Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


A evolução estética das revistas femininas populares brasileiras. Estudo de caso: revista AnaMaria
The Esthetical Evolution of Popular Brazilian Magazines for Women. Object of Analysis: AnaMaria Magazine
Revista La Tadeo DeArte, vol. 7, núm. 7, pp. 92-119, 2021
Universidad de Bogotá Jorge Tadeo Lozano

Artículos

Revista La Tadeo DeArte
Universidad de Bogotá Jorge Tadeo Lozano, Colombia
ISSN: 2422-3158
ISSN-e: 2590-6453
Periodicidade: Anual
vol. 7, núm. 7, 2021

Recepção: 27 Fevereiro 2020

Aprovação: 02 Julho 2020

Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar as mudanças no projeto gráfico da revista AnaMaria, publicação destinada ao público feminino, entre 2006 e 2009, período de crescimento da classe média brasileira. Como resultado da mudança do perfil dos consumidores, bem como da exigência e expansão do mercado editorial, verificou-se significativa transformação na linguagem visual desse e de outros títulos de nicho semelhante. A evolução dessa linguagem, das referências e dos fatores determinantes para a nova proposta editorial, que perdura sem mudanças significativas até hoje, pode ser verificada neste artigo.

Palavras-chave: revista, design gráfico, design editorial, linguagem visual.

Abstract: This article presents the graphic design changes of AnaMaria magazine, a publication targeted to women, between 2006 and 2009, a period of growth for Brazilian middle class. As a result of some changes in the profile of its readers, the demand, and the expansion of the publishing market, there was a significant change in the visual language of this publication and similar editorial projects. The evolution of such language, references and reasons for the new editorial proposal, which so far continues without significant changes, can be verified in this paper.

Keywords: Magazine, graphic design, editorial design, visual language.

Introdução

O presente artigo pretende identificar as principais mudanças e fenômenos pontuais que desencadearam adaptações no projeto gráfico da revista AnaMaria, da Editora Abril. O período de transição da linguagem visual adotada pela revista ocorreu entre dezembro de 2006 e dezembro de 2009. Foram analisadas 153 edições da publicação semanal, com ênfase nas características da capa.

A revista AnaMaria é uma publicação de conteúdo e serviço, e fornece, mediante artigos sucintos, com textos curtos e diretos, informações e tutoriais em formato almanaque sobre saúde, família, educação dos filhos, beleza, culinária, moda, decoração, sexo e nutrição. Por meio de sua linguagem visual e do conteúdo de seus artigos, comunica necessidades e aspirações da mulher brasileira de um determinado nicho da sociedade, conforme descrito neste artigo.

O enriquecimento da população brasileira e o inchaço da chamada “nova classe média” (antiga classe C) desde a redemocratização do país até 2014 trouxe, paralelamente ao fenômeno de ascensão social e à revolução da tecnologia da informação, mudanças significativas no projeto gráfico e na identidade visual de diversos produtos, com o objetivo de atender às novas demandas estéticas dessa classe. Como bem aponta Frascara (1999, 13),

A roupa não é para cobrir-se, é para expressar um estilo de vida, os automóveis não são meios de transporte, são meios de comunicação dedicados a posicionar o dono numa escala social que é em grande medida econômica. Os objetos, em geral, constroem a personalidade social da gente, comunicando ideologia e preferências, e atuando simbolicamente como metacomunicações que precedem ou emolduram a comunicação verbal.

Nesse sentido, a revista AnaMaria é composta por reportagens ilustradas por esses elementos de expressão de estilo de vida descritos por Frascara (1999). Além disso, trata-se de um produto em si, considerado meio de posicionamento em escala social de suas leitoras.

A mudança na estética das revistas populares da Editora Abril pautou-se na profunda transformação social experimentada pelo Brasil entre 1994 e 2014, com o aumento de renda e poder de compra da base da pirâmide, com ênfase na então chamada “classe C”. As mudanças editoriais verificadas na revista AnaMaria e relatadas neste artigo tiveram reflexo evidente em revistas destinadas a público semelhante, inclusive em concorrentes de outras editoras.

Um Brasil diferente: emergentes e exigentes

Entre 2009 e 2010, aproximadamente 20 milhões de brasileiros ascenderam à nova classe média. Tais indivíduos representavam, à época, cerca de 52,7% da população brasileira (D + E representam 32,5%), e o aumento do poder de consumo, naquele momento, caracterizou histórica inversão no formato da pirâmide social brasileira. A renda média familiar da nova classe média era, em 2010, de R$ 2.500.[1] Esse nicho comprava 4 de cada 10 computadores vendidos no país e detinha 4 de cada 10 linhas de celulares no Brasil. No âmbito habitacional, ocorreu, com o impulso dado pelo programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida, grande aumento de construtoras populares, muitas delas apêndices das tradicionais construtoras de alto padrão, como Gafisa e Cirella. Em 2009, 70% dos apartamentos e casas financiados pela Caixa Econômica Federal[2] foram destinados à classe emergente. Sete de cada 10 cartões de crédito emitidos eram para consumidores da classe C, segundo pesquisa realizada pela Marplan.[3]

Entre os principais anseios dessa população, estavam, em ordem hierárquica, colocar o filho na faculdade, comprar eletrodomésticos, decorar a casa e comprar móveis, trocar de celular e viajar a passeio. São dados complementares da pesquisa Marplan de 2009: 6,8 milhões de brasileiros pretendiam construir ou reformar o imóvel residencial; 2,3 milhões pretendiam comprar eletrodomésticos; 2 milhões planejavam adquirir eletrônicos; 1 milhão pretendia comprar ou trocar de imóvel.

As leitoras da revista AnaMaria estão inseridas no grupo social que emergiu nesse período e acompanharam o fenômeno de enriquecimento da população vivido desde a redemocratização do Brasil até meados de 2014. A revista é produto supérfluo, e seu consumo depende do resultado do crescimento e sucesso econômico do país (Scalzo 2010). Como resultado dessa então nova dinâmica econômico-social, o núcleo de revistas populares femininas da Editora Abril registrou aumento de participação nos lucros da corporação. Até 2009, os títulos somados (AnaMaria, Viva Mais!, Sou Mais Eu, Ti-ti-ti e Minha Novela) alcançavam a marca semanal de 1 milhão de exemplares vendidos. O crescimento expressivo do segmento editorial coincidiu com as políticas sociais conduzidas pelo Governo Federal à época (Curcio e Keppler 2011). Com apontado por Curcio e Keppler (2011, 38), “a evolução social brasileira advinda da era Lula movimentou o mercado editorial. A conquista dos consumidores emergentes foi amplamente discutida e a estratégia de atuação das editoras acompanhou o fenômeno social”. Diante do surgimento da nova classe média, houve a ampliação dos meios digitais e impressos em curvas de crescimento impressionantes. Ainda segundo Curcio e Keppler (2011, 38), “Revistas como AnaMaria e Viva Mais!, da Editora Abril, Malu, da Editora Alto-Astral, e TV Brasil, da Editora Escala, ascenderam ao hall de títulos semanais mais vendidos do país”. De acordo com dados do Instituto Verificador de Circulação registrados em relatório da Associação Nacional de Editores de Revistas em 2009, a circulação das 10 maiores revistas semanais do Brasil era distribuída conforme a tabela a seguir.

Tabela 1.
10 maiores revistas semanais: circulação média por edição. Janeiro-julho, 2009

Fonte. Instituto Verificador de Circulação (IVC) e Associação Nacional de Editores de Revista 2009.

O recorte específico das leitoras da revista AnaMaria é formado por mulheres entre 30 e 40 anos, casadas, com filhos pré-adolescentes. Moram em casa própria, e metade delas trabalha fora para complementar ou chefiar a renda familiar. Gostam de cozinhar, estão fora de forma (acima do peso), querem emagrecer, adoram cosméticos e preferem produtos que focam a praticidade. [4]

Sobre a publicação

Lançada em 1997 pela Editora Azul, a revista AnaMaria acumula diversas publicações semelhantes às revistas femininas de comportamento e destinadas à classe A. Saúde, moda, beleza, nutrição, decoração e bem-estar são os principais assuntos abordados pela publicação. Em 2000 no Brasil, as revistas experimentaram um boom no aumento de circulação. Como registrado por Curcio e Keppler (2011, 30),

A concorrência interna entre os títulos influenciou o crescimento de circulação do setor. [...] A Discussão sobre a concorrência foi marcada, no período, pela venda da porção de Angelo Rossi da Editora Azul à Editora Abril, que passou a comandar títulos importantes como as revistas Boa Forma, Contigo! e AnaMaria.

Após a migração de editoras, a estratégia editorial de produção de conteúdo da revista AnaMaria passou a ser baseada, principalmente, na reedição do conteúdo publicado por grandes revistas femininas mensais da própria Editora Abril, como Claudia, Boa Forma, Saúde é Vital e a extinta Nova Cosmopolitan.

Os editores reescreviam os textos e republicavam fotos, o que gerava problemas de identificação do público-alvo com a linguagem visual e editorial da revista obtida a partir do reaproveitamento de conteúdo. Segundo Noble e Bestley (2013, 164),

É preciso que os designers reconheçam as necessidades do ambiente social e físico no qual trabalham e para o qual contribuem, e que tomem medidas conscientes. Para que isso aconteça, eles precisarão desenvolver novas ferramentas, envolver-se em equipes interdisciplinares, iniciar projetos e gerar e compartilhar novas informações.

O aumento do número de leitoras e o crescente acesso à informação obrigaram a equipe a traçar nova estratégia e produzir conteúdo exclusivo de maneira constante. Para isso, utilizou-se de uma série de instrumentos metodológicos de levantamento quantitativo e qualitativo do universo dessas leitoras, com processo descrito neste artigo. Gradativamente, o reaproveitamento de conteúdo de revistas de classe A passou a ser substituído por produções fotográficas e editoriais próprias. Abaixo, exemplos de readaptação de textos escritos pela jornalista Carolina Costa, à época editora da revista AnaMaria.

Tabela 2.
Análise comparativa de textos das revistas Claudia e AnaMaria

Fonte. Exercício de edição de texto realizado pela jornalista Carolina Costa, então editora da revista AnaMaria, em conjunto com o autor.

Embora a produção de conteúdo tenha passado para as mãos da redação da revista AnaMaria, a linguagem textual não apresentou significativas mudanças ao longo dos anos. Entretanto, durante os governos Fernando Henrique, Lula e Dilma, a democratização da informação representou grande transformação na exigência estética da nova classe média. Isso pode ser verificado nos levantamentos realizados junto ao público-alvo.

Em 2007, as revistas do núcleo de revistas femininas populares da Editora Abril experimentaram uma baixa de preços (AnaMaria caiu de R$ 2,25 para R$ 1,99), o que alavancou ainda mais as vendas. O preço, que seria mantido apenas por dois meses, representou aumento de vendas e perdurou por cerca de três anos. A título de comparação, em 2020, a revista circula com periodicidade mensal e tem o valor de capa de R$ 4,90.

O universo das leitoras

A proximidade da equipe da redação da revista AnaMaria com seu público-leitor sempre foi ferramenta indispensável para o relacionamento. A Editora Abril, por meio do seu Sistema de Atendimento aos Leitores, estabelece contato periódico com seus leitores. No entanto, ao contrário de revistas mensais consagradas como Claudia ou a semanal Veja, a revista AnaMaria não tem rede de assinantes. Sua distribuição ocorria, durante o período analisado, no varejo (em supermercados, geralmente em gôndolas próximas aos caixas) e em bancas de jornal (veja item “Visitas a bancas de jornal”). A participação do varejo era, naquele momento, de cerca de 30% das vendas contra 70% em bancas. Relatórios semanais com a opinião das leitoras sobre o conteúdo veiculado na edição em circulação eram coletados e registrados pelo Sistema de Atendimento ao Leitor, com funcionário exclusivo para a revista AnaMaria, alocado na própria redação.

Pesquisa descritiva

Uma estratégia específica de coleta e processamentos de dados foi realizada para o embasamento das mudanças no projeto gráfico da revista. O método utilizado esteve alinhado às diretrizes da própria editora e foi baseado no conceito de “análise de rastro” de Malhorta (2019, 167). Segundo o autor, “na análise de rastro, a coleta de dados baseia-se em rastros ou evidências físicas de um comportamento. Os entrevistados podem deixar esses traços intencionalmente ou não” (167). O rastro das leitoras foi analisado a partir de três métodos de observação da pesquisa descritiva proposta por Malhorta (2019, 163), que ainda aponta: “a observação envolve o registro sistemático de padrões de comportamento de pessoas, objetos e eventos a fim de obter informações sobre um fenômeno de interesse”. Os métodos estão descritos a seguir.

Projeto Invasão a Domicílio

Para este primeiro pilar de coleta de dados, dividiu-se a redação em duplas de profissionais de arte e texto, sendo os grupos formados por um repórter e um designer, preferencialmente. As visitas foram realizadas segundo o cronograma abaixo.

Tabela 3.
Cronograma de visitas do projeto Invasão a Domicílio

Fonte. Dados coletados pelo autor.

A Editora Abril mantinha, à época, uma sucursal no Rio de Janeiro. A AnaMaria tinha uma editora de texto alocada nesse município. Por esse motivo, a visita realizada na cidade ocorreu apenas um funcionário da redação.

O projeto Invasão a Domicílio selecionou leitoras fiéis à publicação a partir do banco de dados do Sistema de Atendimento ao Leitor da Editora Abril. As visitas às casas das leitoras foram baseadas no conceito de “observação natural” (Malhorta 2019). Como aponta o autor, “a observação natural envolve a observação do comportamento da maneira como ele se desenvolve em seu ambiente natural” (163). A estratégia se resumiu a uma visita em um dia habitual da rotina das leitoras para o acompanhamento das atividades executadas durante uma jornada de oito horas. Os visitantes (equipe da redação) fizeram registros fotográficos das visitas — do ambiente doméstico da casa das leitoras, das refeições, dos objetos de uso pessoal etc. Como resultado, um arcabouço de referências visuais foi levantado para o entendimento da estética da nova classe média, arsenal indispensável para a etapa futura de concepção do novo projeto gráfico da revista.

Com metodologia criativa de pesquisa, o estudo se baseou no uso de meios visuais para dar forma ao conhecimento. Para Lupton [5] (2016, 7), “o objetivo culminante da pesquisa visual é servir de base à forma, incutir sentido a signos e superfícies”. O designer gráfico é um intelectual que atua a partir do estudo das informações sobre o mundo dos objetos e seus usuários para criar atos de comunicação vivos. Os conteúdos visuais forneceram uma fonte rica, revelando não somente informações sobre o ambiente envolvente, mas também sobre os usuários desses espaços. As fotografias ilustram a realidade e dão informações sobre o fotógrafo, já que é este o profissional que escolhe os recortes registrados, por meio do ângulo, do foco da imagem, do objeto, bem como o momento em que a fotografia foi tirada (Noble e Bestley 2013). Dados como preferências cromáticas, geometria da organização dos espaços (Wheeler 2019), moda e embalagens de produtos fizeram parte da base iconográfica criada (ver figs. 1 e 2). São informações realistas sobre um determinado momento e essenciais para uma análise na qual se procuram atingir conclusões mais complexas. Afinal, o design é uma disciplina em que a concepção do objeto de estudo, do método e do propósito faz parte da atividade e dos resultados. Assim, não se trata de produto, mas sim da arte de conceber e planejar produtos (Buchanan 1995).


Figura 1.
Exemplo de mosaico de imagens coletadas no projeto Invasão a Domicílio
Fonte. Fotos registradas pelo autor durante visita a domicílio.


Figura 2.
Exemplo de mosaico de imagens coletadas no projeto Invasão a Domicílio
Fonte. Fotos registradas pelo autor durante visita a domicílio.

Durante a análise das imagens coletadas, foram utilizados os princípios de forma, função, contexto e conceito de Noble e Bestley (2013).

A seguir, são apresentados exemplos de imagens coletadas no projeto Invasão a Domicílio, registradas em 16 de setembro de 2006, em visita realizada no bairro Jardim Nossa Senhora do Carmo, zona leste da capital paulista, e em 16 de março de 2008, no bairro da Freguesia do Ó, zona oeste de São Paulo, Brasil.

Registro fotográfico sistematizado

Em complementaridade ao projeto Invasão a Domicílio, uma análise de coleta sistematizada de imagens por fotógrafa profissional foi a segunda estratégia de pesquisa visual adotada. O projeto Minha Casa, Minha Cara, Minha Vida — Memória & Fotografia, foi uma iniciativa da Secretaria de Habitação da prefeitura de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, realizada pela fotógrafa Carol Quintanilha. O projeto registrou 266 imagens, que foram distribuídas em três painéis com montagens de 42 casas. Como estratégia visual, Quintanilha captou as imagens do interior das unidades habitacionais do Conjunto Nova Silvina com o foco no mesmo ponto (correspondente) nos diversos apartamentos. Como resultado, é possível observar de que maneira cada uma das famílias equipou o mesmo layout arquitetônico, sedimentando um conjunto homogêneo de composições visuais sob aspectos de forma, função, contexto e conceito (Noble e Bestley 2013).

O resultado da análise dos painéis produzidos por Quintanilha, associados ao resultado da coleta visual do projeto Invasão a Domicílio, constitui o espaço de referências para o desenvolvimento do novo projeto gráfico de AnaMaria. Combinado aos princípios de design editorial e de edição de revistas definidos pelo arquiteto e diretor de arte Jan White (2006), obteve-se a nova fórmula proposta e implementada na revista (veja o item “O novo projeto gráfico”).


Figura 3.
Painel do Projeto Minha Casa, Minha Cara, Minha Vida — Memória & Fotografia
Fonte. Acervo da fotógrafa Carol Quintanilha.


Figura 4.
Painel do Projeto Minha Casa, Minha Cara, Minha Vida — Memória & Fotografia
Fonte. Acervo da fotógrafa Carol Quintanilha.


Figura 5.
Painel do Projeto Minha Casa, Minha Cara, Minha Vida — Memória & Fotografia
Fonte. Acervo da fotógrafa Carol Quintanilha.

Reuniões com leitoras

A terceira estratégia de pesquisa descritiva (Malhorta 2019) utilizada para o entendimento do padrão estético das leitoras de AnaMaria tinha periodicidade mensal. As tradicionais reuniões com leitoras eram realizadas na sede da editora, em São Paulo. Selecionadas a partir do banco de dados do Sistema de Atendimento ao Leitor, cinco leitoras eram convidadas para um bate-papo informal com a equipe reduzida da redação, necessariamente transdisciplinar, com repórteres e designers. Durante a conversa, realizada em salas de reuniões do Novo Edifício Abril, as leitoras eram convidadas a sugerir pautas, apontar falhas e satisfações ou insatisfações com o título. Essa observação não disfarçada (Malhorta 2019), embora permitisse o registro sistemático dos padrões de comportamentos das leitoras, segundo o autor, podem sofrer efeitos diante da “presença do observador sobre o comportamento” (2019, 163).

Observação planejada

Observação disfarçada

Em oposição ao método anterior de observação, seguindo o princípio de observação disfarçada (Malhorta 2019), esta fase da pesquisa de observação foi conduzida pelo Instituto Data Popular e teve como objetivo apresentar as impressões das leitoras expostas ao conteúdo da revista. A instituição, fundada em 2002 com foco na classe C, utiliza métodos quantitativos de análise de dados, além de realizar experimentações em campo, de observação disfarçada e não disfarçada, e coleta de informações por meio de pesquisa responsiva, entrevistas e questionários. O instituto defende a tese de que o investimento em empresas na classe C seja a saída para as crises econômicas.

Como estratégia definida em conjunto com a Editora Abril, em uma sala de reuniões aparentemente sem a presença da equipe de redação da revista AnaMaria, leitoras podiam opinar sobre diferentes edições da revista, dispostas em abundância sobre a mesa. Escondida atrás de uma cortina de vidro, a equipe da redação ouviu e registrou as impressões das leitoras sobre as edições disponibilizadas. Segundo Malhorta (2019, 163), “na observação disfarçada, os entrevistados não sabem que estão sendo observados. O disfarce permite que os participantes se comportem de maneira natural, já que as pessoas tendem a se comportar de modo diferente quando sabem que estão sendo observadas”. Durante a dinâmica, realizada em abril de 2006 na cidade de São Paulo, foram frequentes os comentários de leitoras referentes a aspectos visuais da publicação, como o excesso de cores e a confusão de leitura, problemas de entendimento e legibilidade das chamadas de capa. Muitas delas, reunidas num grupo de 15 leitoras, apontavam como revistas “bonitas” títulos consagrados de classe A, como Claudia e Nova Cosmopolitan, das quais não eram assinantes nem compradoras assíduas em banca.

Visitas a bancas de jornal

A equipe da redação também realizava periodicamente visitas a bancas de jornal em São Paulo e no Rio de Janeiro, para avaliar a exposição das revistas e a visibilidade em meio aos outros títulos. Os pontos de venda eram selecionados pela Dinap, empresa do Grupo Abril responsável pela distribuição de publicações em todo o país. As formas de exposição mais comuns das revistas em banca são feitas lado a lado ou em cascata (ver fig. 6), o que influencia de forma decisiva na legibilidade do conteúdo impresso nas capas. As visitas a bancas seguem a metodologia de análise visual de Jan White. Segundo o arquiteto (2006, 186), “olhar as capas isoladas numa mesa de reunião é enganoso, porque a tentação é considerá-las como ‘arte’. Elas devem ser vistas como o investidor potencial (possível comprador) irá vê-las, de maneira fugaz, competindo por atenção”. Ainda de acordo com White (2006), a exposição em banca define importantes diretrizes do projeto gráfico da capa, como, por exemplo, o posicionamento do logotipo da revista:

O logo fica no canto superior esquerdo, de modo que as primeiras palavras são visíveis quando os exemplares estão sobrepostos nas estantes da banca de jornal. Se as vendas de exemplares avulsos não forem importantes, porque os assinantes recebem a revista pelo correio, então o logo pode ir em qualquer lugar. (187)


Figura 6.
Formas de exposição das revistas em banca: lado a lado (à esquerda) e cascata (à direita)
Fonte. Montagem realizada pelo autor.

O projeto gráfico original

Como bem aponta White (2006), a capa tem outras funções essenciais e inter-relacionadas além de ser “a página mais vital por ser uma vitrine que representa a publicação”. Para o autor,

Desenhar capas não é um processo artístico. Nesse mercado acirradamente competitivo, cada publicação deve deixar sua marca, e a capa incorpora essa característica e ostenta esse sentido de identidade. A capa deve ter sangue-frio e ser comercial, primeiro e acima de tudo. (185)

A revista AnaMaria, editorial e visualmente tinha até 2006 benchmarks norte-americanos que norteavam seu projeto gráfico. As revistas Woman’s World e First for Women, publicadas pelo Bauer Media Group USA, eram utilizadas como modelo de inspiração na elaboração de pautas e, principalmente, nos aspectos visuais de AnaMaria.


Figura 7.
Capa da revista Woman’s World (à esquerda) e da revista AnaMaria (janeiro de 2006)
Fonte. Reprodução de capas de revistas impressas, acervo do autor.


Figura 8.
Capa da revista First for Women (à esquerda) e da revista AnaMaria (março de 2006)
Fonte. Reprodução de capas de revistas impressas, acervo do autor.

A quantidade de informação sempre foi estratégia dos editores das revistas populares, numa tentativa de incentivar a compra por parte das leitoras mediante o grande pacote de informações oferecido pela publicação em troca de um baixo valor de capa (Góes 2010). A Woman’s World tem uma circulação média[6] de 1,6 milhões de exemplares e, segundo o perfil da revista na Wikipedia, vendeu 77 milhões de cópias em 2004, exclusivamente em supermercados, com estratégia de distribuição semelhante à de AnaMaria no varejo, próxima aos caixas na zona check-out das lojas. A quantidade de chamadas de capas nas revistas norte-americanas e em AnaMaria são semelhantes. Cerca de oito chamadas de capa estampam as capas de cada edição.

Para a análise gráfica comparativa de Woman’s World e AnaMaria, com base nas diretrizes definidas por White (2006), foram verificados os aspectos: hierarquia de informação, uso da tipografia, legibilidade e uso da cor. Além disso, aspectos aspiracionais foram levados em consideração. Para White (2006, 185), uma capa vendida em banca deve ser:

● reconhecível de uma edição para a outra (isso é marca);

● emocionalmente irresistível (pelo apelo da imagem);

● magnética e capaz de despertar curiosidade (para puxar o leitor para dentro);

● intelectualmente estimulante (com a promessa de benefícios);

● eficiente, rápida, fácil de varrer com o olhar (com a apresentação de seu “serviço”);

● lógica (fazendo sentido como investimento).

Como aspecto preponderante nesta análise está uma distinção fundamental entre a natureza dos personagens de capa das publicações norte-americanas e da brasileira. Woman’s World e First for Women trazem mulheres anônimas na capa, geralmente recém-saídas de dietas rigorosas com resultados de perda de peso visualmente impactantes. AnaMaria, desde a gênese na extinta Editora Azul, trouxe celebridades que ilustram sua capa. Tal partido editorial acaba por gerar interpretações equivocadas sobre a natureza da publicação. Há quem confunda AnaMaria com revistas sobre a vida de famosos. A presença da celebridade nas capas está diretamente associada com as questões aspiracionais, como apresenta Frascara (1999, 30).

O poder da imaginação atua constantemente em nossa sociedade consumista. Os produtos se comercializam não sobre a base do que são ou do serviço que prestam, e sim, sobre as bases de intangíveis dimensões que o processo de comercialização, os meios e a cultura em geral, relacionam com o objeto.

Como aponta Thomaz Souto Correa (2000, 174), diretor do Conselho Editorial da Editora Abril, “as [revistas] femininas tiveram um destacado papel nas mudanças que se processaram no fazer jornalístico durante as últimas cinco décadas”. As publicações de conteúdo feminino (Correa 2000) ajudaram a formar uma consumidora atenta e exigente. Como resultado da análise comparativa, seguindo os princípios de White, alguns pontos importantes foram levantados, conforme a tabela a seguir.

Tabela 4.
Análise comparativa de capas das revistas Woman’s World e AnaMaria

Fonte. Elaboração própria com base nos princípios de Jan White (2006, 185).

Além das análises comparativas, com quatro capas de Woman’s World e quatro capas de First for Women, foram objeto da pesquisa 153 capas de AnaMaria, incluindo o processo de transição (ver item “O plano de transição”) entre o projeto gráfico anterior e o novo proposto.

O novo projeto gráfico

Segundo White (2006, 43), “a essência do design multipágina (impressos) é a repetição rítmica de um padrão básico que dê à publicação sua coerência visual característica”. White foi consultor do Conselho Editorial da Editora Abril por décadas. Em 2011, o autor deste artigo esteve em Nova Jersey em entrevista com o diretor de arte sobre as diretrizes de projetos gráficos destinados à classe C no Brasil. White reforçou, na ocasião, a importância do uso de uma estrutura gráfica predeterminada, com grades, esquema tipográfico e cromático bem-definidos, como ele mesmo expõe em seu livro Edição e design (2006, 183). “A estrutura dá previsibilidade, de modo que o observador/leitor, por intuir a organização fundamental da peça, tem uma sensação de ordem e até deduz a hierarquia de valores comparativos do material”.

O novo projeto gráfico da revista AnaMaria deveria, necessariamente, respeitar os critérios de hierarquia de informação, uso da tipografia, legibilidade e uso da cor previstos por White. A missão da equipe de design gráfico estava, então, em conciliar todo o arsenal de referências obtido a partir da pesquisa visual com as diretrizes de projeto colocadas em questão. Das imagens coletadas durante a fase de pesquisa, foram extraídas referências como cor, forma e textura, e conceitos subjetivos, como metáforas, símbolos e figuras de linguagem, assim como o estilo de vida ou emoções que dizem respeito ao seu público-alvo (Wheeler 2019).

Uma equipe interdisciplinar coordenada pelo diretor de redação Demetrius Paparounis definiu a fórmula editorial a ser adotada pela revista. De acordo com a diretriz apresentada, são três os ingredientes fundamentais para se fazer boas chamadas de capa (Paparounis 2013): vender soluções, e não problemas; mostrar fartura de números; fugir de chamadas burocráticas.

Tabela 5.
Ingredientes para boas chamadas de capa, segundo Demetrius Paparounis

Fonte. Meio&Mensagem (2013).

Hierarquia de informação

Um dos principais pontos verificados no projeto gráfico que antecedeu a mudança estava relacionado com a falta de hierarquia das chamadas de capa. Diante disso, desenvolveu-se um esquema de chamadas de capa baseado em quatro níveis hierárquicos associados com a relevância dos temas das principais editoriais da revista.

Tabela 6.
Hierarquia de chamadas de capa por temas (editoriais).

Fonte. Dados levantados pelo do autor sobre a análise das capas utilizadas durante a pesquisa.

Como bem aponta White (2006, 185), para se conseguir uma organização hierárquica no projeto gráfico da capa, é preciso agir “conscientemente ao classificar o que é importante”. Segundo o autor, essa classificação envolve concessões estéticas e deve deixar claro o que fará da publicação um produto irresistível.

Uso da tipografia

O ponto de partida para a escolha e combinação dos tipos utilizados no novo projeto gráfico foi o uso de uma única família tipográfica, a Vectora LH, em suas variações disponíveis no fontfolio da Editora Abril. A escolha da fonte não serifada pautou-se, principalmente, pelo contraste com o logotipo da revista AnaMaria, que se manteve original mesmo após a intervenção gráfica. Composto pela fonte Times New Roman Bold, em corpo 137, a imagem da marca é preponderante na composição. O contraste entre a tipografia do logo e das chamadas já estabelece em si um distanciamento hierárquico entre a marca e o conteúdo da edição. Para White (2006, 93), “a escolha da fonte obviamente afeta o caráter e a personalidade da peça”. O uso de uma única família tipográfica para toda a composição foi adotado para deixar evidente a transformação, simplificação e assertividade do texto das chamadas. Um dos resultados da pesquisa de observação disfarçada deixou clara a necessidade do uso da linguagem de forma objetiva na capa da revista. A persuasão da compra da revista passa diretamente pela identificação da leitora com a mensagem. White (2006, 93) chama esse conceito de “fala tornada visível”, num contexto da escolha e disposição dos tipos na página. A tipografia (White 2006) precisa ser disposta sutilmente, expressando a linguagem falada, com hierarquia semelhante ao discurso verbal, composto por gritos, falas, cochichos e sussurros.

Legibilidade e uso de cor

Durante a fase de visitas a bancas de jornal, comprovou-se o apontamento de White sobre a preocupação com o corpo das chamadas, para que fossem legíveis a distância. Para White (2006, 188), “a fonte da chamada de capa deve corresponder à distância a partir da qual o produto será visto: a distância da banca de jornal pede uma escala maior que a distância mais íntima de quem tira uma revista do envelope do correio”.

Ainda nesse sentido, White (2006) defende o uso de fundos monocromáticos, com textos pretos sobre o branco, jamais utilizados em negativo. O projeto gráfico anterior apresentava o uso de tipos diversos, com contornos e cores diversas, sobre fundos saturados, inclusive sobre a foto da personagem de capa. A cor ideal da capa é monocromática (White 2006). Para o autor, as chamadas de capa não devem competir entre si, mas contrastar de maneira que uma realce a outra. Para destacar-se nas gôndolas de supermercado, nas estantes de livrarias ou nas bancas de jornal, optou-se pelo fundo branco, seguindo a perspectiva proposta por White (2006, 188). “Quanto mais colorida e excitante [a capa] parecer na sua mesa de reunião, mais desaparecerá no meio das outras”.

O texto das chamadas de capa foi disposto alinhado à esquerda e à direita, de acordo com a margem mais próxima, liberando o núcleo central para a foto da personagem. Com exceção da chamada principal, disposta sobre tarja amarela, os textos da capa não são aplicados sobre a foto (ver fig. 14). O corte e a edição dos textos eram realizados em conjunto pelos editores de arte e texto.

Para atribuir unidade tipográfica que respeitasse a hierarquia criada (ver fig. 9), padronizaram-se o tipo e o corpo dos subtítulos de todas as chamadas. Tais subtítulos, como se pode ver no esquema detalhado mais adiante, tinham como objetivo, após o impacto visual das grandes chamadas a distância, aguçar a leitora que já tinha em mãos o título sobre o conteúdo das matérias, instigando-a à compra (estratégia eficaz principalmente nas gôndolas de supermercado, na estratégia de distribuição em varejo).


Figura 9.
Esquema hierárquico de chamadas, com descrição da tipografia (parte 1)
Fonte. Prancha da revista AnaMaria produzida pelo autor a partir dos templates em InDesign.

É importante registrar que a revista AnaMaria traz encartado a ela um caderno de receitas de 12 páginas, em formato reduzido. Na versão de varejo da revista, o encarte aparece por fora, preso ao grampo inferior da lombada canoa. Essa sobreposição (ver fig. 11) esconde área significativa da capa. Abaixo, segue tabela com as características básicas de impressão da revista no período analisado. Eventualmente, com a entrada de publicidade acima de 20% do número de páginas, acrescentava-se caderno extra de oito páginas à estrutura-base.


Figura 10.
Esquema hierárquico de chamadas, com descrição da tipografia (parte 2)
Fonte. Prancha da revista AnaMaria produzida pelo autor a partir dos templates em InDesign.


Figura 11.
Estudos de posicionamento da foto de capa
Fonte. Prancha produzida a partir das revistas físicas AnaMaria do acervo do autor.

Tabela 7.
Características técnicas de impressão da revista AnaMaria à época

Fonte. Análise das revistas do acervo do autor, realizada por este.

* Lightweight Coated Paper. Para cada capa escolhia-se um matiz predominante, aplicado sobre o logotipo da revista e algumas chamadas de apoio, conforme o esquema a seguir.

Legibilidade e uso da cor

Para Frascara (1999, 14),

no mundo dos objetos, o êxito comercial não está determinado pela prestação de serviço, e sim, pelo valor que o objeto simboliza. Não que seja possível promover um produto pobre somente sobre a base de uma imagem social, porém, dado que muitos produtos de consumo são semelhantes em sua qualidade, o êxito de mercado se concentra em aspectos de fantasia, na maneira em que esses produtos se posicionam como símbolos do desejável, diferenciando-se uns dos outros não pelo que são, e sim, pelo que evocam na gente, e pelas percepções que a gente tem do que são.

Aspectos aspiracionais foram tratados pela produção e escolha das fotos de capa. A personagem, escolhida por meio de enquetes de popularidade realizadas periodicamente pelo Sistema de Atendimento ao Leitor da Editora Abril, deveria despertar o desejo pela compra e a afinidade com o universo da leitora. O novo projeto gráfico aboliu o uso de fotos de reaproveitamento de ensaios fotográficos realizados por outros títulos (de classe A) e passou a convidar as celebridades para ensaios exclusivos,[7] com produção própria e adequada ao universo do público-alvo. Durante os ensaios, procurou-se dirigir as fotos para que as personagens estivessem com os braços junto ao corpo, gerando uma imagem estreita e alongada, liberando a área lateral para a tipografia. Na fase de estudos de posicionamento da foto da personagem, testou-se o alinhamento à esquerda e à direita da página. O resultado foi a centralização da foto na capa. No estudo disposto abaixo, as duas primeiras capas mostram a revista com o encarte de receitas “Delícias da fazenda” sobre a capa, maneira como era vendida em supermercados.

O plano de transição

Após a apresentação e aprovação do novo projeto gráfico pela Editora Abril, o grupo decidiu em reunião conjunta, depois da apreciação do próprio consultor Jan White e do presidente do Conselho Editorial Thomaz Souto Correa, pela implantação da proposta. O grupo apontou que a mudança de projeto gráfico deveria ser implementada de forma gradativa. O plano de transição foi desenvolvido com a eliminação gradativa das cores de fundo, havendo inclusive período de uso de degradê, simplificação gradativa e diminuição da variedade de tipos. A transição ocorreu entre a edição 614, de junho de 2008, e a edição 673, a primeira publicada com o novo projeto 100% implementado. O processo gradativo foi documentado, e parte dele está disposta abaixo.

Tabela 8.
Capas emblemáticas do plano de transição

Fonte. Prancha produzida pelo autor a partir da reprodução de revistas físicas do seu acervo e análise.


Figura 12.
Registro do plano gradativo de transição de projeto gráfico
Fonte. Prancha produzida a partir das revistas físicas AnaMaria do acervo do autor.

A edição de aniversário de 2009, com ensaio fotográfico realizado com a atriz Guilhermina Guinle, teve a consolidação do novo projeto gráfico como destaque. Teve ensaio de capa produzido em estúdio no Rio de Janeiro, registrado pelo fotógrafo Ernani D’Almeida, com produção de moda da repórter visual Christina Boller. A AnaMaria recebeu o Prêmio Abril de Jornalismo daquele ano pelo novo projeto gráfico implementado. Acompanhando o processo iniciado por essa mesma revista, as demais publicações do núcleo de revistas populares femininas da Editora Abril, dirigidas pelo jornalista Demetrius Paparounis, sofreram alterações semelhantes em seus projetos gráficos. A Viva Mais!, outro título popular, foi uma das pioneiras ao lado de AnaMaria.


Figura 14.
Capa da revista AnaMaria, edição 677, com a atriz Guilhermina Guinle, 2009
Fonte. Reprodução de revista física do acervo do autor.

Conclusão: dinâmica social como impulso ao design

O caso da revista AnaMaria é exemplo de como o design gráfico pode atender a demandas sociais como agente facilitador de acesso à informação. Diversas empresas de segmentos variados passaram por adaptações em suas respectivas identidades visuais durante o período de crescimento da classe C (entre 1994 e 2014). São exemplos a Suvinil, que deu à Glasurit o segmento popular da marca; Gafisa, que deu à Tenda o setor de casas populares; Cirella, com a popular Living, além das linhas econômicas da Deca (material hidráulico), Dellano (móveis planejados) e outras marcas. Para White (2006, 185), “bons designers sabem como cumprir as exigências do negócio e ao mesmo tempo obter um resultado favorável em termos de aparência”. Foi o que ocorreu com a revista AnaMaria após a implementação do projeto gráfico. Antes das mudanças no projeto gráfico da revista, a venda média da publicação era de 60 mil exemplares em banca por semana. Após as mudanças, o número saltou para 150 mil. Em 2009, a publicação foi considerada pelo IVC a quarta maior revista semanal do Brasil, atrás apenas de Veja, Época e Istoé (veja tabela 1).

A condição do design gráfico, que se encontra entre a indústria, a tecnologia, a arte, a cultura, o consumo e o público, faz desse campo um espelho das transformações do cotidiano da sociedade. No caso das revistas, a disputa visual significa sobrevivência em meio às concorrentes, já que a eleita pelo consumidor será a única a obter sucesso no contexto da banca de jornal. Como aponta Frascara (1999, 91):

Toda campanha de comunicação em massa traz consigo um sistema de valores culturais que altera ou reforça os existentes em um grupo social. A promoção de um produto específico de consumo, além de promover o produto dado, promove o consumo, e todo o sistema cultural- econômico que o acompanha. [...] Cada campanha individual contribui para a criação de um sistema de valores que gera um espectro de expectativas e de condutas no grupo social em questão.

A estrutura gráfica proposta, rigorosa em sua implementação, agregou valor ao produto revista. Como explica White (2006, 43), “a estrutura dá previsibilidade, de modo que o observador/leitor, por intuir a organização fundamental da peça, tem uma sensação de ordem e até deduz a hierarquia de valores comparativos do material”.

Seguindo a mudança de projeto gráfico das revistas semanais populares da Editora Abril, a concorrência também se adaptou, com as editoras Escala e Alto-Astral. Além disso, o material de mídia impressa de grupos de varejo como Casas Bahia sofreu intervenção gráfica conduzida pelo mesmo grupo de designers que atuou em AnaMaria, por meio da atuação da agência de branded content do Grupo Abril. Focada em informes publicitários de conteúdo, a rede de varejo lançou, logo após a mudança do projeto gráfico das revistas, uma série de anúncios com o novo design gráfico, seguindo a nova demanda visual do mercado emergente. Desde 2011, não se verificou mudança significativa no projeto gráfico da revista AnaMaria.

Atualmente, o autor trabalha na continuidade da análise de revistas brasileiras populares no Laboratório de Pesquisa em Design Visual, LabDesign, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. A pesquisa “Narrativas visuais e design na base da pirâmide” analisa casos específicos de produção de conteúdo — editorial, institucional e publicitário — de veículos de comunicação populares, incluindo a revista AnaMaria, objeto de análise deste artigo. Além disso, estuda os impactos das mudanças de políticas sociais ocorridas no Brasil desde 2011 nas estratégias de comunicação desses veículos, em plataformas impressas e digitais.

REFERÊNCIAS

Audit Bureau of Circulations. «Consumer Magazines. Circulation Averages for the six months ended 12/31/2011». Acesso em 22 de julho de 2020. https://www.webcitation.org/69Y0HWROH?url=http://abcas3.accessabc.com/ecirc/magtitlesearch.asp.

Buchanan, R. Rhetoric, Humanism and Design, Discovering Design: Explorations in Design Studies, 1995.

Correa, T. S. A Revista no Brasil. São Paulo: Editora Abril, 2000.

Curcio, G. O. F e Keppler, P. História Revista. Associação Nacional de Editores de Revista, 25 anos. São Paulo: Aner, 2011.

Frascara, J. El Poder de la imagen — reflexiones sobre comunicación visual. Buenos Aires: Ediciones Infinito, 1999.

Góes, M. Segmentação de Mercado e Linguagem Visual em Revistas, Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Editoração Eletrônica da ECA, Universidade de São Paulo, 2010.

Lupton, E. «Introdução». Em Pesquisa visual: introdução às metodologias de pesquisa em design gráfico. Porto Alegre: Bookman, 2013.

Malhorta, N. Pesquisa de Marketing — Uma orientação aplicada. Porto Alegre, Bookman, 2019

Noble, I e Bestley, R. Pesquisa visual: introdução às metodologias de pesquisa em design gráfico. Porto Alegre: Bookman, 2013.

Paparounis, D. «3 ingredientes essenciais para boas chamadas de capas». Meio&Mensagem (2013). http://meioemensagem.com.br.

Scalzo, M. Jornalismo de Revista. São Paulo: Contexto, 2010.

Wheeler, A. Design de identidade da marca: guia essencial para toda a equipe de gestão de marcas. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2019.

White, J. Edição e Design. Para designers, diretores de arte e editores. São Paulo: JSN, 2006.

Wikipedia. Woman’s World. Acesso em 22 de julho de 2020. https://en.wikipedia.org/wiki/Woman%27s_World

Notas

1 Cerca de USD$ 490, valor de câmbio de 22 de julho de 2020.
2 Banco estatal vinculado ao Ministério da Economia, governo federal, responsável pelo financiamento e operações de grandes programas sociais no setor habitacional, como o Minha Casa, Minha Vida.
3 Dados de 2009. Marplan é uma pesquisa de mídia feita pelo grupo Ipsos de pesquisa, que é um dos líderes globais no fornecimento de pesquisas em marketing, propaganda, mídia, satisfação do consumidor e pesquisa de opinião pública e social. A Marplan relaciona os hábitos de mídia (ler revista, jornal, assistir à televisão etc.) aos hábitos de consumo (que marca de tênis eu uso, qual o carro que ando etc.); com esses dados, o mídia pode decidir o melhor meio para o seu cliente. A pesquisa é trimestral, reúne dados dos meios, revista, jornal, TV, rádio, internet, teatro, cinema, mobiliário urbano, outdoor. Acontece por meio de um questionário feito “face to face” e é muito utilizada para os meios impressos.
4 Dados obtidos pelo Sistema de Atendimento ao Leitor da Editora Abril.
5 Elen Lupton escreveu o texto de apresentação do livro Pesquisa visual, de Noble e Bestley, citado nas referências deste artigo.
6 Dados do Audit Bureau of Circulations.
7 Os ensaios fotográficos eram realizados principalmente no Rio de Janeiro, em estúdios fotográficos alugados por período, ou eventualmente na sala de assessoria de imprensa dos Estúdios Globo de Produção.


Buscar:
Ir a la Página
IR
Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
Visor de artigos científicos gerado a partir de XML JATS4R