Recepção: 23 Janeiro 2023
Aprovação: 11 Abril 2023
Resumo: A Amazônia brasileira está passando por transformações territoriais profundas com a expansão de diversas frentes pioneiras que apresentam atividades econômicas apoiadas na retirada de madeiras, estabelecimento da pecuária, produção de grãos (especialmente soja) e mineração. Ambos resultando em uma transformação do uso e cobertura da terra na região. Este artigo busca analisar essas dinâmicas no recorte espacial que corresponde a região do AMACRO (Amazonas, Acre e Rondônia) que apresentam intenso processo de transformação e de perda de cobertura florestal nas últimas duas décadas. Para fins de identificar e mapear essas mudanças, fez-se o uso de ferramentas de geotecnologia e de cartografia, uso de base de dados disponíveis no Mapbiomas e no Terrabrasilis. Após o levantamento bibliográfico e o cruzamento de dados geoespaciais, identificou-se que a região da AMACRO corresponde a uma nova fronteira agrícola e do desmatamento na Amazônia brasileira.
Palavras-chave: Amacro, Desmatamento, Frente Pioneira, Soja.
Abstract:
The Brazilian Amazon is undergoing profound territorial transformations with the expansion of several pioneering fronts that present economic activities supported by the removal of wood, establish of livestock and grain production (especially soy) and mining. Both resulting in a
transformation of land use and land cover in the region. This article seeks to analyze these dynamics in the spatial area that corresponds to the AMACRO region (Amazonas, Acre and Rondônia) that present an intense process of transformation and loss of forest cover in the last two decades. In order to identify and map these changes, geotechnology and cartography tools were used, as well as databases available on Mapbiomas and Terrabrasilis. After the bibliographic survey and the crossing of geospatial data, it was identified that AMACRO corresponds to a new agricultural and deforestation frontier in the Brazilian Amazon.
Keywords: Amacro, Deforestation, Pioneer Front, Soy.
INTRODUÇÃO
A região Amazônica é múltipla, plural e apresenta diversidade política, natural, biológica, humana, social, cultural e econômica, sendo assim, é necessário compreendê-la a partir de diferentes realidades, onde existem diversos grupos sociais com interesses e modos de reprodução distintos.
A Amazônia brasileira vem passando por um conjunto acelerado de transformações socioespaciais que modelam a região, na qual converge sua espacialidade em mosaicos territoriais de trabalho e acumulação de capital, gerando tensões, contradições e conflitos com as múltiplas territorialidades encontradas na região (COSTA SILVA et al, 2018; PORTO-GONÇALVES, 2018).
Becker (2006) aponta que a geografia que se configura na Amazônia é um fator decisivo para a definição e implementação de políticas de desenvolvimento adequadas às diferentes realidades da região. O apoio estatal brasileiro em redirecionar fluxos econômicos e demográficos para Amazônia através de políticas públicas territoriais modelam, produzem e organizam o espaço amazônico (MELLO-THÉRY, 2006).
Desde o século XX, a Amazônia brasileira é palco de políticas públicas voltadas para incentivar o crescimento econômico da região. Essas ações do Estado instauraram um quadro de transformações para a Amazônia, direcionando à produção de matérias-primas, através do processo de conversão da natureza em espaços de acumulação do capital, possibilitado pela criação de eixos de circulação como as rodovias BR-230 e BR-319 (SILVA e COSTA SILVA, 2022).
As políticas públicas implantadas, ou apenas suas expectativas criadas, resultaram na atual conjuntura, onde os eixos de circulação contribuíram para a expansão da fronteira agrícola em direção ao interior da Amazônia, por meio dessas ações na Amazônia que a natureza foi sendo transformada em capital. Nesse sentido, a região é concebida como fronteira de expansão do capital a nível global (BECKER, 2005; MELLO-THÉRY, 2011).
Um dos projetos mais recentes desenvolvidos para a região é a proposta de criação da Amacro, em 2019, um acrônimo formado pelas iniciais dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia, na qual corresponde a 12% da área dos três estados. Trata-se de um projeto de criação de uma zona econômica que visa incentivar a produção agropecuária na região marcada pela rápida expansão da fronteira agrícola amazônica.
O termo e a criação da Amacro foram inspirados no Matopiba, região formada por áreas predominantemente de cerrado nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, para onde a agricultura se expandiu a partir da segunda metade dos anos 1980 (MINGOTI et al, 2014). O projeto Amacro é desenvolvido institucionalmente pela Embrapa Territorial, instituto responsável pela produção do Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba.
Para Galuch e Menezes (2020), o projeto visa atrair mais investimentos para aumentar a criação de gado, produção de grãos e otimizar a infraestrutura energética e de transportes, para dinamizar o desenvolvimento agropecuário desta fronteira agrícola.
As pesquisas sobre desmatamento, pecuária, sojicultura e o mercado de terras na região amazônica, demonstram intensa relação entre a transformação de florestas em mercadorias, onde a exploração madeireira serve para a capitalização monetária e financeira para implementação de atividades posteriores como a pecuária e os plantios de grãos.
A dinâmica do desmatamento na Amazônia, de acordo com Vidal et al (2022), corresponde ao processo marcado pelo loteamento ou registro de terra pública ou privada sem autorização do órgão competente ou proprietário, posteriormente, ocorre o corte seletivo de espécies nobres (madeira de lei) e mais valorizadas economicamente, após a extração seletiva de madeira, o corte raso é feito para eliminar qualquer vegetação de grande ou médio porte da área, em seguida, é realizada a queimada para limpeza e preparo das terras que serão transformadas em pastagens para o gado, ou em lavouras para grãos.
Mello-Théry (2011) aponta que a dinâmica do desmatamento na Amazônia é um ciclo marcado da madeira à pecuária e depois à soja, no entanto, em algumas vezes, identifica-se uma sucessão dos ciclos, outras vezes, mostra-se uma simultaneidade deles, isso remete a uma complexidade das transformações territoriais em marcha na região.
Essa transformação de floresta em áreas de agropecuária resulta em diversos problemas de ordem ambiental e social, como perda de biodiversidade, intensificação de processos erosivos, poluição das águas, assoreamento e contaminação dos rios, conflitos por terras, deslocamentos compulsórios, assassinatos de líderes de movimentos sociais, etc.
Nesta perspectiva, a Amacro pode ser pensada como passiva à intensificação dos impactos ambientais negativos e pressões ambientais nas áreas protegidas pelo processo de apropriação da natureza e conversão em capital. Sendo assim, objetiva-se neste artigo compreender a dinâmica territorial da Amacro a partir dos anos 2000, entendendo a evolução do uso e cobertura da terra.
CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
O estudo realizado analisou a região da Amacro, englobando uma área total de 454.220 km² e população estimada em aproximadamente 1,7 milhão de pessoas (SUDAM, 2020). É formada por 7 municípios do estado do Amazonas: Apuí, Boca do Acre, Canutama, Humaitá, Lábrea, Manicoré e Novo Aripuanã. 13 municípios do Acre: Acrelândia, Assis Brasil, Brasiléia, Bujari, Capixaba, Epitaciolândia, Manoel Urbano, Plácido de Castro, Porto Acre, Rio Branco, Senador Guiomard, Sena Madureira e Xapuri. E 12 municípios de Rondônia: Alto Paraíso, Ariquemes, Buritis, Campo Novo de Rondônia, Candeias do Jamari, Cujubim, Itapuã do Oeste, Machadinho D’Oeste, Monte Negro, Nova Mamoré, Porto Velho e Rio Crespo (Figura 1).
A partir do Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal (BRASIL, 2010), podemos caracterizar a porção Sul da Amacro como território-rede, na qual corresponde às áreas de povoamento consolidado (BECKER, 2005), qualificado pela dominância de redes com rodovias asfaltadas, presença de infraestruturas portuárias e de estabelecimentos comerciais e industriais. A porção central é descrita como território-fronteira, voltada para Contensão das Frentes de Expansão com Áreas Protegidas e Usos Alternativos. E a porção norte é um território-zona, relacionada à Defesa do Coração Florestal com Base em Atividades Produtivas.
No mapeamento de Coy et al. (2017) para o deslocamento espaço-temporal das frentes pioneiras no Brasil, observa-se que a região da Amacro possui dinâmicas de frentes pioneiras com formas de colonização espontânea desde 1990, localizadas na porção Sul, no estado de Rondônia e a Leste no Acre. Mais recentemente, a partir dos anos 2000, novas fases podem ser vistas, principalmente com a inserção dos municípios do Sul Amazonense, apoiada inicialmente pela colonização estatal nas margens das rodovias BR-319 e BR-230, passando a ter dinâmicas produtivas potencializadas como a pecuária e a produção de grãos.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O trabalho partiu da revisão sistemática acerca das dinâmicas do desmatamento e frente pioneira na Amazônia, com enfoque para a região da Amacro. A revisão ocorreu através da análise sistemática e bibliométrica no Vosviwer[1], onde se utilizou as plataformas acadêmicas Periódicos Capes, Google Acadêmico, Scopus e Scielo para identificar, selecionar e avaliar os estudos utilizados.
A partir dos dados de área plantada ou destinada à colheita da Produção Agrícola Municipal (PAM, 2021), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) disponíveis no Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA, 2021), confeccionou-se os gráficos e mapas da produção de soja, arroz e milho, além do efetivo bovino da região.
Os dados de desmatamento são provenientes do projeto PRODES do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), disponíveis na plataforma TerraBrasilis. Para o mapeamento e quantificação do uso e cobertura da terra da área de estudo, fez-se uso dos dados disponibilizados pelo projeto MapBiomas (2020) que sistematizam as classes conforme os biomas brasileiros e seus contextos e dinâmicas. Através da operação de análise espacial de buffer, gerou-se recortes de 20km de distância da rodovia, distância fundamentada através de trabalhos de Barni et al. (2012) e Vidal e Silva Neto (2018). A elaboração do material cartográfico e gráfico foram realizadas respectivamente, nos softwares QGIS 3.28 e Excel 2016.
FRENTES PIONEIRAS: CHAVE DE INTERPRETAÇÃO PARA AS GRANDES TRANSFORMAÇÕES NA AMAZÔNIA
Para compreender o avanço do desmatamento na região, é necessário abordar concepções a respeito das transformações na Amazônia. A primeira desenvolve análises das dinâmicas territoriais à luz do conceito de Frente Pioneira, para esta vertente, temos como autor principal Pierre Monbeig (1984), além de Coy et al. (2017) e Thalês e Poccard-Chapuis (2014). Os estudos da segunda vertente, com a primazia de Becker (1982) e Becker et al. (1990), utilizam o conceito de Fronteira ou Fronteira Agrícola como chave para explicar as mudanças espaciais com enfoque no papel do Estado como agente planejador da ocupação, produção e organização do espaço amazônico.
O advento do conceito de frente pioneira aparece nas pesquisas dos geógrafos brasileiros a respeito da expansão espacial da atividade econômica em terras ainda pouco inseridas nas dinâmicas econômicas capitalistas. A análise é centrada na formação do território, observando os processos sociais que movimentam a expansão, alguns destaques são observados nas formas de trabalho, na relação homem e natureza e as alterações da paisagem como elemento marcante de leitura do espaço humano em transformação (COSTA SILVA, 2015).
Monbeig (1984) compreende o processo de alargamento da fronteira de ocupação como frente pioneira, com a característica de construção de uma sociabilidade capitalista que gesta novas formas e usos na fronteira. É importante ressaltar que o autor chama atenção para a ocupação capitalista que acontecia em detrimento de formas mais associadas aos povos e comunidades tradicionais, que, tipicamente, apresentam uma relação menos predatória com o meio natural.
A expansão da frente pioneira na Amazônia, acompanha grandes eixos construídos, como as rodovias, estradas e vicinais, associada à concentração dos projetos de colonização (OLIVEIRA NETO, 2019; 2020). Esses projetos de colonização do século XX estimularam o avanço das frentes pioneiras nos estados de Rondônia e Acre, como foi o caso do Programa de Integração Nacional (PIN) com as melhorias na BR-364 e projetos de colonização entre 1970 e 1980. O Polonoroeste abrangeu um conjunto de incentivos a expansão de atividades agrícolas, inserção de projetos de colonização e a pavimentação da rodovia Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco entre os anos de 1981 a 1988, propiciando fortes estímulos aos fluxos migratórios das regiões Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste para os estados de Rondônia e Acre.
Na Amazônia podemos identificar que várias políticas territoriais, como o caso do Polonoroeste foram verdadeiros estímulos para a expansão das frentes pioneiras, estas podem ser caracterizadas como espaços de transições, entre um território em expansão e outro em retração espacial. Nesses espaços ocorrem processos dinâmicos, e frequentemente com conflitos entre os atores sociais, associados a problemas de caráter ambiental (THALÊS e POCCARD-CHAPUIS, 2014).
De acordo Costa Silva (2015), a frente pioneira configura o movimento contínuo da expansão territorial que o capitalismo opera nas escalas nacionais, a transformação da terra em mercadoria e a divisão desta para os ex-colonos expropriados, que ocorre através dos mecanismos de aquisição e distribuição de terras. Sendo assim, têm-se a inserção das relações capitalistas vinculadas à construção social da mercadoria e uma forma de produção e organização do espaço geográfico.
Enquanto a outra vertente, vinculada ao conceito de fronteira (agrícola), centra-se nas pesquisas dos movimentos da fronteira articulada sob os níveis escalares dos processos sociais, econômicos e territoriais que ocorrem na Amazônia.
A fronteira assume a dimensão de recursos sociais, logo, de capital, a sua existência geográfica origina-se da descoberta de recursos naturais importantes e o comprometimento do Estado e de firmas privadas para explorar as oportunidades que elas apresentam (BECKER, 1982).
Para Costa Silva (2015), com o apoio do Estado planejador, a ocupação territorial é movida pelas expectativas de novas oportunidades econômicas, o que ocorre a partir da inserção de atividades produtivas capitalistas. A fronteira é vista como um espaço ainda não plenamente estruturado, gerador de novas realidades e dotada de elevado potencial político. Um dado crucial da fronteira é a sua virtualidade histórica (BECKER, 2006).
Por virtualidade histórica, entende-se que a fronteira está aberta aos processos e projetos em disputas. É um campo de forças, espaço onde os projetos políticos dos diversos agentes territoriais podem ou não se territorializar. Essa virtualidade torna a Amazônia uma região estratégica para o Estado, na sua estrutura e controle para integrar o espaço global (BECKER, 2006).
Coy et al. (2017) compreendem que frente pioneira e fronteira agrícola podem ser interpretadas como Frontiers, isto é, uma fase do desenvolvimento regional, limitada em espaço e tempo, com migração de atores e facilidade no acesso a recursos. Nesta perspectiva, podem ser dirigidas pelo Estado ou por atores privados, sendo capaz de formar regras institucionalizadas de alocação de terras, acesso aos recursos, e de bases para expansão da infraestrutura.
Thalês e Poccard-Chapuis (2014) confirmam a pertinência da utilização da frente pioneira para tratar de questões a respeito do desenvolvimento territorial, dinâmica do uso e cobertura da terra e questões sociais para explicar e acompanhar as dinâmicas territoriais na Amazônia brasileira.
DINÂMICAS DO USO E COBERTURA DA TERRA NA AMACRO
Para identificar os movimentos da frente pioneira na Amacro, utilizou-se as geotecnologias e a cartografia, procurando identificar os processos socioespaciais que assumem relevância nas escalas nacional, regional e estadual, podendo indicar períodos e lugares trilhados pelo desmatamento na região, necessário para diferenciar as frentes de ocupação econômica e os limites territoriais desse processo.
Adota-se uma visão crítica a respeito das geotecnologias, buscando fugir do aspecto meramente técnico, apesar de que ele também esteja presente, abrindo espaço para dimensão social e política, um olhar além da concepção que reduz as geotecnologias ao manuseio de um banco de dados (MATIAS, 2004).
As frentes pioneiras possuem padrões e ritmos distintos de desmatamento e de desenvolvimento. Na Amacro, de 2000 até 2021, o estado de Rondônia é o que apresenta maior desmatamento acumulado, passando de 17.084 km² para 38.528 km², um aumento de 125% em áreas desmatadas. Além disto, é o estado que representou o maior desmatamento anual de 2000 até 2018 (Figura 2).
A Amazônia passou e vem passando por uma reconfiguração regional, na qual consiste em aceleradas transformações socioespaciais, sejam as construções de rodovias, hidrelétricas, áreas de mineração e a mudança no uso da terra. A partir do ano de 2018 aos dias atuais, vive-se um novo tempo, caracterizado pela desregulação e flexibilização de normas e fragilização das agências públicas responsáveis pela sua aplicação.
Observa-se que a partir de 2018, o estado do Amazonas se tornou líder do desmatamento na Amacro, possuindo os maiores acréscimos de desmatamento anual em 2019, 2020 e 2021, chegando ao acumulado de 19.777 km², ultrapassando o Acre (18.761 km²) e se tornando o segundo estado da Amacro que mais desmatou.
A partir dos dados de formação florestal, pastagem e soja do projeto MapBiomas (2020), observa-se um novo momento de avanço do desmatamento, marcado pelo deslocamento das frentes pioneiras no sul do Amazonas, alterando o uso e cobertura da terra.
No ano 2000 (Figura 3), a formação florestal possuía 90,6% da área total da Amacro, seguido da pastagem com 6%. Estas áreas se concentram nos estados de Rondônia e Acre, nas margens da BR-364 e de outras rodovias estaduais. As outras classes representam os 3,4% da área total restante da região.
Na Amazônia, as principais dinâmicas territoriais ocorrem devido à abertura de novos eixos viários, sejam rodovias, estradas pavimentadas ou não, oriundas de forma planejada ou de maneira “espontânea”. Para Silva e Costa Silva (2022), é partir das rodovias BR-230 e BR-319 que cortam os municípios do Sul do estado do Amazonas que se reconfigurou o espaço regional para os projetos de colonização, produção agropecuária e madeireira.
Ao observar o mapa de uso e cobertura da terra para o ano de 2020 (Figura 4), nota-se o avanço da frente pioneira seguindo os eixos rodoviários. O aumento da classe pastagem na região da Amacro foi de 128%, saltando de 27 mil km² em 2000, para 62 mil km² em 2020.
Apesar de serem numerosas as causas de perda de formação florestal no arco do desmatamento, onde a região da Amacro também está inserida, há amplo reconhecimento que a expansão da fronteira agrícola, conduzida pela criação de gado e pela produção de soja, seja uma das principais causas do avanço do desmatamento para o interior da Amazônia (MELLO-THÉRY, 2011)
As rodovias e hidrovias são indutoras do avanço da frente pioneira na Amacro, nota-se três principais eixos de expansão, o primeiro está localizado no município de Apuí (AM), através da influência de frentes pioneiras do estado do Pará por meio da ligação da rodovia BR-230. Onde o desmatamento no município de Apuí aumentou em 267% em 20 anos, o que possibilitou o avanço da pastagem e aumento do desmatamento (278%) para o município de Novo Aripuanã (AM) através da rodovia AM-174 (Figura 5).
Observa-se que existem vários indutores desse processo: i) redução na fiscalização ambiental entre os anos de 2018 a 2022, a exemplo do decreto n° 9.806, editado em maio de 2019, que reduziu a participação da sociedade civil e de representantes de populações tradicionais e indígenas no Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), ocasionando que decisões governamentais fossem estabelecidas mais facilmente. Além de cortes de orçamentos de institutos com caráter ambiental, como Ibama e ICMBio; ii) deslocamento de investimentos empresárias das frentes pioneiras consolidadas para os novos fronts ou áreas até então pouco dinâmicas; iii) ações pontuais de governos na esfera estadual e municipal na adequação das infraestruturas de transportes. Nesse último caso, identifica-se que o estado do Amazonas é o principal indutor deste processo, visto que a partir de 2020, obras de pavimentação e construção de 4 pontes na rodovia estadual AM-174 foram realizadas, no intuito de interligar de maneira contínua os municípios de Apuí e Novo Aripuanã para fins de facilitar a circulação de bovinos na região (AMAZONAS, 2021).
Os processos minerários identificados no eixo Apuí, são requerimentos de pesquisas e requerimento para extração de lavra de ouro, manganês, estanho e bauxita, isto é, processos protocolados na Agência Nacional de Mineração (ANM), onde não estão incluídos os garimpos ilegais.
O segundo eixo de avanço da frente pioneira é marcado pela rodovia BR-319 e pela hidrovia do rio Madeira no município de Humaitá (AM), considerado um polo do agronegócio devido aos fixos encontrados, como portos e silos destinados a grãos. Este eixo é marcado pelo deslocamento da frente pioneira oriunda de Rondônia, que nos últimos 4 anos vem se consolidando e diminuindo a expansão de novas áreas através do desmatamento (ver Figura 2).
O terceiro eixo identificado de expansão da frente pioneira na Amacro, é definido através das rodovias BR-364, que liga Rondônia ao Acre por um corredor que está fora do mosaico de proteção de áreas protegidas. E da rodovia BR-317 que liga o município de Boca do Acre (AM) à Interoceânica no Acre.
O quadro 1 descreve a quantificação de cada classe de uso e cobertura da terra e sua diferença entre os anos 2000 e 2020 em km². Observa-se que a formação florestal na Amacro teve uma redução de 9%, sendo convertidas principalmente em pastagens, classe que obteve aumento de 128% nos 20 anos analisados.
As classes de soja, mineração e outras lavouras tiveram um crescimento significativo. A exemplo da cultura da soja, que saltou de 0,02 km² no ano de 2000, para 145 km² em 2020, um crescimento de 725.600% em 20 anos, inserindo a região no mercado de commodities através dos circuitos espaciais da produção globalizada.
A produção de soja no Sul do Amazonas aumentou significativamente nos últimos anos. Além da expansão da frente pioneira, esse processo deve ser analisado dentro do contexto da expansão mundial da plantação de grãos, e a inserção do mercado brasileiro como grande produtor.
O mapeamento da mineração realizada pelo projeto MapBiomas (2020), na qual considera-se a mineração e o garimpo ilegal, também apresenta um aumento substancial, variando em 324% nos anos estudados, saindo de 90 km² em 2000 e chegando a 383 km² no ano de 2020.
O desmatamento na região da Amacro possui forte relação com o aumento do efetivo bovino, isto é, uma característica da frente pioneira que se expande na região. Podemos observar na figura 6 abaixo que desde o ano de 2000, o rebanho bovino cresce na mesma proporção das áreas desmatadas.
Retomando a ideia de Mello-Théry (2005) de que a dinâmica territorial na Amazônia pode ser observada em ciclos que se sucedem, tendo a sequência de: desmatamento, implementação da pecuária e posteriormente a plantação de soja, como principal ciclo. Nesta proposta de interpretação do processo de mudança da paisagem apresentada pela autora, a região do Amacro estaria na segunda etapa, com predominância das atividades de pecuária.
Nesse sentido, o agronegócio de grãos consolidado em Mato Grosso e no Sul de Rondônia, considerado dentro de uma condição de post-frontier para Coy et al. (2017), pressiona que frente pioneira do arco do desmatamento se expanda através da pecuária e extração madeireira para o interior da Amacro, gerando conflitos socioambientais nas bordas do mosaico das áreas protegidas.
As rodovias Belém-Brasília (BR-010), Cuiabá-Porto Velho (BR-364) foram os vetores responsáveis por desenhar o início do arco do desmatamento, uma área que se estende do Oeste do Maranhão e Sul do Pará em direção a Oeste, passando por Mato Grosso, Rondônia e Acre.
Pode-se observar que há um avanço do arco do desmatamento, área que Becker (2005) aponta como área de povoamento consolidado, é uma região que historicamente se encontra os maiores índices de desmatamento na Amazônia brasileira e, para o Sudoeste e Oeste do Pará, e para o Amacro, com vetores para o Sul do Amazonas, Norte de Rondônia e Leste do Acre (Figura 7).
Ao relacionar os dados de desmatamento do Prodes (2020) e MapBiomas com o efetivo bovino, o Amacro configura-se como uma nova fronteira do desmatamento na Amazônia, principalmente nos municípios do sul amazonense. Em 2020, o município de Apuí ocupou o terceiro lugar com o maior número de gado no estado do Amazonas, com 160 mil cabeças, ficando atrás de Boca do Acre, que contava com cerca de 220 mil, e de Lábrea (AM) que ocupava a primeira posição com quase 320 mil cabeças de gado.
A mudança do uso da terra na Amazônia possui uma dimensão temporo-espacial, como o avanço do arco do desmatamento ao longo dos últimos anos, é de natureza complexa, portanto, não deve ser associado em apenas um único fator. Contudo, as construções e pavimentações de rodovias e a implementação de vicinais, fiscalização precária e terras públicas sem destinação correspondem aos principais fatores para o desmatamento da região e potencializadora de conflitos.
A figura 8 exemplifica esta dinâmica no entorno de 20 km das margens das rodovias na região, onde a natureza é convertida em mercadoria. A classe de formação florestal perdeu 18% de 2000 a 2020, sendo transformada em pastagem e soja, classes que obtiveram crescimento de 81% e 436.950%, respectivamente, no período analisado.
As atividades de mineração tiveram um aumento de 531%, manifestada através do garimpo ilegal, são os vetores rodoviários, pavimentados ou não. A expansão da frente pioneira na Amacro, como visto anteriormente, é induzida através dos eixos rodoviários. Isso se explica pela forma de articulação da rede urbana na região, onde há a predominância de redes dominadas por eixos viários no sentido Sul-Sudeste, diferentemente da hierarquia das cidades Amazônicas com dinâmicas fluviais.
O redesenho das transformações espaciais no AMACRO, nas últimas décadas, evidencia que as dinâmicas pioneiras continuam ativas e articuladas por meio das rodovias, ramais e rios navegáveis, apresentando um dinamismo intenso com a migração de capitais, abertura de fazendas e instalação de novas infraestruturas de diversos portes, nesse sentido, podemos afirmar que o AMACRO corresponde a um polígono de intensas transformações espaciais que já ocorreram e que ainda estão em andamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O avanço recente das frentes pioneiras na Amazônia brasileira ocorre predominantemente pelos caminhos rodoviários existentes. Onde se observou que em até 20 quilômetros nas margens da rodovia altera-se de forma mais intensa o uso e cobertura da terra, através da conversão da formação florestal em pastagens e plantações de grãos.
A partir dos mapeamentos do uso e cobertura da terra, análise dos processos minerários, rebanho bovino e produções de soja, foi possível identificar três eixos de expansão da frente pioneira no Amacro.
O primeiro é localizado no município de Apuí, onde sofre influência direta do eixo da BR-230 (Transamazônica). O segundo é identificado através da BR-319 e da hidrovia do rio Madeira, nas intermediações do município de Humaitá, caracterizado como polo do agronegócio no Sul Amazonense ao possuir fixos e concentrar fluxos de exportações de grãos e madeira para região da Amazônia. O último eixo de expansão é conduzido através das rodovias BR-364 e BR-317, onde a frente pioneira avança através das brechas do mosaico de áreas protegidas para os estados do Acre e Amazonas.
O aumento do desmatamento observado na região da Amacro é acompanhando pelo aumento do rebanho bovino, variáveis que possuem alta relação de crescimento. Observa-se que está dinâmica atingiu máxima acentuação em 2018, devido a fragilidade de políticas ambientais para Amazônia.
Nesse sentido, a região da Amacro deve possuir prerrogativas para novas políticas públicas que visem a preservação do ambiente, dinamizar atividades econômicas já existentes e estabelecida pelos grupos sociais locais como ribeirinhos, extratores, seringueiros e indígenas, acompanhada de fortalecimento dos órgãos ambientais que objetivem a proteção da sociobiodiversidade da Amazônia.
Agradecimentos
Os autores agradecem a Escola Normal Superior (ENS) da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) pela especialização em Geografias da Amazônia Brasileira proporcionada para o primeiro autor
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Notas