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CONHECIMENTO CIENTÍFICO E AS FAKE NEWS: um obstáculo epistemológico no ensino de ciências e biologia?
SCIENTIFIC KNOWLEDGE AND FAKE NEWS: are they an epistemological obstacle in science and biology teaching?
CONOCIMIENTO CIENTÍFICO Y LAS FAKE NEWS: ¿una objeción epistemológica en la enseñanza de ciencias y lo a biología?
Revista Espaço do Currículo, vol. 16, núm. 3, pp. 1-7, 2023
Universidade Federal da Paraíba

Demanda Contínua

Revista Espaço do Currículo
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
ISSN: 1983-1579
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 16, núm. 3, 2023

Recepção: 11 Março 2023

Aprovação: 26 Abril 2023


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Resumo: Este artigo apresenta uma análise teórica, de natureza qualitativa, por meio de pesquisa bibliográfica para tentar esclarecer se as fakes news podem ser caracterizadas como obstáculo epistemológico na aprendizagem do conhecimento científico, nas disciplinas de Ciências e Biologia, no contexto da pandemia da covid-19 e da disseminação de notícias falsas ou fake news. Para desenvolver essa proposta pretende-se identificar na obra de Gaston Bachelard a noção de obstáculo epistemológico ao reconstruir, de modo breve, a narrativa do autor, na tentativa de indicar caminhos para o conhecimento científico e as implicações das fake news nesse processo. Sabe-se que o excesso de informações, a infodemia, apresenta-se como barreira em função da dificuldade de critérios na seleção de informações relevantes e seguras como aliadas no processo educacional. Percebe-se um intenso movimento anticientífico, que não é novo, mas é possível observar seu crescimento mundial nos últimos anos. Será importante que o educador assuma uma postura investigativa e reflexiva para que o sentimento de fracasso não passe despercebido quando o comportamento instintivo não se apresente em sua prática pedagógica, por ser o detentor do conhecimento porque dessa forma todo conselho referente aos erros pedagógicos que cometem será absolutamente inútil. Sendo assim, as fake News, configuraram-se em um fenômeno do pensamento fraco ou em obstáculo epistemológico da experiência primeira, que significa deixar-se levar pelo impulso, pelo arrebatamento natural, causado pela informação, sem considerá-la criticamente, porque é na criticidade que o espírito científico se forma e se reforma, retificando saberes, quando não oferecemos resistência ao novo conhecimento.

Palavras-chave: Conhecimento científico, Fake News, Obstáculo Epistemológico.

Abstract: This study presents a qualitative and theoretical analysis, based on bibliographical research to enlighten whether fake news can be characterized as an epistemological obstacle to the learning process of scientific knowledge, regarding Science and Biology subjects, during Covid-19 pandemic context and fake news dissemination. Thus, to develop this proposal, it aims at identifying the notion of epistemological obstacle in Gaston Bachelard's work by briefly reconstructing the author's narrative, in an attempt to indicate possibilities to scientific knowledge and implications of fake news along this process. It is known that an overflow of information, the infodemic, has been a barrier due to the difficulty of criteria to select relevant and safe information as allies in the educational process. There is an intense anti-scientific movement, which is not new, but it is possible to observe its worldwide increase in recent years. It will be important for educators to assume an investigative and reflective attitude so that the feeling of failure does not go unnoticed when instinctive behavior does not appear in their pedagogical practice, as they hold knowledge. Thus, any advice regarding pedagogical mistakes will be absolutely useless. At last, fake news was configured as a phenomenon of weak thought or an epistemological obstacle to the first experience, which means let you be carried away by impulse, by the natural rapture caused by information, without critically consider it, since criticalness helps on scientific background, reforms and rectifies knowledge, when we do not offer resistance to new knowledge.

Keywords: Scientific Knowledge, Fake News, Epistemological Obstacle.

Resumen: Este trabajo presenta un análisis teórico, de naturaleza cualitativa, por intermedio de pesquisa bibliográfica para intentar aclarar si las fake news pueden ser caracterizadas como objeción epistemológica en el aprendizaje del conocimiento científico, en las asignaturas de Ciencias y Biología, en el contexto de la pandemia de la covid-19 y de la diseminación de noticias falsas o fake news. Para desarrollar esa propuesta se pretende identificar en la obra de Gaston Bachelard la noción de objeción epistemológica al reconstruir, de pronto modo, la narrativa del autor, en la tentativa de indicar caminos para el conocimiento científico y las implicaciones de las fake news en ese proceso. Es percibido un intenso movimiento anticientífico, que no es nuevo, pero es posible observar su crecimiento mundial en los últimos años. Será importante que el educador haga cargo de una postura investigativa y reflexiva para que el sentimiento de fracaso no pase desapercibido cuando el comportamiento instintivo no se presente en su práctica pedagógica, por ser el detentor del conocimiento porque de esa forma todo consejo referente a los errores pedagógicos que perpetran será absolutamente inútil. Entonces, las fake News, se configuran en un fenómeno del pensamiento débil o en objeción epistemológica de la experiencia primera, que significa dejárselo llevar por el impulso, por el arrebatamiento natural, causado por la información, sin considerarla críticamente, porque es en la criticidad que el espíritu científico se forma y se reforma, rectificando saberes, cuando no ofrecemos resistencia al nuevo conocimiento.

Palabras clave: Conocimiento científico, Fake News, Objeción Epistemológica.

1 INTRODUÇÃO

A velocidade das informações veiculadas pelas mídias digitais, pelas redes sociais com circulação em volume global em tempo real é discrepante da velocidade com a qual a ciência produz afirmações confiáveis. Desta forma, a disseminação de fake news, notícias falsas, que implicam em desserviço à sociedade, gera confusão, desinformação e preocupações desmedidas em diversos temas, em especial os temas científicos. E o excesso de informações propagadas por essas redes pode gerar dificuldades no discernimento sobre o que é verdadeiro e falso (ABIB, 2020).

Neste artigo, será utilizado o termo fake news, quando a referência for notícias falsas.

Segundo Nunes 2020, o movimento anticientífico não é novo, mas é possível observar seu crescimento mundial nos últimos anos. Na corrida contra o tempo para conter a disseminação da doença, as fake news constantemente distorcem informações fundamentadas pela ciência e uma das formas para enfrentar a desinformação é o investimento em educação.

Nessa perspectiva, pretende-se apresentar uma análise teórica, com base na pesquisa bibliográfica e na obra de Gaston Bachelard, para reconstruir, de modo breve, a proposta epistemológica do autor, no sentido de compreender o termo obstáculos epistemológicos na tentativa de indicar caminhos para superar tais obstáculos. Além de buscar a construção do conhecimento científico e as implicações das fake news nesse processo, em época da pandemia da covid-19, na educação.

Dessa forma, a questão que norteia este texto é: as fake news podem ser caracterizadas como obstáculos na aprendizagem do conhecimento científico, nas disciplinas de Ciências e Biologia?

Para desenvolver essa proposta, pretende-se, mais especificamente, alcançar o objetivo de relacionar os obstáculos epistemológicos de Bachelard que em tese foram constituídos pela disseminação de notícias falsas, as fake news, na construção do conhecimento científico.

A pesquisa se caracteriza como sendo qualitativa, com revisão bibliográfica, segundo Flick (2009).

2 O QUE SÃO E COMO SE CARACTERIZAM AS FAKE NEWS

A desinformação deliberada e a necessidade de inventar e divulgar fatos estão em pleno andamento, as mentiras e notícias falsas permeiam o debate público, controlando a discussão nos meios sociais, acadêmicos e políticos, servindo a causa populista. Neste sentido o autor Rolf Arnold em seu livro: Fake News in Science and Education, 2019, chama esse fenômeno emergente, (ARNOLD, 2019, tradução nossa).

Segundo Arnold (2019), os cientistas tendem a ser muito mais céticos sobre as "verdades". No processo de formulação do raciocínio baseado em evidências, fatos incontestáveis não são deliberadamente ocultados, mas apresentados para debate aberto. A livre expressão de opinião, a imprensa livre e a liberdade de pesquisa e ensino garantem a discussão e o debate necessários para argumentar as evidências dos fatos em uma democracia. Uma característica importante da educação em nosso mundo moderno é orientar os estudantes para lidar com essa mudança, uma espécie de preparação para a insegurança de não saber o que está por vir e uma abertura que ameaça o conhecimento validado e comprovado, (ARNOLD, 2019, tradução nossa).

Essa plausibilidade interna nos permite ver o que vemos: os “fatos” revelados em nossa pesquisa estão longe de ser objetivos, mas sim o resultado de nossa visão metódica, disciplinada, mas individual do que está acontecendo. A maneira como lidamos com os fatos geralmente mostra que gostamos ou não – mais sobre nós mesmos e nossos pontos de vista do que sobre o objeto de nosso interesse. A busca de fatos requer um olhar ampliado por trás dos fatos – uma reflexão metafactual, (ARNOLD, 2019, tradução nossa).

Para Arnold (2019), esse tipo de reflexão nos ajuda a expandir a observação científica das condições para uma observação de segunda ordem, ou seja, questionar como observamos e reconhecemos nossa tendência a aceitar achados que não são necessariamente fatos baseados em evidências apenas porque os geramos e queremos que sejam "certezas". Se esta reflexão metafactual for omitida ao lidar com fatos, há mais em jogo do que apenas aceitar como fato o que parece ser o caso. Corre-se o risco de uma reprodução contínua da visão anterior das coisas, porque o “ponto cego” em sua percepção (e talvez em outras) não é reconhecido, e você considera sua maneira de lidar com as circunstâncias factualmente indiscutível, (ARNOLD, 2019, tradução nossa). Nesse sentido o autor também contribui,

John Maynard Keynes disse uma vez: "Quando os fatos mudam, eu mudo de ideia... e o que você faz?" (citado em Chamberland, 2016, p. 191). Esta é uma boa pergunta que deve nos confrontar em nosso pensamento e interpretação. Somos realmente capazes de abandonar nossas opiniões duramente conquistadas quando a análise racional revela algo melhor? Que emoções nos perseguem quando temos que perceber que nos enganamos? Corrigimo-nos ou insistimos, tentando manter uma parte das nossas convicções anteriores? Ou argumentamos ignorando os fatos - inventando provas que não existem apenas para ganhar? (ARNOLD, 2019, p.xiii, tradução nossa)

Para muitas pessoas, nem isso basta: não se limitam a inventar fatos, mas também sentem a necessidade de divulgá-los. Ao fazê-lo, essas proposições ganham significado social, não por sua veracidade, mas por sua repetição. No ciberespaço, não há mais nenhum controle de qualidade para garantir que haja evidências reais do que é divulgado. Os temas diante do público não são mais determinados por fatos comprovados, mas por novidades generalizadas. A desinformação deliberada tornou-se um meio de controle da política e da opinião pública com consequências devastadoras para o clima e a cultura do diálogo em nossa sociedade (ARNOLD, 2019, tradução nossa).

O termo fake News tornou-se nos últimos anos uma, uma expressão usada de forma exagerada, muitas vezes como uma explicação rápida e fácil para os problemas da sociedade atual. Fake news foi eleita a palavra do ano de 2017 pela editora inglesa Collins (BBC, 2017). O termo tornou-se extremamente corriqueiro e popular, empregado de forma generalizada e imprecisa, em geral pensada em associação com a ruptura progressiva das democracias liberais nesse início do século XXI. (MENESES, 2018; ALVES, MACIEL, 2020).

Uma das característica das fake news é a fonte, sendo na internet que se criam: pela facilidade de publicação (qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo, pode publicar), pela desregulação, não existindo controle e pela abundância de informações, são milhões de informações disponíveis, de todo o tipo, pela facilidade de confundir verdadeiro e falso, manipular uma foto ou um vídeo, e pela facilidade de obter retorno financeiro com publicidade. Certamente, a Internet e o crescimento das mídias sociais não inventaram o fenômeno da desinformação, mas criaram um ambiente propício para que houvesse uma difusão em massa de notícias falsas, em velocidade nunca vista na história da humanidade (MENESES, 2018; ALVES; MACIEL, 2020).

Em suma, o fenômeno contemporâneo das fake news envolve algo mais do que a mera falsidade da notícia, presente também em formas simples e ingênuas de erros factuais ou equívocos involuntários. Nesse ponto, contudo, é que o fenômeno contemporâneo das fake news é mais amplo e, mais do que algo que envolve ações necessariamente insinceras e manipuladoras, pode ser compreendido de maneira mais adequada como algo que envolve desinformações produzidas em contextos de embate e disputa ideológica. Via de regra, as fakes news encontram seu motor não no desejo de negar a verdade, mas sim na vontade de vencer a disputa a qualquer preço, mesmo que para isso seja preciso falsear a realidade. As pessoas deixam de se perguntar se a notícia é verdadeira ou falsa.(ALVES; MACIEL, 2020).

3 OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS

A noção de obstáculo epistemológico pode ser estudada no desenvolvimento histórico do pensamento científico e na prática da educação. Em ambos os casos, esse estudo não é fácil. A história, por princípio, é hostil a todo juízo normativo. Pois, um obstáculo epistemológico se adere ao conhecimento não questionado. Hábitos intelectuais que foram úteis e sadios podem, com o tempo, obstruir a pesquisa (BACHELARD, 1996, p.19).

Na obra ‘A Formação do Espírito Científico: contribuições para uma psicanálise do conhecimento’, Bachelard busca pelo entendimento de como ocorre o processo formativo do conhecimento e quais são as principais barreiras ou “obstáculos epistemológicos” que, para serem compreendidos, necessitam de uma psicanálise do conhecimento (BACHELARD, 1996; FÁVERO; TONIETO, 2017).

É importante compreender tais aspectos para quem ensina e para quem aprende, pois implica olhar o seu processo formativo para compreender como o outro aprende e como é possível intervir pedagogicamente. Assim, é importante compreender a proposta de Bachelard sobre desenvolvimento do espírito científico sistematizada na “lei dos três estados para o espírito científico”, que está entrelaçada à “lei dos três estados da alma” e ao conceito de “paciência científica”, a partir dos quais o autor construirá o conceito de “obstáculo epistemológico” e apontará suas implicações para a epistemologia e para a educação (BACHELARD, 1996; FÁVERO; TONIETO, 2017).

Na visão de Bachelard (1996), é preciso considerar que o dever de todo educador, em qualquer estágio de formação, deve ser o de criar e manter o interesse pela pesquisa. No entanto, o interesse pela pesquisa tem uma história e sua força se mostra no decorrer da construção da “paciência científica”, que não é a mesma paciência da erudição, já que esta trabalha com a acumulação e a repetição, enquanto aquela trabalha com a retificação.

Segundo Bachelard (1996), “a paciência seria sofrimento, porém, com esse interesse, a paciência é vida espiritual”, isto é, o interesse pela pesquisa científica desinteressada torna comportamentos como calma, tranquilidade, serenidade, persistência, equilíbrio e constância sinônimos de paciência, aspectos vitais do espírito científico, já que, do contrário, tornaram-se comportamentos perturbadores e indesejados, por isso, eliminados pela adesão fácil às verdades primeiras.

Nesse sentido, estabelecer a psicologia da “paciência científica” é, para Bachelard (1996), adicionar às leis do desenvolvimento do espírito científico a “[...] lei dos três estados da alma [já que] as forças psíquicas que atuam no conhecimento científico são mais confusas, mais exauridas, mais hesitantes do que se imagina quando consideradas de fora”, pois “[...] mesmo na mente lúcida, há zonas obscuras, cavernas onde ainda vivem sombras. Mesmo no novo homem, permanecem vestígios do homem velho” (BACHELARD, 1996; FÁVERO; TONIETO, 2017).

Desse modo, reconhece que a dúvida é um movimento arriscado, já que trabalha com o desconhecido, porém não é ingênua, pois sabe que o dado não existe em si mesmo, mas é construído. É um projeto forjado pela “paciência científica”, já que todo saber científico deve ser constantemente reconstruído. Aqui a “paciência científica” ganha sua expressão máxima, por reconhecer que tudo o que é fácil de ensinar é inexato, e como tal, desafia quem ensina e quem aprende, já que inverte a “dialética prematura”, ou seja, deixa de operar sobre as coisas para operar a partir de axiomas, em que a experiência deixa de ser a legitimadora de toda e qualquer teoria (BACHELARD, 1979, p. 13-15).

Dessa forma buscar as condições psicológicas do progresso científico é, na visão bachelardiana (1996, p. 17), reconhecer que “[...] é em termos de obstáculos que o problema do conhecimento científico deve ser colocado”. E tais obstáculos não são meramente objetivos (complexidade e fugacidade) ou subjetivos (fragilidade dos sentidos e do espírito humano), mas são intrínsecos ao ato de conhecer e se mostram como uma “espécie de imperativo funcional, lentidões e conflitos”, isto é, fazem parte do ato de conhecer como uma condição obrigatória prática, vagarosa e conturbada, na qual residem as causas da imobilidade e até do retrocesso, as quais são denominadas de “obstáculos epistemológicos” (BACHELARD, 1996; FÁVERO; TONIETO, 2017).

O primeiro obstáculo a ser superado, em direção à cultura científica, é a opinião, pois ela “[...] pensa mal; não pensa: traduz a necessidade em conhecimentos. Ao designar os objetos pela utilidade, ela se impede de conhecê-los”, por isso, o primeiro passo é destruí-la. Não basta remodelá-la, pois compreendê-la cientificamente significa abster-se de opinar a respeito de questões que não conseguimos formular claramente (BACHELARD, 1996; FÁVERO; TONIETO, 2017).

A partir deste posicionamento, é possível supor que é preciso saber formular problemas, o que não acontece de forma espontânea e, por isso, precisa de aprendizagem. Na visão de Bachelard (1996, p. 18), “[...] para o espírito científico, todo conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não pode haver conhecimento científico. Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído.” Assim, a primeira atitude a ser aprendida é formular perguntas científicas. Esta é a primeira ação do espírito que lhe permite a superação da “alma pueril e mundana” e sair do “estado concreto”, superar o realismo ingênuo, reino das opiniões.

Contudo, não é qualquer pergunta que provoca tal movimento, pois a “[...] pergunta abstrata e fraca se desgasta: a resposta concreta fica” (BACHELARD, 1996, p. 18), e causa a inversão da atividade espiritual e a instalação de um obstáculo epistemológico no conhecimento não questionado.

Diante do exposto, considera-se que o primeiro obstáculo a ser superado nas aulas de Ciências e Biologia é o da experiência primeira, o aprendiz fica mais apegado à beleza do experimento do que à sua explicação científica. Nesse obstáculo, dá-se preferência às imagens e não às ideias.

A ausência da explicação, no obstáculo citado anteriormente, faz com que haja uma generalização. Essa ocorre quando uma lei fica tão clara, completa e fechada, que dificulta o interesse pelo seu estudo mais aprofundado e pelo seu questionamento.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS: AS FAKE NEWS REPENSADAS NA EPISTEMOLOGIA DE BACHELARD

Na educação, a noção de obstáculo epistemológico deveria ser mais discutida na formação dos professores, uma vez que esses conceitos ajudariam na elucidação das dificuldades na construção do conhecimento científico. Neste sentido, as fake news podem agir como instrumentos, pontes para esse conhecimento.

Devemos, segundo Bachelard (1996), levar sempre em consideração que os alunos chegam às aulas de ciências com conhecimentos pré-estabelecidos em suas estruturas de conhecimento, os quais são referentes aos seus conhecimentos empíricos. Esses podem, em algumas situações, ser obstáculos para o novo conhecimento que será ensinado pelo professor.

Nesse sentido, para ensinar o aprendiz a “inventar, é bom mostrar-lhe que ele pode descobrir, e que descobrindo, ele pode perceber que errar não é um mal, mas uma oportunidade de aprendizagem”. O erro é positivo, normal e útil quando consequência de um interesse, de uma possibilidade de racionalização, já que a evolução do espírito é a retificação de seus erros pessoais e “[...] não há verdade sem erro retificado” (BACHELARD, 1996, p. 293).

Para que seja possível construir uma nova compreensão, primeiro é necessário criticar e desfazer a teia de intuições primeiras, de conhecimentos empíricos, que pela sua segurança e simplicidade, impede a compreensão racional das leis científicas. Eis o primeiro desafio para a docência universitária, que busca formar melhor os futuros professores de Ciência e Biologia, ou seja, derrubar os obstáculos epistemológicos adquiridos e cultivados desde a mais tenra idade. Tal decisão implica levar os sujeitos da aprendizagem a se atentarem de quão limitadas e ingênuas são suas compreensões de mundo, e que, se não reconstruídas, serão obstáculos para a compreensão científica (BACHELARD, 1996; FÁVERO; TONIETO, 2017).

Na educação científica, os obstáculos epistemológicos, as noções de obstáculos se constituem em obstáculos pedagógicos. Dessa forma, a cultura científica deve começar por uma catarse intelectual e afetiva. Resta, então, a tarefa mais difícil: colocar a cultura científica em estado de mobilização permanente, substituir o saber fechado e estático por um conhecimento aberto e dinâmico, dialetizar todas as variáveis experimentais, oferecer enfim à razão razões para evoluir. Tais observações podem, aliás, ser generalizadas: são mais visíveis no ensino de Ciências, mas aplicam-se a qualquer esforço educativo (BACHELARD, 1996; FÁVERO; TONIETO, 2017).

O educador não tem o senso do fracasso justamente porque se acha um mestre. Quem ensina manda. Daí, a torrente de instintos. Há indivíduos para quem todo conselho referente aos erros pedagógicos que cometem é absolutamente inútil, porque os ditos erros são a mera expressão de um comportamento instintivo (BACHELARD, 1996; FÁVERO; TONIETO, 2017).

Dessa forma as fake News, se configuram em obstáculo epistemológico da experiência primeira, que significa deixar-se levar pelo impulso, pelo arrebatamento natural, causado pela informação, sem considerá-la criticamente, porque é na criticidade que o espírito científico se forma e se reforma, retificando saberes, quando não oferecemos resistência ao novo conhecimento. (BACHELARD, 1996).

Segundo Arnold (2019), algumas habilidades podem colaborar no pensamento crítico e ampliar os pontos de vista: a) refletir sobre suas próprias “construções emocionais da realidade”, b) oferecer linguagem fundamentada, c) expressar-se efetivamente, d) tolerar complexidade e confusão, e) aceitar argumentação factual e f) permanecer persuasível. Estas habilidades, requerem uma educação que o ensine a estar aberto aos outros. E aqueles presos em seus próprios medos estão fechados a pontos de vista, decisões e posições singulares que lhes proporcionam calorosas garantias de certeza, vagando em uma realidade particular, buscando impiedosamente realizar apenas sua própria certeza em cada ambiente social. (ARNOLD, 2019, tradução nossa).

Nesse sentido, para Arnold (2019, tradução nossa) a eficácia da educação é uma questão importante a ser considerada. " Iluminismo " não designa apenas uma época da história intelectual (aproximadamente de 1650 a 1800), na qual os esforços para encontrar soluções razoáveis ​​começaram a substituir a superstição, mas sim o início do exame racional pelo qual a ciência e a tecnologia, bem como a filosofia, e democracia, puderam assumir a forma que conhecemos hoje.

A maneira tradicional de defender a validade de insights, avaliações ou conclusões foi substituída pela exigência de “buscar seu próprio entendimento”. Quer dizer com isso, é claro, que não se deve acreditar em tudo o que se ouve, "mas sim tomar uma postura de ceticismo e pedir evidências, contradições e provas. No entanto, essa é a única coisa que precisamos para desenvolver nossas visões de mundo e ações? Nossas respostas também não são criadas a partir de tentativas muito individuais de alcançar o reconhecimento e a necessidade de ser levadas a sério - mesmo nos casos em que não temos a expertise? séculos XX e XXI? (ARNOLD, 2019, tradução nossa).

Nesse sentido, a superação de tal obstáculo não acontecerá sem a análise das fragilidades das fake news a luz do conhecimento científico, levando em conta o contexto histórico, político e social no qual estão inseridas.

REFERÊNCIAS

ABIB, R. Reciis aborda o discurso das fake news e o saber científico. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde (Reciis), Rio de Janeiro, 01 abril 2020. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/reciis-aborda-o-discurso-das-fake-news-e-o-saber-cientifico. Acesso em: 05 de maio de 2022.

ALVES, M. A.S; MACIEL, E. R. H. Fenômeno das fake news: definição, combate e contexto. Internet&sociedade, jan. 2020. Disponível em: https://revista.internetlab.org.br/o-fenomeno-das-fake-news-definicao-combate-e-contexto/. Acesso em: 05 de maio de 2022.

ARNOLD, R. Fake News in Science and Education, Leaving Weak Thinking Behind. Rowman & Littlefield Publishers, Incorporated, London, 2019.

BACHELARD, G. A filosofia do não: filosofia do novo espírito científico. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os pensadores).

BACHELARD, G. A formação do espírito científico: contribuições para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.

BACHELARD, G. Epistemologia. Barcelona: Anagrama, 1989.

FÁVERO, A. A.; TONIETO, C. Docência Universitária e Formação do Espírito Científico: uma abordagem a partir da epistemologia de Gaston. REVISTA ROTEIRO, Joaçaba, jan./abr. 2017. Disponível em: https://www.ea2.unicamp.br/mdocs-posts/docencia-universitaria-e-formacao-do-espirito-cientifico-uma-abordagem-a-partir-da-epistemologia-de-gaston-bachelard/. Acesso em: 05 de maio de 2022.

FLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.

GOMES, S. F. Fake News Científicas: percepção, persuasão e letramento. Revista Ciência & Educação. Bauru, 29 Fevereiro, 2020. Disponível: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-73132020000100215&tlng=pt. Acesso em: 05 de maio de 2022.

MENESES, J.P. Sobre a necessidade de conceptualizar o fenómeno das fake News, 2018. Observatório (OBS*). Lisboa. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/328587253_Sobre_a_necessidade_de_conceptualizar_o_fenomeno_das_fake_news. Acesso em: 05 de maio de 2022.

NUNES, F. Ciência contra desinformação: pesquisadora da UFF explica a importância do combate à anticiência em tempos de coronavírus. Rio de Janeiro, 09 abril 2020. Disponível: http://www.uff.br/?q=noticias/09-04-2020/ciencia-contra-desinformacao-pesquisadora-da-uff-explica-importancia-do-combate. Acesso em: 05 de maio de 2022.



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