Dossiê
Recepção: 19 Fevereiro 2021
Aprovação: 27 Maio 2021
Resumo: Há várias interseções, em vários aspectos, entre arte, artesanato e design, as quais contribuem para a evolução conceitual de cada um dos setores e, ao mesmo tempo, para a interação entre eles. Neste estudo,levam-se em conta os conceitos referentes à arte, ao artesanato e ao design, suas ambiguidades, inter-relações e conexões em suas respectivas atualizações no decorrer de diferentes épocas, que envolvem ações, termos técnicos e materiais, a partir das transformações sociais e contextualizações. A metodologia utilizada opta por uma síntese e adaptação dos autores Löbach, Munari e Baxter, além de Dijon De Moraes. A imagem, como comunicação visual, tem valores diferentes, segundo o contexto onde ela está inserida,e oferece informações diferentes,da mesma forma que permanecerá com maior ou menor intensidade, condensando-se ou diluindo-se, por um tempo maior ou menor no repertório de imagens das pessoas. Todas essas possibilidades integrativas se oferecem em relação aos elementos já existentes e também às possibilidades de "conexões". Seu aviso de permanência será aquele de pregnância na memória, ou seja, o tempo real de sua verdadeira existência, não o tempo físico, mas, pelo contrário, o de sua pregnância psicofísica, o que dá consistência às leis da Gestalt, sobretudo no tocante à sua lei básica da pregnância da forma. O criador, com sua comunicação não verbal no universo artístico,também irá utilizar o mesmo recurso como seu arquivo de significados representantativos que traz na memória, em conformidade com o ethos de um corpo coletivo, como define Maffesoli
Palavras-chave: Arte, Artesanato, Design.
Abstract: Several intersections, in many aspects, among art, crafts, and design, contribute to the conceptual evolution of these areas and, at the same time, to their interaction. This study takes into account the concepts related to art, handicrafts, and design, their ambiguities, correlations, and connections with respective updates during different times, which involve actions, technical and material terms, based on social transformation and contextualization. The methodology used chose for synthesis and adjustment of the authors Löbach, Munari, and Baxter, in addition to Dijon De Moraes. The image, as visual communication, has different values, according to the context, and offers different information. In the same way,it will remain with greater or lesser intensity, condensing or diluting, for a greater or lesser time in people's repertoire of images. All these integrative possibilities are offered themselves concerning the existing elements and the possibilities of connections. The permanence warning will be the same memory permanence warning, the real-time of its true existence, not physical time, but, on the contrary, the psychophysical permanence, giving consistency to the Gestalt laws, especially about its basic law of the permanence of shape. The creator, with his non-verbal communication in the artistic universe, will use the same resource as his archive of representative meanings that he brings to memory, following the ethos of a collective body, as defined by Maffesoli
Keywords: Art, Handicraft, Design.
1 INTRODUÇÃO
de
Segundo Alvarez e Barraca (1997), um conjunto de fatores como a produção industrial, a implantação de um mercado de arte e o aumento do consumo levaram a uma “revolução” da arte, quando foram introduzidos novos materiais. Nesse período, também houve uma mudança de pensamento, como, por exemplo, a percepção da possibilidade de atribuir valor estético aos objetos de uso diário, produzidos em série, além de experiências no campo gráfico-visual. Um dos movimentos artísticos que surgiram nesse período, o Art Nouveau, compartilhou grande parte desses novos pensamentos revolucionários da arte.
Tais modificações levaram à criação da escola alemã Bauhaus, cujo intuito era a unificação da arte com o artesanato e a engenharia; e é nesse contexto que surge o conceito de design. Nessa mesma época,o artista Marcel Duchamp cria esculturas com objetos comuns, nomeadas por ele de ready-mades.
Sabe-se que, para alguns, uma das características do design é a produção em série. Tomando-se essa vertente, as obras de Duchamp poderiam ser consideradas uma antecipação do design, não apenas pelo conceito de produção massificada, mas também pela utilização de objeto cotidiano, dando-lhes uma nova perspectiva, o que, em termos de design, será o redesign, quando os objetos se revestem de um novo significado.
Charles Bezerra (2008), em O designer humilde,vai um pouco mais longe à discussão sobre os designers e diz que qualquer pessoa pode ser um designer, desde que haja a criação e/ou adaptação de algo para resolver um problema. Para o autor, o design está presente em todos os âmbitos da vida, inclusive na natureza. Isso significa a vantagem competitiva, já que na natureza a biologia evolucionária utiliza o design para a própria evolução.
Há autores que relacionam a arte com trabalho, como por exemplo, Karl Marx, para o qual a arte tem sua origem no trabalho, já que todas as variações de trabalho são frutos das necessidades humanas e, nesse caso, a arte é a necessidade estética do homem (MENDONÇA, 2010).
Isso conduz ao raciocínio de que a arte e o artesanato surgiram como uma só vertente, e, a partir da separação dos conceitos de trabalho e arte, ocorreu também a necessidade de separação da arte e do artesanato. Isso se deu principalmente pela evolução da indústria e pela mecanização dos ofícios/trabalho.
Essa discussão sobre as diferenças existentes é recorrente em outros autores, como, por exemplo, Richard Sennett, em O Artífice (2009). No trecho abaixo,conforme, Sennett, pode-se observar que essa não é uma discussão fácil, já que envolve a sociedade como um todo. As semelhanças entre as duas áreas estão mais presentes na relação arte/artesanato do que na relação artesanato/arte:
A pergunta provavelmente mais comum a respeito do artesanato é em que difere da arte. Em termos numéricos, é uma questão irrelevante; os artistas profissionais constituem uma fração ínfima da população, ao passo que a atividade artesanal se estende a todo tipo de profissão. Em termos de prática, não existe arte sem artesanato; a ideia de uma pintura não é uma pintura. Pode parecer que a linha divisória entre o artesanato e a arte separa a técnica da expressão[...] (SENNETT, 2009, p. 79).
Marta Feghali (2010, p. 2) também aborda a relação arte/artesanato e destaca que essa relação é mais frequente do que a relação artesanato/arte, como já apontado anteriormente. Para explicar esse fenômeno, a autora se apoia em quatro pontos fundamentais, sendo “o domínio do conhecimento da habilitação do trabalho do artista como artesão, a coerência temática, o teor de originalidade e o compromisso de contemporaneidade”. O domínio da técnica é o ponto em que os segmentos se aproximam, já que, para a concretização da obra, existe a necessidade do “ato de lavorar”, como diz Marta:
[...] o artesão é descompromissado do teor de originalidade enquanto que o artista precisa ser artesão para o lavor da obra, mas ele é plenamente artista quando ele parte do zero, algo genuinamente novo, a sua própria invenção. Por isso encontramos geralmente referências ao “artista-artesão” e nem sempre o inverso. No que o artesão propõe, no que faz ou pretende fazer, a originalidade não é uma situação constante e repetida: é meramente eventual, portanto, é mais raro encontrar um artesão-artista (FEGHALI, 2010, p. 2).
Observam-se, assim, as relações entre arte e artesanato, com as diferenças entre as áreas. Constata-se que essas diferenças estão presentes principalmente nos pontos originalidade e compromisso de contemporaneidade, isso é, a capacidade de gerar obras novas, inovadoras e que contenham, em suas entrelinhas, a retratação do momento histórico, no sentido de contextualização, já que esses fatores são “cobrados” mais dos artistas do que dos artesãos.
A figura 1 traz alguns exemplos que podem ilustrar a afirmação dessa cobrança aos artistas:
2 DESENVOLVIMENTO
Entende-se que uma reavaliação do objeto artístico e do objeto artesanal deva partir de uma análise, por mais breve que seja, do processo histórico de ambos, pois assim já seria possível, no decorrer do mesmo, a obtenção de dados concretos que passaram a interferir e, consequentemente, a alterar esses conceitos. Desse modo, não se observa a existência não casual, mas sim a transformação desses conceitos em paradigmas condicionados a interesses das classes dominantes ocidentais. Aliado a esse aspecto, no caso específico da América Latina, tem-se ainda o vínculo aos diversos impulsos da expansão colonialista, posteriormente imperialista, das grandes potências.
Através de uma análise histórica, verifica-se que o artesanato e a arte muitas vezes fazem o papel de projetar e adaptar novos objetos. Sob essa ótica, a arte e o artesanato seriam a necessidade ou o início remoto do design.
Em contraponto a essas ideias, existe a definição ligada ao design de objetos produzidos de forma massificada. Assim, o design só poderia ter surgido após a Revolução Industrial, já que essa prática só acontece devido à industrialização. Porém, como já foi dito anteriormente, os responsáveis pelos “desenhos industriais”, a princípio, eram os artesãos e os artistas, ou seja, foram os “fundadores” ou principais contribuintes da industrialização e do surgimento do design(EGUCHI; PINHEIRO, 2008).
Contudo, Rafael Cardoso (2008) afirma, em sua obra Uma Introdução à História do Design, que, após a criação do princípio da produção em série, que é baseado na distribuição de tarefas e com a divisão entre os processos de concepção e execução na Revolução Industrial, as etapas do aspecto produtivo foram demasiado segmentadas, fazendo com que a contratação de artesãos com alto nível de capacitação técnica fosse desnecessária, pois bastaria
[...] um bom designer para gerar o projeto, um bom gerente para supervisionar a produção e um grande número de operários sem qualificação nenhuma para executar as etapas, de preferência como meros operadores de máquinas (CARDOSO, 2008, p. 34).
Ainda no século XIX, juntamente com a popularização da profissão de designer e os elevados lucros advindos da mecanização de alguns processos, como o da impressão mecânica de tecidos, que trazia inúmeras possibilidades de gerar e reproduzir diferentes padrões, surgiu uma notável facilidade em se reproduzir os padrões criados, o que ocasionou um problema que hoje popularmente se chama pirataria. Desse modo, é possível notar a diferença entre o elemento artesanal e o produto mecânico, uma vez que o primeiro requer a dedicação manual e mental de um mesmo indivíduo. Essa característica do elemento artesanal torna escassa a probabilidade de cópia do método utilizado na criação e confecção de determinado item, o que já não ocorre no caso de um produto desenvolvido através do processo mecânico.
Na evolução histórica das produções artísticas, hoje há um consenso no sentido de que se deve buscar tanto o máximo de verdade interior como o máximo de pesquisa formal. Tal tensão garante às produções artísticas conteúdo, atividade e sensibilidade. O novo e o velho caminham numa dialética constante no fazer artístico.
Seria o design um subproduto mal definido da arte? Nesse sentido, Ogien (2006) propõe algumas reflexões interessantes sobre a arte e o design:
Não seria mais a arte que uma sorte de subproduto mal definido do design, o primeiro podendo ser compreendido como um negócio global de “dar forma a certos aspectos do visível”, integrando toda sorte de dimensões: políticas, econômicas, técnicas etc.? (OGIEN, 2006, p. 175).
Para o autor, nesses termos é que as questões de relações históricas entre arte e design poderiam ser postas.
A arte, porém, entendida em seu sentido tradicional, como um produto sem nenhuma intenção de sua reprodução no aspecto industrial, influencia o design, nesse caso “entendido pelo que se diferencia dessa definição, isto é, o que é criado com a finalidade de ser produzido em série, embora esta não seja a única acepção da palavra design” (CAMPOS, 2003, p. 73).É relevante observar que o inverso também ocorre, ou seja, o design industrial influencia a arte na medida em que hoje a observação, participação e interatividade são partes integrantes do exercício artístico.
Através da história da arte, observa-se que muitos objetos reprodutíveis ou construídos pelas máquinas fascinaram os artistas, como bem aponta Campos (2003, p. 73). Essa influência ocorre há muito tempo, como é possível constatar desde as gravuras japonesas que embalavam as porcelanas importadas provenientes do Japão, que tanto encantaram Van Gogh e seus amigos, e acabaram por gerar o japonismo na Europa. Como outro exemplo, tambémse observam os futuristas apaixonados pelos elementos tipográficos, incorporados em seus poemas.
Fernand Léger e alguns surrealistas utilizaram a máquina como elemento principal de releitura em suas obras, além de Marcel Duchamp, que fez uso direto e sem maquiagem de objetos industriais. Isso sem contar com a Pop Art, que foi o movimento artístico mais direto no sentido de unir arte e comunicação de massa, o que, segundo Campos (2003, p. 74), apesar das evidências, até hoje, para muitos, essas duas áreas são compreendidas separadamente.
O minimalismo também foi outro movimento que se apropriou de objetos urbanos e industriais, como cubos, caixas, latas e edifícios que compartilham da mesma estrutura formal das propostas composicionais. São composições modulares, sistemáticas e em série que se repetem também na música, uma vez que uma boa composição artística, na época dos anos 50 e 60, era decorrente da relação da harmonia das partes com o todo, com base nos padrões estéticos dos cânones gregos da Antiguidade. A autora observa, também, que Duchamp deslocou o problema da questão da forma na arte para a questão da função; da questão do fazer artístico para a questão da formulação de ideias artísticas.
A respeito dos ready-mades, Duchamp, segundo Campos (2003), propõe a dessacralização da arte, a partir de sua proposta de se olhar um objeto comum como arte:
É preciso chegar a qualquer coisa com uma indiferença tal, que você não tenha nenhuma emoção estética. A escolha do ready-made é sempre baseada na indiferença visual e, ao mesmo tempo, numa ausência total de bom ou mau gosto. Optando-se pelo desenho mecânico, escapa-se ao gosto (CAMPOS, 2003, p. 79).
A figura 2, abaixo, apresenta um exemplo do ready-made. Marcel Duchamp afasta-se da pintura com ready-mades organizados com objetos da vida diária: roda de bicicleta eporta-garrafas. Daí saiu seu trabalho mais comentado pelo escândalo: "A Fonte", assinado R. Mutt, que, na verdade, é um urinol. O princípio do ready-made é desviar o objeto de sua finalidade original e fazer dele uma obra de arte.
[...] compreende uma revisão nos conceitos de inter e multidisciplinaridade, em voga nas linhas de pesquisa e experimentação em Design contemporâneo, tendo em vista a hipótese genérica de que a emergência da função interativa da linguagem venha a borrar os limites entre as disciplinas que concorrem para a elaboração de objetos e signos (ROSSI; DESIDÉRIO; SANTOS, 2010, p.92).
No mesmo sentido, Maffesoli (2000) afirma que, hoje, se constata facilmente que as linhas divisórias são cada vez mais sutis, e a interdisciplinaridade indica uma das melhores estradas para se caminhar na pós-modernidade. Talvez, por esse mesmo motivo, Rossi, Desidério e Santos (2010) aconselham que se pegue todas as posições ortodoxas, no sentido epistemológico da palavra design, e as coloque de cabeça para baixo.
Também em relação ao design, dentro da cultura científica internacional, Moraes (2010) observa que há um mal entendido generalizado bastante comum que usa o design methods para descrever os processos projetuais típicos da engenharia dos sistemas complexos, do qual deriva indubitavelmente a abordagem racional do projeto.
Para esse autor, nesses processos guiados pela engenharia, projetar é sinônimo de oferecer e dimensionar soluções, em respeito à quantidade de recursos disponíveis, na busca de respostas certas para problemas que atualmente definem-se como “técnicos” e, em geral, apresentam soluções consideradas “corretas” ou, no mínimo, “racionalmente justas”. Nesse caso, segundo Moraes,
O design é outra coisa. Não existem soluções “corretas” e aqui é importante destacar que a natureza única e subjetiva do designer é parte fundamental do resultado obtido, mas não somente isso: é parte fundamental também a escolha do caminho projetual, ou seja, do processo por meio do qual o resultado é alcançado (MORAES, 2010, p. 25).
Em seu último trabalho, Dijon De Moraes (2010) escreve sobre o “metaprojeto” e o coloca como um modelo em que todas as hipóteses são consideradas dentro das potencialidades do design. Porém, dentro dessa mesma visão, o modelo em questão não produz outputs com modelos projetuais únicos e soluções técnicas pré-estabelecidas. O metaprojeto coloca-se como alternativa ao design em oposição às metodologias convencionais, uma vez que vê o cenário para o desenvolvimento de projetos como mutante e, ao mesmo tempo, complexo.
O metaprojeto posiciona-se como “metodologia da complexidade” e, por essa ótica, pode se considerado o “projeto do projeto”, ou melhor, “o design do design”. Desse modo, “o sistema produto/design deixa de ser visto como elemento isolado, passando a ser parte de um sistema circundante” (MORAES, 2010, p. 53).
O design, hoje, para Ezio Manzini (apud MORAES, 2010, p. 9), do Politecnico di Milano, no prefácio do estudo sobre metaprojeto de Dijon De Moraes (2010), demonstra a necessidade premente que o design seja reconceituado. Para Manzini, atualmente há outra proposta não convencional de economia, a qual denomina “nova economia”. Essa “nova economia” não está mais baseada em bens de consumo, mas em serviços. Nesse caso, seus “produtos” são entidades complexas, baseadas na interação entre pessoas, produtos e lugares. E assim exemplifica Manzini:
[...] sistemas de geração de forças distribuídas (para otimizar o consumo de energias difusas e renováveis), novas cadeias de alimentos (para criar ligações diretas entre as cidades e o campo); sistemas de locomoção inteligentes (para promover o transporte público com soluções inovadoras); programas de desenvolvimento urbano e regional (para incrementar as economias locais e novas formas de comunidade); serviços colaborativos de prevenção e cuidados com a saúde (buscando envolver na solução os usuários diretamente interessados (MANZINI, apud MORAES, 2010, p. 9).
Assim, pela ótica de Manzini (apud Moraes, 2010), os produtos, que ocupavam a figura central na preocupação do designer, cedem lugar para o serviço, quando as interações entre pessoas, coisas e lugares passam a ocupar o centro e, nesse caso, os produtos físicos tornam-se evidências que testam o serviço existente. O conceito de serviço, também para o autor, deve ser reconceituado, ou seja, de “serviços padronizados” – caracterizados pela relação entre usuários passivos e provedores ativos – devem ser revistos e considerados agora como “serviços colaborativos” em que, como ocorre nas redes atuais, todos os agentes envolvidos unem forças para que ocorra a interação entre as partes e seja atingido um valor de reconhecimento comum.
Ao se considerar alguma conceituação a partir da existência da internet, Rossi, Desidério e Santos (2010) observam a impossibilidade da construção de uma realidade baseada em estruturas fixas, imutáveis e, menos ainda, pré-estabelecidas. Nesse sentido, os autores observam a obsolescência da máxima utilizada e difundida pela Bauhaus “a forma segue a função” (inicialmente atribuída a Louis Sullivan), como premissa de projeto, uma vez que os múltiplos conceitos estão agora interconectados de forma não linear. Assim, para os autores, “a noção de Design associada a projeto encontra-se naquilo que a mente produz e lança” (ROSSI; DESIDÉRIO; SANTOS, 2010, p. 92).
A partir dessas premissas, o processo criativo situa-se na passagem de uma plataforma à outra, em qualquer sentido, desde que o movimento atenda aos anseios e à lógica do criador, no caso, do designer.
Nesse sentido, Moraes (2010) observa que o design é ao mesmo tempo verbo – no processo – e substantivo – no resultado. Ambos são importantes e caracterizados pelas qualidades e decisões arbitrárias do designer, que, por sua vez, é parte fundamental do design process.
O modelo tradicional-convencional de desenvolvimento de novos produtos, serviços e imagens gráficas tornaram-se insuficientes, quase obsoletos, tal a complexidade e rapidez de mutação no cenário dinâmico. Hoje a proposta é projetar não apenas o tradicional binômio forma-função, mas também outras qualidades que vão além da concepção apenas do produto, com estratégias de inovação e de diferenciação, no aspecto de caráter.
Aliados a esses fatores, ainda há, em relação à possibilidade utilitária do objeto artesanal, o fato de que, dentro da lógica das classes dominantes ocidentais, esse dado serviu, em vários momentos, como critério para afirmar que “o domínio privilegiado do artístico seria o não utilitário” (LAUER, 1983, p. 14). Na verdade, como afirma Lauer(1983, p. 14)“... o que se procura, com as distinções do idealismo, é, no fundo, uma condição da condição subalterna da não arte e, além disso, uma fundamentação ‘universal’ dessa subalternidade”.
Desse modo, há necessidade de revisão de conceitos que, aparentemente definidos, acabam por se tornar paradigmas absorvidos e utilizados, mesmo por épocas que não mais o justifiquem. Tornam-se “epigonismos” na medida em que Bosi (1986) define o termo.Embora o autor utilize o termo para definir a corrente de repetidores que ocorre no final de “quase todos os grandes estilos conhecidos”, entende ser o mesmo compatível com a situação dos conceitos abordados:
[...] o epigonismo se reconhece pelo uso obsessivo ou compulsivo de fórmulas já testadas e consagradas. Repetir o que já deu certo é, evidentemente, uma das tendências mais fortes dos seres vivos: é difícil calcular o quanto a história das civilizações deve à capacidade imitativa dos homens! (BOSI, 1986, p. 23).
Como afirma Santaella (1982, p. 27), “A leitura do passado só pode iluminar o presente à medida em que o passado não funcione como parâmetro absoluto”... Além disso, com exceção de Fethe, que em épocas passadas mais se aproximouda possibilidade social da arte e do artesanato, com a afirmação da dependência da função atribuída ao objeto acabado num determinado momento ou contexto social, as concepções idealistas sequer mencionam a arte e o artesanato como formas de existência social. Como afirma Lauer (1983, p. 14), isso se torna um paradoxo, uma vez que “é no terreno socioeconômico que essas diferenças são mais claras, se bem que nenhuma delas contribua para afirmar as características ou a supremacia da categoria arte”.
A porcelana inglesa, por exemplo, deixou as cozinhas e ganhou as salas das classes abastadas, como no caso da Cerâmica Staffordshire, na figura 3. As grandes mudanças no estilo, métodos de fabrico e variedades que ocorreram foram, em princípio, responsabilidade de John Dwight Cerâmicas, em Fulham, e a John Philip e David Eders, joalheiros alemães.
Como exemplo de objeto artístico e objeto artesanal, é possível reconhecer o quanto a cerâmica, na história da arte ocidental, acabou por ser cada vez mais vulnerável a todos os esforços idealistas, no sentido da distinção e valorização da arte em outras manifestações plásticas, com consequente rebaixamento, em termos socioeconômicos, enquanto atividade produtiva nas mais diversas formas de conceituação que ocorreram no decorrer das épocas.
Para Bosi (1986), desde o inicio da separação entre os conceitos referentes à arte e artesanato, verifica-se uma clara relação entre a atividade produtiva e o aspecto econômico e social da época:
[...] A palavra latina ars, matriz do português ‘arte’, está na raiz do verbo articular, que denota a ação de fazer junturas entre as partes do todo. Porque eram operações estruturantes, podiam receber o mesmo nome de arte não só as atividades que visavam comover a alma (a música, a poesia, o teatro), enquanto os ofícios de artesanato, a cerâmica, a tecelagem e a ourivesaria, que aliavam o útil ao belo. Aliás, a distinção entre as primeiras e os últimos, que se impôs durante o Império Romano, tinha um claro sentido econômico-social. As “Artes Liberales” eram exercidas por homens livres; já os ofícios “Artes Serviles”, relegavam-se a gente de condição humilde. “E os termos ‘artista’ e ‘artífice’ (de artifex: o que faz arte), mantém hoje a milenar oposição de classe entre o trabalho intelectual e o trabalho manual” (BOSI, 1986, p. 13-14).
Lauer(1983, p. 13), em algum momento situado entre o Renascimento e o século XVII, constata que ocorreu a separação da porção dominante da plástica do pré-capitalismo histórico das plásticas populares nos países dominados. Esse fato apresenta-se como um corte similar, embora não seja igual àquele que, em tempos anteriores à própria noção de arte, se estabelece na Europa, atribuindo o fato às modificações ocorridas dentro das classes dominantes dos países capitalistas, uma faceta do seu desenvolvimento social, bem como às expansões coloniais e imperialistas desses países que transformaram substancialmente os elementos internos do sistema artístico.
Como o autor afirma, hoje em dia, “[...] é materialmente impossível abarcar num só estudo todos os sistemas de produção plástica do pré-capitalismo (histórico e contemporâneo)”, e aqui seria possível complementar afirmando-se que, no mesmo trabalho, também se torna impossível associar um levantamento de todo sistema de produção considerada artística. Em ambos os casos, no máximo, “não passariam de respostas formais a essa outra abstração nominal que é a arte como conceito” (LAUER, 1983, p. 15).
Através das conceituações observadas, torna-se possível verificar o quanto ainda predomina a separação formal entre os conceitos arte e artesanato e, consequentemente, entre o objeto artístico e o objeto artesanal, enquanto inscritos em artes maiores e artes menores. Sem nenhuma intenção reducionista, observa-se prevalecer, na conceituação de arte, os aspectos de “sentimentos transmitidos”, “originalidade”, “aspecto criativo”, assim como conceitos vagos, como “o belo através do conteúdo”, “a expressão através da estética”, “tudo que existe”, enquanto que o conceito de artesanato está mais ligado ao processo produtivo e o de design ao projeto que antecede o desenvolvimento do produto.
Abaixo, na figura 4, A Criação de Adão, uma das obras “sacralizadas” de Michelangelo, reconhecidamente classificada como “obra de arte”, representa o episódio do Gênesis no qual Deus cria o primeiro homem.
3. RESULTADOS
Baxter (1998), dentro da metodologia do projeto, aponta uma das etapas como “projeto conceitual” e, em seguida, o “projeto de configuração”; e aqui se acredita que haja aderência às características dessas etapas.
Para Held (1989) análise da produção artística, seja qual for essa produção, torna-se praticamente impossível se não forem observadas as relações de estrutura, do contexto, principalmente o da área econômica – determinante com a superestrutura, quando se trata de capitalismo (HELD, 1989, p. 30).
Como lembra Engels,em carta enviada a Block em 21/09/1890,
[...] a determinação da estrutura sobre a superestrutura afirma-se em dois sentidos: em primeiro lugar, as formas de organização da área econômica determinam, em última instância, as formas de organização de outras áreas; em segundo lugar, significa que as relações sociais de produção determinam as representações, sistemas de ideias e imagens na mesma sociedade (BLOCK apud CANCLINI, 1980, p. 21).
Os objetos em geral, nascidos das necessidades de consumo próprio no pré-capitalismo foram trocados predominantemente com base no seu valor de uso. Hoje, com o desaparecimento cada vez mais acelerado desse valor, as peças passam a servir exclusivamente para serem vendidas e começam a sermedidas desse ponto de vista. Dessa forma, o sistema pré-capitalista de produção estabelece ligação com as formas de exploração capitalista e de acumulação industrial (LAUER, 1983, p. 6).
Observando-se o campo de estudo, longe da intenção de homogeneização, a arte e o artesanato compartilham de traços fundamentais comuns, sobretudo se se considerar os aspectos contemporâneos e as formas de produção: o predomínio da oficina individual, controladora da maior parte do processo de produção. Desse modo, em termos de mercado, seus produtos se encontram com limites no campo da disponibilidade, o que já não acontece com o design. Para Lauer (1983), numa economia predominantemente capitalista, esse tipo de liberdade só gozarão aqueles que exercerem o papel de empresário ou que desempenharem esse papel, estando em situação exterior à parte estritamente produtiva do processo: o estado e os intermediários comerciais (LAUER, 1983, p. 62).A figura 5 é um exemplo de produção de design em série, disponível no mercado:
Ainda que se considere a observação de Alfredo Bosi (1986, p. 36) a respeito do “ver do artista”, que é sempre “um transformar, um combinar, um repensar os dados da experiência sensível”, e de Mário de Andrade (1938, p. 12) a respeito do artesão como “aquele que conhece perfeitamente os processos, as exigências do material que vai mover”, embora essa afirmação não possa ser hoje considerada um paradigma, no sistema capitalista, os mecanismos de oferta e procura são os “supremos reguladores do ciclo Produção-Distribuição-Consumo”. Conforme Lauer (1983, p. 70), “particularmente na fase criativa”, em função dessa relação econômica entre a estrutura e a superestrutura, sente-se a identidade coletiva através dos produtos finais, muito semelhantes no aspecto visual, como parte do resultado de sistema de regulação do gosto estético no campo em estudo.
Em relação à preocupação do produtor com a função de seu produto, apresenta-se a afirmação de Chiti (1971) a esse respeito. Embora o autor seja ceramista e desenvolva suas reflexões a respeito da cerâmica, acredita-se que as mesmas possam ser expandidas paraobjetos, a princípio com características funcionais, sejam com características de arte, de artesanato ou de design:
[...] na cerâmica atual feita à mão tem desaparecido o caráter funcional das peças. Não se concebe usar para destino doméstico diário uma chaleira que levou vários ou muitos dias de trabalho manual. A indústria provê para este uso de objetos de tão baixo preço, e o trabalho manual tem sido tão valorizado, que a cerâmica manual se converteu exclusivamente em artística ou decorativa, ou seja, sua funcionalidade, sem desaparecer totalmente, tem se reduzido ao decorativo ou já se elevou bem ao nível mais alto da atividade humana: o artístico (CHITI, 1971, p. 20-21).
Embora as questões teóricas levantadas a respeito dessas observações possam ser muitas, envolvendo questões nos âmbitos de estética, filosofia, análise dos costumes (orientais e ocidentais, no caso) e sociologia, e sabendo-se que as respostas ultrapassam os limites puramente verificativos do assunto em questão, ainda assim consideram-se relevantes as múltiplas observações e reflexões geradas por este estudo.
Analisando-se as origens da forma na arte, Herbert Read (1981, p. 78) comenta a respeito da evolução dos objetos: “... mas sempre, nalgum ponto de evolução do formato utilitário, a utilidade é superada. A forma é refinada como objetivo em si mesmo, para uma função que já não é rigorosamente utilitária”.
Em termos de produção, pode-se afirmar que, na “guerra” da especulação, o que ocorre na maioria dos casos é um verdadeiro “vale-tudo” visual, cuja finalidade precípua é a apreensão do consumidor último, traduzida na maior acumulação de capitais para o produtor – sinônimo de êxito em termos de sociedade capitalista, como aponta Lauer (1983). Ainda,o autor, referindo-se ao comércio de arte e artesanato, traduz bem a ideia: “... é a distribuição dos produtos plásticos pelos despenhadeiros de seus novos destinos na modernidade do capitalismo dependente” (LAUER, 1983, p. 70).
Ainda que se deixe de lado a dramaticidade de Lauer ante as mudanças, observa-se mesmo um mimetismo crescente, justificado pela visão da produção artesanal como mercadoriadestinada à distribuição, que tem como fator determinante o consumo, com todas as suas implicações. É a “identidade coletiva”, a “pasteurização do gosto”, medida, conforme já afirmado, pela especulação econômica.
Em relação a esse aspecto, observa-se o comentário de Chiti (1971) em relação à produção de peças cerâmicas – que as considera localizadas numa espécie de “periferia cultural” –, mas, como no caso anterior, é totalmente possível estender-se a toda produção artística em geral:
[...] ocorrem, então, inúmeras manifestações e tendências, nascidas ou compartilhadas com a pintura e escultura atuais, correntes dentro das quais o ceramista da arte (sobretudo aquele que se inicia), nem sempre sabe como situar-se, ou instalar-se com coerência. Em muitos casos, nem sequer compreende o sentido da ideologia que há por trás destes movimentos, chegando, então, ao absurdo de muita gente fazer escultura cerâmica desta ou daquela forma porque viu a peça numa exposição ou uma foto numa revista. Isso significa trabalhar por imitação estúpida, sem profundidade, vazia de conteúdo ou concepção que fundamentou o movimento com ‘base’ no qual trabalha. Em arte, não é possível trabalhar por imitação ou cópia exterior, fenômeno que se dá em maior escala em nossos países na cerâmica, que constitui uma espécie de ‘periferia cultural’ com relação aos mais avançados da Europa e dos americanos de língua inglesa (CHITI, 1971, p. 11).
Na sequência, o autor ratifica a mesma ideia e afirma que o produtor de arte por vezes não compreende o sentido cultural; ignora o mesmo em quase tudo, e então se adotam apostilas ou símbolos exteriores e superficiais das peças para, assim, atingir uma atualização que é só aparente (CHITI, 1971).
No caso do Brasil, há ainda outro componente a se considerar: o servilismo cultural, tão característico de países de Terceiro Mundo. Em relação a esse tipo de dependência, Santaella (1982) afirma que
Não há como negar, sem dúvida, para que não se caia em grosseiras mistificações, o nível de debilidade cultural a que ficam reduzidas sociedades que mal tiram o pé do colonialismo para dar o outro passo no terceiro bloco – o dos oprimidos – no mapa do capitalismo internacional que dilacera o globo em exploradores e explorados. O servilismo cultural de sociedades como essas (entre as quais se encontra a nossa, por menor que isso seja ao nosso orgulho nacional) é tão irrefutável, que ignorá-lo ou omitir-se de dizê-lo já fazem parte da própria servidão como contradição não enfrentada (SANTAELLA,1982, p. 49).
Em relação ao design, Eguchi (2012, p. 31) afirma que “só é possível pensar o design a partir da tradição e das possibilidades de combinação que o sistema permite”. Ou seja, só é possível pensar o design dentro de uma cultura projetual, uma vez que a linguagem e seus artifícios, com raízes na coletividade, são as verdadeiras ferramentas utilizadas para a sua criação.
Ainda dentro desse raciocínio, criar inovações no design seria trabalhar nesses limitesnos quais novas ideias podem ser produzidas a partir de antigos significados. Assim Eguchi confirmaseu raciocínio:
Não foi isto que a Bauhaus fez com o seu geometrismo após a influência do Construtivismo Soviético e do Neoplasticismo na escola (WICK, 1989)? Ou o que a arquitetura Pós-modernista realizou com os elementos da tradição? Ou ainda o design orgânico dos escandinavos não é uma nova maneira de pensar o projeto, dentro das possibilidades dos materiais, técnicas e repertório visual? Flusser elabora esta teoria em sua obra mais famosa, Filosofia da Caixa Preta (FLUSSER, 2002), onde apresenta a fotografia, metáfora de toda a produção atual, como um jogo que tem por objetivo esgotar suas incontáveis possibilidades (EGUCHI, 2012, p. 31).
Acredita-se que uma boa opção para análise de produtos artísticos, de artesanato e de design seja a de Acha (1978) e a de Lauer (1983), que sugerem a determinação do sentido evolutivo das relações entre a representação e os suportes utilizados a partir da base socioeconômica e ideológica.
“Uma configuração nova da estrutura produtiva rompe as formas anteriores da organização da representação, do suporte material e das relações entre eles”, afirma Lauer (1983, p. 122). No caso específico do objeto artístico e do objeto artesanal, em termos de produção, eles rompem as amarras tradicionais do processo. Lentamente, como é característico de todo sistema de produção pré-capitalista, inicia-se uma proposta nova da práxis, determinada pela realidade que se apresenta nos grandes centros urbanos, além de contribuir, direta ou indiretamente, em várias etapas com os objetos de design, como alguns objetos utilitários criados por Romero Britto, que sempre exercia traços alegres, divertidos e cheios de cor, além de usar textura gráfica em suas obras, conforme traz a figura 6:
4 CONCLUSÃO
Este trabalho, conforme afirmação inicial, desenvolveu-se a partir da preocupação com os conceitos, ambiguidades, inter-relações e conexões entre arte, artesanato e design e suas respectivas atualizações que envolvem ações, termos técnicos e materiais, a partir das transformações sociais e contextualizações.
Conforme afirma Juan Acha (1978, p. 3), “a arte está muito distante de começar e terminar na produção (o trabalho)”. No caso deste estudo,essa afirmação pode estender-se também ao artesanato, observando-se que a produção se torna apenas um dos pontos de partida para análise do objeto, seja ele considerado arte ou artesanato, uma vez que inclui também demais aspectos, tais como a distribuição e o consumo.
Acha (1978) não entende a distribuição como causa última que determina a produção, porém, em oposição a Acha, para Lauer (1983, p. 70), no caso da plástica do pré-capitalismo e dele oriunda, “a pressão aplica-se efetivamente na distribuição, que é a fase em que são gerados os lucros que legitimam a atividade no sistema capitalista, bem como a fase a partir de que se influi na produção”. Um dos aspectos relevantes à distribuição diz respeito ao local onde as vendas efetivamente ocorrem. Em pequenas oficinas de produção de objetos, por exemplo, há também exposições, em geral anuais, como um procedimento quase que tradicional. Nelas, na maioria das vezes, o que se encontra é o que Chiti (1971, p. 8) chama de “entretenimento com um coquetel pseudoestético, um nível elementar de exibicionismo expositor, ou o barato narcisismo da classe média”.
Há que se considerar, também, o aspecto imitativo da reprodução de objetos. Nesse sentido, Chiti (1971), embora comente em relação à produção de cerâmica, entende ser o mesmo pertinente e relevante, no caso deste estudo, tanto para a arte como para o artesanato:
[...] furgões de cola sempre ocorreram em arte, porém, nunca tanto como hoje [...] o trabalho baseado em imitação do exterior de cada estilo, porém ignorando as conotações filosóficas existentes por trás [...]. Não se compreende seu sentido cultural, se ignora quase tudo, e, então, se adotam apostilas ou símbolos exteriores e superficiais da coisa para se assim atingir uma atualização que é só aparente. E então se dão incongruências bastante ridículas de que, para citar um caso, certa pessoa de mentalidade superburguesa, conservadora e reacionária se vê fazendo e expondo ‘arte pobre’. [...] Gafes desse tipo se cometem quando se trabalha sem um claro sentido ideológico e filosófico do que se está fazendo, e quando simplesmente repetem o que fazem os outros, porém sem o haver compreendido plenamente (CHITI, 1971, p. 7-8).
Não caberia aqui uma discussão sobre o aspecto erudito e o popular, mas observou-se a reflexão de Canclini (1980, p. 78) a respeito da determinação do artístico em uma produção plástica, ou seja, o aspecto artístico está sujeito a variações, conforme a época, e, dentro delas, as relações que os homens estabelecem com os objetos, não havendo propriedades constantes nem nos objetivos do produtor, nem na obra e muito menos nos hábitos perceptivos dos receptores ao longo da história, ou seja, tudo é mutante.
Em relação ao design, sua origem já surge em meio a várias polêmicas, agravadas ainda mais pelo aspecto de sua função, com discussões que, a princípio, envolviam tanto a arte como a técnica.Percebe-se, então, que essas discussões parecem evoluir com o passar do tempo e, ao que parece, jamais cessarão.
Concorda-se com Mazza, Ipiranga e Freitas (2007) quando afirmam que, por outro lado, o desenho industrial transita em dois aspectos: o caráter utilitário da técnica e o caráter não utilitário da arte. Ainda, para as autoras, há um forte sinal que marca o design: o seu aspecto projetual. Cardoso afirma que
[...] historicamente, porém, a passagem de um tipo de fabricação, em que o mesmo indivíduo concebe e executa o artefato, para outro, em que existe uma separação nítida entre projetar e fabricar, constitui um dos marcos fundamentais para a caracterização do design (CARDOSO, apud MAZZA; IPIRANGA; FREITAS, 2007, p. 3).
Segundo Ferreira Gullar (apudSALGADO; FRANCISCATTO, 2014), embora o trabalho artesanal tenha sido visto como atividade inferior desde a Antiguidade, a profunda diferença entre arte e artesanato ocorreu a partir do Renascimento, nas construções das igrejas do final da Idade Média, quando as equipes eram divididas nos canteiros de obras entre artistas (esses com atuação individual) e artesãos.
Os aspectos semântico e simbólico decididos pelo “designer-artista”, expressão utilizada por Mazza, Ipiranga e Freitas (2007), serão projetados na qualidade estética que o produto deva expressar.Assim, o interpretativismo, a partir do processo criativo do designer, passa a ser considerado, segundo as autoras, como um dos aspectos mais importantes nas sociedades pós-industriais, já que o referente não é mais o objeto, mas a mensagem. Desse modo, o design assume também uma forma expressiva muito próxima à arte.
Finalmente, após este estudo, comprovou-se, aqui, a hipótese apresentada inicialmente de que há várias interseções, em vários aspectos, entre a arte, o artesanato e o design, e essas interseções só contribuem para a evolução conceitual de cada um dos setores e, ao mesmo tempo, para a interação entre eles.
As relações entre artesanato, arte e design, embora alguns autores entendam que o design não digarespeito à produção artesanal, conceitos mais abrangentes reconhecem a utilização do artesanato como instrumento de expressão do design, destacando o potencial transformador de sua intervenção, além do mesmo ter a capacidade de agregar valor ao objeto. Nesse sentido, Maria Luiza Castro (2009) também observa as questões do desenvolvimento sustentável em seu sentido mais amplo e afirma:
Esta discussão teórica tem desdobramentos importantes para a aplicação de políticas públicas e metodologias de design em regiões menos industrializadas, uma vez que acompanha tendências sociais emergentes e possibilita uma busca coerente do desenvolvimento sustentável, incluindo não somente a questão ambiental, mas também a social e a econômica, tal como preconizado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CASTRO, 2009, p. 4).
Enfim, como afirma Cardoso (2008, p. 15),“... design, arte e artesanato têm muito em comum e hoje, quando o design já atingiu certa maturidade institucional, muitos designers começam a perceber o valor de resgatar as antigas relações com o fazer manual”.
De qualquer modo, é sempre importante lembrar este interessante comentário de Albert Einstein:“A criatividade é a inteligência se divertindo” (ALVES, 2014, p. 10)[1].
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Notas
Autor notes