Ensayos
Recepção: 05 Março 2024
Aprovação: 05 Março 2024
Resumo: O trabalho faz uma reflexão teórica acerca de gestão de propriedades rurais familiares brasileiras a partir da experiência dos autores. A concepção sobre gestão está embasada na visão menos usual, que defende que a gestão não pode ser reduzida a um conjunto de técnicas ou fórmulas, mas a uma prática complexa e multifacetada. Conclui-se que, diferentemente do que comumente se diz a respeito da ausência de instrumentos de gestão em propriedades rurais familiares, elas estão presentes de maneira informal, e são usadas em conformidade com o tempo disponível do agricultor e seu foco, que tende a ser a produção agrícola in loco. Tal informalidade não é negativa e nem é feita exclusivamente por agricultores familiares.
Palavras-chave: agricultura familiar, administração rural.
Resumen: Este trabajo ofrece una reflexión teórica sobre la gestión de propiedades rurales familiares brasileñas a partir de la experiencia de los autores. El concepto de gestión se basa en una visión menos convencional de la gestión, que argumenta que la gestión no puede reducirse a un conjunto de técnicas o fórmulas, sino que es una práctica compleja y multifacética. Se concluye que, a diferencia de lo que comúnmente se afirma sobre la falta de instrumentos de gestión en las propiedades rurales familiares, estos están presentes de manera informal y se utilizan de acuerdo con el tiempo disponible del agricultor y su enfoque, que tiende a centrarse en la producción agrícola in situ. Esta informalidad no es negativa y no es exclusiva de los agricultores familiares, ya que otros gestores de diferentes sectores también la adoptan.
Palabras clave: agricultura familiar, administración rural.
Abstract: This paper offers a theoretical reflection on the management of family-owned rural properties in Brazil based on the authors' experiences. The concept of management is grounded in the less conventional view of management who argues that management cannot be reduced to a set of techniques or formulas but is a complex and multifaceted practice. It is concluded that, contrary to the common belief that family-owned rural properties lack management instruments, they are informally present and used in accordance with the available time of the farmer and their focus, which tends to be on on-site agricultural production. This informality is not negative and is not exclusive to family farmers; managers in other sectors also adopt it.
Keywords: family farming, rural administration.
Introdução
Esse trabalho faz uma reflexão teórica acerca de gestão de propriedades rurais familiares a partir da experiência em pesquisas e extensão com agricultores familiares.
É comum pesquisas científicas criticarem agricultores por não realizarem formalizações contábeis, por exemplo, imputando a culpa no baixo nível de escolaridade desses agricultores. Mas, na prática, a gestão de uma maneira geral parece não acontecer como muitos livros de administração descrevem. Como argumento para isso é usada a visão de Henry Mintzberg.
Gestão Agrícola – Teoria e Prática
Breitenbach (2014) define a gestão rural como “estudo que considera a organização e operação de uma propriedade/empresa rural visando o uso mais eficiente dos recursos para obter resultados compensadores’(p. 722)
A concepção sobre gestão desse trabalho, por sua vez, está embasada na visão menos usual sobre gestão e usada por Henry Mintzberg (2014), acadêmico canadense, que defende que a gestão não pode ser reduzida a um conjunto de técnicas ou fórmulas, mas a uma prática complexa e multifacetada. O autor não trabalha com pesquisas ligadas a gestão rural, mas o exercício aqui é correlacionar sua visão com o entendimento sobre o que acontece na gestão rural de agricultores familiares no Brasil, a partir de vivências na área.
Mintzberg (2014) argumenta que a gestão não é uma ciência exata, mas ela ocorre dentro de um triângulo que engloba arte, habilidade prática e uso da ciência. A arte traz ideias e a integração; a habilidade prática gera as conexões na medida em que trabalha a partir de experiências tangíveis e a ciência propicia a ordem, via análise sistemática do conhecimento. Nesse contexto, o autor afirma não haver o melhor jeito para gerenciar, uma vez que depende da situação e isso parece ser a realidade da gestão rural.
Breitenbach (2014) retrata que, cabe ao agricultor familiar, diferentemente de um grande produtor patronal, fazer todo o trabalho de planejamento e operacionalização e venda, desde o que produz, como produz, passando por negociação de venda. Essa inclusive é a diferença básica entre produtor rural familiar e produtor patronal no Brasil, a gestão da propriedade que deve ser feita pelo familiar. A autora conclui que a gestão financeira é o critério mais relevante para o sucesso das propriedades rurais, porém, poucos produtores o fazem, logo não sabem os reais lucros e custos presentes. A causa da não realização, na sua visão, é derivada do baixo nível escolar dos agricultores familiares. No final do artigo conclui que a complexidade do processo de gestão da propriedade rural também é um fator explicativo.
Santos et al (2021) em seu estudo sobre gestão rural familiar entre os produtores da cidade de São João Batista do Glória, em Minas Gerais, Brasil, também concluem que “a ausência de cálculos de produção e a falta de procura por informações que possam auxiliar nessa atividade são constantes em pequenas propriedades rurais” (p. 71)
Porém, Breitenbach (2014) pondera que a educação formal, por si só, pode não preparar para a gestão financeira, uma vez que muitos agricultores poderiam obter informações em outros ambientes, mas considera que é pouco provável que isso ocorra, dado que em geral os agricultores tendem a direcionar seu trabalho em atividades mais urgentes. A gestão financeira não é vista como urgente.
Isso não parece ser exclusivo de produtores rurais familiares brasileiros. Em sua obra Managing Essencial, Mintzberg (2014) desfaz alguns mitos que cercam os gerentes e que parece ocorrer na gestão rural. O trabalho de Mintzberg (2014) é decorrente de observações, via convivência, com 29 gerentes, de alto, médio e baixo escalão, de empresas, governo, setor de saúde e setor social.
O primeiro folclore é que o gerente é um planejador reflexivo e sistemático, como aquela pessoa que fica na mesa, tendo pensamentos grandiosos, tomando grandes decisões e planejando sistematicamente o futuro. O fato, segundo o autor, é que inúmeros estudos mostram que os gerentes trabalham em um ritmo incessante, sendo que a quantidade de serviços a serem feitos em um dia é considerável e uma das razões diz respeito à natureza inerentemente aberta do trabalho. O gerente é o responsável pelo sucesso da unidade. Não há marcos tangíveis onde ele pode parar seu trabalho e dizer que o mesmo acabou (Mintzberg, 2014).
Outra característica apresentada por Mintzberg (2014) diz respeito a brevidade, variedade e fragmentação das atividades dos gerentes. Parece serem fortemente orientados à ação, não gostam de discutir questões abstratas no trabalho, não tendem a realizar muito planejamento geral, mas sim tendem a realizar esquadrinhamento concreto de questões específicas.
Breitenbach (2014) também apresenta isso, embora pareça um problema. A produção rural ocorre em um ambiente aberto (a terra) e sofre uma série de impactos advindos desse ambiente, o que, muitas vezes, se traduz na necessidade constante de resolução de problemas como falta ou excesso de chuva, surgimento de um inseto predador ou de uma planta vista como invasora (praga). O produtor não vai querer sofrer perda na produção por isso o olhar constante, in loco, é vital.
Para Odegheri et al (2023) o administrador rural tem as funções básicas de administrar com eficiência a propriedade, como uma empresa. Consideram que no campo da administração rural, embora com características distintas das empresas urbanas, os fundamentos de gestão, como estratégia, custos, marca e controle são iguais. “Contudo, a maioria dos proprietários rurais realiza planejamento da produção com base na tradição e sem adotar sistemas e controles de gestão rural robustos nem otimizar recurso” (p. 6).
Considerar essa lógica de empresa rural para o grande produtor faz sentido na medida em que ele tem condições financeiras para contratar mão-de-obra especializada para realizar tais atividades. Mas o agricultor familiar, que muitas vezes tem dificuldade até de contratar mão-de-obra temporária, recomendar ferramentas gerenciais parece ser o mesmo trabalho que um consultor faz, quando estabelece que uma empresa deve mudar sua estrutura organizacional sem ao menos discutir sobre os recursos de que dispõe e sobre sua cultura organizacional.
No tocante ao planejamento, Mintzberg (2014) desfaz da ideia do planejamento formal, posto em papel, pelos gerentes, pois apresenta que o planejamento do gerente está muito mais na sua mente e mais focado em ações diárias.
Pode-se pressupor o mesmo no tocante ao planejamento em propriedades rurais. Não se faz um planejamento formal, ele está na cabeça de produtores rurais familiares. No máximo se faz croqui em Sistemas Agroflorestais, ou seja, sistemas produtivos que unem, num mesmo espaço, plantas lenhosas perenes, que são usadas juntamente com culturas agrícolas e/ou animais, num horizonte de longo prazo. Logo, aquela visão clássica de planejamento, organização, direção e controle formal, no papel, parece não ser válida.
Não são muitos os estudos que tratam sobre gestão de propriedade rural familiar sem sair desse viés clássico. Um exemplo de estudo utilizando a visão dominante sobre gestão rural é apresentado por Flamino e Borges (2019), onde afirmam que o planejamento, a organização, o comando, a execução, o controle, a análise e a revisão de objetivos e metas são vitais para uma gestão eficiente de estabelecimentos rurais familiares produtores de leite, o foco do estudo. Assim, deve-se anotar todas as etapas produtivas que ocorrem na propriedade.
A questão é que o agricultor tem tempo de fazer tudo isso? Vale a pena ele/ela anotar tudo? Os dados não podem estar na mente? E se os preços são oscilantes e/ou dados, o que o agricultor pode fazer? Ele pode evitar o máximo possível a perdas na produção. É isso que ele domina.
Deponti (2014) em seu estudo sobre introdução de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) para agricultores familiares num município do Rio Grande do Sul, Brasil, afirma que vários estudos apontam que os agricultores focam mais as atividades de campo do que as atividades de gestão. Isso é posto como negativo.
Cabe aqui a indagação de que se isso ocorre somente entre os agricultores familiares. E a resposta parece ser negativa. Mintzberg (2014), a partir de observação dos 29 gerentes, de alto, médio e baixo escalão, de empresas, governo, setor de saúde e setor social, traçou posturas de gestão, entre elas, a do gerente relutante, ou gerente de meio turno. O exemplo é o médico que é chefe de um hospital. O mesmo dispensa seus deveres gerenciais rapidamente para realizar seu trabalho clínico. O foco do médico é a medicina. Ele executa sua função de gestor porque precisa, mas o faz rapidamente para focar na sua formação – a medicina. Advogado que trabalha como assessor de Ministro também. Logo, não são só agricultores familiares que fazem isso.
Outras colocações de Deponti (2014) é que o uso rotineiro de instrumentos de gestão é exceção entre agricultores familiares; que quando usam práticas gerenciais, acabam usando procedimentos vistos como rudimentares e considerados por ele como não aceitáveis, não úteis. Mas será que essa análise de rudimentar e aceitável está sendo feita a partir da visão da ciência da administração rural ou a partir da perspectiva do objetivo ou dos objetivos do agricultor afinal a propriedade dele pode cumprir outras funções como fornecer alimentos para a família, moradia, porque este foi o trabalho herdado dos familiares, entre outros objetivos pessoais e família. A título de indagação: todas as pessoas que recebem baixos salários tem a capacidade de mudarem de trabalho a fim de receberem melhores rendimentos? Todos os pequenos estabelecimentos, como uma Casa Agropecuária, têm condições de crescer, otimizar sua gestão de maneira a ser eficiente e eficaz como a teoria preconiza?
Deponti (2014) relata que a primeira dificuldade na implantação do Projeto Piloto de TIC em um município no Rio Grande do Sul, Brasil, foi a baixa adesão dos agricultores. Nas oficinas, os agricultores estavam motivados em realizar os registros produtivos, mas, nas visitas in loco, constatou-se que os registros não eram feitos. Uma das conclusões foi que a intervenção foi feita sem uma construção conjunta de processos, em que foram impostos softwares já prontos, de difícil entendimento e adaptação. Para ele, a baixa adesão ocorreu porque os agricultores familiares não viam a importância dos registros e de seu uso na tomada de decisão. A conclusão foi “falta de comprometimento e de disciplina” (p. 19). Para a equipe desse projeto era imperativo que agricultores adotassem o hábito de registrar as informações e a acompanhar as despesas e receitas, a fim de ampliar a competitividade dos estabelecimentos rurais.
A leitura desse resultado de pesquisa é que é dever do agricultor realizar esse registro formal de informações. Porém, não é difícil ouvir agricultores familiares dizendo que ‘não está compensando vender determinado produto’, logo, alguma forma de registro, de cálculo contábil ele está fazendo para chegar essa conclusão. Aqui novamente cabe um adendo sobre o que significa ‘baixa eficiência gerencial”. Ela se traduz em não uso oficiais de técnicas e ferramentas de gestão usadas por empresas?
Mintzberg (2014) derruba a ideia de que os gerentes dependem de informação formal, onde eles deveriam receber informações importantes via sistema de gestão de informação. Ele afirma que isso não se mostrou verdadeiro, nem antes dos computadores, nem mesmo na era da internet. “Os gerentes tendem a favorecer comunicação informal, especialmente telefonemas e reuniões, assim como e-mails” (p. 16).
Uma característica apontada pelo autor (Mintzberg, 2014) é a importância da conversa: “a conversa é a tecnologia da liderança... gerentes valorizam informação subjetiva (soft). Fofoca, boca a boca e especulação formam uma boa parte da dieta de informação do gerente” (p. 17). As informações, segundo ele, costumam serem armazenadas em cérebros humanos sendo que “os bancos de dados estratégicos das organizações ficam, no mínimo, tanto nas cabeças de seus gestores quanto nos arquivos de seus computadores” (p. 18). Isso leva a desestimular a delegação de tarefas uma vez que os gerentes não conseguem transmitir rapidamente as informações que possuem. Isso leva a um “dilema da delegação”, ou seja, ou faz coisas demais sozinhos ou delega a outros, sem dar instruções adequadas e isso pode causar problemas.
Se os gerentes tendem a não usar informações formais deve-se cobrar dos agricultores familiares isso? Acredita-se aqui que as informações de agricultores a priori tendem a vir informalmente de seus compradores, de seus vizinhos, de conversas em cooperativas, em feiras, com a pessoa que presta assistência técnica, nas associações, nos espaços de vendas. E, embora havendo divisão de trabalho dentro da família, toda a decisão do que produzir, para quem produzir, pode ficar na mente de uma pessoa só, em geral, o agricultor, ou ser discutida em família.
Deponti (2014) cita Marion e Segatti (2006) para considerar que o problema da gestão rural familiar está em que parte considerável desses agricultores não consideram a evolução do mercado e as mudanças dos hábitos dos consumidores. Que tais agricultores focam apenas em suas atividades, como se estivessem desvinculados dos demais segmentos da cadeia e dos consumidores e que o uso de métodos de gestão tende a favorecer melhores condições para a inserção de agricultores familiares nos mercados e assim, gerar renda. Mas será que a introdução de ferramentas gerenciais vai modificar o poder de barganha de produtores rurais familiares em cadeias produtivas comandadas por organizações oligopolistas a montante e a jusante da propriedade familiar? Isso vai mudar a variação de preços presente no mercado agrícola?
Ainda usando a visão clássica sobre necessidade de controle formal dentro de propriedades rurais, pesquisa realizada por Zanin et al, (2014) em 210 propriedades rurais no oeste de Santa Catarina, Brasil, sendo 81% com até 30 hectares identificou que 54%, ou seja, 113 propriedades não possuem controles significativos, que auxiliem os gestores rurais na tomada de decisões. No tocante aos controles de gastos com cada atividade desenvolvida, 58, ou seja, 28% das propriedades entrevistadas dizem realizar. O controle de caixa (entrada e saída de recursos) é realizado por apenas 10%, ou seja, 21 propriedades entrevistadas. E controles que permitem apurar os resultados das atividades desenvolvidas na propriedade são realizados em apenas 9%, ou seja, 19 das propriedades rurais entrevistadas”.
É interessante constatar na pesquisa o interesse na implantação de controle nas propriedades. Das propriedades pesquisadas, 40%, ou seja, 84 propriedades, têm interesse em ter controle de caixa de maneira a apontar quando e como foram feitos os pagamentos da propriedade. Mas implantar controle que permite apurar resultados das atividades desenvolvidas na propriedade é apontado como de interesse por apenas 14% das propriedades (30 estabelecimentos) e nenhum produtor rural entrevistado tem interesse em separar as contas da propriedade das contas dos proprietários, como carros, viagens (Zanin et al, 2014).
A conclusão dos autores, todos com formação em ciências contábeis, é que “possivelmente em consequência da falta de qualificação e capacitação” a maioria não faz controles significativos que auxiliem os gestores rurais na tomada de decisão no tocante a gestão da propriedade, e isso fragiliza a continuidade dessas propriedades (Zanin et al, 2014).
Será que é isso mesmo ou não se está pensando nesse instrumento contábil a partir da perspectiva e conhecimento de um contador?
O último folclore apresentado por Mintzberg (2014) em sua pesquisa é que os gerentes mantêm rigoroso controle sobre seu tempo, suas atividades e suas unidades, em analogia ao regente de uma orquestra sinfônica citada por Peter Drucker, no livro Prática da administração de empresa. Contudo, o gerente não é um maestro, nem uma marionete. O controle do trabalho tende a ser mais explícito que implícito, estabelecendo obrigações pelas quais ele deve responder mais tarde, de maneira a servir a seu próprio benefício.
No caso de agricultores familiares brasileiros, acredita-se que o tempo maior é despendido na parte operacional, ou seja, nas fases de manejo da produção – plantio, condução de cultura, colheita e menos tempo é gastos com clientes, fornecedores e parceiros, porque se houver perda no operacional, no produtivo, há perdas na renda. E quanto mais diversificada a produção agropecuária, mais tempo operacional ela tende a demandar.
No caso de gestão rural acredita-se que também há um conjunto de decisões iniciais que definem os compromissos subsequentes sendo que a hierarquia familiar pode ou não ser transportada para uma hierarquia ligada a gestão da propriedade.
Mintzberg (2014), destaca que gerir não é uma tarefa simples e não se resume a implantar um conjunto de técnicas e procedimentos. Acredita-se, neste trabalho, que na gestão rural acontece a mesma coisa. O foco do trabalho tende a ser a produção agrícola e pecuária. O trabalho de gestão financeira, por exemplo, quando feito, é feito com o mínimo esforço possível. Especialmente quando os preços são dados pelo mercado, seja de insumos, seja de venda da produção. Com baixo poder de barganha, agricultoras e agricultores tendem a focar na gestão da produção a fim de obter maior vantagem (menor perda, maior produtividade). Não é falta de conhecimento, e sim priorizar o que mais consegue controlar – a produção e o que tendem a ver como sendo seu verdadeiro trabalho – a atividade agrícola e pecuária propriamente dita.
Breitenbach (2014) também considera a diversificação produtiva e a correlação produtiva como outro fator importante e pouco considerado na gestão produtiva, como, por exemplo, o milho para silagem e alimentação animal. “Esse contexto imprime uma complexidade ao gestor, que precisa considerar todas as atividades como importantes e passíveis de análise financeira, bem como necessita gerir eficientemente as conexões entre essas atividades”. (p. 724)
Outra questão a ser colocada diz respeito a formação tradicional dos profissionais de ciências agrárias que atuam como assessores técnicos e extensionistas rurais, que em geral, apresentam uma tendência a reprodução do pacote tecnológico da agricultura dominante, monocultora, e tendem a não considerar as especificidades dos agricultores familiares (Pimentel et al, 2008) e nem da Agroecologia.
Mas há cursos técnicos e de Bacharelado em Agroecologia no Brasil. A experiência em sala de aula no curso de Bacharelado em Agroecologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus Araras, estado de São Paulo, é que os discentes investem sua energia em compreender sistemas produtivos e tende a haver pouco interesse na gestão, aparentemente vista apenas como uma atividade de suporte, que será feita na prática, de acordo com as condições locais, ou seja, parece não ser a falta de conhecimento, mas sim o foco.
Conclusões
Considera-se o agricultor familiar brasileiro utiliza instrumentos de gestão de maneira informal, em conformidade com o tempo disponível e seu foco, que tende a ser a produção agrícola in loco.
Essa prática da informalidade não é negativa e nem feita exclusivamente pelos agricultores familiares. Outras categorias também utilizam instrumentos informais de gestão ou bem menos formais do que os livros estabelecem que deve ser.
A questão é que a agricultura familiar no Brasil tem função social, que é a geração de alimento, a preservação do meio ambiente, manutenção da biodiversidade, além de geração de trabalho e renda. Por isso, ela deve ser foco de políticas agrícolas, como compras públicas, crédito agrícola, incentivos públicos a produção agroecológica, banco de sementes crioulas, políticas de assistência técnica e extensão agroecológica. Deve-se, via políticas públicas, criar condições para que agricultores e seus descendentes possam gerar segurança e soberania alimentar para o país, de maneira digna e bem remunerada, gerando alimentos saudáveis, e não cobrar desses agricultores uma gestão nos moldes de grandes produtores rurais capitalizados, ligados a grandes cadeias produtivas.
Gestão Rural no Contexto do Agronegócio: Desafios e Limitações.
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