As Benzedeiras e a cura pela fé

Benzedeiras and faith healing

Benzedeiras y la curación por la fe

Julia Gessica Silva Oliveira Pimentel
Universidade Federal de Rondônia, Brasil
Josué da Costa Silva
Universidade Federal de Rondônia, Brasil

Revista Presença Geográfica

Fundação Universidade Federal de Rondônia, Brasil

ISSN-e: 2446-6646

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 9, núm. 3, 2022

rpgeo@unir.br

Recepção: 02 Março 2021

Aprovação: 03 Novembro 2021



Resumo: Para compreender o processo de cura realizado pelas benzedeiras é necessário, entender como é visto o processo de doença por elas. De acordo com as benzedeiras o mal a ser curado é uma junção do estado espiritual e mental, atribuindo assim alterações e reações fisiológicas nas pessoas. Nessa perspectiva, chega-se à compreensão que a cura não está exclusivamente nas alterações fisiológicas, e sim no realinhamento tanto do corpo físico quanto do espírito, adquirindo assim um equilíbrio e restabelecendo a saúde. A medicina popular exercida pelas benzedeiras trata-se de cultura que vem resistindo ao tempo, aos preconceitos e as perseguições desde o seu surgimento. A cultura das benzedeiras consiste em um ritual que busca a obtenção da cura por meio de preces, gestos, plantas e objetos sagrados. O presente estudo teve como ferramenta o método fenomenológico auxiliando na compreensão desse fenômeno cultural e o conceito de lugar, contribuindo para percepção das benzedeiras no pertencimento a prática e suas representações envolvendo as suas vivências. A pesquisa foi desenvolvida na região central do Estado de Rondônia, motivada pela ausência de estudos dessa temática na região, por se tratar de uma área com diversidade cultural, devido ao processo migratório do estado. A percepção dos aspectos simbólicos e sagrados do benzimento, se mostraram muito complexos no decorrer do estudo, pois envolve a crença da pessoa a ser benzida e a conexão da benzedeira com o sagrado. Outro fator evidenciado, foi o mecanismo de resistência ao preconceito, que consiste em realizar os rituais de forma mais reservada e evitar o enfrentamento.

Palavras-chave: Benzedeiras, Cultura, Rituais.

Abstract: To understand the healing process carried out by healers, it is necessary to understand how the disease process is seen by them. According to the healers, the evil to be cured is a combination of the spiritual and mental state, thus attributing changes and physiological reactions in people. From this perspective, one comes to understand that healing is not exclusively in physiological changes, but in the realignment of both the physical body and the spirit, thus acquiring balance and reestablishing health. Popular medicine practiced by faith healers is a culture that has resisted time, prejudice and persecution since its inception. The culture of faith healers consists of a ritual that seeks to obtain healing through prayers, gestures, plants and sacred objects. The present study used the phenomenological method as a tool, helping to understand this cultural phenomenon and the concept of place, contributing to the faith healers' perception of their belonging to the practice and its representations involving their experiences. The research was developed in the central region of the State of Rondônia, motivated by the lack of studies on this topic in the region, as it is an area with cultural diversity, due to the state's migration process. The perception of the symbolic and sacred aspects of the blessing proved to be very complex during the study, as it involves the belief of the person to be blessed and the connection of the healer with the sacred. Another factor highlighted was the mechanism of resistance to prejudice, which consists of performing rituals in a more reserved manner and avoiding confrontation.

Keywords: Benzedeiras, Culture, Rituals.

Resumen: Para comprender el proceso de curación llevado a cabo por los curanderos, es necesario comprender cómo ven ellos el proceso de la enfermedad. Según los curanderos, el mal a curar es una combinación del estado espiritual y mental, atribuyendo así cambios y reacciones fisiológicas en las personas. Desde esta perspectiva, se llega a comprender que la curación no está exclusivamente en cambios fisiológicos, sino en el realineamiento tanto del cuerpo físico como del espíritu, adquiriendo así equilibrio y restableciendo la salud. La medicina popular practicada por los curanderos es una cultura que ha resistido el tiempo, los prejuicios y la persecución desde sus inicios. La cultura de los curanderos consiste en un ritual que busca obtener la curación a través de oraciones, gestos, plantas y objetos sagrados. El presente estudio utilizó el método fenomenológico como herramienta, ayudando a comprender este fenómeno cultural y el concepto de lugar, contribuyendo a la percepción de los curanderos sobre su pertenencia a la práctica y sus representaciones que involucran sus experiencias. La investigación se desarrolló en la región central del Estado de Rondônia, motivada por la falta de estudios sobre este tema en la región, por ser una zona con diversidad cultural, debido al proceso migratorio del estado. La percepción de los aspectos simbólicos y sagrados de la bendición resultó ser muy compleja durante el estudio, ya que involucra la creencia de la persona a ser bendecida y la conexión del sanador con lo sagrado. Otro factor destacado fue el mecanismo de resistencia al prejuicio, que consiste en realizar rituales de manera más reservada y evitar la confrontación.

Palabras clave: Benzedeiras, Cultura, Rituales.

INTRODUÇÃO

De acordo, com a Organização Mundial da Saúde (OMS), saúde é definido como o conjunto de bem-estar físico, emocional e social. Desta forma, a qualidade de vida está relacionada com diversos fatores, entre eles o modo de vida, esse abrange as crenças e saberes tradicionais que cada comunidade traz na sua identidade cultural.

Os saberes tradicionais contribuem para as práticas de saúde, a OMS preconiza que a medicina tradicional consiste em garantir o bem-estar, que abrange além do tratamento, o diagnóstico e a prevenção de enfermidade, através de suas práticas.

Diante disto, importante destacar que o processo saúde-doença é interpretado de forma singular pelos saberes tradicionais. Na medicina, o principal objetivo é a cura e a prevenção levando em consideração as manifestações fisiológicas, interpretando desta forma, a doença como um processo mórbido trazendo sintomatologia específica. Essa tem como característica, analisar a pessoa como partes desmembradas, sem avaliar o conjunto que pode levar ao processo doentio desencadeado.

O saber tradicional de cura, leva em consideração muitos aspectos para determinação da doença. Na cultura do benzimento, a pessoa é vista como um conjunto de emoções e vivencias, avaliando dessa forma o estado do espírito, mente e corpo, buscando a causa do desequilíbrio dessa tríade levando a instauração da doença no corpo físico. Essa forma de enxergar o processo de doença como um conjunto entre o corpo e alma, no remete a fenomenologia da percepção defendida por Maurice Merleau-Ponty (1999), que traz que é preciso ver o todo e não apenas a coisa em si. As benzedeiras de forma indireta trazem na sua prática essa teoria, pois avaliam o mal acometido como um processo de doença do espírito e do corpo físico, onde se perdeu o equilíbrio entre ambos.

A fenomenologia, enquanto método, possibilita essa busca na compreensão de uma cultura que tem em sua essência a cura através da fé, em um processo ritualístico. Pois, esse método geográfico auxilia na descrição de fenômenos obtidos por meio de experiências vivenciadas pelo objeto em questão. No presente trabalho, o intuito é perceber como se estabelece a cultura desse fenômeno que têm em suas práticas a realização de tratamento por meio de preces, uso de plantas medicinais e objetos consagrados.

O processo ritualístico do benzimento está diretamente relacionado com as vivencias dos benzedores e benzedeiras e dos adeptos a prática. Desse modo, o conceito geográfico que possibilita a percepção de tais vivencias é o lugar. O lugar é percebido a partir das experiencias vivenciadas e a construção desse espaço, levando e consideração os significados e símbolos, assim como as memórias e percepção do mundo por meio do seu cotidiano.

O saber tradicional e suas vivências tem forte presença na região amazônica, no entanto, ao pesquisar sobre o benzimento, notou-se ausência de pesquisas sobre a prática em algumas regiões de Rondônia, mais especificamente na região central, em cidades que compõem a macrorregião de Ji-Paraná (Governador Jorge Teixeira, Jaru e Theobroma) e essa população tem sua história marcada pelo processo migratório da extração de seringais de Rondônia, trazendo dessa forma pessoas com culturas e modos de vida diferente, levando assim a uma miscigenação cultural.

BENZER

A benzedura é um procedimento ritualístico realizado por pessoas de diversas religiões e sofre influência de acordo com o meio que estão inseridas, alterando detalhes no ritual, como uso de objetos, plantas e jeitos de acenar no momento da benzeção. O benzer é um ato de interceder a cura do doente ao sagrado, com intuito de trazer o equilíbrio material e espiritual que necessita a pessoa benzida. O ritual tem como característica uma conexão de quem benze com a pessoa a ser benzida e com a espiritualidade. Essa interação, no momento do benzimento, permite a intervenção espiritual e a obtenção da cura (SOUZA, 2008).

A história da benzeção como um procedimento de cura, não possui um marco de quando a prática iniciou, no entanto, era usada por povos indígenas e a prática foi expandindo, miscigenando com outras culturas e religiões. A benzeção é tida, por muitos praticantes, como uma missão de vida, onde a benzedeira com conhecimento dos rituais do benzimento, ajuda as pessoas com suas preces e medicamentos naturais. Esse saber é aprimorado aos poucos, muito associado a fé dessas pessoas e no comprometimento com o aspecto religioso (SOUZA, 2008).

Compreender a abrangência cultural que envolve a benzeção, é possível através da geografia cultural, favorecendo para a elucidação da dimensão cultural, envolvendo o modo de ver e vivenciar as redes vivas de significados. Assim, a cultura entra em uma perspectiva interpretativa, composta de significados criados e recriados por grupos sociais que reflete as diversas esferas da vida e suas espacialidades.

Geografia Cultural é considerada como um ramo das ciências geográficas que busca entender a distribuição espacial das manifestações culturais, tais como: crenças, religiões, artes, rituais, formas de trabalho; logo, o resultado da transformação do homem sobre a natureza ou em torno das suas relações com o espaço. A exemplo dos estudos sobre: “espaço e religião; espaço e cultura popular; espaço e simbolismo; paisagem e cultura; percepção ambiental e cultural; espaço e simbolismo (CORRÊA, 1995, p. 3-11).

A geografia busca o entendimento de como os diversos grupos sociais se enxergam e se dá a relação com os conflitos existentes no seu espaço. O benzimento é realizado por pessoas de diversas religiões e sofre influência de acordo com o meio que estão inseridas, alterando assim detalhes no ritual, como uso de objetos, plantas e jeitos de acenar no momento da benzeção. Os saberes obtidos pelas benzedeiras são adquiridos por várias vertentes como transmissão de conhecimento de uma geração a outra, observação dos rituais e uma aptidão nata onde a pessoa desenvolve a técnica, este envolve aspectos de religiosidade.

A prática realizada pela benzedeira se trata de um conhecimento que pode ser adquirido a partir dos saberes que ultrapassam de uma geração a outra, esse pode ser aprimorado com o passar do tempo pelo uso dos rituais e incorporação de particularidades do próprio benzedor ou benzedeira. Segundo Silva (2012), o “ato de benzer sintetiza momento concreto do confronto entre o popular e o erudito, em que a benzedeira antagoniza o seu conhecimento ao dos padres e médicos, propõe uma estudos e pesquisa em religião releitura da religião e da medicina, se faz existir enquanto sujeito”.

As influências religiosas da prática da benzeção é uma junção da pajelança indígena, dos cultos afros, do catolicismo lusitano e do conhecimento popular obtido através da vida cotidiana. Essa característica atribuía a benzedeira um recurso para a cura de enfermidade e para as necessidades religiosas do indivíduo. A influência dos pajés vem da origem da prática, pois eles sempre exerceram o papel de curador e benzedor nas comunidades indígenas.

A outra influência das religiões de matrizes africanas, onde os rituais de benzeção usados nelas trouxeram algumas características para algumas benzedeiras, como na umbanda que usam um manto branco para retirar os fluídos do indivíduo e também banhos com plantas medicinais para limpeza e libertação de todas as influências espirituais que induzem o mal-estar na pessoa. No kardecismo, é realizado o passe com o mesmo intuito de dispersar energias, é realizado de forma semelhante as benzedeiras onde se tem súplicas por parte do aplicador e gestos caracterizando o ritual.

De acordo com Lemos:

“Existem várias modalidades religiosas de benzedeiras, entre as quais estão: católica, crente, kardecista, umbandista e esotérica. As variações entre essas modalidades de benzedeiras são significativas, vão desde o modo como elas se definem e se apresentam para a clientela, o tipo de clientela, a utilização dos recursos terapêuticos, até à questão da remuneração profissional” (LEMOS, 2010).

A miscigenação com relação a religião influencia na ritualística da benzeção, dos objetos utilizados e das rezas, uma benzedeira católica pode usar o rosário como objeto na hora da benzeção e já uma umbandista pode usar um ramo e atribuir suas orações aos orixás e não aos santos católicos, essas particularidades que serão afetadas com a religiosidade, porém não interferem na eficácia do tratamento.

O processo ritualístico do benzimento é repleto de símbolos, com emprego de objetos, preces, gestos e por um lugar sagrado para sua realização. A junção de todos os detalhes empregados no rito da benzeção, traz a pessoa benzida a libertação da qual necessita, ressaltando que o benzimento busca trazer o equilíbrio do corpo-mente-espírito (MOURA, 2011).

O ofício das benzedeiras inclui a cultura e a fé na utilização desses símbolos, como mostra Silva (2014):

As benzedeiras usam os símbolos da cultura, aproveitam aquilo que é vivido por nós e colocam o sentido religioso. Percebemos nas narrativas dos benzedores, por exemplo, que para benzer de um machucado conhecido como carne quebrada, utiliza-se um símbolo para unir aquilo que foi quebrado. O novelo e a linha. Em relação ao quebranto, se pega um ramo de arruda ou guiné (tipi), que a própria natureza oferece como sendo plantas medicinais que afugentam qualquer tipo de mal e fazem as orações. Se a pessoa estiver de mau-olhado, ela usa de um ramo verde e faz a oração debaixo de uma árvore; enfim, o símbolo tem relação com a oração a ser feita, sendo eles elementos da própria cultura, podendo sofrer variações de lugar para lugar (SILVA, 2014, p. 12).

O método empregado nos rituais de cura envolve um empirismo terapêutico, onde o conhecimento é obtido a partir da observação e experiências, de curas obtidas com o método em questão. A simbologia e a mágica empregada na prática, nos leva a pensar sobre a confiança que essas pessoas possuem em forças manipuladas através da natureza (MOURA, 2011).

AS BENZEDEIRAS

As benzedeiras são pessoas comuns, que podem pertencer a uma geração de benzedeiras ou apenas ser uma pessoa que aprendeu o ofício após treinamento e observação de alguma rezadeira. Há benzedeiras que trazem consigo a prática sem ter aprendido com algum, o conhecimento lhe é revelado por meio da religiosidade, fluindo em seu saber como realizar a benzeção e como preparar um determinado medicamento.

A benzedeira, com base em Quintana (1999) assemelha a um psicanalista, pois se trata de uma intermediária entre o sagrado e o doente, já o psicanalista faz conexão entre a doença e o doente. O principal elemento usado pela benzedeira no processo é uma prece acompanhada de algum ritual. O autor, Quintana (1999) também evidencia a diferença entre benzedeiras que ficam na zona rural e na zona urbana, pois aquelas que vão para sua cidade acabam perdendo uma conexão com o campo e perdendo um pouco da hegemonia, que permanece intacta naquela que permanece em contato com o campo, na sua maioria o aprendizado de benzedeira e o manuseio de plantas vem do conhecimento adquirido no contato com os diversos tipos de ervas medicinais.

A prática da benzeção não é realizada apenas por mulheres, existem benzedores que também fazem o benzimento. No entanto, há uma diferença entre o benzedor e as benzedeiras, os homens normalmente são procurados para rezar uma pessoa que foi picada por algum animal, para espantar cobras de um determinado local e assim por diante. Já as benzedeiras são para rezar os males que acometem crianças e adultos.

Uma particularidade entre as benzedeiras e benzedores, é o sigilo das orações no momento do ritual, normalmente são realizadas em voz baixa, ficando impossível a compreensão por parte do doente ou acompanhante. A utilização das ervas no tratamento, também depende da benzedeira, não são todas que indicam o uso de plantas medicinais. Segundo a prática para cada mal ou doença, há uma oração possível para obtenção da cura ou libertação e há também um remédio a partir de plantas medicinais. Elas assim, auxiliam no tratamento de desmentidora, mau-olhado, quebranto, tiram azar e libertam as pessoas de espíritos ruins e atormentações.

Cada benzedeira, tem um ponto de vista, em relação a prática com um propósito diferente, o que vai influenciar essa visão é a comunidade que ela está inserida. Algumas veem as rezas como uma missão de vida, que lhes foi atribuída com intuito de auxiliar as pessoas que necessitam de sua ajuda, essa visão também tem influência da religiosidade da benzedeira.

Outras tem o conhecimento da prática, no entanto não exercem devido ao preconceito, ou se escondem atendendo apenas de forma seletiva os clientes para que não se propaga a notícia a identificando como benzedeira. O enfrentamento do preconceito na prática existe desde o surgimento pelos inquisidores da Igreja, que via as rezas como algo profano, porém ele ainda persiste em dias atuais, devido muitas vezes não só da Igreja Católica mais de religiões protestantes.

RITUAL DO BENZIMENTO

O ritual do benzimento é particular de cada benzedeira, os objetos e as preces usadas no ritual têm a particularidade de cada pessoa que realiza a prática, os métodos podem variar para o mesmo sintoma que se procura cura. O ritual tem três etapas: o diálogo, onde o doente expõe os problemas e aflições; o ritual propriamente de acordo com a particularidade da benzedeira; e pôr fim a prescrição onde a benzedeira pode prescrever orações ou até mesmo chás e ervas medicinais (NOGUEIRA; VERSONITO; TRISTÃO, 2012).

As benzedeiras carregam nos seus rituais características de suas comunidades, estas as quais está inserida. Normalmente, os atos executados durante o processo são oriundos da Igreja Católica, são eles Orações e gestões semelhantes, como o sinal da cruz, este é feito em direção ao doente. Muitas trazem consigo o rosário católico e realizam a oração do Pai Nosso e da Ave Maria, além se suas orações específicas.

Outra característica importante é a pronúncia de Santos em suas orações, esta também é um costume do catolicismo. Os são compreendidos como seres purificados que estão ao lado de Deus, e uma oração a eles é um canal direto até Deus. Há uma categoria de Santos as quais as benzedeiras principalmente, de origem católica dedicam suas orações, cada praticante tem o seu Santo de devoção, Santo de Proteção e Santo Padroeiro. O de Devoção é aquele ao qual a pessoa tem afeição, sempre que precisa pede a sua intercessão, já o de Proteção é o defensor invocado sempre em situações específicas, esse por sua vez pode ser o mesmo de Devoção.

E por fim temos o Santo Padroeiro que está com um poder de intercessão maior, como se fosse o comando sobre o protegido, um superior. Além dos Santos de Devoção, Proteção e Padroeiro, as benzedeiras também direcionam suas orações aos Santos de acordo com o mal presente no doente, como Santa Luzia que é conhecida como protetora dos olhos, esta é mencionada se a doença for nos olhos.

As principais doenças que levam a procura das benzedeiras são: quebrante, mal do sentimento, mal olhado e cobreiro (espécie de herpes). O tratamento para a cura desses males é particular de cada benzedeira, podendo envolver os rituais do benzimento, uso de chás ou banhos com ervas medicinais (CLARINDO, 2014).

Quebrante

Um dos males, mais procurados é o quebrante. O quebrante é um oriundo de uma admiração que uma pessoa a outra sobre qualquer aspecto, ocorre muito em crianças devido ao fascínio, pelas brincadeiras que eles esboçam (MAUÉS, 1997).

O diagnóstico realizado pela benzedeira, é através da observação e relato da pessoa que vai ser benzida ou acompanhante, no caso de crianças. Com relação ao quebrante, a criança chora muito e não se alimenta corretamente. Nesses casos algumas benzedeiras, realiza o ritual do benzimento e ainda aconselha o tratamento da criança com ervas medicinais, a mais usada e indicada é o macaé (Leonurus sibiricus).

Mal do Sentimento ou Criança Sentida

Essa erva também é muito indicada nos casos de “mal do sentimento”, quando a criança fica triste e perde peso rapidamente, segundo algumas benzedeiras, esse mal pode ocorrer, devido ao fato da criança ter visto uma comida ou brinquedo, e ter ficado com vontade. Também pode acontecer no caso de ausência de alguma pessoa próxima a criança. O tratamento com o macaé (Leonurus sibiricus), consiste no benzimento, banho e chá com a erva medicinal, durante três dias. Algumas ainda recomendam que se identifique qual a causa do sentimento e tentar proporcionar a criança, com intuito de acelerar o tratamento.

Mal Olhado

Outro mal, que leva à procura das benzedeiras é o “mal olhado”, esse mal segundo a cultura, é adquirido quando uma pessoa foi admirada sobre os aspectos humanos como beleza, forma física, inteligência, entre outras; pode ocorrer tanto em humanos como em animais. Um estudo realizado na região do Baixo Amazonas por Maués (1997), define o mal olhado como algo que “É provocado pelo “fincamento” de olho por seres humanos que têm “mau-olho”, podendo atingir pessoas de ambos os sexos e de qualquer idade, bem como plantas e animais” (MAUÉS, 1997).

A pessoa manifesta sintomas como indisposição, sonolência, abrição de boca, falta de ânimo. A doença tem capacidade, segundo a prática, de debilitar o paciente e se ele não for benzido pode leva-lo ao óbito. O benzimento pode ser realizado com um ramo verde e gestos em forma de cruzes sobre a pessoa a ser benzida. Para que a pessoa obtenha cura é necessário que seja repetido o ritual três vezes, durante três dias. A oração realizada normalmente é o Pai Nosso e as Ave-Marias, algumas benzedeiras conseguem saber se quem lançou o mal olhado foi uma pessoa do sexo masculino ou do sexo feminino, isso apenas por um erro na pronúncia da oração, se ocorrer no Pai Nosso foi homem e se for na Ave-Maria foi mulher.

Cobreiro

O cobreiro é causado por alguns animais e insetos peçonhentos, onde apresenta na pele bolhas, vermelhidão, inflamação cutânea e prurido. De acordo com as benzedeiras, se não for realizado o benzimento o cobreiro pode se espalhar por todo o corpo. O Cobreiro na medicina moderna é a doença causadas por vírus conhecida como Herpes Zoster, onde se tem as mesma características e sintomatologia.

Nesse caso, é realizado o benzimento da parte afetada, algumas benzedeiras utilizam três talos de mamona para realizar o procedimento, a pessoa benzida participa do ritual, respondendo uma pergunta: Benzedeira: “O que eu corto?” e a Pessoa benzida: “cobreiro”. A cada resposta a benzedeira corta o talo da mamona, simbolizando que está cortando a doença. E assim é feito nos três talos, esse ritual normalmente é repetido por mais três sessões de benzimento, e no final do tratamento a pessoa tem o alívio das manifestações cutâneas apresentadas na pele (HOFFMANN-HOROCHOVSKI, 2012).

Há diversas doenças e manifestações patológicas que as benzedeiras tratam e a uma variedade também nos rituais usados na prática do benzimento, o efeito do tratamento envolve duas considerações, a primeira que se trata da crença no ritual, onde a pessoa a ser benzida tem fé no procedimento e no poder que se acredita que a benzedeira possui.

Outro fator é a utilização das plantas medicinais nos tratamentos, o conhecimento para manipulação das ervas foi adquirido ao longo de várias gerações, e transmitido oralmente por meio de um saber popular. Vale ressaltar, que as plantas também têm sua eficácia conhecida cientificamente, mas foram comprovadas depois de muitos anos de já uso, por parte da medicina popular.

A CURA PELA FÉ

A cura das enfermidades é obtida a partir de uma junção entre a fé da pessoa benzida, da benzedeira em relação ao sagrado e a força que esse emite através do uso de suas preces e objetos consagrados para realização do ritual do benzimento. A fé é a capacidade que se têm de acreditar em algo sem evidências concretas de que é verdadeiro, as pessoas procuram as benzedeiras e benzedores por indicação de outras pessoas, que também confiaram na prática e tiveram algum resultado no que buscavam. Essa fé os move a crer e irem em busca de um processo de cura que seja diferenciado do obtido na medicina moderna, abrangendo assim o corpo e o espírito no mesmo processo de cura.

A doença tem um significado diferente para as benzedeiras, pois pode estar relacionada as dores do espírito ou seu desequilíbrio em determinado momento, isso faz com que haja uma alteração fisiológica no corpo material e assim desencadeando o processo de doença. Nesses casos a medicina não pode ajudar, pois os medicamentos que existem e os procedimentos não auxiliam na cura desse mal, gerando assim uma frustação no paciente, esse por sua vez chega até as benzedeiras com um possível “mal que remédio nenhum pode curar”, dores que analgésicos não cessam. E após uma reza se tem o alívio desses sintomas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A visão do processo saúde-doença da benzedeira se mostrou com maior complexidade, levando em consideração além da sintomatologia, aspectos emocionais e espirituais da pessoa enferma. A cura das enfermidades é possível pela fé da pessoa benzida e a conexão da benzedeira com o sagrado, podendo assim interceder pela libertação do mal acometido a pessoa.

O dia-a-dia das benzedeiras é composto por rezas, benzeções, uso de ramos e remédios como banhos e chás com plantas medicinais. As representações apresentadas pelas benzedeiras na pesquisa, mostraram que os símbolos e as particularidades do benzimento tem contribuição da comunidade que a benzedeira está inserida e sobre sua influência religiosa.

A benzeção tem como mecanismo, resistir ao preconceito por meio da forma silenciosa e reservada com que realiza seus atendimentos, evitando dessa forma enfrentamento e conflitos, com aqueles que não compreendem essa forma de representação cultural com objetivo de curar. A maioria das benzedeiras têm receio de serem rotuladas como feiticeiras, isso pela falta de conhecimento dos elementos sagrados usados nos rituais e toda simbologia que envolve a prática.

Em relação as influências religiosas, a percepção é que a benzeção não está ligada a nenhuma religião, mas as pessoas que realizam os rituais, e suas percepções e compreensão do sagrado. Além, das particularidades que envolve o modo de vida dessas pessoas, seus costumes e tradições.

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