Recepção: 20 Junho 2024
Aprovação: 24 Julho 2024
Resumo: As geotecnologias têm possibilitado o mapeamento do uso da terra e a caracterização do relevo em larga escala. A relação entre as formas de relevo, as classes de solos e as classes de uso da terra pode contribuir para entendermos a dinâmica da paisagem e os processos antrópicos em uma região. Este trabalho tem por objetivo associar dados oriundos do Modelo Digital de Elevação (MDE) Copernicus da Agência Espacial Europeia com os dados de solos da EMBRAPA para as bacias hidrográficas dos rios Amambaí, Iguatemi e Ivinhema, presentes nas porções sul e sudeste do estado do Mato Grosso do Sul. Na área de estudo dominam solos classificados como Latossolos Vermelhos Distróficos, Latossolos Vermelhos Distroférricos e Neossolos Quartzarênicos Órticos (LVd, LVdf e RQo) localizados em planícies. Em especial, os solos arenosos da região, como os LVd psamíticos e os RQo localizados principalmente na Bacia Hidrográfica do Rio Iguatemi, sejam eles associados a áreas planas ou declivosas, possuem alta susceptibilidade a processos de erosão. Dados históricos do mapeamento do MapBiomas (1990, 2000, 2010 e 2020) mostram mudanças de uso da terra, as quais podem contribuir para a erosão nas bacias hidrográficas mencionadas. Portanto, o viés quantitativo e qualitativo deste trabalho poderá contribuir para evitar perdas de solos e assoreamentos dos rios na região.
Palavras-chave: MapBiomas, solos, relevo, geotecnologias, Mato Grosso do Sul.
Abstract: Geotechnologies have made it possible to map land use and characterize relief at a large scale. The relationship between landforms, soil classes and land use classes can contribute to understanding landscape dynamics and human-induced processes in a region. This work aims to associate data from the Copernicus Digital Elevation Model (DEM) of the European Space Agency with soil data from EMBRAPA for the Amambaí, Iguatemi and Ivinhema river basins, in the southern and southeast portions of the Mato Grosso do Sul state, Brazil. In the study area, soils classified as Latossolos Vermelhos Distróficos, Latossolos Vermelhos Distroférricos and Neossolos Quartzarênicos Órticos (LVd, LVdf and RQo) located in plains. In particular, the region's sandy soils, such as psamitic LVd and RQo located mainly in the Iguatemi River basin, whether associated with flat or sloping areas, are highly susceptible to erosion processes. Historical data from MapBiomas mapping (1990, 2000, 2010 and 2020) show changes in land use, which may contribute to erosion in the mentioned river basins. Therefore, the quantitative and qualitative bias of this work may contribute to preventing soil loss and silting of rivers in the region.
Keywords: MapBiomas, soils, relief, geotechnologies, Mato Grosso do Sul.
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, houve um aumento substancial na disponibilidade de dados de sensores orbitais como forma de observação e monitoramento terrestre de recursos naturais importantes para o manejo sustentável. A utilização de geotecnologias, como os Modelos Digitais de Elevação (MDEs), para a análise e descrição do relevo (SKENTOS, 2018) ajuda a entender as dinâmicas de erosão e fluxos de sedimentos, que muitas vezes podem resultar em assoreamento de rios. Os MDEs apresentam vantagens como: a disponibilidade de dados gratuitos em nível mundial; grande cobertura de área por cena; resolução moderadamente elevada; processamento mais rápido através de softwares sofisticados e pouco esforço manual; baixo custo de processamento e capacidade de aquisição em qualquer condição ambiental, no caso de sensores ativos (SUBRAMANIAN et al., 2009).
Os processos físicos e biológicos que atuam na paisagem são correlacionados com a posição topográfica (WEISS, 2000). Entender a heterogeneidade da topografia em escala local desempenha um papel importante para direcionar o uso do solo e o manejo agrícola e florestal, assegurando produtividade e conservando a diversidade (KUBOTA et al., 2004). Nesse sentido, a junção da informação de solos, geologia e geomorfologia é importante na compreensão da topografia regional, servindo como base para o planejamento ambiental, indicando áreas para o uso antrópico ou áreas que são mais sensíveis e requerem uma maior restrição quanto ao uso. A investigação do tipo de solo e da sua relação com a topografia fornece elementos importantes para a caracterização de bacias hidrográficas com múltiplos usos (MARTINS et al., 2023).
O solo desempenha um papel fundamental nos ecossistemas, na produção de alimentos, na regulação do clima e nos ciclos da água e dos elementos (DIEK et al., 2017; DEMATTÊ et al., 2018). Problemas como erosão, contaminação do lençol freático, baixas produtividades em locais de alto potencial produtivo, entre outros fatores de caráter ambiental ou de produção, podem ser evitados ou reduzidos com o uso de informações obtidas de mapas de solos (ARRUDA et al., 2013). O manejo e a conservação do solo, quando adequados de acordo com suas características e sua posição na paisagem, possibilitam a prevenção e amenização de processos erosivos em áreas que possuem aptidão agrícola.
Contudo, trabalhos que envolvem a relação entre classes de solos e de relevo focam em escalas mais locais (por exemplo SIRTOLI et al., 2008; DINIZ et al., 2004; DOS SANTOS et al., 2009; ESQUERDO et al., 2014; PINHEIRO et al., 2020) e poucos integram classes de solos oriundas de mapas pedológicos com classes de relevo derivadas de MDEs. Explorar essa ferramenta em escalas mais abrangentes pode servir para caracterizar a paisagem em uma região, sendo importante entender em quais posições topográficas as diferentes classes de solo se encontram e vice-versa.
Outrossim, a utilização de dados de uso e cobertura da terra associados a outros planos de informação (por exemplo, geologia, pedologia e entre outros), pode servir como base para a interpretação de processos antrópicos e arcabouço para auxiliar os tomadores de decisão na identificação de áreas que requerem maior atenção devido aos processos erosivos, de ocupação indevida, sujeitas à degradação ambiental, entre outras.
Este trabalho tem como objetivo relacionar os tipos de solos presentes nas bacias hidrográficas dos rios Amambaí, Iguatemi e Ivinhema, localizadas no estado de Mato Grosso do Sul, com as formas de relevo a partir da classificação do Índice de Posição Topográfica (TPI), utilizando o MDE Copernicus (ESA, 2023). Como objetivo secundário, dados históricos de uso e cobertura do MapBiomas serviram para a interpretação da dinâmica antrópica nas áreas mais sensíveis à erosão na região estudada.
MATERIAIS E MÉTODOS
A área de estudo concentra-se nos limites territoriais das bacias hidrográficas dos rios Amambaí, Iguatemi e Ivinhema, no extremo sul do estado do Mato Grosso do Sul (Figura 1), ocupando uma área de 64 mil km². A região apresenta uma diversidade de tipos de solos incluindo Neossolos Quartzarênicos, Latossolos Vermelhos, Argissolos Vermelhos, Nitossolos Vermelhos e Gleissolos Melânicos. Além disso, essas bacias hidrográficas são importantes para a geração de energia pela Usina Hidrelétrica de Itaipu, uma vez que os rios principais desaguam no rio Paraná e influenciam na qualidade e quantidade de água do reservatório de Itaipu.
Neste trabalho foi utilizada uma abordagem metodológica para associar dados espaciais de MDE, de classes de solos e de cobertura da terra. Para isso, o MDE global Copernicus (Agência Espacial Europeia, 2021) foi captado pelo plugin OpenTopography DEM Downloader (OpenTopography,San Diego, EUA) no programa QGIS (QGIS Association, Zurique, Suíça), usando como recorte espacial um buffer de 1 km além dos limites das bacias hidrográficas dos rios Amambaí, Iguatemi e Ivinhema. Tal implementação foi necessária para amenizar eventuais problemas de efeitos de borda presentes no MDE.
Dada a coleta dos dados de elevação, eles foram incorporados ao SIG ArcGIS Pro (ESRI, Redlands, EUA), onde foram aplicadas ferramentas para eliminação de depressões espúrias (Fill) suavização do terreno (Focal Statistics). Para este último caso, foram aplicados três filtros de médias consecutivos a partir de janelas móveis (3x3, 3x3 e 7x7), sendo uma estratégia eficiente para reduzir os efeitos das coberturas presentes no MDE utilizado.
Após os devidos tratamentos, o MDE suavizado foi incorporado e processado no software SAGA GIS (SAGA User Group Association, Hamburgo, Alemanha) para segmentar os tipos de relevo, utilizando, para isso, o algoritmo TPI Based Landform Classification. A partir do algoritmo TPI, o MDE é segmentado em 10 tipos de relevo, definidos como: fluxos, drenagens de meia encosta, drenagens de terras altas, vales, planícies, encostas abertas, encostas superiores, cumes locais, cumes de meia encosta e cumes altos.
O mapa das classes de solos (escala 1:100.000), oriundo do projeto Zoneamento Agroecológico do Estado do Mato Grosso do Sul (ZAEMS), foi elaborado pela EMBRAPA Solos (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Brasil), a partir da coleta e descrição de perfis de solos, interpretação dos resultados das amostras de solos e da correlação com as covariáveis ambientais, imagens orbitais e derivadas do terreno. Este produto foi rasterizado utilizando a ferramenta Polygon to Raster no ArcGIS Pro com o tamanho de pixel de saída de 30 m e mesma projeção do MDE. Após esses procedimentos, foi realizada a associação dos tipos de relevo com as classes de solos na área de estudo utilizando álgebra de mapas por meio da ferramenta Raster Calculator no ArcGIS Pro. A seguinte fórmula foi aplicada (Equação 1):
RELEVO E SOLO = 1000 x Mapa de Solos + Mapa de Revelo (1)
Dessa maneira, o valor obtido em cada pixel carrega tanto a informação da classe de solo (valor do pixel do tipo de solo x 1000) quanto do tipo de relevo, por exemplo: Latossolos Vermelhos Distróficos (LVd) de valor 23000 + Planície de valor 4 resultando na informação conjunta entre solo e relevo de valor 23004. Após o cruzamento, foi calculada a área de cada combinação de tipos de solos com tipos de relevo, bem como sua porcentagem em relação à área total das três bacias estudadas. As combinações com maior área dentro das três bacias representam as associações mais importantes entre tipo de solo e tipo de relevo da região.
A partir das associações de relevo com as classes pedológicas e a sua interpretação, é possível detectar áreas mais suscetíveis à erosão na área estudada. Para isso, como forma de avaliação dessas áreas de acordo com a sua dinâmica do uso e cobertura terrestre foram utilizados dados históricos da coleção 7 do projeto MapBiomas (SOUZA et al., 2020) para os anos de 1990, 2000, 2020 e 2022. A construção dos mapas anuais classificados do MapBiomas só é permitido pois são utilizados os dados ópticos da série temporal da missão Landsat (United States Geological Survey, EUA; SOUZA et al., 2020) com resolução espacial de 30 metros. Como forma de avaliação das áreas susceptíveis à erosão, em um estudo de caso, foi utilizado o recorte espacial da Bacia Hidrográfica do Rio Iguatemi que serviram para a identificação de focos de erosão a partir da dinâmica temporal das classes antrópicas dos mapeamentos usados do MapBiomas.
Foi realizada a identificação das mudanças de uso e cobertura da terra, levando em consideração o mapa de referência mais antigo e o mais novo, usando novamente a ferramenta Raster Calculator do ArcGis Pro. Usando a mesma lógica da equação 1, foi elaborado um mapa único contendo em cada pixel informação da cobertura anterior e posterior, o que possibilitou identificar e avaliar as mudanças ocorridas entre as duas imagens (SINGH, 1989). A fórmula utilizada para determinar as mudanças de uso e cobertura da terra foi a seguinte (Equação 2):
MUDANÇAS = 1000 x MapBiomas (2020) + MapBiomas (1990) (2)
O fluxograma abaixo (Figura 2) é possível observar todos os processos descritos da metodologia utilizada neste trabalho:
A escolha do recorte espacial da Bacia Hidrográfica do Rio Iguatemi para este estudo de caso deve-se pelo elevado grau de antropização nesta bacia hidrográfica, que é superior à média estadual (ESQUERDO et al., 2014). Além disso, a relação entre o fator antrópico e a fragilidade pedológica existente na região contribue para a degradação ambiental (ESQUERDO et al., 2014; CATARINO TOLEDO, 2023; ITAIPU BINACIONAL, 2021). O monitoramento é uma ferramenta importante para o planejamento ambiental na região e detectar possíveis novos focos de degradação ambiental.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Foram identificadas e mapeadas 233 associações entre classes de solos e classes de relevo presentes nas bacias hidrográficas dos rios Amambaí, Iguatemi e Ivinhema. A classe “Planície” é o tipo de relevo predominante na área de estudo, ocupando 64,82% da área. Elas são majoritariamente planas ou apresentam ondulações leves e estão associadas aos Latossolos Vermelhos Distroférricos (LVdf), Latossolos Vermelhos Distróficos (LVd) e Neossolos Quartzarênicos Órticos (RQo), ocupando áreas correspondentes a 22,4%, 16,3% e 13,2% da área de estudo, respectivamente (Tabela 1, Figura 3).
A associação entre a classe de relevo correspondente a “Encostas Superiores” e as classes de solos LVd, LVdf e RQo podem indicar uma susceptibilidade a erosão hídrica, onde podem levar a escoamentos mais significativos podendo ser um revés para as práticas econômicas e agropecuárias nas bacias estudadas. Uma constatação importante, é que para esta classe de relevo não é comum para a classe RQo, uma vez que, normalmente são associados a localidades planas.
Uma associação que pode indicar processos intensos de erosão regional é a classe de relevo correspondente a “Fluxos” associados à classe de solos RQo, que abrange uma área que corresponde a 1,12% das bacias hidrográficas. Nessas áreas, o declive mais intenso favorece processos erosivos, enquanto que a classe de solo RQo possui alto risco de erosão, pois apresentam estrutura de grãos simples que são facilmente carreados por fluxos laminares e enxurradas. Como pontua Gallant e Wilson (2000), a declividade é considerada uma importante derivada de terreno pois controlam os processos pedogenéticos, além disso, afetam diretamente a velocidade do fluxo superficial e subsuperficial de água, e também, no teor de água no solo, potencial de erosão, deposição e outros processos importantes na formação de solos SIRTOLI et al., 2008). A partir disso, o escoamento por fluxos pode-se depositar nos vales. Neste último caso, as classes de solos associadas LVd, LVdf e RQo indicam áreas deposicionais que ocupam, respectivamente, 3,45%, 1,19% e 1,12%.
As classes referentes aos Gleissolos Melânicos (GMbd e GMve) ocupam 3,20% e 3,05% da área de estudo, respectivamente, sendo associadas a classe de relevo de planícies. Geralmente encontram-se localizadas em áreas de acúmulo de água principalmente próximos aos rios principais das bacias hidrográficas. A classe de solo GMve é mais propícia à produção agrícola do que a classe de solo GMbd devido às limitações impostas pelos baixos teores de argila e fertilidade, além disso, apresenta uma acidez considerável (SANTOS et al., 2018) requerendo tratamento de manejo intensivo para o uso do solo.
Levando em consideração todas as associações de classes de relevos às classes de solos LVdf, LVd e RQo nas bacias hidrográficas, estas ocupam 76,96% da área de estudo. Em uma análise qualitativa observa-se que a classe de solo LVdf é predominantemente associada às classes de relevo de Planície, Encostas Superiores, Vales e Drenagem de Meia Encosta. Por outro lado, as classes RQo e LVd são mais frequentemente associadas com as classes de relevo de “Planície”, “Encostas Superiores”, “Vales” e “Fluxos” como as mais predominantes. Os solos LVd psamíticos presentes na região, observados principalmente na Bacia Hidrográfica do Rio Iguatemi, possuem como característica textura arenosa (SANTOS et al., 2018) o que remete à fragilidade quanto ao uso do solo. Essa característica difere da textura argilosa do solo LVdf (CALDERANO FILHO et al., 2024), que acaba por beneficiar a geração de insumos agrícolas nas áreas correspondentes a esse tipo de solo.
A associação entre a classe de solo RQo e as classes de relevo “Encostas Superiores”, “Encostas Abertas” e “Fluxos” próximos ao Rio Iguatemi (Figura 3 - A e B) pode significar processos erosivos e intensos já em curso, que levam ao assoreamento de trechos do Rio Iguatemi.
Bacia Hidrográfica do Rio Iguatemi
Entre 1990 e 2020, a Bacia Hidrográfica do Rio Iguatemi tem sido ocupadas gradativamente por atividades agropecuárias nas últimas três décadas, sendo um fator de erosão (CATARINO TOLEDO, 2023) na região (Figura 4). Se não forem adotadas medidas eficazes que busquem o manejo sustentável, conservação do solo e da vegetação e a recuperação de áreas degradadas, especialmente próximas aos rios nessa região, essas contribuirão cada vez mais para o assoreamento dos rios. Tal problematização ambiental regional, prejudicaria a manutenção de parâmetros hidrológicos saudáveis para a geração de energia pela Usina Hidrelétrica de Itaipu (ITAIPU BINACIONAL, 2021). Além disso, é possível notar (Figura 4) que as mudanças expressivas ocorreram nas porções leste, sul e noroeste, sendo que na parte leste é onde os rios principais das três bacias hidrográficas desaguam no Rio Paraná.
Apesar da perda de áreas de “Pastagem” em 15,43% entre 1990 e 2020, essa classe é ainda predominante no recorte espacial da Bacia Hidrográfica do Rio Iguatemi, ocupando 56,44% da área no ano de 2020 (Tabela 2). Por outro lado, a classe “Mosaico de Agricultura e Pastagem” apresentou uma tendência positiva variando +4,81%, sendo a segunda classe com a maior extensão de área na bacia em 2020. A classe de agricultura que mais cresceu nesse período foi a “Soja”, com um aumento de +9,37%. É possível observar o surgimento das classes “Cana-de-Açúcar” e “Silvicultura” que a partir de 2000 passaram a ser identificadas. Da mesma forma, a “Formação Savânica” só surge no mapa em 2000, sendo não identificada em períodos anteriores. De forma modesta, a classe referente a “Área Urbanizada” expandiu-se em +0,02% a cada 10 anos, em média, totalizando uma variação de +0,06 entre 1990 e 2020. As classes naturais como “Formação Florestal” e “Rio, Lago e Oceano” apresentaram uma tendência oposta, variando -2,01 e -0,03%, respectivamente.
A análise no contexto do uso da terra em diferentes períodos temporais nesse recorte espacial oferece elementos que ajudam a compreender os padrões espaciais e dos fatores naturais e antrópicos que influenciam a cobertura da terra. Como exemplo podemos citar, a intensificação do uso agrícola e o consequente aumento dos processos erosivos são evidentes e seus impactos negativos são antecipados, como o assoreamento dos rios regionais.
Neste caso, com a expansão agropecuária e a fragilidade pedológica em função da predominância do solo do tipo RQo, que possui textura arenosa em todo o seu perfil, os processos de deterioração do solo tornaram-se evidentes em função do aumento da classe “Outra Áreas Não Vegetadas” e pelos depósitos arenosos, principalmente, próximos aos rios tributários e o principal de Iguatemi (Figura 5).
As classes de uso e cobertura da terra do MapBiomas correspondentes à agricultura tiveram aumentos significativos em sua ocorrência. Esse crescimento pode ser explicado pelos processos de modernização agrícola apoiados por políticas econômicas como crédito subsidiado, principalmente para a compra de insumos e equipamentos, extensão rural e pesquisa agropecuária, liderada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) (ALVES et al., 2008).
Apesar de ser importante sob o ponto de vista econômico e agrícola na região, a sua expansão sem o viés conservacionista e preservacionista no que refere-se ao meio ambiente poderão ter impactos negativos expressivos em relação a própria produtividade, a saúde do solo e os corpos hídricos na região. As práticas inadequadas de uso e manejo do solo e das culturas, como desmatamento, uso indiscriminado de fertilizantes e pesticidas, uso acima da capacidade de suporte do solo, entre outros, geram degradação ambiental, perda da biodiversidade, erosão, assoreamento dos rios e contaminação dos recursos naturais (ROSSET et al., 2014).
Além disso, a expansão agropecuária pode trazer consequências ao desgaste da vegetação ripária nos leitos dos rios, onde reflete diretamente na diminuição da filtração de componentes do solo favorecendo o transporte de sedimentos, fertilizantes e pesticidas aos cursos d’água (WANG et al., 2019; SRINIVAS et al., 2020 e RACHELS et al., 2020), prejudicando, assim, a qualidade da água (MELO et al., 2022) e, consequentemente, da biota aquática e a pesca.
As mudanças no uso e cobertura da terra na Bacia Hidrográfica do Rio Iguatemi (Figura 6) mostram o surgimento de áreas de lavouras (Cana, Soja e outras) e pastagem em predominância na região. É possível observar a expansão agrícola nas porções leste, sul e uma pequena porção na parte oeste, além disso, há uma relação espacial de proximidade dessa expansão com os rios presentes na delimitação da bacia hidrográfica.
Assim como foi apresentado na associação das classes de relevo com as classes de solos, esta área predominantemente arenosa, vem sendo ocupado por classes antrópicas de uso e cobertura da terra principalmente na porção sudoeste onde há uma concentração de classes de relevo de “Fluxos”, “Encostas Superiores” e “Encostas Abertas” (Figura 3), fator que pode favorecer a erosão regional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As associações solo e relevo nas Bacias Hidrográficas do Rio Amambaí, Iguatemi e Ivinhema ajudam a compreender as relações entre as classes de solos predominantes na região com a paisagem fornecendo elementos descritivos importantes para a tomada de decisões por governos em diversas esferas. A utilização de dados geoespaciais de diversas naturezas disponibilizados de forma gratuita por instituições no âmbito nacional e internacional são de suma importância ao planejamento ambiental de baixo custo.
Tanto a associação entre as classes de relevo e solo são eficientes para indicar áreas que são mais propícias a processos de erosão nas bacias hidrográficas estudadas. Com isso, as classes “Encostas Superiores”, “Encostas Abertas” e de “Fluxos”, principalmente associada à classe de solo mais frágil sob o ponto de vista pedológico - “RQo”, pode favorecer processos de erosionais, deslocando os sedimentos aos rios contribuindo para o assoreamento na região.
A expansão agropecuária entre 1990 a 2020 na Bacia Hidrográfica do Rio Iguatemi, sem a preocupação conservacionista ao uso do solo, pode ser um fator que contribuiu para o surgimento de focos de erosão e de depósitos arenosos nos rios na área de estudo ao longo do tempo.
O planejamento ambiental faz-se necessário, sendo uma ferramenta dentro do contexto da gestão ambiental que pode amenizar e controlar os processos erosivos nas Bacias Hidrográficas do Amambaí, Iguatemi e Ivinhema no estado do Mato Grosso do Sul, evitando assim, a perda de solo e recuperando os rios afetados pelo assoreamento na região.
Nesse sentido, a associação de classes de solos e de relevo permitiu identificar as áreas mais sensíveis à erosão nas três bacias estudadas. O estudo de caso na bacia hidrográfica do rio Iguatemi, foi importante para apontar focos de erosão, sendo fundamental para orientar ações de recuperação ambiental nessas áreas.
Agradecimentos
À Embrapa Solos pela orientação e suporte técnico e à Embrapa e Itaipu Binacional pelo financiamento do presente trabalho e da bolsa estudantil do primeiro autor. O trabalho foi financiado com recursos do projeto “Mapeamento digital de solos e de atributos físico-hídricos dos solos, das bacias dos rios Sul-mato-grossenses Iguatemi, Amambai e Ivinhema, para fins de modelagem hidrológica, manejo e conservação de solo e água” (código 20.21.00.065.00.00)
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