliações. O Ideb é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e das médias de desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). O Ideb agrega ao enfoque pedagógico das avaliações em larga escala a possibilidade de resultados sintéticos, facilmente assimiláveis, e que permitem traçar metas de qualidade educacional para os sistemas. O índice varia de 0 a 10. A combinação entre fluxo e aprendizagem tem o mérito de equilibrar as duas dimensões: se um sistema de ensino retiver seus alunos para obter resultados de melhor qualidade no Saeb, o fator fluxo será alterado, indicando a necessidade de melhoria do sistema. Se, ao contrário, o sistema apressar a aprovação do aluno sem qualidade, o resultado das avaliações indicará igualmente a necessidade de melhoria do sistema. O índice também é importante condutor de política pública em prol da qualidade da educação. É a ferramenta para acompanhamento das metas de qualidade para a educação básica [...] (INEP, IDEB, 2007, grifos nossos).
Neste momento, podemos analisar o desenvolvimento do IDEB e a sua fixação na política através de suas metas pré-estabelecidas condizentes com:
[...]a melhoria da qualidade da educação, tanto no âmbito nacional, quanto em esferas mais específicas (estaduais, municipais e escolares), de forma que a composição do índice possibilita a projeção de metas individuais intermediárias rumo ao incremento da qualidade do ensino. A série histórica de resultados do Ideb se inicia em 2005, a partir de quando foram estabelecidas metas bienais de qualidade a serem atingidas não apenas pelo País, mas também por escolas, municípios e unidades da Federação. A lógica é a de que cada instância evolua de forma a contribuir, em conjunto, para que o Brasil atinja o patamar educacional da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). As metas são diferenciadas para todos, cada unidade, rede e escola, e são apresentadas bienalmente de 2007 a 2021, de modo que os estados, municípios e escolas deverão melhorar seus índices e contribuir, em conjunto, para que o Brasil chegue à meta 6,0 em 2022, ano do bicentenário da Independência.[...] No caso das redes e escolas com maior dificuldade, as metas preveem um esforço mais concentrado, para que elas melhorem mais rapidamente, diminuindo assim a desigualdade entre esferas, com apoio específico previsto pelo Ministério da Educação para reduzir essa desigualdade (INEP, 2020, grifos nossos).
Dentre as suas perspectivas, percebe-se a influência que o IDEB exerce sobre uma lógica de alinhamento sobre a esfera municipal, no caso, da SME, e em torno da melhoria da qualidade da educação tendo o sentido propensa ao índice dos resultados das avaliações externas.
Já que estamos abordando o IDEB, não podemos deixar de falar sobre o Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB, se fazendo necessário o entendimento da sua participação primordial sobre as aplicações das avaliações de larga escala no país. É por conta desses sistemas sobre um plano contingente e sofisticado, que se faz com que todas as esferas federais até as municipais sigam esse planejamento e raciocínio, sob orientação no qual:
A definição de um Ideb nacional igual a 6,0 teve como referência a qualidade dos sistemas em países da OCDE. Essa comparação internacional só foi possível graças a uma técnica de compatibilização entre a distribuição das proficiências observadas no Programme for International Student Assessment (Pisa) e no Saeb (INEP, SAEB, 1991, grifos nossos).
Esse mesmo SAEB que conhecemos hoje, não tinha esse nome antes, mas foi a primeira iniciativa brasileira em escala nacional, como dito anteriormente, para se conhecer o sistema educacional brasileiro em profundidade. Vale a ressalva, que o sistema começou a ser desenvolvido no final dos anos oitenta e foi aplicado pela primeira vez em 1990.
Assim dizendo, o sistema de avaliação se desenvolveu e paralelamente, contribuiu para sua consolidação e revisão dos mecanismos de financiamento que se consolidaram na legislação educacional, em outras palavras:
Os índices educacionais apresentados pelo IDEB são utilizados como critério para distribuição de recursos entre as escolas. As instituições que conseguem atingir as metas propostas são beneficiadas com o aumento dos recursos de programas governamentais, tais como o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e o PDE. Já nas regiões que apresentam os piores índices, o Ministério da Educação procura firmar convênios e implementar Planos de Ações Articuladas (PAR), além de acompanhar como as verbas e recursos destinados à instituição pelo governo estão sendo aplicados (Fernandes, 2010, p 7).
Verificamos que, dependendo dos resultados obtidos, as esferas no âmbito municipal recebem as verbas de acordo com seus desempenhos, ou seja, quem tira maiores notas recebe mais recursos, aqueles que não tiram boas notas nos exames, recebem menos recursos. Vale destacar, que esse discurso é uma mera contradição, tendo em vista que a lógica da necessidade seria das escolas com piores resultados e não com os melhores.
Levando-se em conta o desenvolvimento das avaliações em larga escala, observamos que ela se desdobra em múltiplas modalidades. No ano de 1995, por exemplo, o sistema de avaliação assume um novo perfil reforçado por:
Patrocínio e, em alguns aspectos, à imposição de algumas “soluções” oferecidas e recomendadas por agências multilaterais (World Bank e outras). O World Bank é particularmente importante uma vez que as intenções do banco só podem ser entendidas como uma instância ideológica de promoção de um sistema mundial integrado com as linhas de mercado (Jones, apud Ball, 1998a). Ao lado do World Bank, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a UNESCO e o Fundo Monetário Internacional (FMI) podem ser considerados agências que exercem influência sobre o processo de criação de políticas nacionais (Mainardes, 2006, p. 52).
A terceirização de operações técnicas passa a chamar-se Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e este sistema constitui, até os dias atuais, a Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb); a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc), conhecida também como Prova Brasil; e a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA).
Os processos de avaliação em larga escala se difundem e passam a ser alinhadas em sistemas educativos de vários países. No início dos anos noventa, os procedimentos de avaliação eram os principais do MEC. Reforça-se essa ideia porque neles eram envolvidos agentes dos sistemas de ensino e docentes do ensino superior. Após o ano de 1995 a avaliação é reforçada, terceirizada e consolidada como ação do poder público federal.
Logo em 1998, foi instituído o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) com o objetivo de avaliar o desempenho escolar dos estudantes ao término da educação básica. Esse exame aperfeiçoou sua metodologia e passou a ser utilizado como mecanismo de acesso à educação superior, separando assim, os diferentes níveis em que a avaliação da Educação Básica se processava.
Apesar da centralização do sistema de avaliação, os Estados teriam e têm autonomia para criarem suas próprias modalidades de avaliação. Mas cabe ressaltar que essas avaliações eram e são totalmente alinhadas ao marco central, ou seja, neste trabalho argumentamos ser resultado de uma influência política que forja o sentido de qualidade em torno das avaliações externas que no caso, são as políticas educacionais com a força nas medições de qualidade em âmbito nacional.
Reforçamos também, que no final do ano de 1996, a Lei Nº. 9.394 (BRASIL, 1996) é promulgada, reafirmando o papel da avaliação externa e tornando imperativo o processo de avaliação, exigindo sua universalização, conforme conteúdo do:
Art. 87. É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publicação desta Lei. [...] § 3º Cada Município e, supletivamente, o Estado e a União, deverá: [...] IV - integrar todos os estabelecimentos de ensino fundamental do seu território ao sistema nacional de avaliação do rendimento escolar (Brasil, 1996).
Evidencia-se nessa promulgação, a entrada do século XXI com o Brasil submetendo-se a avaliações internacionais e, é justamente no início deste século que a avaliação é fortemente incluída nos processos de planejamento educacional.
Assinalando o Plano Nacional de Educação (PNE), conseguimos entender o cenário das avaliações externas ganhando destaque em todas as políticas públicas por:
Definir 10 diretrizes que devem guiar a educação brasileira neste período e estabelecendo 20 metas a serem cumpridas na vigência. Essa mesma lei reitera o princípio de cooperação federativa da política educacional, já presente na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ao estabelecer que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios atuarão em regime de colaboração, visando ao alcance das metas e à implementação das estratégias objeto deste Plano” e que “caberá aos gestores federais, estaduais, municipais e do Distrito Federal a adoção das medidas governamentais necessárias ao alcance das metas previstas neste PN (PNE, 2001).
Isto significa a busca incessante por bons desempenhos e resultados expressivos a partir das avaliações externas.
Destacamos que a legitimação das ações vinculadas ao ranqueamento de instituições, escolas, redes municipais e estaduais, esbarra nos novos índices e sistemas de seleção que valorizam os resultados de outras avaliações porque:
Nas últimas décadas, esse tipo de pesquisa se expandiu radicalmente e, muitas vezes, é usada na formulação de políticas, a fim de identificar e encontrar soluções para as crises educacionais; por exemplo, os resultados em estudos do PISA com um papel importante na formulação de políticas e pesquisas (Popkewitz, 2016, p. 732).
Vejamos que se instituem novos parâmetros de comparações entre as instituições do sistema educacional, ou seja, as políticas de avaliação, atualmente, estão presentes no cenário educacional brasileiro para produzir comparações e responder a estratégias de modernização e racionalização voltadas para resultados, como acontece em outros países.
Percebe-se que as políticas educacionais são marcadas por um processo descontínuo, o que acarreta diferentes posicionamentos no setor público, sendo um dos principais problemas para visualizar um cenário educacional coerente e adequado na cidade do Rio de Janeiro.
Nesse contexto, concebemos que as políticas públicas voltadas às avaliações externas possibilitam uma relação entre esses governos e esses instrumentos avaliativos, que são pautados para balizar dados e reformular posições e planejamentos em diferentes esferas da sociedade.
Em contrapartida, há um entendimento que nos governos que passaram no município do Rio de Janeiro, mesmo que mude a estrutura política e a forma de governar, se estende a manutenção das políticas curriculares em torno da busca pela qualidade da educação.
A SME, todavia, segue o paradigma que pauta e preza por essas políticas que visam uma influência e interferência em torno das avaliações externas no âmbito educacional. Veremos como essa concepção vem sendo assumida através das Redes de influência que forjam um sentido as escolares e as políticas.
A governamentabilidade e as redes de influência: novos sentidos pela busca de qualidade
A concepção das avaliações externas assumida nesta Secretaria, se organiza de forma a negligenciar a significativa contribuição que o campo da pesquisa em educação, na esfera acadêmica, vem construindo no Brasil, sobretudo, ao longo das últimas três décadas. Isso pode ser observado por conta das:
[...] novas redes e comunidades de políticas estão sendo estabelecidas conforme os discursos neoliberais e o conhecimento fluem e ganham legitimidade e credibilidade. Estes são os novos agenciamentos de políticas com uma gama de participantes novos e velhos existentes em um novo tipo de espaço de políticas em algum lugar entre agências multilaterais, governos nacionais e negócios internacionais, dentro e além dos locais tradicionais e de circulação e formulação de políticas (Ball, 2014, p. 220).
O mesmo autor, em outros estudos, propõe para análise das políticas educacionais um modelo heurístico na qual seja um ciclo de políticas, que se define da seguinte maneira por Mainardes (2006, p. 54):
Os autores indicam que o foco da análise de políticas deveria incidir sobre a formação do discurso da política e sobre a interpretação ativa que os profissionais que atuam no contexto da prática fazem para relacionar os textos da política à prática. Isso envolve identificar processos de resistência, acomodações, subterfúgios e conformismo dentro e entre as arenas da prática, e o delineamento de conflitos e disparidades entre os discursos nessas arenas. Os autores propuseram um ciclo contínuo constituído por três contextos principais: o contexto de influência, o contexto da produção de texto e o contexto da prática. Esses contextos estão inter-relacionados, não têm uma dimensão temporal ou sequencial e não são etapas lineares. Cada um desses contextos apresenta arenas, lugares e grupos de interesse e cada um deles envolve disputas e embates.
Projetando o panorama que se destaca em torno da SME, sobretudo, os atrelamentos das políticas educacionais do Estado sobre as escolas e o alinhamento das avaliações de larga escala no município, Mainardes (2006, p. 52-53) salienta que:
Os textos políticos são o resultado de disputas e acordos, pois os grupos que atuam dentro dos diferentes lugares da produção de textos competem para controlar as representações da política (Bowe et al., 1992). Assim, políticas são intervenções textuais, mas elas também carregam limitações materiais e possibilidades. As respostas a esses textos têm consequências reais. Essas consequências são vivenciadas dentro do terceiro contexto, o contexto da prática. De acordo com Ball e Bowe (Bowe et. al., 1992), o contexto da prática é onde a política está sujeita à interpretação e recriação e onde a política produz efeitos e consequências que podem representar mudanças e transformações significativas na política original. Para estes autores, o ponto-chave é que as políticas não são simplesmente “implementadas” dentro desta arena (contexto da prática), mas estão sujeitas à interpretação e, então, a serem “recriadas”.
O contexto da prática remete ao sentido que a produção do texto é atrelada. Entretanto, mesmo que haja uma flexibilidade e uma significação em torno dessas produções, a centralidade estará voltada ao discurso da performance e das competências que são cobradas e relativizadas nas avaliações externas.
Dinamizando sobre as políticas baseadas no discurso, Mainardes (2006) aborda o aspecto em que Ball fala sobre essa significância e os sentidos atribuídos ao contexto da prática tendo em vista que:
Desse modo, com base em Foucault, Ball explica que as políticas podem tornar-se “regimes de verdade”. Na prática, os atores estão imersos numa variedade de discursos, mas alguns discursos serão mais dominantes que outros. Política como texto e política como discurso são conceituações complementares. Ao passo que a política como discurso enfatiza os limites impostos pelo próprio discurso, a política como texto enfatiza o controle que está nas mãos dos leitores. Ambos são processos complexos porque os textos não são somente o que eles parecem ser em sua superfície e, de acordo com Foucault, discursos nunca são independentes de história, poder e interesses (Ball, 1993a, p. 55).
Atribuídos a esse esquema, podemos elencar que diferentes projetos e programas educacionais, induzidos pela intenção de um controle educacional, são evidenciados a partir das avaliações externas. As mesmas, são utilizadas por um paradigma gerencialista que tem avançado congruentemente em nosso Estado, e especificamente na SME.
De forma enraizada, esse paradigma se caracteriza como um pensamento educacional de modo que parece ser a única salvação para qualidade de ensino oferecido nas escolas do município do Rio de Janeiro.
Um exemplo desses projetos que têm a intenção de controle educacional é o “Todos pela Educação”, programa esse, que supostamente, possui a ideia de constituírem:
[…] novos tipos de atores sociais, sujeitos sociais híbridos que são espacialmente móveis, eticamente maleáveis e capazes de falar as linguagens do público, do valor privado e filantrópico” (BALL, 2014, p. 230), bem como está atuando de modo global a partir de “redes políticas transnacionais”. Nesse contexto, as políticas educacionais estão sendo feitas “[...] em novas localidades, em diferentes parâmetros, por novos atores e organizações”, requerendo dos investigadores “[…] novos métodos e conceitos e novas sensibilidades de pesquisa”, superando o “territorialismo metodológico” (Ball, 2014, p. 27).
al, são evidenciados a partir das avaliações externas. As mesmas, são utilizadas por um paradigma gerencialista que tem avançado congruentemente em nosso Estado, e especificamente na SME.
De forma enraizada, esse paradigma se caracteriza como um pensamento educacional de modo que parece ser a única salvação para qualidade de ensino oferecido nas escolas do município do Rio de Janeiro.
Um exemplo desses projetos que têm a intenção de controle educacional é o “Todos pela Educação”, programa esse, que supostamente, possui a ideia de constituírem:
[…] novos tipos de atores sociais, sujeitos sociais híbridos que são espacialmente móveis, eticamente maleáveis e capazes de falar as linguagens do público, do valor privado e filantrópico” (BALL, 2014, p. 230), bem como está atuando de modo global a partir de “redes políticas transnacionais”. Nesse contexto, as políticas educacionais estão sendo feitas “[...] em novas localidades, em diferentes parâmetros, por novos atores e organizações”, requerendo dos investigadores “[…] novos métodos e conceitos e novas sensibilidades de pesquisa”, superando o “territorialismo metodológico” (Ball, 2014, p. 27).
O conceito de redes políticas se destaca atualmente como instrumento que alinha as relações de poder em torno das disputas econômicas no campo educacional. Para entendermos a relação da Governamentabilidade, Ball (2014) afirma que nesse discurso hegemônico é de suma importância a compreensão dos contextos de influências, produções de textos e práticas que legitimam e fixam esse poder. Sobretudo as avaliações de larga escala que ganha notoriedade no cenário da SME.
Dito isso, as políticas educacionais apresentam-se como uma oportunidade de lucro, ou seja, as próprias políticas educacionais tornam-se uma mercadoria, partindo de negócio a ser comercializado por empresas nacionais e multinacionais, podendo, inclusive, ser compradas e incorporadas a partir dos discursos trazidos pelas políticas educacionais no Estado. Esse discurso gira em torno das avaliações de larga escala com o intuito de reiterar um sentido no qual:
[…] dos medos e dos desejos do público, fazendo uso de um […] discurso salvador que promete salvar escolas, líderes, professores e alunos do fracasso, dos terrores da incerteza e das confusões das políticas e deles mesmos – suas próprias fraquezas (BALL, 2014, p. 160).
Com isso, o que vimos até aqui, realça o que se nomeia um regime de verdade, partindo de um discurso pautado no poder hegemônico. Dessa forma, forja-se sobre a influência das grandes instituições supranacionais.
Portanto, o estreitamento aos interesses da nossa problemática, se volta em torno das avaliações externas como influenciador e medidor da qualidade da educação no cenário da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro.
Conclusões
Conforme apresentado no artigo, há uma grande intensificação de uma agenda de avaliações externas no contexto das redes de políticas, nas últimas duas décadas, dinamizando novas demandas para o fazer político e pedagógico, buscando, sobretudo, hegemonizar um sentido para qualidade de educação referenciado, legitimado e forjado através dos resultados das avaliações externas na SME-RJ.
A ideia baseada na competitividade e utilizada na escola a partir das avaliações de larga escala, cria um parâmetro que é medido através dos resultados que são desenvolvidas por grandes instituições como a OCDE e Banco Mundial, onde vão ditar o controle das políticas públicas nos países periféricos. Como podemos perceber ao longo do texto, tais políticas no Brasil são representadas pela BNCC e pelas avaliações de larga escala.
Argumentamos que o sobrepeso das avaliações externas incide negativamente na aprendizagem dos estudantes. De forma contingencial, salientamos que para além das limitações pedagógicas, quando a avaliação de aprendizagem tem suas práticas centradas em exames padronizados e homogêneos, este tipo de encaminhamento político corrobora para criar na sociedade, uma ideia de valor e mérito que passa pela capacidade do indivíduo se autogerir para melhorar seu desempenho, na tentativa de engajar em sua formação na escola com lógicas de resultado, individualismo e competitividade.
É preciso valorizar o processo de ensino-aprendizagem que existe dentro das escolas. Cada uma possui sua construção de maneira que ressignifica e dá sentido às suas aprendizagens a partir das vivências, experiências e conhecimentos que os alunos e sua comunidade escolar trazem para sala de aula.
Categoricamente, não será uma avaliação de cunho homogêneo e padronizado que vai ditar se existe ou não um ensino de qualidade. É preciso reconhecer que a escola é lugar de construção e produção de políticas e currículos, e compreender que uma avaliação de cunho externo possui limitadas possibilidades de identificar uma qualidade apenas por obtenção de resultados.
A tentativa de buscar um sentido de qualidade através das avaliações de larga escala, torna-se uma violência com o fazer pedagógico, e que pouco agrega no que se refere a avaliação de aprendizagem.
Pontuamos que não deve haver espaço para padronização e homogeneidade nos processos de escolarização e produção curricular. Vivemos numa sociedade diversificada e, é exatamente essa diversidade que compõe a subjetividade de cada sujeito que dela participa, compondo a riqueza cultural e social, que devem ser reconhecidas e valorizadas, especialmente partindo da análise da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, referenciada neste estudo.
Referências
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Notas
Autor notes