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A FORMAÇÃO DO DOCENTE EM HISTÓRIA NA VERTENTE DO MULTICULTURALISMO CRÍTICO: desafios e perspectivas curriculares

THE TEACHER TRAINING IN HISTORY IN THE CRITICAL MULTICULTURALISM STRAND: challenges and curricular perspectives

Aldieris Braz Amorim Caprini
Instituto Federal do Espírito Santo, Brasil

Revista Espaço do Currículo

Universidade Federal da Paraíba, Brasil

ISSN-e: 1983-1579

Periodicidade: Cuatrimestral

vol. 12, núm. 1, 2019

rec@ce.ufpb.br

Recepção: 10 Julho 2018

Revised document received: 18 Novembro 2018

Aprovação: 22 Novembro 2018

Publicado: 02 Março 2019



DOI: https://doi.org/10.22478/ufpb.1983-1579.2019v12n1.40874

Resumo: O texto apresenta resultados da pesquisa de doutoramento, abordando o currículo da formação dos professores de História, na perspectiva multicultural crítica. O ponto de partida foi o questionamento acerca do currículo da Licenciatura em História, no sentido de compreender se ele proporciona uma formação de docentes voltada à prática pedagógica, com base na vertente do multiculturalismo crítico. Além dessa compreensão, buscou-se, ainda, identificar qual o olhar dos professores formadores, no contexto do multiculturalismo crítico, sobre a formação docente em História. A partir do delinear teórico a respeito do multiculturalismo e da formação de professores, foram apresentadas as análises e as discussões dos dados levantados. O desenvolvimento da pesquisa assentou-se na abordagem qualitativa, utilizando, como procedimentos de aproximação com a realidade, a análise de questionários com professores de Licenciatura de História do Espírito Santo. Como resultados, foi possível constatar lacunas multiculturais nos currículos da Licenciatura supracitada, levando a uma formação deficitária quanto à reflexão da diversidade cultural. Dentro dessa abordagem, também foram apontados fundamentos epistemológicos e socioculturais necessários para uma formação multicultural crítica, assim como a indicação de pontos para subsidiar caminhos curriculares da formação em História na perspectiva mencionada.

Palavras-chave: Multiculturalismo crítico Currículo. Formação de docentes. História..

Abstract: The text presents results of the doctoral research and approaches the curriculum of the formation of the teachers of history in the critical multicultural perspective. The starting point was the questioning about the curriculum of the Degree in History, in order to understand if it provides a training of teachers focused on pedagogical practice in the area of ??critical multiculturalism. In addition to this understanding, it was also sought to identify the view of teacher trainers, in a critical multicultural perspective, on teacher education in History. From the theoretical outline on multiculturalism and teacher training, we present the analyzes and discussions of the data collected. The development of the research was based on the qualitative approach, using as procedures of approximation with reality the analysis of questionnaires with professors of Degree in History of the State of Espírito Santo. As a result, there were multicultural gaps in the curricula of the mentioned Degree, leading to a lack of training in the reflection of cultural diversity and the epistemological and sociocultural foundations necessary for a multicultural critical formation, as well as indicating points to subsidize curricular paths of the history.

Keywords: Critical Multiculturalism Curriculum. Teacher training. Story..

INTRODUÇÃO

O trabalho aborda a formação do docente de História para uma prática pedagógica no contexto social multicultural, ou seja, em uma sociedade com desafios de convivência com a diversidade. No horizonte de possibilidades teóricas, para pensar uma prática docente multicultural, comprometida com o respeito e a valorização da diferença, a pesquisa assume o multiculturalismo crítico, sendo este o norteador das reflexões sobre a formação do docente de História comprometido com a diversidade cultural.

Os focos da pesquisa, com suas questões problematizadoras, são: o currículo da Licenciatura em História proporciona uma formação de docentes voltada à prática pedagógica, na vertente do multiculturalismo crítico? Qual o olhar dos professores formadores, em uma perspectiva do multiculturalismo crítico, sobre a formação docente em História?

O texto apresenta resultados de estudos e pesquisas pautados nos seguintes objetivos: verificar se a formação do docente em História está comprometida com a sociedade multicultural, a partir do olhar do docente formador; problematizar os fundamentos epistemológicos e socioculturais necessários para uma formação multicultural crítica; indicar pontos para subsidiar caminhos curriculares da formação em História, em uma perspectiva multicultural crítica.

Inicialmente, apresentamos o aporte teórico adotado e uma reflexão que entrelaça estudos de diferentes autores, a fim de permitir análises que vão além de um modelo factual de teorias, proporcionando um diálogo estabelecido entre eles, visando nos aguçar novos diálogos e reflexões sobre o multiculturalismo. No segundo momento, tratamos da opção metodológica. Já na terceira etapa do processo, apresentamos resultados e análises da pesquisa. No item seguinte, foram traçados desafios e perspectivas, a partir do aporte teórico e da pesquisa, para uma formação de docentes em História, preparados para atuarem em uma sociedade multicultural.

MULTICULTURALISMO CRÍTICO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: aspectos teóricos

O termo multiculturalismo agrega discussões de vários teóricos e áreas, como política, antropologia e educação. Entretanto, por ser considerado polissêmico e com abordagens diversas, apoiamo-nos em referências teóricas que tratam do termo multiculturalismo, para compreendermos seu conceito e seu desdobramento nas ações políticas e sociais, e, ainda, sua relação com a educação.

O trabalho Multiculturalismo Crítico, de McLaren (1997), é uma referência no estudo do tema. O autor aborda quatro formas de como o multiculturalismo pode se apresentar: conservador ou empresarial; humanista liberal; liberal de esquerda; crítico e de resistência.

O quadro teórico de McLaren (1997) é importante para pensarmos qual posição multicultural estamos adotando e se ela está contribuindo para o respeito e valorização da diversidade ou se temos uma visão multicultural, que reforça a discriminação.

O multiculturalismo crítico compreende a diferença sempre como um produto da história, da cultura, de poder e de ideologia. Ele nega o pressuposto harmonioso das diferenças, proposto pelos conservadores, e defende a transformação das relações sociais, culturais e institucionais, nas quais os significados são gerados.

Para a perspectiva de Peter McLaren (1997), o multiculturalismo crítico compreende:

[...] A representação de raça, classe e gênero como resultado de lutas sociais mais amplas sobre signos e significações e, neste sentido, enfatiza não apenas o jogo textual e o deslocamento metafórico como força de resistência, mas enfatiza a tarefa central de transformar as relações sociais, culturais e institucionais nas quais os significados são gerados. [...] O multiculturalismo de resistência também se recusa a ver a cultura como não - conflitiva, harmoniosa e consensual. A democracia, a partir desta perspectiva, é compreendida como tensa - não como um estado de relações culturais e políticas, sempre harmonioso, suave e sem cicatrizes (MCLAREN, 1997, p.123).

Assim, o multiculturalismo crítico considera também a representação de etnia, classe e gênero como resultado do contexto histórico, social, cultural e, não menos importante, o campo das relações de poder e ideologias. Tais fatores fazem do multiculturalismo crítico o eixo para pensar o trabalho com a diversidade, uma vez que ele questiona as diferenças na formação social, cultural, política e econômica.

Considerando a exposição teórica aqui apresentada, tomamos a concepção de multiculturalismo crítico como fundamentação para este trabalho, no qual abordamos os desafios e as perspectivas do currículo da Licenciatura em História, na vertente do multiculturalismo crítico.

Para Canen (2010), o multiculturalismo consiste em um movimento teórico e político, que busca respostas para os desafios da pluralidade cultural nos campos do saber, incluindo não só a Educação, como também outras áreas que podem contribuir para o sucesso organizacional.

Gonçalves e Silva (2006) apresentam-nos considerações importantes para construir um conceito de multiculturalismo, quando afirmam:

[...] As categorias teóricas construídas na experiência multiculturalista permitem uma leitura do mundo a partir de procedimentos lógicos inerentes às culturas dominadas, produzindo, assim, um novo conhecimento e, por consequência, uma nova subjetividade descentrada e emancipada dos valores supostamente superiores. (GONÇALVES; SILVA, 2006, p.14).

Na sequência de ideias que se coadunam para explicar o multiculturalismo crítico, é possível compreendê-lo como:

[...] O jogo das diferenças, cujas regras são definidas nas lutas sociais por atores que, por uma razão ou outra, experimentam o gosto amargo da discriminação e do preconceito no interior das sociedades em que vivem [...]. Isto significa dizer que é muito difícil, se não impossível, compreender as regras desse jogo, sem explicitar os contextos sociohistóricos nos quais os sujeitos agem, no sentido de interferir na política de significados em torno da qual dão inteligibilidade a suas próprias experiências, construindo-se enquanto atores (GONÇALVES; SILVA, 2006, p. 9).

Verificamos que os autores apresentam pontos comuns quanto à definição do conceito de multiculturalismo, considerando-o como um movimento que visa questionar e dar respostas aos desafios da diversidade cultural.

Portanto, considerando as concepções apresentadas, definimos multiculturalismo como a vertente que expressa uma luta e os movimentos em prol da diversidade cultural, da valorização da diferença do outro, da construção de uma sociedade em que haja a convivência pacífica e respeitosa das diferenças, por meio das transformações sociais e considerando os processos históricos, sociais e culturais.

O professor, para desenvolver uma educação multicultural, precisa de uma formação que envolva os saberes e os conhecimentos do trabalho docente, de forma que possibilite sua atuação na sociedade e no contexto em que está inserido, visando à formação de sujeitos emancipados e críticos, quanto aos aspectos políticos, econômicos e culturais. É necessário pensarmos com quais saberes e conhecimentos o professor trabalha uma educação multicultural.

Adotamos, para pensarmos a formação docente, os aportes teóricos de Nóvoa (1995), Imbérnon (2006) e Giroux (2003), que, ao proporem um professor como intelectual transformador, capaz de ampliar uma prática pedagógica preocupada com os oprimidos e de desenvolver a emancipação dos sujeitos, também estão atendendo ao multiculturalismo.

Para Moreira e Canen (2001, p. 13), o professor, um intelectual transformador, veicula a chamada ?memória perigosa?, trazendo os ?silêncios? dos currículos oficiais, fundamental para uma proposta de formação de docentes comprometidos com o multiculturalismo. Giroux (2003) defende, ainda, que dentro dessa perspectiva, a ação crítica permite que os estudantes lutem contra as injustiças, dentre elas, as direcionadas às minorias culturais oprimidas pelos grupos dominantes. Por isso, considerarmos a relevância de uma formação docente pautada na concepção intelectual transformadora, para que tenhamos professores formados com um comprometimento multicultural crítico.

Para termos uma educação multicultural, tanto o professor, que já atua, quanto os futuros docentes, não podem desenvolver uma prática pedagógica que reforce e legitime a discriminação e o preconceito. É então que surge a necessidade de uma formação de docentes pautada em uma concepção crítica e reflexiva, condizente com uma prática comprometida multiculturalmente.

Sobre o multiculturalismo e a formação de professores, Moreira (2011) apresenta-nos considerações importantes para pensar a formação e, por consequência, o perfil docente, segundo o autor, culturalmente comprometido.

O primeiro ponto apresentado é considerar os significados de educar, em um século marcado pelas questões culturais, como o multiculturalismo.

A segunda consideração é:

[...] Uma proposta de formação docente multicultural deve implicar não o desenvolvimento de uma aceitação irrestrita de diferentes manifestações culturais, mas, sim, a aprendizagem das habilidades necessárias à promoção de um diálogo que favoreça à dinâmica de crítica e autocrítica. (MOREIRA, 2011, p. 87-89).

Moreira (2011) aponta, como terceiro ponto, que também é necessário lidar com os preconceitos e os estereótipos dos futuros professores. Na formação, os docentes têm que ter espaços e canais para pensar a identidade docente e como eles concebem materiais didáticos e discursos, para que não reproduzam o preconceito.

Como quarto ponto, o autor recomenda a importância do envolvimento emocional em diferentes experiências culturais. Defende, por exemplo, a participação direta do futuro docente em projetos comunitários. Assim, por meio da prática, o docente poderá conhecer melhor a realidade cultural que vai trabalhar.

O autor defende, ainda, como quinto ponto nessa formação docente, propostas de formação que busquem um equilíbrio entre o trabalho docente com alunos de grupos oprimidos e com alunos de grupos dominantes, visando, assim, o respeito e a pluralidade etnocultural. Sobre o sexto ponto, Moreira (2011) ressalta que certas categorias devem nortear a organização do currículo da formação docente para uma sociedade multicultural: cultura, conhecimento, poder, ideologia, linguagem, história, discriminação, racismo e sexismo.

Já o sétimo ponto considera a necessidade da formação docente de estabelecer elos entre o conhecimento escolar/acadêmico e o conhecimento que o estudante traz consigo. O autor finaliza com uma formação de um profissional capaz de refletir criticamente sua prática, considerando a diversidade cultural e a capacidade de formar cidadãos conscientes quanto às relações de poder envolvidas na construção da diversidade cultural.

Para a formação docente no trabalho com a diversidade, devemos considerar a subjetividade e a vivência nesses espaços de formação. Sobre essa questão, Gomes e Silva (2011) afirmam ser necessária uma nova concepção de Formação, que

[...] Entenda o profissional da educação, enquanto sujeito sociocultural, ou seja, aquele a que atribui sentido e significado à sua existência, a partir de referências pessoais e coletivas, simbólicas e materiais e que se encontra inserido em vários processos socializadores e formadores que extrapolam a instituição escolar (GOMES; SILVA, 2011, p. 17).

Deve-se ter uma concepção de que o profissional seja entendido como sujeito sociocultural, que apresenta valores, identidades, emoções, impressões e uma concepção de mundo que, muitas vezes, deve ser questionada e desvelada, para que ele possa ter um trabalho docente culturalmente comprometido com a promoção social e não reforçar as desigualdades. Assim, na formação docente, devemos considerar suas experiências de vida. ?Pensar a diversidade étnico-cultural na formação de professores/as implica dar destaque aos sujeitos e às suas vivências nos processos históricos e socioculturais que acontecem dentro e fora da escola? (GOMES; SILVA, 2011, p. 17).

A formação de professores/as para a diversidade não significa a criação de uma ?consciência da diversidade?, antes, ela resulta na propiciação de espaços, discussões e vivências em que se compreenda a estreita relação entre a diversidade étnico-cultural, a subjetividade e a inserção social do professor e da professora, os quais, por sua vez, se prepararão para conhecer essa mesma relação na vida dos seus alunos e alunas (GOMES; SILVA, 2011, p. 17).

Assim, o educador poderá assumir uma nova postura em relação às questões culturais na prática pedagógica, colaborando para pensarmos a formação de docentes comprometidos com o multiculturalismo. Moreira e Canen (2001, p. 36) apontam algumas linhas gerais a serem consideradas:

A concretização de currículos multiculturais na formação de docentes pode ser favorecida pelos seguintes procedimentos: associação de elementos cognitivos e afetivos na prática pedagógica; sensibilização para a diversidade cultural e sua influência na educação; conscientização cultural; desenvolvimento de uma prática reflexiva, multiculturalmente comprometida; superação de preconceitos e estereótipos; problematização de conteúdos (específicos e pedagógicos); reconhecimento do caráter múltiplo e híbrido das identidades culturais (MOREIRA; CANEN, 2001, p. 36).

Diante das concepções apresentadas, consideramos como professor comprometido multiculturalmente, aquele capaz de questionar as diferenças na formação social, política e econômica da sociedade, de problematizar visões de mundo, participar da construção de políticas educacionais que contribuam para uma educação da diversidade e, ainda, que promova a igualdade social e a valorização da pluralidade cultural, emancipando os sujeitos quanto à dominação ideológica e ao preconceito.

As exposições teóricas e reflexões sobre multiculturalismo e formação de professores surgem como necessárias para promover o debate sobre caminhos pedagógicos que seguimos nessa sociedade, bem como para nortear nossas reflexões na pesquisa.

FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA

Consideramos a pesquisa qualitativa como uma abordagem na qual o objeto de investigação passa a ser discutido e interpretado, por meio da interação do investigador com o ambiente e o contexto de pesquisa, sendo o estudo do fenômeno em seu acontecer natural. Ao considerar que a natureza do problema e da temática pesquisada determina a abordagem e o método, fizemos a opção pela investigação qualitativa.

A pesquisa verifica a percepção do docente formador em História sobre a formação do professor, para uma possível prática pedagógica comprometida multiculturalmente, realizada em 3 dos 5 cursos presenciais de Licenciatura em História do Espírito Santo, sendo os docentes os sujeitos da pesquisa, junto aos quais foi aplicado um questionário.

A análise e a reflexão, à luz do multiculturalismo crítico, das falas dos docentes formadores de professores de História, faz-nos pensar em desafios e perspectivas curriculares para a Licenciatura em História, visando formar professores multiculturalmente críticos.

O MULTICULTURALISMO CRÍTICO NA PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES FORMADORES DE HISTÓRIA: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Ao indagar se o currículo da Licenciatura em História proporciona uma formação multicultural, constatamos que nove (09) docentes afirmaram ?sim? e um (01) afirmou ?não?. Observamos que, mesmo ressaltando a existência de um currículo multicultural, suas falas parecem apontar para algo generalizado e abrangente:

Sim. O currículo da licenciatura em História proporciona abordagens multiculturais. Entretanto, a manutenção da nomenclatura das disciplinas denominadas teóricas, com uma perspectiva eurocêntrica, acentua a tendência dos cursos que procuram trabalhar referências consideradas fundamentais para a formação docente, das quais destaco a ideia de ensinar a ensinar (professor 3).

Sim. Devido à diversidade de assuntos abordados nas diversas disciplinas, todas elas são muito abrangentes, até porque História é a ciência que estuda o fazer humano em todos os seus aspectos e a evolução desse ser, no que tange ao físico e ao cultural, também é contemplado por essa ciência (professor 7).

Sim. A História é uma disciplina que tem a ver com muitas outras áreas afins e o currículo de História é abrangente, dando oportunidades para uma formação multicultural (professor 4).

Um (01) docente chega a reconhecer a necessidade de aprimoramento nesse campo e outro a elaborar uma crítica ao eurocentrismo, o que nos permite afirmar que, embora o docente apresente o currículo como multicultural, evidencia-se que a influência eurocêntrica não o caracteriza como multicultural.

Sim. Ainda há muito a melhorar, contudo, o currículo do curso é periodicamente alterado, de forma a atender a uma proposta mais interdisciplinar e atenta às questões culturais. Isto vem sendo realizado gradativamente, uma vez que os currículos de História estão fortemente atrelados a questões políticas e econômicas, que seguem prioritariamente uma perspectiva linear, hierárquica e eurocêntrica, mas os avanços têm sido significativos e já contribuem à formação de um docente apto a discutir uma história multifacetada (professor 2).

O professor que não considera que o currículo no qual atua proporcione uma formação multicultural, assim argumenta:

Não. Acredito que o currículo da literatura em História vigente no Brasil ainda é muito eurocentrista, seguindo até hoje a vertente francesa. Em minha opinião, o multiculturalismo não é um conceito operacionalizado, tanto nos currículos escolares brasileiros (em todos os níveis da educação), quanto na maioria da produção historiográfica (professor 8).

Acreditamos que a proposta de um currículo multicultural estaria na direção de um projeto que não se faz por decreto, nem se desenvolve em mudanças imediatas.

É importante destacar que nas respostas, ao afirmarem ser um currículo que proporciona uma formação multicultural, os sujeitos apontaram o conteúdo e as disciplinas como elementos que caminham nessa direção, conforme os registros anotados nas respostas do questionário. Salientamos que em questões posteriores, trataremos das ementas e conteúdos. É evidente nas falas que, para os docentes, o que caracteriza um currículo como multicultural é a existência de aspectos multiculturais nos conteúdos e nas práticas docentes:

Sim, o currículo da licenciatura em História proporciona uma formação multicultural, pois nele constam disciplinas que abordam a Europa, América, África e Ásia (professor 1).

Sim. O currículo da licenciatura em História proporciona abordagens multiculturais. Entretanto, há manutenção da nomenclatura das disciplinas denominadas teóricas, com uma perspectiva eurocêntrica [...] (professor 3).

Sim. Apesar de poucas disciplinas na área, a formação dos professores tendencia o curso ao multiculturalismo (professor 6).

Sim, pois aborda conteúdos e temas relacionados à cultura erudita, popular, às diferenças culturais e étnicas, à formação de identidades e às desigualdades sociais (professor 9).

Sim. O curso de História no qual atuo recebe a contribuição de outras disciplinas (Antropologia, Filosofia, Ciências Sociais), o que reforça a pluralidade de visões (professor 10).

Objetivando verificar nessa questão se o currículo da Licenciatura proporciona uma formação docente para um currículo multicultural, a partir da interpretação das opiniões dos docentes à luz da teorização curricular multicultural crítica, consideramos que, conforme McLaren (1997), um currículo comprometido multiculturalmente questiona a diferença, a partir das lutas sociais, como um produto histórico, cultural, ideológico e de poder. Moreira e Canen (2001) afirmam que a educação multicultural não pode ser reduzida à inserção de disciplinas no currículo.

Verificamos, nas falas dos sujeitos, a ausência da compreensão do currículo enquanto território de lutas e confrontos, para o qual a temática diversidade cultural, de gênero e de classe deveria ir além de incluir disciplinas e conteúdos. Essa compreensão de currículo requer, sim, a adoção de uma concepção multicultural crítica, que perpasse todos os conteúdos, visando desconstruir discursos que silenciam a diferença e possibilitam a análise de que o preconceito e a discriminação são produzidos nas relações de poder estabelecidas.

Embora tenhamos constatado que os currículos não estejam construídos na perspectiva multicultural crítica, reconhecemos que, de fato, a partir das opiniões, há um processo de construção desse currículo. Gonçalves e Silva (citando BANKS, 1982) apresentam a (re) construção de um currículo multicultural em quatro níveis:

[...] No primeiro, os professores apresentam contribuições de grupos étnicos apontando heróis e heroínas, datas comemorativas, comidas e, ocasionalmente, algum dado cultural fundamental; no segundo, adicionam ao currículo existente, sem nenhuma mudança em sua estrutura, conteúdos, temas relativos a um determinado grupo; no terceiro, a estrutura curricular é mudada com o objetivo de que os alunos aprendam conceitos, analisem fatos, temas na perspectiva de diferentes grupos sociais; no quarto, o currículo é construído de forma a permitir que os alunos reflitam e tomem decisões quanto à solução de problemas sociais (GONÇALVES; SILVA, 2006, p.52).

Podemos afirmar, a partir das contribuições dos professores investigados, que os currículos das IES onde atuam apresentam-se no segundo nível. Houve a inclusão de disciplinas na matriz curricular, visando uma perspectiva multicultural, mas ainda não é possível observar, nas falas ora analisadas, uma mudança na estrutura curricular para uma organização na qual os alunos possam refletir sobre os problemas sociais, conforme proposto por McLaren (1997) na teoria crítica. É necessário enfatizar que, de acordo com o demonstrado pelos sujeitos, há clareza dos docentes da necessidade de um currículo multicultural crítico, o que é fundamental para a existência de um currículo comprometido multiculturalmente.

Em relação ao terceiro ponto, fica evidente, na fala dos sujeitos da pesquisa, uma concepção de um currículo multicultural que permanece ligada à existência de disciplinas e de conteúdos específicos, bem como à presença de uma visão eurocêntrica, o que nos permite afirmar não ser um currículo multicultural para a sociedade globalizada. Abordaremos melhor esse ponto na próxima questão, que trata especificamente da opinião dos docentes sobre as disciplinas, os conteúdos e as ementas.

Outro ponto pertinente à análise e à compreensão de um currículo multicultural de formação docente é a problematização de como os temas ideologia, diversidade cultural, identidade, diversidade e discriminação apresentam-se no Projeto Pedagógico do Curso. Assim, questionamos se o docente conhece o Projeto Pedagógico do Curso em que atua. Sete (07) professores afirmaram conhecer e três (03) não responderam.

Interessante destacarmos a constatação de que o projeto não é tomado como o centro de discussões e planejamentos da ação docente. A maioria dos professores afirmou conhecer o projeto, pois fez parte da comissão que elaborou (professor 4) ou ajudou a construí-lo (professor 5). Não estamos culpando os docentes por não terem consciência de que o projeto é um documento político e de reflexão da prática, mas constatamos uma cultura de conceber o documento supracitado como algo que não contribui para a construção de propostas de formação docente, na perspectiva multicultural.

Como desdobramento da questão relacionada às atividades desenvolvidas no curso de História e sua consonância com as práticas multiculturais críticas, realizamos as seguintes indagações: o Projeto Pedagógico do Curso de História abre perspectivas para discussões sobre ideologias sociais e políticas? O Projeto Pedagógico do Curso de História abre perspectivas para discussões sobre questões de identidade cultural? O Projeto Pedagógico do Curso de História abre perspectivas para discussões sobre questões de multiculturalismo (diversidade cultural)? O Projeto Pedagógico do Curso de História abre perspectivas para discussões sobre questões da superação de discriminação e preconceitos?

Observamos que as temáticas ideologia, diversidade cultural, identidade, diversidade e discriminação são trabalhadas nos cursos em que atuam os sujeitos e contempladas em seus Projetos, sendo apresentadas como uma consequência de conteúdos e atividades, e não como eixo norteador e epistemológico crítico do currículo de formação do docente em História.

As disciplinas promovem espaço para a comunidade participar de eventos em conjunto, fóruns e discussões (professor 6).

As disciplinas do curso de História, bem como a formação dos docentes associam-se às discussões em torno do conceito de Ideologia, História Política e História das Ideias Políticas (professor 9).

O professor 2, na mesma questão, afirma que existem disciplinas que têm como fomento a discussão de teóricos, ideologias e análises conjunturais, demonstrando que tais temas não partem do projeto, como eixos norteadores, para a construção das disciplinas, mas que algumas disciplinas trabalham a temática. A fala, a seguir, evidencia que esse fato parte de uma construção individual e não de uma concepção curricular às temáticas críticas:

Incluímos sempre uma perspectiva crítica das ideologias sociais e políticas, e mais, procuramos transformar isso num tipo de transversalidade, não ficando restrita às disciplinas que tratam exclusivamente desse tema (professor 2).

Um dos professores apontou que a perspectiva de abordar a ideologia enquanto luta e contestações, conforme proposto no multiculturalismo crítico, não ocorre em seu curso. Segundo esse sujeito:

Ideologia ainda é estabelecida em sua perspectiva não acadêmica, ou seja, um simples conjunto de ideias. Percebo que pedagogicamente não se entende ideologia na perspectiva das lutas de classes, única forma, na minha visão, de discutir ideologias (professor 8).

É importante ressaltar que um currículo considerado multicultural crítico não pode se limitar a tratar de questões de identidade e ideologias somente em conteúdos referentes à História da África e Afro-brasileira, em uma perspectiva de atender à Legislação, mas, sim, em uma concepção curricular. No entanto, observamos, ao tratar de identidade cultural, que essas temáticas são, ainda, relacionadas a essa ideia.

Sim. As discussões sobre identidade estão inseridas tanto em disciplinas como Cultura e Identidade Nacional, quanto em Relações Étnico-raciais e História do Espírito Santo, por exemplo, onde é discutido o processo de construção da identidade do povo capixaba (professor 1). Sim. E isso se materializa na disciplina Cultura e Identidade Nacional, nas questões relativas à História da África e da Legislação sobre o ensino de relações étnico-culturais, que acabam tendo que ser antecipadas pela discussão da própria identidade (professor 5).

O conjunto das falas permitiu-nos verificar que a questão da identidade é, ainda, concebida a partir de disciplinas e não como eixos epistemológicos críticos, para pensar uma formação multicultural.

Ao serem abordados sobre a questão da diversidade cultural, três (03) professores não responderam e as demais respostas demonstram que o assunto é materializado em eventos e disciplinas. Constamos que, mais uma vez, não há uma preocupação estrutural, mas, sim, pontual, conforme é evidenciado nas falas a seguir:

O Projeto Pedagógico abre perspectivas para discussões sobre questões de multiculturalismo em diversos momentos, como, por exemplo, em atividades de extensão como seminários, visitas técnicas, cursos de extensão, dentre outros. Além disso, o multiculturalismo é discutido nas aulas, nos Grupos de Estudo e Pesquisa, na construção dos Trabalhos de Conclusão de Curso (professor 1).

O projeto abre, sim, e isso se materializa nos eventos, em algumas optativas e na própria discussão da identidade cultural. Contudo, ressalto que creio que isso seja muito mais uma característica decorrente das peculiaridades da equipe do que resultado de uma política pública ou institucional (professor 5).

Percorrendo essa temática, partimos para a próxima indagação, que versava sobre as discussões acerca da superação de discriminação e preconceitos. As respostas continuaram a apontar para conteúdos e disciplinas, sem uma articulação com eixos e propostas curriculares críticas, como relatado pelos professores 1 e 3:

Além de discutir a História da África, por exemplo, tem-se discutido a educação para as relações étnico-raciais [...] e ainda deixando essa questão aberta e sem uma postura curricular comprometida multiculturalmente (professor 1).

[...] A efetiva superação de discriminação e preconceitos, partindo de estudos históricos, depende das posturas dos estudantes [...] (professor 3).

Constatamos que as temáticas ideologia, diversidade cultural, identidade, diversidade e discriminação não se apresentam como eixos nos Projetos Pedagógicos dos Cursos, sendo tratadas em momentos e disciplinas de forma desarticulada, o que prejudica uma formação de docentes para o trabalho multicultural crítico.

Prosseguindo na análise dos dados, a partir da categoria Currículo Multicultural de Formação Docente, abordamos como os sujeitos concebem, nos currículos em que atuam, a ementa, o conteúdo e a prática de ensino. Para tanto, lançamos os questionamentos: as ementas apresentadas no currículo do curso proporcionam problematizações sobre ideologias? A forma como os conteúdos são apresentados no currículo do curso proporciona problematizações sobre identidade e diversidade cultural? Nos conteúdos trabalhados, a perspectiva eurocêntrica da História ganha espaço para discussões? A proposta curricular de Prática de Ensino do curso considera espaços e contextos para discutir ideologias, identidade cultural, diversidade cultural e a superação de discriminação e preconceitos no ensino de História?

Ao analisarmos as respostas nos questionários, pudemos constatar que as ementas das disciplinas não têm, em sua essência, uma discussão crítica, conforme descrição abaixo:

Sim. As ementas possibilitam uma ampla discussão a respeito das ideologias, das versões no processo de construção da História. O objetivo é desconstruir verdades absolutas e desnaturalizar ideias que estão enraizadas no inconsciente coletivo. Trata-se de questionar as ideias dominantes e trazer uma História vista de baixo, do porão ao sótão (professor 1).

Sim. Diria que parcialmente, pois nem sempre documentamos como deveríamos nossas práticas. A elaboração da ementa passa pelo professor e as adequações ocorrem também gradativamente, ainda assim, considero que nossas ementas estão deixando de ser listagem de conteúdos e se tornando instrumentos que norteiam uma prática docente problematizadora (professor 2).

Sim. Dialogando com o Projeto Pedagógico do curso de História, as ementas trabalham perspectivas ideológicas e possíveis problematizações (professor 3).

Ao indagarmos acerca da existência de relação entre apresentação dos conteúdos e problematizações sobre identidade e diversidade cultural, oito (08) docentes responderam ?sim?, um (01) respondeu ?não? e um (01) não respondeu. Embora a grande maioria tenha respondido ?sim?, observamos, nas justificativas, a presença de termos como ?todavia? e ?mas?, que nos fazem pensar que, entre o escrito e o vivido nos currículos, ainda há muito que avançar quanto a uma formação de docentes multiculturamente comprometidos, conforme demonstramos:

Sim. As problematizações estão presentes na redação curricular, mas as práticas extrapolam o documento, portanto, ainda há adequações a serem realizadas (professor 2).

É confirmado que identidade e diversidade ainda não são concebidas como eixos curriculares, mas, sim, como consequência de disciplinas e conteúdos.

Há um crescente crítico no desenrolar da grade que contribui para essa problematização. A sequência segue nesse sentido, primeiro com as bases teóricas da crítica e, depois, com a aplicação da crítica aos objetos. Mas o que complica é o fato de que algumas dessas disciplinas acabam sendo ministradas na forma de nucleadas. E perde-se um pouco do controle da formação ideal que o colegiado deseja (professor 5).

Os conteúdos visam ser amplos, mas ainda retratam a cultura em uma perspectiva eurocêntrica. Perspectivas, na minha visão, simplistas, como a de Geertz, dominam a perspectiva teórica de cultura para a academia, o que influencia diretamente na criação e elaboração dos currículos (professor 8).

Sim. As ementas das disciplinas obrigatórias e optativas cobrem todas as áreas do conhecimento histórico, da Pré-História à contemporaneidade, de modo a valorizar exatamente a diversidade cultural (professor 10).

É fato que nas respostas às questões que apresentam indagações acerca da problematização dos temas ideologias, identidade e diversidade nas ementas e conteúdos, há uma preocupação em problematizar a História, especialmente no que se refere à ideologia e às relações de poder. Afinal, isso é inerente ao curso. Segundo os professores, a valorização da diversidade cultural passa pela desnaturalização das ideias dominantes pré-concebidas e pela implementação de práticas problematizadoras.

No entanto, é importante salientar que estamos considerando como necessária uma problematização em que as discussões em torno de ideologias, poder e identidade cultural ocorram como elementos desencadeadores, sendo concebidos e reconhecidos como eixos epistemológicos críticos. Para o estudo da diversidade cultural, é necessário questionar a diferença e como ela é construída no imaginário e no cotidiano, fato que constatamos não ocorrer plenamente nas ementas e nos conteúdos dos currículos nos quais atuam os professores que responderam ao questionário. Esses temas não se apresentam como eixos estruturantes do curso, de forma articulada entre as disciplinas, a partir de uma concepção curricular multicultural crítica.

Para McLaren (1997, p. 123), ?a diferença é sempre um produto histórico, cultural, ideológico e de poder?, pois na faceta multicultural crítica, interesses e ideologias são desvelados mediante um contexto histórico, social e das lutas. Assim, a transformação das relações sociais, culturais e institucionais, nas quais os significados são gerados, ocorre quando as problematizações de ideologia, poder e cultura se tornam pontos centrais na ementa e na prática pedagógica concebidas em uma perspectiva crítica.

A proposta curricular em forma de disciplina é importante como ponto de chegada, mas por si só não garante a efetivação da mudança. Canen e Moreira (2001, p. 32) ajudam-nos a entender essa questão, lembrando que o currículo multicultural extrapola o campo da disciplina e abrange o contexto de todas as áreas do conhecimento:

[...] A educação multicultural não pode ser reduzida ao espaço de uma disciplina a ser incluída no currículo. Um currículo multicultural deve informar os conteúdos selecionados em todas as áreas do conhecimento contribuindo para ilustrar conceitos e princípios com dados provenientes de culturas diversificadas, focalizar a diferença como processos de construção, decodificar teorias e conceitos na perspectiva do outro, bem como desconstruir mensagens etnocêntricas, racistas e discriminatórias presentes nos materiais didáticos e nos discursos da sala de aula.

Vemos, assim, que a contribuição dos autores para o presente debate consiste na abordagem das diversas culturas, com uma proposta de transformação das relações sociais e culturais, nas quais os significados são gerados.

Ainda indagando os dados, a partir da categoria ?Currículo Multicultural de Formação Docente?, para analisarmos como o currículo da formação de professores de História apresenta ementas e conteúdos, lançamos mais um questionamento constante no ofício do professor de História, buscando identificar se a perspectiva eurocêntrica da História ganha espaço para discussões. Como resposta, nove (09) docentes afirmaram ?sim? e um (01) disse ?não?, sendo, inclusive, enfático, ao ressaltar: ?Essa questão só ganhou espaço academicamente na perspectiva antropológica. Na disciplina de História, estamos longe de ter essa discussão em termos estruturados? (professor 8).

Observamos que mesmo sendo amplamente criticada pelos docentes, a visão eurocêntrica ainda prevalece como pilar na organização curricular, bem como uma concepção tradicional da História. Tal concepção foi evidenciada por quatro (04) professores, embora não concordassem com ela, conforme demonstramos nas seguintes falas:

Sim. Na verdade, a visão eurocêntrica da História é sempre criticada. Por isso, o debate a respeito da História da América e da África, por exemplo, demonstra a origem desses povos anterior à dominação europeia (professor 1).

Estamos embasados em bibliografias de visão eurocêntrica, e apesar de desmontarmos esta perspectiva, esta está sempre presente e, via de regra, é o ponto de partida para outras visões que buscarão rejeitá-la ou problematizá-la (professor 2).

Sim. Esse é um dos grandes entraves para uma efetivação da formação multicultural. Se a perspectiva eurocêntrica da História é predominante, desde a nomenclatura das disciplinas cursadas até as preferências dos estudantes, propostas multiculturais deixam de alcançar suas potencialidades (professor 3).

Sim. A grade é eurocêntrica, entretanto, nunca deixou de expor esta tendência historiográfica nas discussões em sala (professor 6).

Sim. A crítica ao eurocentrismo é um exercício permanente no curso. Muito embora o currículo não inclua as sociedades do Extremo Oriente, devido à enorme carência de profissionais especializados nessa área, sempre que possível buscamos evitar o eurocentrismo, pois temos consciência dos prejuízos de uma visão de História restrita à Europa ou à América do Norte (professor 10).

O avanço nas discussões nem sempre é acompanhado das práticas correspondentes. Entre o dito e o feito, impõem-se a dinâmica social e o cotidiano, no qual o fenômeno analisado está inserido.

Ressaltamos que os professores não concordam com uma proposta eurocêntrica e que lutam para desmontar essa concepção curricular, os docentes ainda confirmam ser esse um grande entrave na formação de profissionais comprometidos multiculturalmente. No entanto, essa luta evidencia que os nossos currículos da licenciatura em História são eurocêntricos, não se apresentando como multiculturais para uma sociedade globalizada. Esse modelo curricular identificado é considerado por McLaren (1997) como multicultural conservador, que reforça e legitima as forças dominadoras e os discursos do modelo pós-colonial de sociedade, caracterizado pelo masculino, branco, ocidental e etnocêntrico.

Um currículo multicultural crítico visa, principalmente, desvelar essa concepção que se caracteriza como o ponto básico para a transformação social, na medida em que questiona os contextos históricos, sociais, culturais e ideológicos, emancipando, assim, os sujeitos, quanto ao modelo europeu hegemônico, em nossa constituição social.

DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA UM CURRÍCULO MULTICULTURAL CRÍTICO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE HISTÓRIA

As falas dos docentes da Licenciatura em História, bem como os estudos teóricos permitem-nos pensar em caminhos curriculares necessários para a formação de docentes comprometidos com a diversidade étnico-racial, em uma perspectiva multicultural crítica.

Ao tratarmos de desafios e perspectivas para uma organização ou reorientação curricular, surgem, em nossa mente, questões como disciplinas, conteúdos, estágio e demais elementos que compõem um projeto de curso. No entanto, faz-se necessário pensar o que deve anteceder esses elementos: a concepção epistemológica que norteia a proposta curricular.

Logo, colocamo-nos diante do desafio central para a construção de currículos comprometidos multiculturalmente: uma mudança estrutural nos currículos. Essa mudança propõe que o currículo possibilite aos alunos, futuros professores, a aprendizagem de conceitos e análise de fatos históricos, em uma conjuntura multicultural crítica, de forma que possam chegar ao quarto nível proposto, no qual devem assumir posturas comprometidas com os problemas sociais e culturais, a partir do processo histórico.

Esse processo de construção curricular tem por objetivo uma formação em História, na qual o aluno vai adquirir um novo olhar sobre a formação social e desvelar modelos e estereótipos, por meio de uma concepção de História, na perspectiva multicultural crítica.

[...] A ?história é multicultural?, no sentido de temas e conteúdos, não necessariamente no sentido de métodos. O multiculturalismo é conteúdo, é sim, mas é também uma postura em relação ao mundo. Neste sentido, a questão do multiculturalismo na formação e no ensino de História necessita ultrapassar as fronteiras que apenas o qualificam como conteúdos, para que se transforme em prática teórica, vivência política e autoconsciência. É necessário, pois, vivenciá-lo, ensiná-lo, aprendê-lo, exercê-lo (COUTO; FONSECA, 2005, p.8).

Desta forma, a construção curricular pode ser pensada em desafios que se desdobram, a partir do desafio principal, que é a mudança estrutural, e em perspectivas que podem ser pensadas e propostas, tendo em vista a concepção epistemológica do currículo da Licenciatura em História, as concepções de conteúdos, a prática e o docente.

Em todo processo curricular, faz-se necessário questionar de onde estamos falando, aonde quereremos chegar, qual sujeito estamos abordando na formação, quem queremos formar, qual o caminho, enfim, organizar o processo de reorientação curricular. Além desses aspectos, estamos evidenciando ser preciso reconhecer como ocorreu, e ocorre, na História, o processo de construção de representações que geram preconceitos e estereótipos, bem como elas podem ser usadas para reforçá-los e perpetuá-los e, com isso, romper essa dominação e emancipar os sujeitos envolvidos.

Esses pontos são fundamentais para iniciarmos o processo de (re) construção curricular em História, mediante os seguintes desafios quanto à concepção de currículo da Licenciatura em História:

· Conceber os currículos em uma concepção multicultural crítica: a partir da pesquisa com os docentes, observamos que os currículos atuais ainda não estão concebidos para uma formação multicultural, o que consiste em um grande desafio para a formação de docentes de História.

· Pensar diretrizes comprometidas multiculturalmente: considerando a análise documental, constatamos que o fato das DCN?s de História não evidenciarem a questão da diversidade cultural, de raça, gênero e classe, consiste em um desafio de repensar os documentos legais que orientam a construção curricular dos Cursos de História.

Evidenciamos os desafios a serem tratados, o que tem nos exigido pensar em perspectivas e caminhos para um currículo comprometido multiculturalmente. Tal ação remete-nos a escolhas epistemológicas e filosóficas para a construção do currículo. Em História, além dos aportes teóricos da Historiografia e da Pedagogia, que sustentam as discussões específicas e de formação de professores, estamos colocando a necessidade de mais um aporte para pensar como o currículo vai trabalhar a História e o ensino de História, no que tange à questão da diversidade: o multiculturalismo crítico.

Enfatizamos que não estamos excluindo os aportes da Historiografia, como a História Cultural e Social, por exemplo, mas ampliando os referenciais teóricos, por meio das demandas sociais de repensar ideologias e discursos dominantes presentes no ensino de História.

Ressaltamos, também, que se não houver um trabalho de conscientização e aprofundamento teórico sobre qual mudança curricular fazer e como fazê-la, não será obtido o sucesso, tornando o Projeto Pedagógico do Curso ? e o currículo que ele propõe ? um documento ?de gaveta? para atender à Legislação e não às necessidades de uma sociedade.

É importante esclarecer que na construção curricular de História há um debate intenso de modelos de organização e proposta curricular, especialmente no que se refere às disciplinas, como, por exemplo, se será no modelo temático ou no modelo tradicional.

A elaboração de um projeto de graduação em História requer, pelos membros que compõem a comissão de elaboração ou revisão, uma discussão e tomada de posição quanto à linha historiográfica e ao posicionamento em relação aos modelos e paradigmas a assumir. Ainda nessa composição epistemológica do curso, é fundamental pensar como o projeto vai tratar as questões de diversidade cultural, de gênero, etnia e classe, enfim, as questões multiculturais.

Propomos neste trabalho que além de assumir abordagens historiográficas, o projeto de curso deva contemplar, também, um aporte teórico quanto ao multiculturalismo, para nortear a estruturação curricular, respondendo, assim, ao grande desafio da formação de docentes de História comprometidos multiculturalmente.

No horizonte de possibilidades teóricas para pensar uma prática docente multicultural, pautada no respeito e na valorização da diferença, propomos o multiculturalismo crítico como concepção epistemológica, para estruturar o currículo de História.

A formação do docente de História requer a compreensão de que a representação de etnia, classe e gênero é resultado do contexto histórico, social, cultural e, não menos importante, das relações de poder e de ideologias, o que faz do multiculturalismo crítico a concepção epistemológica para pensar o trabalho com a diversidade.

Essa concepção assume importância, uma vez que questiona as diferenças no desenvolvimento social, cultural, político e econômico, possibilitando a estruturação de um currículo de História que proporcione ao aluno uma formação capaz de desvelar estereótipos e modelos hegemônicos de dominação, visando transformar as relações sociais, culturais e institucionais, em favor da humanização dos homens. Tal perspectiva possibilita, ainda, repensar a forma como a sociedade está organizada para promover uma emancipação social e cultural dos sujeitos.

Quando assumimos a postura epistemológica mencionada para estruturar o projeto pedagógico, temos uma nova forma de organizar as disciplinas, os conteúdos, a prática de ensino e o Estágio, bem como o projeto em sua totalidade, superando os resquícios de modelos tradicionais de currículos de História, que reforçam e reproduzem formas de dominação.

Compreendemos que certas categorias devem nortear a organização da formação docente para uma sociedade multicultural: cultura, representação, poder, ideologia, identidade, discriminação, racismo e sexismo.

O desejável para uma formação multicultural é que a estrutura do projeto do curso parta da concepção crítica e seja norteada por esses eixos, em uma perspectiva na qual as categorias teóricas construídas na experiência multiculturalista permitam uma leitura do mundo, capaz de desvelar e superar modelos de dominação, dentre os quais estão situadas as concepções de História.

Defendemos que pensar em diretrizes curriculares comprometidas multiculturalmente com a formação dos docentes não significa, simplesmente, fazer ajustes em disciplinas e conteúdos. Quer dizer, sim, pensar qual postura epistemológica, quanto à diversidade, será assumida para estruturar o projeto e pensar também nas disciplinas que estruturam o curso.

Acreditamos que a estruturação do projeto, materializado nas disciplinas, nos conteúdos e na metodologia, na prática e no perfil docente, deva ser planejada a partir da concepção epistemológica do multiculturalismo crítico. Embora reconheçamos que um projeto de curso possua outros elementos, além dos três citados, consideramos esses como pontos de evidência da concepção epistemológica do curso.

A organização das disciplinas e dos conteúdos do Projeto Pedagógico da Licenciatura em História é, na maioria das vezes, motivo de discussão e críticas. Tais discussões em torno de propostas curriculares, por temáticas ou nos modelos disciplinares tradicionais, na maioria das vezes eurocêntricos, dividem opiniões e se constituem, hoje, como um dos desafios para concepção de uma organização curricular que contemple o processo histórico da humanidade, em sua forma mais ampla, significativa e crítica possível.

Nesse contexto, encontra-se um dos maiores desafios: pensar em disciplinas e conteúdos que deem conta da diversidade étnica, racial, de classe e sexista, de forma a não reforçar ou promover a desigualdade e o desrespeito.

É importante ressaltar outro desafio: romper a visão de muitos educadores que pensam a inclusão de uma disciplina ou de conteúdos para atender a uma formação multicultural, conforme verificamos nos depoimentos dos nossos sujeitos.

A pesquisa com os docentes confirmou, ainda, mais uma questão a ser vencida: currículos nos quais as disciplinas e os conteúdos seguem um modelo eurocêntrico da História. A reorganização das disciplinas e dos conteúdos deve ser consequência de uma tomada de posição política, epistemológica e teórica, conforme enfatizamos na concepção teórica a ser assumida na construção curricular.

Outro problema identificado é referente aos conteúdos e às disciplinas que se estruturam em uma concepção de multiculturalismo conservador, passando uma falsa impressão de engajamento com a diversidade. Evidenciamos esse desafio quando admitimos, nos conteúdos, a existência de outras culturas, tratadas, no entanto, como inferiores, ou seja, a metodologia de trabalho acaba por reproduzir uma visão colonialista da diferença.

Não vamos aqui propor um modelo curricular no qual disciplinas, conteúdos e modelo de organização resolvam esse desafio. Afinal, temos que lembrar que os projetos devem respeitar diretrizes nacionais e a autonomia de organização, por parte dos colegiados de curso. Pensamos, assim, em diretrizes que, como perspectivas, podem contribuir para o processo de reflexão e organização das disciplinas e de conteúdos, objetivando atender à diversidade e à formação docente.

Na maioria das disciplinas, é a história da Europa que trata do ?início? à atualidade, o contexto mundial. Os demais povos aparecem como apêndices para complementar a trajetória europeia, caracterizando um projeto eurocêntrico. Nesse fato reside um grande desafio: romper esse modelo explicativo da História, que perpetua uma hegemonia europeia em detrimento da diversidade.

Contudo, a título de demonstração, questionamos a forma como a África é tratada nos currículos. Tivemos um grande avanço com a Lei nº 10.639 e a Lei nº 11.645, mas ainda é preciso repensar algumas questões: uma disciplina de História da África consegue tratar o desenvolvimento de todas as civilizações do continente? E por que o mundo europeu ocupa praticamente todo o currículo? Qual o comprometimento multicultural desse currículo?

Quando falamos de multiculturalismo crítico como concepção teórica para o currículo, estamos afirmando a possibilidade de repensar práticas curriculares, conforme exemplificamos. Propomos, então, serem incorporadas disciplinas que tratem da diversidade de povos e dos contextos históricos, semelhante à incorporação da História Africana nos currículos, mas de forma comprometida e não como apêndice curricular.

Nesse sentido, faz-se necessário que, por exemplo, povos orientais e indígenas sejam, de fato, tratados nos currículos e não apenas citados nestes, para atender à Legislação. Essa inclusão proporcionará uma compreensão da História, que não se limita ao percurso histórico europeu. Tal movimento tem a possibilidade de quebrar uma hegemonia e a visão eurocêntrica do mundo.

A reorganização de disciplinas impõe romper desafios como, dentre outros, uma carga horária reduzida dos cursos e a falta de profissionais e materiais. Em relação ao primeiro ponto, entendemos que para um currículo multicultural, temos que assumir uma postura política em vários aspectos, por exemplo, a união dos profissionais para lutar por uma carga horária que possibilite uma formação de professores digna, multicultural e crítica.

Em relação aos profissionais e aos materiais, temos que lembrar que esse discurso prevalecia em relação à História Africana, mas que, com a obrigatoriedade, permitiram surgir iniciativas diversas de formação e de publicações para atender a essa necessidade. Não podemos nos prender em um discurso que objetiva dificultar o acesso à diversidade.

Não basta, porém, a inclusão de novas disciplinas. Os conteúdos existentes, sejam nas atuais disciplinas ou nas disciplinas que forem incluídas, devem, além de contemplar o contexto histórico, contribuir para ilustrar conceitos e princípios que considerem a diversidade cultural, tratando a diferença como processo de construção histórico-social de lutas e disputas, desmistificando, assim, teorias e conceitos, na perspectiva do outro, desconstruindo concepções racistas e discriminatórias.

Para tanto, as disciplinas e os conteúdos devem estar alinhados à concepção epistemológica que norteia o projeto, precisa também pautar-se nos eixos temáticos: cultura, representação, poder, ideologia, identidade, discriminação, racismo e sexismo. Com isso, propomos um repensar dos conteúdos e das disciplinas existentes, de forma a não limitar a abordagem sobre diversidade no currículo apenas à inclusão de uma disciplina, mas, sim, repensar a concepção de como essa diversidade pode ser trabalhada.

É importante uma organização curricular que contemple as disciplinas de Antropologia, Filosofia, Política e Sociologia, desde que possibilitem, ao futuro professor de História, o acesso a bases epistemológicas, objetivando conduzir processos educativos que necessitam de uma visão humanística.

Consideramos como prática não somente o que denominamos prática de ensino, mas toda e qualquer atividade que permita a fusão do dimensionamento teórico com a realidade e que possibilite pensar as questões sociais e culturais. Consideramos como momentos de prática e de vivência de realidades diversas: as atividades de prática de ensino no interior das disciplinas; do Estágio Supervisionado e das atividades complementares, em suas dimensões de ensino-pesquisa-extensão.

Na pesquisa com os docentes, constatamos, ao indagarmos sobre o Projeto Pedagógico de Curso, que o Estágio Supervisionado e a prática de ensino não trabalham integralmente questões multiculturais na perspectiva do multiculturalismo crítico. Essa ainda não é uma prática constante, consistindo-se em um grande desafio a ser implementado. O aluno da graduação, quando passa a ser professor da educação básica, fica diante, na maioria das vezes, de uma realidade para qual não foi devidamente preparado na academia: a diversidade. Esse é outro grande desafio da formação docente em História.

Em face dessa lacuna formativa, o currículo deve ser questionado, tomando como referências, indagações acerca da forma pela qual a prática de ensino, no interior das disciplinas e no Estágio Supervisionado, está preparando o aluno para o trabalho em uma sociedade multicultural. É importante visualizar como tais questões podem ser contempladas no currículo, via Estágio e prática de ensino.

Consideramos que a Prática de Ensino e o Estágio Supervisionado devem consistir em momentos e espaços para imersão, durante o Estágio Supervisionado, em realidades pedagógicas pautadas na concepção de diversidade a qual propomos neste estudo, aliando o ensino com a pesquisa nas atividades de prática de ensino, em contextos pedagógicos multiculturais.

O Estágio Supervisionado, quando realizado em espaços multiculturais, proporciona uma atividade reflexiva e de pesquisa, possibilitando ao futuro professor conhecer a realidade da escola. Esse processo contribui para uma formação docente voltada à formulação de práticas multiculturais, por meio de reflexões das situações vivenciadas.

Outro desafio é que o futuro professor pense a prática de ensino de conteúdos das disciplinas específicas com um olhar multicultural crítico, sendo este considerado como eixo norteador para o trabalho com a diversidade. Tal olhar questiona as diferenças na formação social, cultural, política e econômica, materializando-se por meio de práticas pedagógicas que desvelem as formas de dominação.

É necessária a realização de oficinas, a feitura de material didático e todo tipo de atividades e projetos que possam romper com modelos etnocêntricos, permitindo a construção de uma educação que não reforce a discriminação e, também, pensar uma prática de ensino e de qual maneira esse conteúdo de História será trabalhado. Só assim, o professor materializará a educação multicultural comprometida com a justiça social.

As atividades práticas, pautadas na pesquisa e na concepção multicultural crítica, possibilitam rever formas equivocadas de trabalhar com a diversidade cultural, que reforçam visões equivocadas e discriminatórias, e propõem novas formas de trabalho pedagógico comprometido multiculturalmente.

Podemos demonstrar práticas multiculturais equivocadas como, por exemplo, algumas feiras culturais e comemorações de dias, como o dia do índio, que abordam a temática de forma folclórica, na qual hábitos, costumes e valores são desconectados e descontextualizados. Salientamos que os trabalhos que enfatizam os aspectos culturais são interessantes e importantes, mas questionamos a forma como esses aspectos são tratados, sendo necessária uma contextualização crítica, por meio da compreensão do processo histórico de lutas e dominação.

Uma pesquisa em prática de ensino na concepção multicultural crítica pode possibilitar essa formação de docentes e a produção de materiais que rompam com práticas alienadoras e hegemônicas. Porém, ainda há práticas que deformam ou ocultam a História e o contexto das sociedades. Muitos alunos da licenciatura não desenvolvem atividades práticas ou reflexões acerca de como povos africanos ou indígenas, e ainda o mundo oriental, contribuem para o processo de formação da cultura brasileira.

São abordados aspectos dessas civilizações por meio de conceitos europeus, de forma deturpada, como exemplo disso, temos as religiões africanas. Ou então, a África é tratada nos livros e nas atividades de História como um ponto a ser ultrapassado no caminho das Índias. Que visão fica da África para o aluno? A África como empecilho para o desenvolvimento. Civilizações, reinos e todo o processo de desenvolvimento cultural, político e cultural são, assim, ignorados.

No momento em que as práticas de ensino assumem uma postura multicultural crítica, é evidenciada a possibilidade de revisão das formas de trabalho que ainda fortalecem os modelos hegemônicos. Observamos que muitas práticas que envolvem diversidade cultural tomam um caminho de ?currículo turístico? e não comprometido multiculturalmente, como necessário.

Infelizmente, grande parte dos projetos de cursos de Licenciatura em História trata a prática de ensino de forma superficial, atendendo à Legislação e não trabalhando, de fato, uma prática direcionada a fazer com que o aluno pense situações problematizantes de ensino, especialmente no que concerne à diversidade.

A proposta é de que o aluno possa ter o momento teórico na sala de aula da academia, e olhar, via momentos de prática, para a realidade da educação básica na escola, com seus problemas culturais e sociais para, então, pensar uma nova prática. Isso é um desafio à educação multicultural, em nosso caso, no ensino de História, com a formação de docentes críticos-reflexivos-intelectuais-pesquisadores.

A forma como se trabalha essa discussão sobre ?diversidade?, ao invés de promover a emancipação dos sujeitos, acaba por reforçar a discriminação e estereótipos. Faz-se necessário abordar os conteúdos específicos e sua dimensão prática na licenciatura, a partir da concepção teórica do multiculturalismo crítico, na qual o futuro professor possa refletir sobre práticas que não reforcem a discriminação e que possibilitem romper com a dominação. Ressaltamos a necessidade da prática de ensino proporcionar atitudes inovadoras para rompermos com uma mentalidade de discriminação.

CONSIDERAÇÕES

Os passos finais da pesquisa significam a análise do percurso investigativo previsto em seus objetivos, isso nos solicitou o aprofundamento teórico e metodológico necessário para a compreensão do tema. Tal conclusão significa, ainda, que certas escolhas, uma vez defendidas, demonstram nossos valores e posicionamentos característicos de nossas lutas, culminando em considerações com o pensamento crítico e reflexivo, que nos levam a novas perguntas e investigações.

O foco da pesquisa, ou seja, sua questão problematizadora é: o currículo da Licenciatura em História proporciona uma formação de docentes voltada à prática pedagógica na vertente do multiculturalismo crítico? Qual o olhar dos professores formadores, em uma perspectiva do multiculturalismo crítico, sobre a formação docente em História? Após análise dos questionários, ficam evidentes lacunas multiculturais críticas nos currículos da Licenciatura mencionada, levando a uma formação deficitária quanto à reflexão da pluralidade cultural, em uma perspectiva multicultural crítica. Sabemos de sua importância para os desafios da sociedade em que vivemos, por isso, podemos afirmar que o currículo da Licenciatura em História não proporciona uma formação de docentes voltada à prática pedagógica, na vertente do multiculturalismo crítico e os docentes confirmam que essa formação não ocorre.

Quando defendemos essa posição, não estamos desenhando uma proposta curricular, mas sugerindo que os currículos sejam concebidos na concepção teórica do multiculturalismo crítico, porque ela questiona as diferenças na formação dos processos sociais, culturais, políticos e econômicos, de forma a desvelar os sujeitos de modelos hegemônicos de dominação.

Um currículo de um curso de Licenciatura em História, comprometido com a multiculturalidade, deve ser capaz de formar professores envolvidos e aptos a atuarem na sociedade multicultural, de forma semelhante ao que se percebe nos docentes que atuam nos cursos já mencionados.

A História, por sua natureza, trabalha esses processos, entretanto, se fossem trabalhados em uma proposta curricular do multiculturalismo crítico, possibilitariam a emancipação dos sujeitos e uma nova postura quanto à diversidade étnica, racial, de gênero e classe.

E mais, precisamos de Diretrizes Curriculares e Projetos de Curso que priorizem, clarifiquem, definam, explicitem e evidenciem nas propostas de formação de professores, a questão da diversidade e a postura crítica, assumindo o objetivo de libertar os sujeitos da dominação cultural, política, social e econômica.

As questões multiculturais não podem ficar reduzidas a atender à Legislação sem alterar um modelo de sociedade desigual, que tolera a desigualdade, em vez de questionar seu significado e promover a desconstrução desse modelo.

Assim, propomos um currículo de Licenciatura em História concebido pelo multiculturalismo crítico, pois ele compreende a diferença sempre como um produto da História, da cultura, de poder e de ideologia, negando o pressuposto das diferenças proposto pelos conservadores e defendendo a transformação das relações sociais, culturais e institucionais, em que os significados são gerados, tornando-se um currículo emancipador, formando professores emancipados.

Como toda pesquisa, sabemos que o assunto não se esgotou. Ainda há muito por fazer na luta por um currículo que contemple a diferença e a diversidade, como resultado de processos históricos e de lutas, todavia, trazemos apontamentos e reflexões para contribuírem na construção de currículos críticos e comprometidos multiculturalmente.

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