Demanda Contínua
Recepção: 22 Julho 2022
Aprovação: 05 Setembro 2022
Resumo: Este estudo tem como objetivo identificar algumas contribuições do Currículo Integrado e da Pedagogia da Alternância para a formação integral do sujeito na Escola Família Agrícola de Natalândia – MG. Refere-se a uma pesquisa descritiva, de abordagem qualitativa. Quanto aos procedimentos, trata-se de uma revisão bibliográfica, através do levantamento de artigos e livros de renomados autores que discutem o Currículo, o Currículo Integrado e a Pedagogia da Alternância. Além disso, analisam-se, também, as informações expressas no Projeto Político Pedagógico da Escola Família Agrícola de Natalândia acerca da temática ora pesquisada. Os resultados apontam que a Pedagogia da Alternância ao utilizar-se de instrumentos pedagógicos que se têm à disposição, é possível realizar um trabalho com práticas do Currículo Integrado. É uma experiência bastante inovadora, na qual o estudante tem a possibilidade de integrar os estudos à vida social. Além disso, permite que o educando seja o protagonista do processo ensino-aprendizagem e busca a organização da educação, sobretudo a do campo, com o propósito da formação dos sujeitos de modo integral.
Palavras-chave: Currículo Integrado, Formação Integral, Pedagogia da Alternância.
Abstract: This study aims to identify some contributions of the Integrated Curriculum and the Pedagogy of Alternation for the integral formation of the subject in the Escola Família Agrícola in Natalândia – MG. It refers to a descriptive research with a qualitative approach. As for the procedures, it is a literature review, through the survey of articles and books by renowned authors that discuss the Curriculum, the Integrated Curriculum and the Pedagogy of Alternation. In addition, the information expressed in the Political Pedagogical Project of the Escola Família Agrícola de Natalândia on the subject researched is also analyzed. The results indicate that the Pedagogy of Alternation, when using pedagogical tools that are available, it is possible to carry out a work with practices of the Integrated Curriculum. It is a very innovative experience, in which the student has the possibility to integrate studies into social life. In addition, it allows the student to be the protagonist of the teaching-learning process and seeks to organize education, especially in the countryside, with the purpose of training subjects in an integral way.
Keywords: Integrated Curriculum, Natalia, Comprehensive Training, Pedagogy of Alternation.
Resumen: Este estudio tiene como objetivo identificar algunas contribuciones del Currículo Integrado y la Pedagogía de la Alternancia para la formación integral del sujeto en la Escola Família Agrícola de Natalândia – MG. Se refiere a una investigación descriptiva con enfoque cualitativo. En cuanto a los procedimientos, se trata de una revisión bibliográfica, a través del levantamiento de artículos y libros de reconocidos autores que discutan el Currículo, el Currículo Integrado y la Pedagogía de la Alternancia. Además, también analizamos las informaciones expresadas en el Proyecto Político Pedagógico de la Escola Família Agrícola de Natalândia sobre el tema investigado. Los resultados indican que la Pedagogía de la Alternancia, al utilizar los instrumentos pedagógicos que se encuentran disponibles, es posible realizar un trabajo con prácticas del Currículo Integrado. Es una experiencia muy innovadora, en la que el alumno tiene la posibilidad de integrar los estudios a la vida social. Además, permite que el estudiante sea protagonista del proceso de enseñanza-aprendizaje y busca organizar la educación, especialmente en el campo, con el propósito de formar sujetos de manera integral.
Palabras clave: Currículo Integrado, Formación Integral, Pedagogía de la Alternancia.
1 INTRODUÇÃO
No âmbito educacional, sobretudo no escolar, o currículo é um conceito de extrema importância e complexidade. Ele possui um caráter, além de pedagógico, também político, que traz impactos ao funcionamento da escola, uma vez que, a partir dele, organiza-se e orienta-se a prática educativa. Na elaboração, seleção e organização do conhecimento, a instituição escolar deve sempre levar em consideração o estudante, a sociedade e a cultura, o currículo pode ser desenvolvido de maneira disciplinar ou na forma integrada. Este último é o foco neste estudo, pois é esse o tipo de currículo que propicia a formação integral do indivíduo.
O Currículo Integrado possui grande notoriedade para a educação atual, no que tange à formação humana e integral dos discentes, sobretudo quando se trata da PA –Pedagogia da Alternância e de Ensino Médio integrado à Educação Profissional, como é o caso da EFAN – Escola Família Agrícola de Natalândia – MG, locus desta pesquisa[1].
A integração curricular faz parte de um processo de organização da aprendizagem; a partir dela, pode-se desenvolver uma educação que contemple as formas de conhecimento produzidas historicamente pela humanidade, inclusive a integração entre os saberes escolares, os saberes do trabalho e os saberes da cultura, muito importantes para a formação integral dos estudantes.
O Ensino Médio Integrado à Educação Profissional não se limita à imbricada relação entre as disciplinas técnicas e a matriz curricular do Ensino Médio. É preciso ir além dessa ideia no sentido de pensar o currículo a partir de uma perspectiva inovadora. Ramos (2008) reitera que o currículo integrado tem sido utilizado na tentativa de contemplar a compreensão global do conhecimento. A organização curricular, comumente, responde ao desafio de atender às demandas do mercado de trabalho e à formação necessária para garantir a cidadania.
Na EFAN, o trabalho pela integração curricular é constante. A prioridade da instituição é a oferta de uma educação que seja capaz de preparar profissionais, considerando os diferentes tipos de conteúdo e respeitando a diversidade humana. Busca-se trabalhar de forma a promover uma educação que ascenda os seres humanos à crítica e à consciência de seus direitos e deveres. Diante do exposto, busca-se, neste estudo, a resposta para a seguinte indagação: quais são as principais contribuições do Currículo Integrado e da Pedagogia da Alternância para a formação integral do sujeito? Como ponto de partida para a reflexão em torno das possíveis respostas, a análise tem como recorte e escopo a Escola Família Agrícola de Natalândia – EFAN.
A presente reflexão visa identificar algumas contribuições do Currículo Integrado e da Pedagogia da Alternância para a formação integral do sujeito. Além do mais, possibilita compreender as concepções de currículo, discorrer sobre o conceito de Currículo Integrado, caracterizar a Pedagogia da Alternância e analisar a relação do Currículo Integrado com a Pedagogia da Alternância. Além disso, analisam-se, também, as informações expressas no Projeto Político Pedagógico – PPP (2020) da EFAN, acerca da temática ora pesquisada.
O estudo se caracteriza como uma pesquisa descritiva, de abordagem qualitativa. Quanto aos procedimentos, trata-se de uma revisão bibliográfica, a partir do levantamento de artigos e livros de renomados autores, como Silva (2019), Goodson (2018), Apple (2006), Sacristán (2017), Bernstein (1996), Moura (2013), Ramos (2008), Machado (2010), Zabala (1998), Costa (2011), Frossard (2018), Foerste et al. (2019), entre outros que discutem o currículo, o currículo integrado e a Pedagogia da Alternância. Tais referências foram selecionadas com base na temática a ser investigada, pois acredita-se que são estes os principais autores para discutir este objeto de estudo. Ademais, entende-se que possibilitam uma reflexão das principais bases conceituais que fazem parte da busca pela formação integral do sujeito.
Nesse sentido, a pesquisa encontra-se estruturada em quatro partes principais. A primeira parte traz as concepções, a história e as teorias e de currículo. A segunda parte apresenta o conceito de currículo integrado, além de algumas reflexões acerca de sua importância para a formação omnilateral do sujeito, ou seja, a formação do ser humano em todas as suas dimensões: física, intelectual e tecnológica. A terceira parte trata-se da Pedagogia da Alternância, a metodologia adotada pelas Escolas Família Agrícola, inclusive pela EFAN. Por fim, apresenta-se a relação entre o Currículo Integrado e a Pedagogia da Alternância e suas principais contribuições para a formação integral do sujeito.
2 AS CONCEPÇÕES DE CURRÍCULO E ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA DE NATALÂNDIA
Reconhece-se que o currículo se configura um dos mais importantes e complexos temas de estudos do âmbito educacional. Vai além da mera seleção dos conteúdos a serem trabalhados na escola. Ele constitui uma referência ideológica, documental, prática e oculta; traz impactos para o funcionamento da instituição escolar, pelo seu caráter não só pedagógico como também político. Na seleção e organização do conhecimento, o currículo expressa relações de poder que interferem e transformam a comunidade escolar. Privilegiar um tipo de conhecimento e não outro é uma ação estratégica de poder subjacente ao currículo, que precisa ser reconhecida pela gestão e pelos docentes de uma instituição de ensino.
Silva (2010) afirma que, nas discussões do dia a dia, a palavra currículo está, central e vitalmente, envolvida naquilo que o indivíduo é, naquilo que ele torna: na sua identidade, na sua subjetividade, no seu processo de formação no percurso da vida. Ademais, Goodson (2018, p. 18) reitera que currículo, “em um sentido mais amplo, pode ser compreendido como todo um conjunto de discursos, documentos, histórias e práticas que imprimem identidades nos indivíduos envolvidos no processo escolar”. Assim, esta e todas as outras definições de currículo abrangem a ideia de que ele consiste em proceder ao tipo de conhecimento que deve ser ensinado, e em qual saber deve ser considerado primordial para fazer parte do currículo.
Nessa perspectiva, do currículo depende a formação do cidadão que se quer para a sociedade. Dessa forma, ele não pode se restringir, a fim de alcançar tal anseio, a uma mera escolha dos conteúdos a serem ensinados. Torna-se necessário, também, relacionar esses conteúdos ao tipo de sociedade em que se situa a instituição e a que se deseja construir. Uma boa compreensão da realidade escolar requer o entendimento dos movimentos históricos que marcaram os estudos e o desenvolvimento do currículo como uma arena de disputa no campo educacional.
Silva (2019), no livro The Curriculum, escrito em 1918 por Franklin John Bobbit, declara que o currículo é visto como um processo de racionalização de resultados educacionais, cuidadosa e rigorosamente especificados e medidos. O protótipo institucional dessa concepção de currículo é a fábrica, com uma inspiração teórica na administração científica de Taylor. Nesse modelo curricular, os estudantes devem ser considerados como um produto fabril. Silva (2019, p. 12) acrescenta que, “no discurso [...] de Bobbitt, o currículo é supostamente isso: a especificação precisa de objetivos, procedimentos e métodos para a obtenção de resultados que possam ser precisamente mensurados.” Tal definição se aproxima dos ideais de uma fábrica.
No Brasil, o processo educacional ocorreu desde o início da colonização, quando se iniciou a educação jesuítica, um processo de doutrinação dos nativos. Desde o início da história brasileira, quem define o que ensinar e como ensinar são os grupos das classes privilegiadas, tanto social quanto economicamente. Desse modo, os estudantes de classes sociais com melhor poder aquisitivo recebem uma formação mais completa, ou seja, integral, ao passo que os alunos de classes sociais baixa recebem uma formação aligeirada, única e exclusivamente em preparação para o mercado de trabalho, com pouca ou nenhuma formação humana.
2.1 As principais teorias do currículo
Atrelada à história do currículo estão as suas teorias: tradicionais, críticas e pós-críticas. Silva (2019, p. 11) afirma que “teoria é uma representação, uma imagem, um reflexo, um signo de uma realidade que – cronologicamente, ontologicamente – a precede”. Na realidade, as teorias do currículo têm como pressuposto descrever as experiências educacionais que estavam ou estão em voga nas escolas, atendendo às demandas da sociedade. De acordo com Silva,
as teorias tradicionais pretendem ser apenas isso: “teorias” neutras, científicas, desinteressadas. As teorias críticas e as pós-críticas, em contraste, argumentam que nenhuma teoria é neutra, científica ou desinteressada, mas que estão, inevitavelmente, implicadas em relação de poder (SILVA. 2019, p.16).
Com as teorias tradicionais, o ensino é humanístico de cultura geral, de caráter verbalista, autoritário e inibidor da participação do aluno. O conteúdo é muito valorizado, porém descontextualizado da realidade daquele que aprende. Buscam-se eficiência, eficácia, qualidade, racionalidade, produtividade na escola, que deve funcionar como uma empresa.
Nesse olhar, vê-se o sistema educacional preocupado, única e exclusivamente, com os lucros na fábrica, com pouca ou nenhuma formação humana, na qual o sujeito recebe uma educação que só amplia e reforça a desigualdade de classe, uma vez que propõe a formação intelectual para uns poucos e a formação para o trabalho para a grande parte da sociedade, concentradamente mecânico, sem formação para o pensamento crítico.
As teorias críticas surgem por volta da década de 1960, momento de grandes agitações, transformações e movimentos sociais na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil. Nessa perspectiva, argumenta-se que não existe neutralidade ideológica, uma vez que toda teoria está baseada em relações de poder. Dessa forma, as disciplinas e os conteúdos trazem, implicitamente, na visão tradicional, razões e motivos que levam à desigualdade social. Conforme Apple (2006, p.86), “em essência, da mesma forma que há uma distribuição desigual de capital econômico na sociedade, também há uma distribuição da mesma forma desigual de capital cultural”. A escola é, de certa forma, a responsável pela desigualdade de capital cultural[2], porque é o reflexo da sociedade, assim torna-se reprodutora.
Ao tratar das teorias críticas de currículo, é essencial mencionar Paulo Freire. Apesar de ele não ter desenvolvido nenhuma teoria de currículo, Silva (2019) afirma que a crítica de Freire ao currículo inicia-se por caracterizar o conceito de educação bancária. Na “educação bancária”, o professor exerce um papel central, enquanto o aluno está limitado a uma recepção passiva, ou seja, a forma de construir o conhecimento é confundida com um depósito bancário realizado pelo professor. Em contraposição à educação bancária, Paulo Freire propõe o conceito de educação problematizadora. Na educação problematizadora, todos, professor e aluno, estão ativamente envolvidos na construção do conhecimento. O educador e o educando refletem sobre o que se sabe e, por meio do diálogo, por meio da análise crítica, constroem o conhecimento do mundo de forma intersubjetiva.
Para conceber a realidade, a teoria crítica utiliza também o conceito de currículo oculto. “O currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, documentado, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais relevantes” (SILVA, 2019, p.78). As atitudes, os comportamentos, os valores e as orientações são aprendidos na prática do currículo oculto, que, a depender de onde ele é construído, ensina o conformismo, a obediência, o individualismo. Nesse sentido, os estudantes de classes operárias aprendem as atitudes próprias ao seu papel de subordinação, enquanto os de classe burguesa aprendem os traços sociais apropriados ao seu papel de dominação. Se houver uma mudança de paradigma, o currículo oculto também se transforma, uma vez que, compreendendo que há igualdade entre todas as classes sociais, em relação à possibilidade de aprender, o currículo oculto irá pressupor, para o ensino, a reflexão, a autonomia crítica e a coletividade. Essa perspectiva de currículo interessa à nossa pesquisa.
As teorias curriculares pós-críticas emergiram por volta das décadas de 1970 e 1980, partindo dos princípios da fenomenologia[3], do pós-estruturalismo[4] e do multiculturalismo[5]. As pós-críticas realizaram profundas críticas às teorias tradicionais, mas foram além da discussão em torno das classes sociais, tendo como foco a subjetividade do sujeito.
Novos elementos são destacados por Silva (2019, p. 17) na teoria pós-crítica do currículo em comparação às outras duas teorias: “diferença, alteridade, identidade, subjetividade, significação e discurso, saber e poder, representação, cultura, relações de gênero e étnico-raciais, multiculturalismo e sexualidade”. Esses temas não são priorizados na perspectiva crítica, muito menos na tradicional. Em sala de aula, na perspectiva pós-crítica, o professor precisa compreendê-los, considerando-a como um espaço de relações sociais e de respeito à diversidade que advém dos contextos sociais.
Dessa forma, as teorias pós-críticas trazem à tona a ideia de mudança de paradigma e criticam os padrões considerados rígidos da modernidade. Ela traz, em seu âmago, a tentativa de dar voz e realizar a escuta ativa – realmente dialógica – aos subalternos excluídos de um sistema padronizado, bem como a superação das verdades absolutas.
O desenvolvimento curricular, na perspectiva das três teorias mencionadas anteriormente, possui alguns níveis ou fases que se relacionam entre si, conforme a Figura 1.
Bernstein (1996), preocupado como os diferentes tipos de organização do currículo estão ligados a princípios distintos de poder e controle, classifica o currículo em dois tipos: coleção e integrado. Nessa lógica, o referido autor utilizou o termo classificação para se referir ao maior ou ao menor grau de isolamento e separação entre as diversas áreas do conhecimento que constituem o currículo. Quanto maior o isolamento, maior a classificação. Um currículo tradicional, organizado em torno de disciplinas tradicionais, seria fortemente classificado. Um currículo interdisciplinar, em contraste, seria fracamente classificado, ou seja, numa sala de aula na qual o currículo é integrado, os estudantes têm um grau maior de controle sobre o tempo e o ritmo de aprendizagem, a aula é mais construtiva.
Sacristán (2017) garante que a qualidade da educação e do ensino se relaciona com o tipo de cultura que nela se desenvolve, que ganha significado educativo através das práticas e dos códigos que a manifestam em processos de aprendizagem. Não tem sentido renovação dos conteúdos sem mudanças de estratégias e tampouco uma fixação em processos educativos sem matérias de cultura, bem como não tem sentido inovação tecnológica sem mudança de paradigma na forma de promover uma aula. Por isso, essa reflexão parte da concepção de currículo, uma vez que, para se valorizar a cultura tradicional em que se assenta o aprendiz, é preciso partir de uma perspectiva curricular integrada e pós-crítica.
Na organização da prática pedagógica, em sala de aula, deve-se centrar numa perspectiva curricular em que a integração de conteúdos seja uma prática, em que a formação do estudante seja humana e integral, em que o professor seja um aprendiz constante, capaz de refletir sobre a sua prática, em que as aulas, enquanto estratégias pedagógicas, sejam problematizadoras e dialéticas. Considerando essa nossa decisão, julgamos necessário refletir acerca da concepção de currículo integrado.
3 O CURRÍCULO INTEGRADO E A ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA DE NATALÂNDIA
Partimos do pressuposto de que o fito a ser alcançado, a partir de um currículo humanitário, na perspectiva de uma sociedade justa, é a formação omnilateral, integral e politécnica de todos, de forma pública e igualitária. Moura (2013), para quem esse tipo de formação ainda está longe de ser alcançada, apregoa que essa formação representa uma utopia, principalmente em uma sociedade capitalista e periférica como o Brasil. O referido autor vislumbra a possibilidade, no Ensino Médio Integrado à Educação Profissional, da prática do currículo integrado, do ponto de vista ético-político, de conceber e materializar um tipo de Ensino Médio com base unitária para todos, fundamentado na concepção de uma formação completa, tendo como eixos o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura. Existem projetos educacionais no Brasil que buscam essa utopia, por exemplo, as Escolas Família Agrícola –EFAs.
Ramos (2008) também traz à tona os eixos do trabalho para relacionar o Ensino Médio à Educação Profissional, o que faz a integração ser pensada para além da forma. Mais que somar e imbricar currículos e cargas horárias referentes a ambas as modalidades de ensino, é necessário, numa perspectiva de formação integral, relacionar conhecimentos gerais e específicos, conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais; ciência, cultura e trabalho; pesquisa, humanismo e tecnologia. Compreender a relação indissociável entre trabalho, ciência e cultura significa entender o trabalho como princípio educativo, o que equivale a dizer que o ser humano é produtor da sua própria realidade, por isso a utiliza e pode modificá-la pelo trabalho. Além disso, enfocar o trabalho como princípio educativo significa superar a dicotomia trabalho manual/trabalho intelectual, ou seja, formar trabalhadores pensantes, capazes de atuar com autonomia nos diversos setores e ambientes, desde a vida privada à social. A EFAN e as demais EFAs no Brasil e no mundo são pensadas originalmente com essa compreensão e esse propósito.
Em se tratando de Ensino Médio Integrado à Educação Profissional, Machado (2010) explica que é necessário compreender realmente o que integrar. Segundo a autora, deve-se integrar finalidades e objetivos da escola à prática pedagógica. É importante lembrar que o estudante deverá integrar os estudos à vida social, elementos do passado precisam se relacionar com os do presente, para se reconhecer o valor da história; conhecimentos empíricos e da cultura tradicional/popular devem ser explorados juntamente a conhecimentos científicos, e conteúdos procedimentais devem estar integrados a conteúdos conceituais, factuais e atitudinais.
Podemos trabalhar todos esses conteúdos de maneira a compreender como funcionam, e, posteriormente, incluí-los em definitivo aos nossos saberes. Zabala (1998) aborda a tipologia de conteúdos da seguinte forma: os conteúdos factuais englobam o conhecimento de fatos, situações, dados, fenômenos concretos e singulares; os conteúdos conceituais referem-se à construção ativa de capacidades intelectuais para operar símbolos, imagens, ideias e representações que permitam organizar as realidades; os conteúdos procedimentais se referem ao fazer com que os educandos construam instrumentos para analisar, por si mesmos, os resultados que obtêm e os processos que colocam em ação para atingir as metas a que se propõem; e os conteúdos atitudinais referem-se à formação de atitudes e valores em relação à informação recebida, visando à intervenção do aluno em sua realidade.
O currículo integrado, tema desta proposta de pesquisa, é definido por Costa (2011, p. 41) como “uma possibilidade de inovar pedagogicamente, é uma forma de promover o diálogo entre as diversas disciplinas tanto da formação geral quanto da formação específica”. Essa perspectiva interdisciplinar possibilita a inovação também porque o educando sai da postura passiva de recebedor do conhecimento – conteúdo conceitual ou factual – para, a partir dos conteúdos procedimentais, construir o conhecimento; nisso ele aprende, inclusive, o conteúdo atitudinal. Essa mesma autora afirma que o currículo integrado é essencial para o reconhecimento dos diferentes sujeitos sociais para os quais ele se destina, valoriza os diversos saberes construídos nos mais diversos espaços sociais para que as escolas promovam a formação integral dos discentes, levando-os a compreender a si mesmos e ao mundo, deixando de lado a perspectiva reduzida da formação exclusivamente para o mercado de trabalho e, ainda, “eliminando a dualidade historicamente construída em que a primeira caberia à burguesia e a segunda à classe trabalhadora, numa separação mecânica e utilitária, de acordo com o sistema capital” (COSTA, 2011. p. 42).
Nesse cenário, Costa apresenta algumas vantagens do currículo integrado em relação ao currículo disciplinar:
permite maior homogeneidade de ações entre os professores;
enfraquece as regras de enquadramento, ou seja, permite relações mais democráticas entre alunos e professores;
confere maior iniciativa aos professores e aos alunos;
possibilita maior integração dos saberes escolares com os saberes cotidianos dos alunos;
combate uma visão hierárquica e dogmática do conhecimento, ou seja, a ideia de que existem saberes que são sempre mais importantes do que outros (COSTA, 2011. p. 43).
Um currículo integrado visa a formar e a informar o aluno para o presente, mas também para o futuro, com base no passado. Para formar um aluno crítico e participativo, um cidadão autônomo, é preciso oferecer a ele ferramentas potentes, vinculando a aprendizagem a questões da realidade e aproximando teoria e prática, de modo que ele progressivamente entenda, assentado num contexto social, as demandas acadêmicas e profissionais que enfrentará no futuro. Dessa forma, para atender a essas demandas, requer-se um corpo docente com uma nova perspectiva de ensino, com um paradigma pedagógico diferente do construído pela escola tradicional, que ainda vigora em muitas escolas do Brasil. É necessário, além dessa mudança de paradigma, adquirir uma boa formação inicial e, sobretudo, passar por formação continuada constantemente.
Outro ponto acrescentado para uma sólida implementação do currículo integrado, em consonância com Moraes (2016), é explorar o protagonismo juvenil, considerando o aluno como ator principal da vida escolar. A integração curricular consiste em relacionar o currículo a partir de ações de investigação e transformação em que o discente seja o principal ator.
Entende-se que essa ideia do protagonismo juvenil, como estratégia de implementação do currículo integrado, parece estar de acordo com a identidade da EFAN, uma vez que lá os alunos são tratados de forma não hierárquica e quase a totalidade deles parece ser consciente de seus direitos e deveres, uma vez que as estratégias de aprendizagem de conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais tão bem elaboradas pelos monitores e distribuídas entre eles são cumpridas tanto no espaço escolar quanto no espaço domiciliar. Vale lembrar que as estratégias de aprendizagem ultrapassam o ambiente da sala de aula e consideram a relação dos alunos inclusive com o planejamento, a organização e a limpeza da escola. A ideia de se trabalhar com a perspectiva do trabalho ocorre de duas maneiras: pela atuação do estudante na organização da escola e, também, pela pesquisa que se realiza nos projetos institucionais.
Os currículos integrados demandam mais do que uma oferta complementar de conteúdos por disciplinas distintas, são a construção de uma ação didática unitária, o trabalho centrado nos elos que existem entre os conhecimentos, atitudes de abertura e confluência, criatividade, capacidade de inovação, partindo dos diferentes tipos de conteúdo.
A partir dessas discussões, avançaremos propondo uma reflexão em torno da Pedagogia da Alternância, que, por questões pragmáticas, está em ascensão no Brasil e no mundo. Além dessa questão, tal reflexão é importante para que conheçamos a metodologia adotada pela instituição em que desenvolvemos a nossa pesquisa
4 A PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E A ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA DE NATALÂNDIA
O modelo pedagógico PA foi utilizado pela primeira vez na França na década de 1930. É o método utilizado nas Escolas Família Agrícola (EFAs), que se originaram da Maisons Familiales Rurales da França, expressão que significa Casas Familiares Rurais na Língua Portuguesa. Consiste em uma metodologia de organização do ensino escolar que conjuga diferentes experiências formativas distribuídas ao longo de tempos e em espaços distintos, com a finalidade da formação profissional do jovem. A alternância se dá, sobretudo, entre os espaços e o tempo a que se destina a aprendizagem: um tempo na escola, outro em casa/trabalho, mas, em todos eles, há processos contínuos de aprendizagem. Na Sessão Escola, o ensino é coordenado pelos educadores/monitores. Na Sessão Família, esta se responsabiliza pelo acompanhamento das atividades dos estudantes, que são propostas a partir de roteiros de trabalhos. Na Sessão Família, o estudante tem a possibilidade de aplicar e ampliar, no seu contexto de vivência e trabalho, o aprendizado construído na Sessão Escola.
Essa estratégia foi criada com o objetivo de evitar que os jovens estudantes evadissem de seu território rural na forma de êxodo para a cidade e, também, para evitar que se evadissem da escola devido às responsabilidades com a família e com o trabalho rural, pois, muitas vezes, é o sustento. Para ajudar as pessoas que se encontram no conflito entre estudar ou se manter no trabalho/família, nasce a ideia da alternância de espaços de estudos. A bibliografia consultada destaca que essa iniciativa envolveu o padre Abbé Granerau e três agricultores do sudoeste da França. Para Frossard,
a forma encontrada pelo padre e as famílias foi de reunir os jovens em um período na igreja – na casa paroquial, em tempo integral, onde estudariam conteúdos a serem definidos em conjunto com as famílias, e outro período em suas casas, trabalhando e estudando com os pais, para aprender os ofícios do meio agrícola e demais serviços necessários à sobrevivência. Com isso, o padre inseria a família como parte da aprendizagem e corresponsável pela formação dos próprios filhos. Ao mesmo tempo em que repassavam aos seus filhos o conhecimento informal, empírico, enfim, o saber fazer das atividades do campo (FROSSARD, 2018. p. 21).
As ações desse modelo educacional se baseavam no dia a dia dos alunos e de acordo com o conhecimento que as famílias achavam necessário para seus filhos. Frossard (2018) acrescenta que, além do conhecimento convencional, os pais queriam que seus filhos aprendessem técnicas agrícolas, formação humana, preservação cultural e os valores do campo, ou seja, se desenvolvessem considerando a politecnia e a omnilateralidade.
Ao contrário do que alguns acreditam, segundo Foerste et al. (2019), a PA não é uma metodologia pensada nos centros acadêmicos, nem consequência de análises e experiências realizadas e, em seguida, organizadas e colocadas em prática; é uma experiência que vai se moldando com o tempo, a partir das necessidades dos grupos que dela participam. O PPP (2020) da EFAN garante que a PA é um projeto educativo que visa à formação integral e à qualificação profissional dos estudantes, a fim de conjugar o saber e o meio (família e comunidade).
As escolas de PA estão presentes nos cinco continentes e em diversos países, segundo Frossard (2018), em um total de mais de 1.330 EFAs/CEFFAs em todo o mundo. No Brasil, a primeira Escola Família Agrícola foi criada em 1968, na cidade de Anchieta, no Estado do Espírito Santo, através do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES), inspirando-se na PA da França e da Itália. No Brasil, o motivador para criação da escola também foi um religioso, o padre Jesuíta Humberto Pietogrande, que associou lideranças políticas, religiosas e camponesas do território.
Destaca-se, segundo Frossard (2018), que as escolas da PA, no Brasil, funcionam em 21 estados da Federação, totalizando 239 unidades e envolvendo 800 municípios. Cordeiro (2011) afirma que a PA é utilizada por jovens e adultos do campo, uma vez que é uma proposta pedagógica capaz de atender às necessidades de articulação entre escolarização e trabalho: proporcionar aos estudantes que dela participam a oportunidade de estudar sem ter que abandonar o campo. Disso também se conclui que o modelo almeja a formação integral.
A prática da PA favorece a implementação do currículo integrado, entendido para além da mera associação entre formação geral e profissional, ou seja, esse modelo pedagógico, através de seus instrumentos, permite ao sujeito receber uma formação humana, integral e profissional. O fato de os alunos, em Sessão Escola, permanecerem em tempo integral, sem dúvida, favorece a prática da integração curricular. De acordo com Frossard, a dinâmica formativa da PA trouxe novas perspectivas para os jovens, ao propor a formação distinta da convencional, o diálogo da escola com a família, o protagonismo do estudante e a aquisição de conhecimentos voltados a atender às demandas da sua realidade.
Para Frossard (2018), os princípios de funcionamento das EFAs são convencionados como os quatro pilares dos CEFFAs, e estão relacionados com as finalidades da formação e dos meios formativos. Esses princípios norteiam e organizam o funcionamento administrativo, financeiro e pedagógico das escolas, influenciam, também, na formação dos técnicos em Agropecuária. São eles: a associação das famílias local, regional e nacional; a Pedagogia da Alternância; a formação profissional, integral e humana do ser; o desenvolvimento sustentável, ambientalmente correto e solidário ao meio.
Pode-se afirmar que as EFAs, por meio da PA, utilizam diversos instrumentos pedagógicos. Dentre eles, um que mais se destaca é o Plano de Estudos, que se estabelece a partir de uma pesquisa realizada pelos alunos, durante a sessão família, com base em temas definidos entre a equipe e o CEFFA (Centro Familiar de Formação por Alternância, utilizada como sinônimo de EFA), os estudantes e a família, além dos agentes formativos do meio comunitário.
Na PA, o professor, na maioria das EFAs, é chamado de monitor, porque a compreensão do seu papel é diferente da perspectiva bancária, em que ele é mero depositante do conhecimento para os estudantes-depositários. Compete a ele ouvir as inquietações levantadas pelos alunos e, a partir delas, colaborar com eles na reflexão, mediando, de forma problematizadora e dialógica, o conhecimento teórico necessário para responder às suas indagações, evitando um conteúdo distanciado da realidade e da vida do aluno. Compreende-se, nesse novo perfil, uma mudança de paradigma na atuação do professor, que sai da condição de depositante para mediador na elaboração do conhecimento. Por isso, para Foerste et al., o monitor deve ter
capacidades técnicas e compromisso sociopolítico com a causa dos agricultores;
capacidade de liderança e acompanhamento pessoal dos jovens: estimulando, motivando e orientando-os no processo de aprendizagem;
capacidade de comunicação que facilita a inter-relação entre estudantes e monitores e os diferentes agentes educativos que participam no projeto de formação em alternância;
compromisso com o projeto EFA;
capacidade de trabalhar em equipe (FOESRSTE ET AL., 2019.p. 45).
Logo, percebe-se que as escolas que utilizam a PA possibilitam aos jovens, nas condições de técnicos em Agropecuária, ao proporem ações que denotem práticas agrícolas geradoras de transformações para um processo com produtividade de pouco impacto nos ecossistemas e menos degradante ao meio socioambiental, contribuem com o desenvolvimento sustentável local, além de proporcionar uma formação humana e cidadã.
5 CURRÍCULO INTEGRADO E A PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA NA ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA DE NATALÂNDIA
A característica fundamental da PA é alternar tempos e espaços diferentes, unidos por um mesmo processo de ensino e aprendizagem de forma a integrar o currículo. Kuller (2014) informa que os problemas enfrentados no trabalho e na comunidade de origem dos estudantes integram os conteúdos curriculares que são abordados nos tempos de escola. Pesquisa e trabalho articulam-se na definição, orientação, organização e integração do currículo.
Nessa perspectiva, o trabalho revela-se educativo a partir das dimensões histórica e ontológica, articula teoria e prática numa só práxis: a pesquisa como princípio pedagógico constitui a essência básica da razão de existir do ser humano; a pesquisa é um instrumento pedagógico para problematização e modificação da realidade, a partir do resgate e da ampliação do conhecimento.
Diante disso, percebe-se que não se deve fazer educação, sobretudo sob o ponto de vista da emancipação do sujeito, na ótica da integração curricular, sem a prática da pesquisa. Demo (2007) afiança que, para o aluno aprender, tem de pesquisar, não só para produzir conhecimento próprio, mas para se formar de maneira autônoma. Pesquisa não se resume a conhecimento de primeira linha, mas é, em primeiro lugar, ambiente de aprendizagem.
Na perspectiva da alternância e da formação integral, não funciona a prática tradicional, na qual tudo é aula expositiva; quando o aluno tudo ouve e nada faz, além de cópias, é apenas depositário. Ademais, na concepção de formação integral e da alternância,
o professor precisa saber convencer o aluno de que deve estudar, pesquisar, elaborar. O aluno que aprende a estudar não depende de aula. Tem nisto enorme apoio para sua autonomia. Pobre do aluno que só funciona com aula, porque não vai além de copiar e reproduzir! (DEMO, 2007, p. 99).
O Ensino Médio nas EFAs, conforme Frossard (2018), é, na modalidade integrada, conforme a legislação, inter e transdisciplinar[6] por natureza pedagógica. Nenhuma modalidade (nem a Educação Profissional e nem o Ensino Médio) pode se sobrepor em relação a outra, minimizar ou neutralizar o trabalho da outra. Pelo contrário, propõe-se que ambas as modalidades se complementem e visem à formação de um ser dotado de múltiplas habilidades e competências para além do que aprenderia se estudasse somente no Ensino Médio ou somente na Educação Profissional. É necessário, conforme o PPP (2020) que se pense na integração com foco também na formação humana, ética e social. Dessa forma, sendo técnicos ou não, os temas, as disciplinas colaboram para o enriquecimento da formação do estudante, porque ele passa a entender que a futura profissão não acontece de forma isolada dos saberes gerais, mas que possui interações com as ciências, com os saberes de muitas origens e de muitas naturezas.
Foerste et al. (2019) reforçam a unidade que há no processo de ensino e na aprendizagem em escolas com PA, que elimina a dicotomia entre teoria e prática, saber popular e escolar, escola e meio profissional, e com a visão fragmentada e disciplinar da aprendizagem. Abolem-se, definitivamente, os conceitos de homem e mundo estáticos e acabados. Criam-se sintonias entre o saber aprendido em casa (saber popular) e o saber adquirido na escola (saber científico).
Nessa esteira, as escolas do campo constroem um currículo que vá além de possibilitar aos estudantes o acesso à informação e ao conhecimento científico, mas que seja democrático e valorize os diversos saberes cotidianos e prime pela formação integral do indivíduo. É essencial buscar a construção de uma relação dialógica e dialética entre as várias áreas que compõem o currículo, de forma a compreendê-lo como um artefato social, uma produção histórica, em que seja possível a análise do tempo e do espaço no qual ele está imerso.
Foerste et al. (2019) asseveram que a PA só se concretiza de maneira integrada quando implementa, no seu fazer, os seguintes instrumentos pedagógicos: plano de estudo, colocação em comum, caderno realidade, caderno didático, viagens e visitas de estudo, intervenções externas, atividades de retorno, experiências, visitas às famílias, estágio, projeto profissional, caderno de acompanhamento ou da alternância, tutoria, avaliação. Todos os instrumentos constituem-se no processo participativo entre escola e família. Essa experiência coloca em prática aquilo que se julga como fundamental no seu dever-ser: o ver, o julgar e o agir, como itinerário articulador do sentido e significado daquilo que se propõe enquanto instituição educativa. Há também um instrumento valioso para a PA e a integração dos conhecimentos: o PF - Plano de Formação. Frossard (2018) afirma que os instrumentos pedagógicos devem ser articulados e planejados de forma a cumprir as seguintes funções:
Formação humana, integral e profissional.
Valorização da cultura local por meio do resgate das raízes e valorização do conhecimento da família e local, como forma de permitir aos discentes do campo a condução de sua própria história, sua autoformação e a construção de veículos com a sua realidade para a construção de sua identidade.
O fortalecimento da identidade com o meio social e cultural, aceitando-o e se projetando, levando a compreender o seu projeto de vida, tem como resultado o incentivo aos estudantes para se estabelecer como agente de desenvolvimento do seu meio.
Com tudo isso, espera-se que com um tempo todo o trabalho do CEFFA colabore para que se atinja o desenvolvimento sustentável e solidário da comunidade ou região atendida (FROSSARD, 2018. p. 168).
O PF é indispensável para a organização do currículo integrado. É uma estratégia de gestão pedagógica que organiza e articula ensino e aprendizagem de maneira contínua e integrada, mesmo na descontinuidade das atividades e dos espaços e tempos diferentes: organiza as alternâncias e as aprendizagens, dá prioridade à vida e às experiências concretas e práticas, os conhecimentos populares e locais são avaliados e reconstruídos constantemente, no sentido de atender às reais necessidades dos educandos, das suas famílias, das comunidades e da região. Segundo Foerste et al. (2019) o PF nas EFAs se constroi com, pelo menos, quatro finalidades fundamentais, quais sejam:
Articular os saberes da vida com os saberes teóricos do programa escolar formal/oficial.
Integrar os conteúdos da formação geral e humanista, com os conteúdos da formação profissional, evitando o tecnicismo sem consciência crítica e o teoricismo desligado da vida.
Facilitar e otimizar o processo de ensino-aprendizagem, partindo sempre que for possível, da prática para a teoria.
Criar uma estrutura de incentivo e acompanhamento personalizado ao educando, na perspectiva da educação profissional, da construção do projeto de vida para a inserção profissional ou continuidade nos estudos, bem como o engajamento social e o compromisso com o desenvolvimento local e sustentável (p. 305).
A integração está presente de alguma forma em todas as finalidades propostas no PF, como se observa a partir das expressões “articular saberes”, “integrar conteúdos”, “teoria e prática”, “engajamento social e compromisso”, que apontam para dimensões políticas importantes dentro do currículo.
Dessa forma, é importante que se perceba que a “PA proporciona uma estreita ligação entre família-escola-família, ou melhor, trabalho-estudo-trabalho, ação-reflexão-ação, fazendo com que o estudante contextualize a sua realidade de vida através de instrumentos pedagógicos específicos” (PPP, 2020, p. 24). Portanto, a proposta metodológica utilizada pela EFAN e por outras EFAs, a PA, através dos instrumentos pedagógicos que tem à sua disposição, consegue, mesmo que parcialmente, colocar em prática o currículo integrado e, com isso, propicia a formação integral de seus estudantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
São inúmeras as contribuições do Currículo Integrado e da PA para a formação integral do sujeito. No entanto, é possível apreender que, numa sociedade capitalista e periférica como o Brasil, a formação omnilateral, integral e politécnica, de forma pública e igualitária, ainda é uma utopia. Para que essa formação almejada seja concretizada, é necessário conceber e materializar um tipo de ensino com base unitária para todos, relacionar conhecimentos gerais e específicos, priorizar os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, bem como utilizar da pesquisa como princípio pedagógico e o trabalho como princípio educativo. As EFAs são exemplos de projetos que trabalham para alcançar essa perspectiva, mesmo tendo consciência de que seja uma utopia.
A PA, proposta metodológica utilizada pela EFAN e por outras EFAs, por meio dos instrumentos pedagógicos que têm à disposição, possibilita à Instituição estar à frente de outras, com o mesmo nível e modalidade de ensino em que atua, isto é, o Ensino Médio Integrado à Educação Profissional. Esse passo à frente aponta para a oferta a seus discentes de uma formação integral, com práticas do currículo integrado, tendo como eixo o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura a partir de metodologias ativas.
De fato, a PA é uma proposta que, mesmo não sendo pensada nos centros acadêmicos, é utilizada pelas EFAs e coloca em prática o currículo integrado. É uma matriz teórica e metodológica ainda em construção, mas que visa à formação integral e à qualificação profissional dos educandos, de maneira a conjugar o saber e o meio, de forma a contextualizar os saberes, a partir de metodologias quase sempre ativas.
Ao realizar esta pesquisa, foi possível inferir que a PA é uma experiência bastante inovadora, na qual o estudante tem a possibilidade de integrar os estudos à vida social. Além disso, permite que o educando seja o protagonista do processo ensino-aprendizagem e busca a organização da educação, sobretudo a do campo, com o propósito da formação dos sujeitos de forma integral.
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Notas