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Recepção: 28 Abril 2021
Aprovação: 02 Agosto 2021
Resumo: A coleção de Indumentária Sophia Jobim – CSJ, do Museu Histórico Nacional – MHN, pertenceu à Maria Sophia Jobim Magno de Carvalho (1904-1968), que foi professora, figurinista, jornalista, pesquisadora e colecionadora de trajes, acessórios e histórias. Após o falecimento de Sophia toda a coleção dela foi doada Museu Histórico Nacional – MHN. A Coleção Sophia Jobim – CSJ está dividida em três partes: arquivo histórico; biblioteca e reserva técnica. A pesquisa estuda toda a coleção, mas encontra-se em andamento, por isso apresentamos os resultados parciais que, inevitavelmente, se confundem com a biografia da colecionadora. Nossa abordagem se aproxima de investigações similares daquelas que tratam os acervos de indumentária / moda com o foco voltado para a biografia cultural de objetos, conforme: Amy de la Haye, Lou Taylor e Eleanor Thompson (2005); Igor Kopytoff (2008); Rita Andrade (2008). Esse tipo de perspectiva nos ajuda no entendimento da coleção que Sophia Jobim juntou, ao longo de sua trajetória profissional, culminando com a inauguração do Museu de Indumentária Histórica e Antiguidades – MIH. Por isso, é necessário perguntar: De onde essas peças vieram? Como foram adquiridas? Quem eram seus antigos donos? É possível verificar e responder estes questionamentos? Ao adquirir objetos de arte e peças / acessórios de indumentária para sua crescente coleção, Sophia parecia estruturar o “seu museu”, como vemos neste texto. Assim, os objetos culturais que ela comprou passaram pelo processo de mercantilização e valoração que, por conseguinte, iriam refletir esses valores na trajetória de sua colecionadora, e vice-versa.
Palavras-chave: Indumentária, Coleção, Biografia cultural.
Abstract: The Sophia Jobim Clothing Collection – CSJ, from the National Historical Museum – MHN, belonged to Maria Sophia Jobim Magno de Carvalho (1904-1968), who was a teacher, costume designer, journalist, researcher and collector of costumes, accessories and stories. After Sophia’s death, her entire collection was donated to the National Historical Museum – MHN. CSJ is divided into three parts: historical archive; library and technical reserve. The research studies the entire collection, but it is still in progress, so we present the partial results that, inevitably, are confused with the collector’s biography. Our approach is similar to investigations similar to those dealing with collections of clothing / fashion with a focus on the cultural biography of objects, as follows: Amy de la Haye, Lou Taylor and Eleanor Thompson (2005); Igor Kopytoff (2008); Rita Andrade (2008). This kind of perspective helps us to understand the collection that Sophia Jobim gathered, throughout her professional career, culminating in the inauguration of MIH. So it is necessary to ask: Where did these pieces come from? How were they acquired? Who were its former owners? Is it possible to verify and answer these questions? When acquiring art objects and clothing pieces/accessories for her growing collection, Sophia seemed to structure “her museum”, as we see in this text. Thus, the cultural objects she bought went through the process of commodification and valuation, which, therefore, would reflect these values in the trajectory of her collector, and vice versa.
Keywords: Clothing, Collection, Cultural biography.
Résumé: La collection de vêtements Sophia Jobim – CSJ, du Musée historique national – MHN, appartenait à Maria Sophia Jobim Magno de Carvalho (1904-1968), enseignante, costumière, journaliste, chercheuse et collectionneuse de costumes, d’accessoires et d’histoires. Après la mort de Sophia, toute sa collection a été donnée au Musée historique national – MHN. CSJ est divisé en trois parties: archives historiques; bibliothèque et réserve technique. La recherche étudie l’ensemble de la collection, mais elle est toujours en cours, nous présentons donc les résultats partiels qui, inévitablement, se confondent avec la biographie du collectionneur. Notre approche s’apparente à des investigations similaires à celles traitant des collections de vêtements / mode avec un focus sur la biographie culturelle des objets, comme suit: Amy de la Haye, Lou Taylor et Eleanor Thompson (2005); Igor Kopytoff (2008); Rita Andrade (2008). Ce genre de perspective nous aide à comprendre la collection que Sophia Jobim a réunie, tout au long de sa carrière professionnelle, aboutissant à l’inauguration du MIH. Il faut donc se demander: d’où viennent ces pièces? Comment ont-ils été acquis? Qui étaient ses anciens propriétaires? Est-il possible de vérifier et de répondre à ces questions? Lors de l’acquisition d’objets d’art et de vêtements / accessoires pour sa collection grandissante, Sophia a semblé structurer «son musée», comme on le voit dans ce texte. Ainsi, les objets culturels qu’elle a achetés sont passés par un processus de marchandisation et de valorisation, qui refléterait donc ces valeurs dans la trajectoire de son collectionneur, et vice versa.
Mots clés: Vêtements, collection, Biographie culturelle.
1. INTRODUÇÃO
Desde 2015 nos dedicamos a pesquisar sobre Sophia Jobim (1904-1968) e sua atividade profissional, tendo como fonte de pesquisa a Coleção Sophia Jobim – CSJ, que pertenceu a ela e que se encontra no Museu Histórico Nacional – MHN, no Rio de Janeiro.
Sophia Jobim foi uma pessoa bastante produtiva que teve na Indumentaria o ponto de interseção e maior interesse em sua trajetória profissional variada. Ela atuou como professora, jornalista, figurinista, pesquisadora e colecionadora. É sobre essa última faceta que pretendemos nos deter neste escrito.
Após o falecimento de Sophia, em julho de 1968, o irmão Danton Jobim cumpriu a promessa e fez a doação de toda a coleção de Sophia que se encontra atualmente integrando o acervo do MHN. A Confecção Sofia Jobim CSJ está dividida em três partes que correspondem aos setores de mesmo nome naquela instituição: arquivo histórico (documentos, fotos, correspondências, ingressos, menus etc.); biblioteca (livros, folhetos e periódicos) e reserva técnica (objetos artísticos, joias, calçados, acessórios e peças de indumentária).
Neste artigo, apontamos algumas descobertas sobre a CSJ, principalmente com relação à entrada de itens provenientes de outros colecionadores e que atualmente se encontram na reserva técnica do MHN. A princípio, todos esses objetos faziam parte do Museu de Indumentária Histórica e Antiguidades – MIH, que funcionou em Santa Teresa (RJ), até 1968, no mesmo imóvel onde Sophia residia.
Em nossa pesquisa, que se encontra ainda em andamento, relacionamos os registros separados no próprio MHN (arquivo histórico, biblioteca e reserva técnica), a fim de fazer a ligação entre os acervos documentais, bibliográficos e os objetos propriamente ditos. O entendimento dos percursos dessas peças até a entrada delas no “museu de Sophia”, sua posterior transferência para o MHN e análise da documentação, traçam um panorama de boa parte da CSJ e é o ponto focal desse texto.
Para tanto, entendemos necessário dividi-lo em duas principais partes: a) Sophia Jobim – Colecionadora e b) Algumas coleções dentro de uma coleção. Enquanto a primeira parte contextualiza a trajetória profissional de Sophia Jobim, culminando com sua posição de colecionadora de Indumentária; a segunda parte, apresenta algumas coleções que fizeram parte do “museu de Sophia”.
2. SOPHIA JOBIM – COLECIONADORA
Sophia Jobim nasceu em 19-09-1904, em Avaré-SP. Estudou em escola de freiras e foi normalista, tendo se formado em 1922, aos 18 anos. Logo em seguida, ela e alguns irmãos se transferiram para o Rio de Janeiro, onde Sophia viria se tornar moradora até seu falecimento, em 02-07-1968. Aos 23 anos, ela se casou com o engenheiro da Estação de Ferro Central do Brasil, Waldemar Magno de Carvalho, que em virtude de seu trabalho morou em outras cidades, como em Santos Dumont/MG (quando ainda se chamava Palmyra), entre 1927 e 1930.
Em 1932, Sophia já de volta ao Rio de Janeiro fundou uma escola feminina profissionalizante, o Liceu Império, onde ministrava aulas de assuntos relacionados ao vestuário, como: corte e costura; luvas; chapelaria etc. Essa escola se manteve sob a direção de Sophia até o ano de 1954. Em paralelo, o casal Magno de Carvalho viajou o mundo, principalmente pelo trabalho de Waldemar, mas também por diversão e em missões internacionais da própria Sophia. Nessas ocasiões, ela visitou instituições, fez alguns cursos, adquiriu livros e peças para o seu futuro museu.
A CSJ foi agregada por muito tempo e sua formação era composta desde bonecas em trajes nacionais (que ela afirmava ter ganhado de sua avó quando pequena, mas também de amigos, já em idade adulta), até perucas e instrumentos musicais, adquiridos nas viagens que realizou, bem como presentes que ganhou ou em encomendas que fez.
Oficialmente, o MIH foi inaugurado, pelo casal Magno de Carvalho, em 15 de julho de 1960, numa parte de sua residência onde morava, localizada no alto do bairro de Santa Teresa (RJ). Ali, ela e o marido destinaram algumas salas para expor os manequins com trajes históricos ou de terras longínquas, assim como armários e vitrines com itens menores, que também ficavam à mostra.
Os estudos de Lou Taylor se debruçam sobre a história do vestuário relacionando-o à cultura e ao consumo. E, quando consideramos as roupas sobreviventes para a construção da história, essas abordagens transdisciplinares nos interessam pela via da cultura, da história ou de uma comunidade específica. Mas, em nosso texto, apoiamonos na colaboração que Lou Taylor fez com duas outras especialistas no assunto para a exposição intitulada Fashion & Fancy Dress: The Messel Family Dress Collection 1865-2005. Essa exposição aconteceu no Brighton Museum and Art Gallery (2005-2006) e o catálogo com os itens que pertenceram ao guarda-roupa de seis gerações da tradicional família britânica Messel foram analisados, considerando as peças e suas usuárias, rastreando a mudança na moda inglesa, entre os séculos XIX e XXI (HAYE; TAYLOR; THOMPSOM, 2005).
Igor Kopytoff, em “A biografia cultural das coisas: a mercantilização como processo”, estuda a mercantilização de objetos culturais. Este trabalho integra a obra “A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural”, organizada por Arjun Appadurai que ilumina pesquisas a respeito de objetos colecionados (KOPYTOFF, 2008). O estudo sobre a coleção de Sophia Jobim segue a abordagem proposta por Igor Kopytoff e Arjun Appadurai.
Além disso, Rita Morais de Andrade (2008), em sua extensa pesquisa de doutorado, analisou um vestido a partir da fabricação, circulação e uso da peça, até passar para o status de documento (suporte de informação), quando deu entrada no acervo do Museu Paulista. A análise e descoberta de registros que acompanharam as transformações que o vestido sofreu consideram a antiga usuária e sua descendente, pois essa última foi quem realizou a doação ao museu. A investigação de Rita Andrade também nos guia na busca por informações da coleção que ora estudamos.
Os autores citados nos ajudam no entendimento da coleção que Sophia Jobim juntou, ao longo de sua trajetória profissional, culminando com a inauguração do MIH. Por isso, é necessário perguntar: De onde essas peças vieram? Como foram adquiridas? Quem eram seus antigos donos? É possível verificar e responder esses questionamentos?
Ao adquirir objetos de arte e peças/acessórios de indumentária para sua crescente coleção, Sophia parecia estruturar o “seu museu”, como vemos mais adiante. Nesse sentido, os objetos culturais que ela comprou passaram pelo processo de mercantilização e valoração que, por conseguinte, iriam refletir esses valores na trajetória de sua colecionadora, e viceversa.
3. ALGUMAS COLEÇÕES DENTRO DE UMA COLEÇÃO
Examinar as biografias das coisas pode dar grande realce a facetas que de outra forma seriam ignoradas (KOPYTOFF, 2008).
A citação acima traduz a abordagem sobre o texto aqui apresentado: uma espécie de “biografia das coisas”, principalmente quando esses objetos são aproximados pela via da cultura, observando a maneira como eles foram culturalmente redefinidos.
Especificamente no caso de Sophia Jobim, ela tinha orgulho de sua coleção e parece ter se inspirado em experiências de locais/culturas que conheceu pelo mundo, para posteriormente abrir “seu museu”, como observamos em seu acervo que se encontra no Museu Histórico Nacional – MHN. Numa reportagem sobre a inauguração do MIH, em 1960, ela declarou emocionada que “cada traje tem uma história”. A Figura 01a mostra um recorte de jornal datado de 1952 (SMet12), enquanto a Figura 01b apresenta uma anotação sobre essa experiência vista por ela, no exterior, “traduzindo” o recorte de jornal (SMet130).
Pelas anotações acima, percebemos que o MIH se deu em processo que foi se consolidando com o tempo, configurando-se em etapas, pois os dois registros parecem ter inspirado Sophia a seguir o exemplo e fundar “seu museu”, uma vez que o recorte de jornal (de 1952) anunciava um museu destinado à pesquisa sobre adornos e trajes históricos, assim como Sophia acabou criando o MIH (em 1960).
Não é de se estranhar que Sophia tenha guardado um recorte tão pequeno desse jornal, mas com uma notícia tão importante para ela, pois demonstra o seu desejo de se tornar uma colecionadora e que à época já estava em curso. Ademais, é interessante notar no recorte de jornal dois nomes relevantes para o balé e o cinema, respectivamente Margot Fonteyn e Vivien Leigh, que aparecem como membros daquele empreendimento cultural. Mais curioso ainda foi encontrarmos a seguinte notícia: “Vivien viu Museu de Indumentária”, veiculada na imprensa carioca, quando a atriz Vivien Leigh (interessada em trajes históricos) passou pelo Rio de Janeiro e foi visitar o “museu de Sophia” e se disse encantada, “afirmando que nunca viu algo tão maravilhoso em sua vida...” (Diário Carioca, 15-05-1962, ed. 19479, p. 10).
A matéria noticiando a visita de Vivien Leigh ao “museu de Sophia” revela bastante sobre a colecionadora, pelos seguintes destaques: a) ela se orgulhava de ter um raro “manto de Imperador chinês”, sem réplicas em outro museu; b) a grande maioria dos itens do museu, tinham sido devidamente arquivados e catalogados por ela própria, sendo adquiridos em viagens pelo mundo; e, principalmente, c) ela explicava a data de início do “seu museu”, pois aquelas eram as peças que “há dez anos vem sendo colecionadas”. Ou seja, temos cada vez mais indícios de que o projeto de se tornar colecionadora estava avançando e que o MIH começou a ser colocado em prática em 1952 (mesmo ano do recorte de jornal com informação sobre MUSEU DE MODA PARA PESQUISA, de Londres) e ratificado em 1962, quando da visita de Vivien Leigh e a publicação dessa matéria com informação sobre início da coleção de indumentária.
Certo é que o “museu de Sophia” foi se constituindo à medida em que ela ia adquirindo peças ou recebendo doações, culminando com a inauguração do MIH, em julho de 1960. No entanto, o ano de 1957 parece ter sido muito proveitoso para “alimentar” o futuro MIH, pois tomamos contato com uma coleção que foi leiloada naquele ano: a coleção do Museu Simoens da Silva.
3.1 COLEÇÃO DO MUSEU SIMOENS DA SILVA – MSS
A coleção que pertenceu a Simoens da Silva foi uma importante entrada de peças para o “museu de Sophia” adquirida num leilão no qual ela arrematou itens para integrar o futuro MIH. Em visita ao MHN, descobrimos um envelope pardo com fichas amareladas, com a seguinte frase escrita pelo lado de fora: “Documentos dos meus trajes adquiridos no Museu Simoens da Silva”, conforme imagens a seguir (Figura 02).
As fichas museológicas referem-se aos itens que fizeram parte do MSS, conforme estão escritos nos cabeçalhos e foram separadas dos objetos originais: as peças permanecendo na Reserva Técnica-RT, enquanto as fichas, no arquivo histórico.
Em algumas fichas elencadas na Figura 03 há, no cabeçalho impresso em papel timbrado, as seguintes informações: “Museu Simoens da Silva (Rio de Janeiro – Fundador e proprietário Dr. A. C. Simoens da Silva – 2 de agosto de 1879)”. Conforme observamos a seguir, são onze fichas escritas à mão, em tamanhos não padronizados, mas descrevendo: objetos, origens, antigos proprietários, valores (às vezes) e datação (quando possível).
A partir dessas primeiras informações, descobrimos que as fichas foram antes de propriedade do colecionador carioca Antonio Carlos Simoens da Silva (1871-1948), mais conhecido como Simoens da Silva. Ele, desde a infância, demonstrou interesse pelo colecionismo, costume que só aumentou com o tempo e fez com que destinasse um local especialmente para esse fim, denominado de “Museu Simoens da Silva” – MSS (18791948).
Identificamos um resumo daquela instituição, conforme:
Instalado na residência da família localizada à Rua Visconde e Silva n. 111, no bairro de Botafogo, na cidade do Rio de Janeiro, o MSS reunia um acervo de 2.075 peças organizado em três seções: “Ciência”, [...]; “Arte”, [...] e ‘História’, conformada por objetos relacionados às figuras e instituições representativas da história nacional, principalmente do período Imperial, sendo alguns exemplares provenientes do leilão do Paço (EWBANK, 2019, p. 113).
No jornal Tribuna da Imprensa, de 12-07-1957, ed. 2286, p. 8, encontramos a divulgação de um leilão com a notícia de que havia muitos colecionadores interessados naquela coleção, conforme mostra Figura 4.
Ao ler a reportagem, observamos algumas informações: a) o leilão aconteceria três dias depois daquela matéria; b) havia expectativa para que o governo adquirisse o acervo do MSS, mas isso não aconteceu; c) no primeiro dia de visitação pública, o museu recebeu muitos curiosos e colecionadores (inclusive estrangeiros); d) Sophia Jobim aparece textualmente listada entre os colecionadores que visitaram o acervo, antes do leilão (TRIBUNA DA IMPRENSA, 12-07-1957, ed. 2286, p. 8).
Pesquisamos na internet e encontramos para vender o catálogo referente ao leilão dessas peças que compunham o MSS. É um catálogo com a descrição de mais de dois mil lotes, organizado pela empresa Ernani Leiloeiros. Ao adquirir e manipular o catálogo, notamos que o referido leilão aconteceu entre os dias 15 de julho e 14 de agosto de 1957.
As fichas encontradas e a matéria jornalística nos despertaram para pesquisar no catálogo daquele leilão e conferir os dados descritos. Mas, devido às pessoas citadas nas fichas e confrontadas no catálogo, tivemos a ideia de rascunhar uma espécie de árvore genealógica de Simoens da Silva (proprietário do MSS) usando como fontes as informações extraídas de periódicos para entender melhor sobre as relações de proximidade/ parentesco e descobrimos que muitos objetos pertenceram a membros da própria família do colecionador (Figura 5).
Uma peça que pertenceu a um personagem histórico aparece logo na primeira ficha museológica do MSS (o “fardão do Barão de Sorocaba”) e merece destaque pois o antigo dono foi Boaventura Delfim Pereira (1788-1829), o Barão de Sorocaba, que era bisavô do proprietário do MSS. Na ficha referente ao “fardão” tem muitas informações valiosas, como: a) o nome de Boaventura Delfim Pereira; b) o parentesco dele com Simoens da Silva; c) os cargos importantes que o “Barão” ocupou, ainda no Primeiro Império brasileiro – “Veador da Imperatriz Dona Maria Leopoldina e Superintendente Geral das Quintas e Fazendas Imperiais de D. Pedro I”. Além disso, aparecem dados referentes à peça em si, como a seguir:
Feito de cazemira azul ferrete, bordada a ouro fino, tendo no lado esquerdo do peito bordado no próprio tecido, as condecorações de Christo e do Cruzeiro constituído isso na atualidade, grande raridade em numismática. O preço desse fardão foi: 816$000, conforme recibo archivado neste museu (ficha sem catalogação).
Além dessas informações que estão escritas na ficha museológica, há também uma etiqueta com numeração afixada pela organização do leiloeiro, com o número do lote = 2059. Conseguimos localizar a descrição e a fotografia do fardão no catálogo com a respectiva numeração, conforme imagem abaixo. Para complementar, colocamos a imagem do “fardão” dentro da vitrine, que faz parte da exposição de longa duração no Museu Histórico Nacional – MHN, exatamente na sala dedicada ao Império brasileiro (Figura 6).
Mas, o mais interessante foi encontrar no manuscrito SMet131, que se encontra no arquivo histórico do MHN, a descrição completa de mais objetos que Sophia esclareceu terem sido adquiridas do Museu Simoens da Silva, entre elas o fardão do Barão de Sorocaba, conforme Figura 7.
Ao ler as informações manuscritas, referentes ao fardão do Barão de Sorocaba (Figura 07b), observamos que se trata da mesma peça com dados retirados na antiga ficha museológica (Figura 07a), acrescidas agora do valor que custou à nova proprietária, “17.600,00 cruzeiros, conforme nota do leiloeiro Ernani” (SMet131).
Assim como aconteceu com o fardão do Barão de Sorocaba, localizamos outras 16 peças elencadas no documento SMet131 que transcrevemos as principais informações para o quadro 01 abaixo. Nessa relação sintética, transpomos: a descrição (e acrescentamos o número atual no Museu Histórico Nacional – MHN); o lote (comparando com as fichas que participaram do leilão); a data (aproximada); o nome do usuário e o grau de parentesco com o proprietário do MSS (a partir do rascunho de árvore genealógica, antes apresentada).
O catálogo do leilão do MSS demonstra uma grande variedade de itens que pertenceram ao colecionador, com vasta coleção que tinha de cerâmicas; utensílios de madeira; joias; retratos e caricaturas; peças indígenas e, claro, acessórios/peças de indumentária. Essas últimas interessavam especialmente à Sophia Jobim, que adquiriu aquelas listadas por ela no manuscrito SMet131. Dessas peças elencadas acima, conseguimos localizar quase todas na reserva técnica do Museu Histórico Nacional – MHN. Isso revela como Sophia estava investindo na compra de novos itens com peças antigas para integrar sua coleção, preparando o MIH. Isso também aconteceu com outra coleção que passou a fazer parte do acervo de Sophia, como vemos a seguir na Coleção Nenê Maia Monteiro.
3.2 COLEÇÃO NENÊ MAIA MONTEIRO
No manuscrito SMet131 há uma descrição bem completa das coleções e trajes que Sophia adquiriu, como no caso dos itens comprados durante o leilão do extinto MSS, ocorrido em 1957. Mas, nesse material, há descrições de outros trajes ou peças avulsas que fizeram parte da coleção de Sophia Jobim.
Em meio a tantas páginas, deparamo-nos com a seguinte informação: “Trajes imperiais brasileiros. Da coleção de Nenê Maia Monteiro” (Figura 08).
Esse é o título que inicia uma das páginas, num total de 18 folhas pautadas de caderno (frente e verso): algumas completamente manuscritas; outras, apenas em parte. Parece uma lista, pois a descrição começa numerando os itens para, em seguida, abandonar essa estratégia e enveredar por informações que servem como contextualização para as datas e as personalidades citadas.
A fim de organizar melhor as informações dispersas nessas páginas criamos uma tabela abaixo que nomeamos como quadro 02, com 05 colunas, a saber: 01) numeração sequencial; 02) descrição do item; 03) código da peça no Museu Histórico Nacional – MHN; 04) datação; e, finalmente, 05) usuário ou antigo proprietário.
Assim, entre essas 22 peças listadas encontramos informações que trazem consigo a áurea real do segundo Império brasileiro, pois são associadas às baronesas de Estrela e de Inhoã. Muito provavelmente por isso, Sophia intitulou esse documento como “Trajes Imperiais brasileiros”, na primeira página dessa parte do manuscrito. Mas, quem era Nenê Maia Monteiro, que aparece no topo da folha manuscrita? Identificamos, numa das páginas desse caderno, a citação carinhosa de Sophia à “saudosa amiga Nenê” que, nos deu a sensação de intimidade entre Nenê e Sophia e, mais ainda, que possivelmente Nenê já tivesse falecido à época da descrição do manuscrito SMet131, pelo termo “saudosa”.
O fato é que ali iniciava uma busca intensa por informações que pudessem esclarecer sobre o trajeto e os caminhos que levaram as peças da “Coleção Nenê Maia Monteiro” até ao bairro de Santa Teresa (RJ), onde Sophia residia e inaugurou o seu MIH. Nos manuscritos de Sophia (SMet131) há informações conflitantes em meio a muitos detalhes de nomes e datas, além de anotações de parentescos numa tentativa de relacionar os personagens históricos aos trajes “herdados”.
O título “Baronesa de Estrela”, nos encaminhou a um trabalho de pesquisa sobre a genealogia da família do Conde de Estrela e seus descendentes (RUNTE JÚNIOR, 2016). Por meio de documentos, entrevistas e pesquisas em periódicos do século XIX, o autor conseguiu elencar membros da família de Joaquim Manoel Monteiro, o “Conde da Estrella” e seus descendentes. Ler esse trabalho foi importante, medida em que completamos algumas lacunas deixadas pelas anotações de Sophia Jobim sobre, por exemplo, às Baronesas de Estrela, de Inhoã, de Maia Monteiro e, principalmente, Nenê Maia Monteiro – aquela a quem buscávamos, por ser a pista e “herdeira dos trajes imperiais”, antes de chegarem à Sophia.
Por meio do referido trabalho, elaboramos um esquema gráfico em forma de árvore genealógica (Figura 09) para entender melhor a relação entre essas personalidades, tendo Nenê como a guardiã das peças, que tornando-se elemento-chave nessa trajetória até chegar em Sophia Jobim.
Descobrimos que o Conde de Estrela, Joaquim Manoel Monteiro (1800-1875), casou-se, em segundas núpcias, com Luiza Amélia de S. Maia (1823-18??) que se tornou Condessa de Estrela. O casal teve dois filhos: José Joaquim de Maia Monteiro (1854-1910) e Antônio Joaquim de Maia Monteiro (1860-1933). Ambos receberam títulos de nobreza e tornaram-se, respectivamente, Barão de Estrela (1875) e Barão de Maia Monteiro (1882). O primeiro, Barão de Estrela, casou-se (1877) com Thereza Cristina M. de V. Drumond (????-????), e ela passou a ser referida como Baronesa de Estrela. Sua irmã, Amélia Eugênia M. de V. Drumond (1851-1940), também ganhou título de Baronesa de Inhoã, ao se casar com José Antônio Soares Ribeiro (1836-1906), o Barão de Inhoã. O segundo filho dos Condes de Estrela, Barão de Maia Monteiro, casou-se em 1882 com Maria Eliza P. De M. Montenegro (1865-1948) que se tornou Baronesa de Maia Monteiro.
O casal Barão de Maia Monteiro teve oito filhos e, especialmente, nos interessa o segundo deles, Ayres de Maia Monteiro (1885-197?) que se casou no ano de 1915 com a personagem mais procurada até então, Nenê Maia Monteiro (como era conhecida) ou Balbina R. O. Amorim (nome de solteira, 1895-1961). Toda essa sucessão de nomes/datas/ títulos de nobreza serve para demonstrar a proximidade entre a Baronesa de Estrela e seu sobrinho Ayres (casado com Nenê), que acreditamos ter recebido peças de trajes usados pelas irmãs Baronesas (de Estrela e Inhoã), conforme demonstrado nas setas destacadas na Figura 09.
Apartir desse casal, começamos a descobrir fatos e situações que os colocavam em proximidade com a dona da CSJ, como vemos na imagem abaixo, em que Nenê e Ayres estão ladeando Sophia Jobim, entre outras amigas, numa homenagem recebida por essa última na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, em 04-11-1955 (Figura 10).
Mas, se tínhamos poucas informações sobre Nenê / Balbina, como identificamos ela e seu marido, Ayres, na foto? Tivemos que ir até Petrópolis (município serrano no RJ), onde encontramos Tânia de Maia Monteiro (1965), neta de Nenê e Ayres, em janeiro de 2020. E esse fato merece uma melhor explicação, pois chegamos à Tânia por meio das redes sociais (Facebook e Instagram), quando tomamos conhecimento a partir daquela genealogia da família dos Condes de Estrela, citada anteriormente na Figura 09. Ela é a terceira filha (do terceiro casamento) de Roberto de Maia Monteiro, único filho do casal Ayres / Nenê. Roberto casou-se com Ofélia A. Sarto Maia Monteiro (1941), em 1964 e com ela só teve Tânia como descendente.
Encontramos Tânia, nas redes sociais, que assina seu nome com o sobrenome “Maia Monteiro” e pareceu-nos que ela poderia ser a chave para abrir outras informações sobre a família. Ela nos recebeu em sua residência, em Petrópolis, onde nos informou que não conviveu com a avó, Nenê, pois quando nasceu (1965) ela já havia falecido (1961). Mas, Ofélia, mãe de Tânia, nos apresentou algumas informações sobre Ayres e aproveitamos para conhecer melhor o casal Nenê/Ayres. Ofélia também não conheceu pessoalmente Nenê, pois quando se casou com Roberto (1964), a mãe dele já havia falecido, em 1961. No entanto, ela conviveu com Ayres (sogro dela), por alguns anos até seu falecimento, nos anos 1970.
Por meio de fotos, cópias de documentos e lembranças Ofélia nos revelou que Ayres e Nenê se casaram em 1915, na cidade de Petrópolis, com notícia sobre o evento sendo detalhado em matérias de jornais da época. Ele tinha 30 anos e ela contava com 20 anos de idade, quando se casaram. Ayres teve sua trajetória profissional ligada a cargos no Ministério das Relações Exteriores e encontramos que ele foi: Segundo secretário oficial da Secretaria de Relações Exteriores (1913); Diretor da seção da Secretaria de Estado das Relações Exteriores (1926); Diretor da seção dos Negócios da Europa (1930); Cônsul Geral no Consulado Geral em Londres (1931); Transferido para o Consulado Geral em Amsterdã (1934); Transferido para Secretaria de Relações Exteriores (1938) (RUNTE JÚNIOR, 2016, pp. 41-42).
Na foto de 1955, em que Ayres aparece na homenagem à Sophia (Figura 10), e nos manuscritos atinentes aos trajes (SMet131), ele é referido com a alcunha de Ministro. Sabemos que Sophia tinha um amplo círculo social e proximidade com diplomatas e embaixadores, uma vez que dois dos irmãos dela ocupavam cargos públicos (Danton e José). Talvez esse fato tenha aproximado o casal Nenê / Ayres de Sophia Jobim, a ponto de ela receber uma doação, como suspeitamos.
Nos relatos de Ofélia sobre Nenê e Ayres, ela informa que o casal viajava muito à Europa e Nenê comprava muitas roupas e acessórios. Mas, talvez, o mais importante com relação às informações sobre Nenê foi a de que Ayres, após a morte da mulher, doou muitos dos pertences de Nenê às melhores amigas dela. Sobre esse respeito, chamamos atenção para uma anotação que Sophia fez, sobre um cartão enviado por Ayres (Figura 11).
É interessante notar que na Figura 11a, Sophia escreveu “Cartão do Ministro Ayres Maia Monteiro” e “Cartão do Ayres Maia Monteiro (Ministro)”, o que sugere que “esse cartão” ao qual ela se refere possa ter acompanhado alguma remessa com objetos e trajes que pertenceram à Nenê, enviados por Ayres para Sophia. Isso é corroborado com outra anotação de Sophia, na Figura 11b, em que escreveu sobre a amiga, como “saudosa e encantadora ‘Nenê’ Maia Monteiro, como era conhecida, da qual chegaram esses trajes” (SMet131). O final dessa mensagem (“..., da qual chegaram esses trajes”) parece um indício que ratifica a informação fornecida por Ofélia sobre doação de objetos que pertenceram à Nenê para as amigas, entre elas Sophia.
Essa aproximação entre Sophia e Nenê foi identificada já no ano de 1950, uma vez que elas já se frequentavam à época, como verificado junto à notícia veiculada no periódico O Jornal, de 01-10-1950. A citada nota social da recepção na residência de Sophia Jobim, em Santa Teresa, em que Gilberto Trompowsky noticiava a presença do Ministro Ayres Maia Monteiro e sua esposa, ressaltava que “a senhora Maia Monteiro trazia, ainda, lindas joias antigas” (TROMPOWSKY, In: O Jornal, Ed. 9337, 01-10-1950). Isso só reforça que a amizade entre os Maia Monteiro e os Magno de Carvalho vinha de pelo menos 10 anos antes da inauguração do MIH.
4. CONCLUSÃO
Estudar um acervo tão grande quanto o de Sophia Jobim impõe algumas dificuldades, principalmente pelo fato dele estar dividido em três setores: arquivo histórico, biblioteca e reserva técnica (Museu Histórico Nacional – MHN). Cada um desses setores no MHN tem seus horários (que funcionam sob agendamento), suas regras e particularidades. No entanto, aquilo que se apresenta como uma provocação também pode ser entendido como uma vantagem, uma vez que tudo está numa mesma instituição.
Talvez nosso maior desafio nessa pesquisa seja estar sempre atento ao manipular o grande acervo para encontrar, em meio a tantas outras informações, a ligação entre os três setores para relacionar os documentos e fotos (arquivo histórico), às peças e aos acessórios de indumentária (reserva técnica) com os livros / periódicos / folhetos (biblioteca).
Nossa ideia com esse escrito é apresentar as primeiras notas sobre alguns itens que passaram a integrar a coleção de Sophia Jobim, antes mesmo da inauguração do MIH e que, com a morte da colecionadora, passou a integrar o acervo do Museu Histórico Nacional – MHN, que ora pesquisamos.
Nosso objetivo principal com a pesquisa é relacionar o acervo entre si, unindo informações dispersas no arquivo histórico e biblioteca, tendo como guia as peças que se encontram na reserva técnica. Ao avançar com a pesquisa usando como estratégia “A biografia cultural das coisas” (KOPYTOFF, 2008), dialogando com “a biografia cultural de um vestido” (ANDRADE, 2008) e com a experiência descrita no catálogo do acervo que pertenceu à família Messel (HAYE; TAYLOR; THOMPSOM, 2005) estamos também conhecendo mais sobre a coleção de Indumentária que pertenceu à Sophia e, por conseguinte, sua derradeira ocupação: a de colecionadora.
No entanto, essas primeiras descobertas pavimentam o longo caminho que ainda precisamos trilhar até conseguirmos nosso intuito principal: analisar a CSJ como um todo, detalhando as origens, as procedências, reconstruindo a rede de informações, numa espécie de quebra-cabeças sobre as peças, em primeira instância, e sobre a própria Sophia, em última dimensão. Esse texto é um marco inicial dessa organização e acreditamos que, por ora, essas primeiras informações poderão ser retrabalhadas no sentido de conhecermos melhor Sophia Jobim, enquanto colecionadora, que já se desenvolvia, em paralelo a tantas outras atividades1.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Rita Morais de. Boué Souers RG 7091: a biografia cultural de um vestido. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Tese de Doutorado em História), 2008.
EWBANK, Cecília de Oliveira. “O desaparecimento dos museus no Rio de Janeiro e a (re)existência do Museu Nacional”. Revista Eletrônica Ventilando acervos. Florianópolis: Museu Vitor Meireles, 2019.
HAYE, Amy de La; TAYLOR, Lou; THOMPSON, Eleanor. A family of fashion: the Messels dress colletion. Londres: Philip Wilson Publishers, 2005.
IRÃO a leilão nossas relíquias. Tribuna da Imprensa. Ed. 2286, 12-07-1957. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=154083_01&pasta=ano%20195&pesq=%22ir%C3%A3o%20a%20leil%C3%A3o%22&pagfis=36067. Acesso em 19 ago. 2020.
KOPYTOFF, Igor. “A biografia cultural das coisas: a mercantilização como processo”. In: APPADURAI, Arjur. A vida social das coisas. Niterói: EDUFF, 2008.
RUNTE JÚNIOR, Eduardo Frederico. Genealogia do Conde da Estrella e de seus filhos, o Barão da Estrella e o Barão de Maia Monteiro e subsídios para sua história. Disponível em: http://eduardorunte.com.br/livros/livro3.html. Acesso em: Petrópolis: 20 nov. 2019.
SILVA, Antonio Carlos Simoens da. Leilão do Museu Histórico “Simoens da Silva”. Rio de Janeiro: Ernani Leiloeiro/Gráfica Imperador Ltda., 1957.
TROMPOWSKY, Gilberto. “Festa em Santa Teresa”. O Jornal. Ed. 9337, 01-10-1950. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=110523_05&pasta=ano%20 195&pesq=Trompowsky&pagfis=4154. Acesso em 24 ago. 2020.
VIVIEN viu Museu de Indumentária. Diário Carioca. Ed. 19479, 15-05-1962. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspxbib=093092_05&pasta=ano%20196&pesq=%22Vivien%22&pagfis=9646). Acesso em 22 ago. 2020.
Notas
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