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Os paradoxos no ensino de Matemática: uma perspectiva histórica
Paradoxes in mathematics teaching: a historical perspective
Las paradojas en la enseñanza de las matemáticas: una perspectiva histórica
Revista de Educação Matemática, vol. 19, núm. 1, e022013, 2022
Sociedade Brasileira de Educação Matemática

ARTIGOS CIENTÍFICOS

Revista de Educação Matemática
Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Brasil
ISSN: 2526-9062
ISSN-e: 1676-8868
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 19, núm. 1, e022013, 2022

Recepção: 04 Junho 2021

Aprovação: 10 Março 2022

Publicado: 25 Março 2022

Copyright Revista de Educação Matemática

Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Resumo: No desenvolvimento da Matemática, os paradoxos exerceram um papel notável e preponderante em diversos períodos do progresso dessa ciência, promovendo revoluções, transformações e contribuindo para ampliar ideias, raciocínios, conceitos, métodos, rigor e a Lógica. Dessa forma, este artigo aborda alguns paradoxos envolvendo números e funções e discute suas contribuições para a construção axiomática do conjunto dos números negativos, para uma conceitualização rigorosa de limites infinitos e para a formalização do conceito de função. Com isso, apontamos os paradoxos como um recurso para o ensino e a aprendizagem da Matemática, que além de despertar a curiosidade, criar um ambiente para o debate, incentivar os alunos a examinar pressupostos e mostrar que as falhas da lógica e argumentos errôneos são uma característica comum na evolução da Matemática, também pode contribuir para que os professores desenvolvam uma nova postura diante dos erros cometidos pelos alunos.

Palavras-chave: Números, Função, História da Matemática.

Abstract: In mathematics' development, the paradoxes exerted a remarkable and predominant role in various periods of the progress of science, promoting revolutions, transformations, and helping to extend ideas, arguments, concepts, methods, rigor and logic. Thus, in this paper, we discussed some paradoxes involving numbers and functions, and we discussed also their contributions to the construction of axiomatic set of negative numbers, for a rigorous conceptualization of infinite limits, and for formalize the concept of function. With it, we pointed the paradoxes as a resource for the teaching and for the learning of mathematics, which in addition to arouse curiosity, create an environment for discussion, encourage students to examine assumptions and show that the failures of logic, and erroneous arguments are a common feature in the evolution of mathematics, can also help teachers to develop a new attitude towards mistakes made by students.

Keywords: Numbers, Function, History of Mathematics.

Resumen: En el desarrollo de las Matemáticas, las paradojas jugaron un papel destacado y preponderante en diferentes períodos del progreso de esta ciencia, promoviendo revoluciones, transformaciones y contribuyendo a expandir ideas, razonamientos, conceptos, métodos, rigor y Lógica. Así, este artículo aborda algunas paradojas que involucran números y funciones y discute sus contribuciones a la construcción axiomática del conjunto de números negativos, a una conceptualización rigurosa de límites infinitos y a la formalización del concepto de función. Así, señalamos las paradojas como un recurso para la enseñanza y el aprendizaje de las Matemáticas que, además de despertar la curiosidad, genera un ambiente de debate, anima a los estudiantes a examinar supuestos y demuestra que las fallas de lógica y los argumentos erróneos son una característica común en evolución de las matemáticas, también puede contribuir a que los profesores desarrollen una nueva actitud hacia los errores cometidos por los estudiantes.

Palabras clave: Números, Función, Historia de las Matemáticas.

INTRODUÇÃO

As pesquisas em Educação Matemática têm enfatizado a necessidade da inclusão de uma dimensão histórica no ensino de Matemática (SWETZ, FAUVEL, BEKKEN, JOHANSSON, KATZ, 1995; KATZ, 2000; BARBIN, 2002) e as duas razões mais comumente apresentadas para tal inclusão são: 1. A História da Matemática oferece uma oportunidade para desenvolver nossa visão do que é a Matemática; 2. A História da Matemática nos permite ter uma melhor compreensão de conceitos e teorias. Em ambos os casos, o que se defende é que a História da Matemática pode mudar a própria percepção e a compreensão do professor sobre a Matemática e, dessa forma, então influenciar o seu ensino e sua aprendizagem.

A História da Matemática pode promover mudanças na visão que os professores e os alunos têm sobre a Matemática e sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática. Barbin (2002) afirma que a História da Matemática apresenta uma visão heurística do conhecimento em que o processo de aprendizagem é inspirado na atividade matemática do aluno, em oposição a uma visão tradicional, em que o conhecimento é transmitido pelo professor. Além disso, para Barbin (2002), a história da Matemática promove o desenvolvimento de uma visão da Matemática como um processo de reflexão e aperfeiçoamento, em oposição a uma visão da Matemática como uma estrutura pronta e acabada. Em consequência, considerando a Matemática como atividade mental, podemos entender o fazer Matemática como uma atividade de resolver problemas e, nessa concepção, os alunos da escola, os professores de Matemática e o matemático atuam na mesma atividade. Dessa forma, “a dimensão histórica pode trazer uma mudança global na abordagem de um professor, quer o elemento histórico esteja ou não explicitamente presente na sala de aula.” (BARBIN, 2002, p. 64).

Além disso, conhecer o desenvolvimento histórico da Matemática pode auxiliar o professor a compreender as dificuldades dos alunos em relação a determinados conceitos contribuindo para que o professor tenha uma atitude construtiva em relação aos erros dos alunos. Barbin (2002) enfatiza que foram necessários vários séculos para que os matemáticos chegassem ao atual conceito de limite e, por isso, é natural que os alunos também demandem um tempo considerável para compreender esse conceito e para superar os obstáculos epistemológicos relacionados ao infinito e “para passar da ideia do limite como uma ferramenta para resolver problemas à ideia do limite como parte de um corpo integrado de conhecimento matemático ligado a outros conceitos, como o de número real ou conjunto”. (BARBIN, 2002, p. 65).

A Matemática é uma ciência que se ocupa dos problemas de dedução tomando-se por base uma estrutura axiomática, isto é, a construção de uma teoria matemática inicia-se com o estabelecimento de um sistema axiomático que comporta em sua constituição alguns elementos fundamentais: uma linguagem subjacente ao sistema axiomático; um sistema lógico; um vocabulário de palavras não definidas; um conjunto de proposições (axiomas) referente às palavras não definidas; e um conjunto de definições derivadas desse conjunto de palavras não definidas e desse conjunto de axiomas.

As proposições consideradas num ramo da Matemática podem ser verdadeiras ou falsas, excluindo-se as duvidosas, as prováveis e todas aquelas que poderão complicar ou deformar a lógica inerente à estrutura axiomática delineada. Assim, nesse contexto, os objetos de que se ocupa a Matemática têm as propriedades que lhes são conferidas e não há pretensão de lhes conceder uma filosofia com intuito de estudar sua natureza.

Os matemáticos necessitam de uma linguagem ideográfica, ou seja, de um simbolismo particular, flexível e útil que facilite a enunciação e a demonstração de proposições. Como consequência, esse simbolismo deve ser utilizado com doses de precauções quanto ao emprego adequado da linguagem, da lógica e da intuição. Historicamente, pode-se verificar que, mesmo tendo essas preocupações, o matemático, em seu trabalho diário, algumas vezes não consegue evitar que surjam paradoxos no interior de uma teoria matemática.

No desenvolvimento da Matemática, observa-se que os paradoxos, ao promover mudanças significativas que contribuíram para ampliar ideias, raciocínios, conceitos, métodos, rigor e a Lógica, exerceram um papel fundamental no progresso dessa ciência.

Nesta perspectiva, o presente artigo aponta os paradoxos como uma possibilidade de abordar a dimensão histórica do conhecimento matemático nas aulas das disciplinas de Matemática no ensino Superior (como, por exemplo, nas aulas de Cálculo Diferencial e Integral), buscando com isso promover mudanças nas visões dos alunos e dos professores e contribuir para que os professores tenham uma nova perspectiva sobre os erros cometidos pelos alunos. Para isso, após uma exposição do significado e das origens históricas dos paradoxos, apresenta-se uma discussão de alguns paradoxos sobre números e sobre funções, com o propósito de apontar que as falhas da lógica e os argumentos errôneos são uma característica comum na evolução da Matemática e que podem contribuir para que os professores desenvolvam uma nova postura diante dos erros cometidos pelos alunos.

PARADOXOS: DEFINIÇÃO, TIPOS E EXEMPLOS

Etimologicamente, a palavra paradoxo que, segundo Chantraine (1974), significa “contrária a opinião”, deriva do grego, paravdoxo", composta pelo prefixo para; que exprime “contrária a” em conjunção com o sufixo dovxa que expressa “opinião”. Desta forma, um paradoxo é uma proposição que contém ou parece conter uma contradição lógica, ou um raciocínio que, se bem que sem aparente lacuna, leva a um absurdo, ou ainda, uma situação que contraria a intuição comum.

A palavra paradoxo possui uma gama de significados, porém, de modo geral, neste artigo utiliza-se esse vocábulo com a seguinte acepção: paradoxo designa uma afirmação ou crença contrária às expectativas, opiniões ou ao senso comum e a intuição, que provoca de imediato uma reação de surpresa e perplexidade.

Dentro dessa acepção, há quatro tipos principais e distintos de paradoxos:

1) afirmações aparentemente falsas, porém que se mostram verdadeiras; por exemplo, no caso da Matemática, se considerarmos o conjunto dos números naturais e o conjunto dos números naturais pares, os dois conjuntos têm igual cardinalidade (a cardinalidade de um conjunto finito ou infinito A é definida como o número de seus elementos e é denotada por #A ou |A|), quer dizer, têm idêntico número de elementos. Porém, num primeiro momento, podemos julgar essa afirmação como falsa, já que o segundo conjunto (o conjunto dos números naturais pares) é um subconjunto do primeiro (o conjunto dos números naturais), o que pode nos levar a intuir que a cardinalidade do conjunto dos números naturais pares é menor do que a cardinalidade do conjunto dos números naturais;

2) asserções aparentemente verdadeiras, porém que se mostram falsas; o denominado postulado das paralelas de Euclides de Alexandria (325 – 265 A. E. C.) afirma que para qualquer reta r no plano e qualquer ponto P não em r há exatamente uma reta s que passa por P e não intersecta a reta r. Como resultado, por mais de dois mil anos, um problema importante na Matemática foi decidir se essa declaração poderia ser deduzida dos outros axiomas da Geometria Euclidiana. Finalmente, Johann Carl Friedrich Gauss (1777 – 1855), János Bolyai (1802 – 1860) e Nikolai Ivanovich Lobachevsky (1792 – 1856) desenvolveram a Geometria Hiperbólica ou Geometria não Euclidiana, e verificou-se que era possível construir uma nova Geometria, com rigor lógico, que era tão abrangente e perfeita quanto à de Euclides, na qual todos os outros axiomas da Geometria Euclidiana se mantêm, porém o postulado das paralelas é falso porque pode haver mais de uma reta que passe por P que não intersecta a reta r. Ainda que levasse a resultados que não estão de acordo com a imagem intuitiva do espaço;

3) declarações impossíveis de classificar como verdadeiras ou falsas; por exemplo, a Conjectura de Christian Goldbach (1690 – 1764): a suposição original de Goldbach (às vezes denominada de conjectura “ternária” de Goldbach), escrita em uma carta de 7 de junho de 1742 a Euler, afirma que, conforme Dickson (2005, p. 421) – “que cada número N que é uma soma de dois primos é uma soma de tantos primos incluindo a unidade como se deseja (até N), e que cada número maior do 2 é uma soma de três primos”. Uma forma equivalente dessa pressuposição (designada conjectura de Goldbach “forte” ou “binária”), reescrita por Euler, afirma que, segundo Dickson (2005, p. 421) – “que cada número par (maior do que ou igual a 4) é uma soma de dois números primos”. Em vista disso, ainda, não se pode classificar essa declaração, porque aquele pressuposto não foi demonstrado para ser considerado verdadeiro, mas também não foi dado um contraexemplo que mostre que ele é falso;

4) encadeamentos de raciocínio aparentemente inatacáveis, porém que se encaminham às contradições lógicas (afirmações desse tipo são denominadas falácias). O paradoxo “Aquiles e a Tartaruga” de Zenão de Eléia (490 – 425 A. E. C.), diz que Aquiles, correndo atrás da tartaruga (que parte de um lugar a sua frente), deve, primeiro, atingir o lugar de onde ela começou; mas, a tartaruga já partiu. Quando Aquiles avança a cada ponto da corrida, a tartaruga, que já esteve nesse ponto, já partiu. Esse processo se repete indefinidamente, em outras palavras, Aquiles não poderá alcançá-la. Entretanto:

Zenão, bem como seus contemporâneos, não possuía uma noção do conceito de infinito que permitisse lidar com todos os problemas que envolvem tal conceito. Dessa forma, Zenão imaginava que, para percorrer a soma das infinitas distâncias que separam Aquiles da Tartaruga, seria gasto um tempo infinito, impossibilitando, assim, que Aquiles a alcançasse. Nota-se, no entanto, que a soma dessas infinitas distâncias, que deve ser percorrida por Aquiles para alcançar a tartaruga, é finita. (BALIEIRO; SOARES, 2008, p. 43).

Desse modo, coloca-se a questão: como podemos identificar um paradoxo?

É possível caracterizá-lo quando se observa que um determinado argumento apresenta certas características consistentes, implícita ou explicitamente, que induzem a uma sanção que se mostra aparentemente falsa ou incoerente. Porque a afirmação é falsa ou contraditória, somos levados a recusá-la; mas, por outro lado, não é fácil verificar como se pode fazê-lo, dado que há um argumento aparentemente coerente a seu favor.

Por exemplo, a proposição – Esta afirmação é falsa – é paradoxal; porque se for verdadeira (a proposição) é falsa (já que ela afirma que é falsa), e se for falsa (porque ela afirma que é falsa) é verdadeira (a proposição). Mas uma proposição desse tipo colide com a ideia de que não pode haver frases declarativas com valor assertivo que não sejam verdadeiras nem falsas.

Nem sempre é fácil verificar que um determinado argumento ou um conjunto de argumentos presente numa proposição ocasione uma situação ou situações paradoxais. Para resolver esse impasse paradoxal mostra-se que o argumento ou argumentos em que se baseia não é consistente – porque é inválido ou porque depende de premissas falsas. Por fim, muitas vezes, a descoberta das premissas falsas envolvidas num paradoxo contribui para uma construção mais elaborada da teoria na qual ele se originou.

ALGUNS PARADOXOS E METAPARADOXOS NO TRANSCORRER DA HISTÓRIA

Uma extensa parcela de paradoxos faz alusão à noção de verdade ou falsidade. Por isso, não é estranho que formulações de paradoxos apareceram com o início da Filosofia na antiga Grécia. De fato, o mais antigo e importante de todos os paradoxos lógicos, que se tem registro histórico, é o do mentiroso. Em geral, ele é atribuído ao filósofo grego Eubúlides de Mileto (Mallet, 1845), sucessor de Euclides de Megara (450 – 380 A. E. C.), que alcançou seu apogeu no século IV A. E. C. Em sua formulação original, o mentiroso deve responder à seguinte pergunta: Mente quando diz que mente? Se o mentiroso responde: Sim, minto! – então, evidentemente, não mente; porque um mentiroso que afirma ser mentiroso, diz a verdade. Por outro lado, se o mentiroso responde: Não minto! – então, mente; porque um mentiroso que afirma não ser mentiroso, diz uma mentira.

Uma conhecida modificação do paradoxo do mentiroso foi formulada por Epiménides de Creta (Zevort, 1847), que afirmava: Todos os cretenses são mentirosos. A declaração não pode ser verdadeira, porque Epiménides seria mentiroso e, por consequência, falso tudo o que dissesse. Por outro lado, também não pode ser falsa, porque implicaria que os cretenses fossem verdadeiros e, por essa razão, verídica a afirmação de Epiménides.

Paradoxos envolvendo números

A Matemática, durante seu desenvolvimento, tem sido abundantemente influenciada por paradoxos que têm alguma relação com os conjuntos numéricos, que surpreenderam e confundiram os matemáticos e filósofos por contrariarem a intuição.

Podem-se citar algumas descobertas que se tornaram exemplos clássicos:

1) números irracionais: 2 , e , π e outros;

2) números imaginários: i 2 = - 1 e o conjuntos dos números complexos;

3) números como os quatérnios, que são uma extensão à quatro dimensões de ℝ, denotada pela letra ℍ em homenagem ao seu descobridor William Rowan Hamilton (1805 – 1865), que tem como estrutura uma álgebra associativa compreendendo os elementos a + b i + c j + d k , a , b , c ∈ ℝ, em que i 2 = j 2 = k 2 = i j k = 1 . Os novos elementos i , j e k comutam com qualquer número real, porém i j = j i , i k = k i e j k = k j perdem a comutatividade geral, ou melhor, não satisfazem a propriedade comutativa da multiplicação;

4) números como os octônios ou às vezes denominado números de Cayley, que são uma extensão à oito dimensões de ℝ designada pela letra O, um tributo ao seu criador Arthur Cayley (1821 – 1895), e que consistem nos elementos em uma álgebra de Cayley. Um típico octônio é da forma a + b i 0 + c i 1 + d i 2 + e i 3 + f i 4 + g i 5 + h i 6 em que cada tripla ( i 0 , i 1 , i 3 ) , ( i 1 , i 2 , i 4 ) , ( i 2 , i 3 , i 5 ) , ( i 3 , i 4 , i 6 ) , ( i 4 , i 5 , i 0 ) , ( i 5 , i 6 , i 1 ) , ( i 6 , i 0 , i 2 ) , comporta-se como os quatérnios ( i , j , k ) e não satisfazem a propriedade associativa da multiplicação;

5) números transfinitos ou transfinitos de Cantor uma homenagem ao seu precursor Georg Ferdinand Ludwig Philipp Cantor (1845 – 1918). A cardinalidade de conjuntos enumeráveis é denotada por ℵ" (alef zero, primeira letra do alfabeto hebraico com índice zero). No contexto dos números transfinitos, a cardinalidade do contínuo (a cardinalidade de ℝ ou o conjunto de sequências infinitas de zeros e uns) é designada por ℭ. Além disso, por definição, ℭ = 2ℵ!. Com isso, podemos escrever algumas propriedades conhecidas de conjuntos enumeráveis, como as identidades: ℵ" + n = ℵ", para n finito (a união de um conjunto finito e um conjunto enumerável é enumerável), ℵ" + ℵ" = ℵ" (a união de dois conjuntos enumeráveis é enumerável) e ℵ" × ℵ" = ℵ" (a união de uma família enumerável de conjuntos enumeráveis é enumerável). Essas identidades podem ser combinadas para obter outros teoremas sobre as cardinalidades. Por exemplo, ℭ × ℭ = 2ℵ! × 2ℵ! = 2ℵ!)ℵ! = 2ℵ! = ℭ que significa que a reta real e o plano cartesiano têm semelhante número cardinal. De fato, num primeiro momento, esse resultado é paradoxal!

Como bem assinala Davis (1965 apud KLEINER; MOVSHOVITZ-HADAR, 1994), a evolução do conceito de número foi permeada por paradoxos durante quase todo o seu desenvolvimento.

É paradoxal que, embora a Matemática tenha a reputação de ser um assunto que não tolera contradições, na realidade, ela tenha uma longa e bem sucedida história vivendo em contradições. Em outras palavras é bem mais visto nas extensões da noção de número que têm sido realizada durante 2500 anos. Desde a limitada noção de conjunto de números inteiros, frações, números negativos, números irracionais, números complexos, números transfinitos, cada extensão, à sua maneira, superou um conjunto de exigências contraditórias. (DAVIS, 1965, p. 305 apud KLEINER; MOVSHOVITZ-HADAR, 1994, p. 963-964)

Ao analisar a primeira frase da citação acima, pode-se considerar que ela envolve uma declaração “metaparadoxal”, termo proposto por Kleiner e Movshovitz-Hadar (1994), para designar um paradoxo sobre paradoxos.

A linguagem utilizada para descrever os vários conjuntos de números presentes na Matemática tem sua origem em nossa herança histórica, cultural e social. Por exemplo, na linguagem cotidiana, quando se expressa que algo é “irracional”, geralmente, se quer exprimir que aquele algo está carente de bom senso, ou seja, é não “racional” ou contrário à razão.

Provavelmente, os filósofos-geômetras gregos tiveram esses sentimentos quando se depararam com as grandezas incomensuráveis, porque pensavam, em termos modernos, que dados dois segmentos quaisquer de reta existiriam sempre dois inteiros positivos a e b tais que a razão dos comprimentos desses segmentos fosse comensurável, isto é, a/b. Em Matemática, o termo “racional” significa a razão de números inteiros e o termo “irracional” significa a falta dessa razão. Com maior precisão, o termo comensurável exprime dois comprimentos cuja razão é um número racional.

Por esse motivo, dizer que dois segmentos de reta AB e CD são comensuráveis é afirmar que um deles pode ser “medido” por intermédio da outro, quer dizer, há um inteiro positivo m talque, quando se divide o segmento de reta AB em um número inteiro positivo m de segmentos de reta congruentes, cada um com medida k, o segmento de reta CD , também, pode ser dividido em um número inteiro positivo n de segmentos de reta congruentes, cada um com medida k. Neste caso, a razão das medidas dos comprimentos dos dois segmentos de reta AB e CD será m k / n k = m / n que representa um número racional. Mas, se os segmentos de reta forem tais que a razão das medidas de seus comprimentos é irracional (por exemplo, a medida do comprimento do lado e a medida do comprimento da diagonal de um quadrado), então o procedimento geométrico e algébrico elaborado acima nunca poderá ser feito, não importando quão grande se escolha o número inteiro positivo m (e quão pequeno se escolha o número inteiro positivo k!). Por conseguinte, os segmentos de reta considerados são denominados incomensuráveis.

A ideia de demonstração proposta por Aristóteles de Estagira (384 – 322 A. E. C.), em sua obra Primeiros analíticos, de que a medida do comprimento do lado e a medida do comprimento da diagonal de um quadrado não são comensuráveis é essencialmente a que utilizamos atualmente para provar que 2 é um número irracional.

Continuando nossa explanação, isso gera o seguinte metaparadoxo: O teorema de Pitágoras foi a ruína da filosofia pitagórica e da teoria das proporções pitagóricas. Segundo o denominado “Teorema de Pitágoras”, o quadrado da medida do comprimento da hipotenusa é igual à soma dos quadrados das medidas dos comprimentos dos catetos. Por isso, se consideramos um triângulo retângulo com catetos que tenham como medida 1 unidade de comprimento, então sua hipotenusa terá como medida unidades de comprimento.

Conforme salientam Kleiner e Movshovitz-Hadar (1994):

A descoberta da incomensurabilidade da diagonal e o lado de um quadrado teve consequências de longo alcance para a Matemática grega. Por um lado positivo, inspirou Eudoxo a fundar uma sofisticada teoria da proporção que se aplicava às grandezas comensuráveis e incomensuráveis. Esta, por sua vez, motivou Dedekind, mais de dois milênios depois, a definir os números reais pelos cortes de Dedekind. Por um lado negativo, ela direcionou a Matemática grega (pelo menos na sua parte mais produtiva do período clássico) de uma colaboração harmoniosa de número e Geometria para uma preocupação quase exclusiva com a Geometria. (KLEINER; MOVSHOVITZ-HADAR, 1994, p. 964)

A introdução de números negativos na Matemática e sua posterior utilização ocasionaram consternação e dificuldades. De fato, uma concepção que teve de ser abandonada foi a proibição de subtrair um número maior de um menor. Conforme Kline (1972):

Embora Wallis tivesse ideias avançadas para sua época, e aceitou os números negativos, ele pensou que esses eram maiores do que o infinito, mas não menores do que zero. Em sua Arithmetica Infinitorum (1655), argumentou que uma vez que a razão , quando é positivo, é infinita, então, quando o denominador é alterado para um número negativo, como em com negativo, a razão deve ser maior do que o infinito. (KLINE, 1972, p. 253)

John Wallis (1616 – 1703) pergunta: “[Como pode] qualquer grandeza (...) ser menos do que coisa nenhuma, ou qualquer número ser menor do que nada?” (KLEINER; MOVSHOVITZ-HADAR, 1994, p.964)

Entre outros paradoxos de números negativos têm-se os dois seguintes:

a) Wallis “demonstra” que os números negativos são maiores do que o infinito. Seu argumento era, já que, a / 0 = (para a positivo), então a / b > , com b negativo, pois diminuindo-se o denominador aumenta-se a fração;

b) Em uma carta a Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646 – 1716), Antoine Arnauld (1612 – 1694) opôs-se à igualdade 1 - 1 = - 1 1 , porque a razão da maior quantidade para a menor quantidade não pode ser igual à razão da menor quantidade para a maior quantidade. Leibniz concordou que isso era uma dificuldade, mas defendeu a tolerância para com os números negativos, porque eles são úteis e, em geral, levam a resultados consistentes.

Justificativa de noções sobre fundamentos que produzem resultados úteis e que de outra forma seriam inexplicáveis, ocorrem com frequência na evolução da Matemática. Isto gera o seguinte metaparadoxo: Como podem as coisas sem sentido (ou melhor, inexplicáveis) serem tão úteis? (KLEINER; MOVSHOVITZ-HADAR, 1994, p. 965)

Por conseguinte, essas arbitrariedades, expostas anteriormente, que ocorreram no transcurso da evolução dos conceitos e propriedades que se inserem na Matemática, contribuíram para deixar essa ciência com uma estrutura consistente. Historicamente, conforme Katz (2009), podemos citar William Rowan Hamilton que, em um esforço para esclarecer o significado de números negativos e imaginários na década de 1830, forneceu uma definição de números negativos construindo-os com base nos números naturais. Em seguida, construiu os números racionais valendo-se dos inteiros e, sem sucesso, tentou construir os números reais fundamentando-se nos números racionais.

A incongruência exposta por Arnauld resulta de extensões do conjunto de números inteiros às propriedades que se cumprem para o conjunto de números naturais, já que o conjunto dos inteiros, com a adição e a multiplicação, é um anel comutativo unitário[3], que contém os números naturais. Ou ainda, o conjunto dos números inteiros é um subanel unitário do corpo dos números racionais.

Convém salientar que embora os números inteiros tenham propriedades que os números naturais não possuam, os números inteiros não são totalmente satisfatórios de um ponto de vista algébrico, porque não podemos dividir qualquer inteiro por outro inteiro e ainda obter um inteiro. Com o intuito de contornar esse problema, podem-se construir os números racionais (que intuitivamente podem ser representados por frações ou por decimais finitas ou decimais infinitas que possuem um grupo de algarismos que se repetem indefinidamente) com base nos inteiros, para permitir a divisão, ou seja, para admitir a existência de inversos multiplicativos de inteiros diferentes de zero. Além disso, podemos encontrar uma cópia do conjunto de números inteiros no conjunto de números racionais.

A incongruência apontada por Wallis trouxe a necessidade de uma fundamentação rigorosa do conceito de limite infinito. De fato, podemos considerar que Wallis raciocinava da seguinte forma: considere os números 1⁄5, 1⁄4, 1⁄3, 1⁄2, 1⁄1, 1⁄0 que constituem uma sequência crescente, que em termos genéricos pode ser representada pela desigualdade 1⁄b < 1⁄(b − 1); logo, para b = 0, obtém-se a desigualdade 1⁄0 < 1⁄−1), de outra maneira, ∞ < −1. Por certo, essa ideia parece completamente plausível àquela época, porque sabiam que para b > b − 1 e b = 0 a desigualdade mantinha-se válida. Ou ainda, segundo Kline (1983), Euler:

substituiu x = 1 na expansão 1 ( 1 + x ) 2 = ( 1 + x ) - 2 = 1 2 x + 3 x 2 4 x 3 + ' ' ' e obteve = 1 + 2 + 3 + 4 + ' ' ' ( 1 ) . Para Euler, isso pareceu razoável; ele tratou o infinito como um número. Ele, então, considera a série geométrica (ou binomial) com e obtém (2). Uma vez que os termos da série (2) excedam os termos da série (1), Euler conclui que a soma é maior do que o infinito. Alguns dos contemporâneos de Euler argumentaram que os números negativos maiores do que o infinito são diferentes daqueles menores do que zero. Euler contestou e argumentou que o infinito separa os números negativos dos números positivos assim como faz o zero. (KLINE, 1983, p. 308)

Para poder evitar as dificuldades desse gênero, completa-se o conjunto ℝ dos números reais com os elementos que se denotam por +∞ e −∞ e consideram-se formalmente os símbolos que, por definição, satisfazem as expressões:

I. < + ,

II. ( + ) + ( + ) = +

III. ( ) + ( ) = ,

IV. ( + ) × ( + ) = ( ) × ( ) = + ,

V. ( + ) × ( ) = ( ) × ( + ) = .

Porém, as operações (+∞) + (−∞) ou (+∞)/(+∞) não estão definidas. Além disso, para qualquer x ∈ ℝ, por definição, considera-se que se cumpra a desigualdade −∞ < x < +∞ e que x > 0, x(+∞) = (+∞)x = +∞, x(−∞) = (−∞)x = −∞; para x < 0, x(+∞) = (+∞)x = −∞, x(−∞) = (−∞)x = +∞.

O símbolo que utilizamos para representar o infinito foi criado John Wallis em 1659. Ele empregou esse símbolo, em síntese, segundo Baron (1987), significando o número de linhas em que uma superfície plana é dividida.

Os significados para o símbolo e para o vocábulo infinito persistem na Matemática, na Filosofia, na Física, na religião, na Arte em geral e em outros ramos do conhecimento até hoje. Neste artigo, em especial, em Matemática, esse conceito somente pode ser esclarecido por definições rigorosas para cada contexto em que o termo e o símbolo são utilizados.

Ainda, convém salientar, que todos os tipos de limites que envolvam e devem ser concebidos não como um número real, porém como uma forma sintética de indicar que algo está crescendo sem limite no sentido positivo ou no sentido negativo.

Os números reais estendidos ℝV são os números reais com dois elementos adjuntos; esses dois objetos são o mais infinito (+∞) e o menos infinito (−∞). Desse modo, temos a reta real ampliada como a união destes dois conjuntos ℝ ∪ {−∞, +∞}, e podemos ordená-la tendo +∞ como o maior elemento e o −∞ como o menor elemento; então, temos −∞ < x < +∞ para cada x ∈ ℝ. Com efeito, em topologia, se ℝV é dotado com uma topologia apropriada, ℝV é referido como a compactificação de dois pontos em ℝ. E, portanto, podemos definir essa extensão da reta real da seguinte forma: ℝV ≔ [−∞, +∞] ≔ {−∞} ∪ ℝ ∪ {+∞} com as propriedades que descreveremos abaixo. Uma razão para introduzir os números reais estendidos é que na teoria da medida, é preciso considerar conjuntos com medida infinita. A outra razão é que se { x n } é uma sequência ilimitada de números reais, então podemos observar que lim x sup x n e lim x inf x n , existem em ℝ (os valores podem ser “mais infinito” ou “menos infinito”). Em vista disso, cada sequência de números reais tem um limite superior e um limite inferior em ℝ.

Além disso, temos o homeomorfismo em um intervalo aberto de ℝ. De fato, basta considerar, a função f: (−1,1) ⊂ ℝ ⟶ ℝ, definida por f(x) = x/(1 − |x|) e observar ainda que lim x - 1 f ( x ) = e lim x + 1 f ( x ) = + .

Em visto disso, por fim, as expressões 0⁄0, (+∞) + (−∞), 0 × (+∞), 0 × (−∞), 0", ∞", 1 . são indeterminadas. Por exemplo, se f, g: ℝ − {a} ⟶ ℝ são definidas por f ( x ) = c + 1 ( x a ) 2 e g ( x ) = c + 1 ( x a ) 2 , então existe lim x a f ( x ) = lim x a g ( x ) = + e lim x a [ f ( x ) g ( x ) ] = c . Analogamente, se f ( x ) = sen ( 1 x a ) + 1 ( x ) 2 e g ( x ) = 1 ( x a ) 2 , não existe lim x a [ f ( x ) g ( x ) ] .

Paradoxos envolvendo funções

Com Nikolai Ivanovich Lobachevsky e Johann Peter Gustav Lejeune Dirichlet (1805 – 1859) o conceito de função teve origem na primeira metade do século XVIII. E Isaac Newton (1643 – 1727) e Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646 – 1716) inventaram o cálculo diferencial e integral na segunda metade do século XVII. Logo, na afirmação anterior, há um metaparadoxo: Cálculo sem função.

O cálculo diferencial e integral de Newton e Leibniz pode ser considerado um cálculo de curvas (expressas por suas equações) ao invés de funções. Uma função foi vista em diferentes momentos, no transcorrer da História da Matemática, como uma fórmula, uma curva ou uma correspondência arbitrária.

Os paradoxos foram destruindo um ou outro desses pontos de vista de funcionalidade; também o próprio significado de uma fórmula, bem como a sua aplicação (quer dizer, funções que são representadas por fórmulas), mudou ao longo do tempo e, muitas vezes, eram temas de consideráveis controvérsias.

Para Leonhard Euler (1707 – 1783) e seus contemporâneos da metade do século XVIII, uma função significava uma fórmula, e esse conceito, embora não rigorosamente definido, foi interpretado amplamente para permitir (entre outras aplicações) somas e produtos infinitos em sua formação. Houve várias suposições implícitas:

1) a função (fórmula) deve ser dada por uma única expressão. Nesse caso, a função f: ℝ ⟶ ℝ, definida por f ( x ) = { x , se x > 0 x , se x 0 , não era considerada por Euler uma função, por ser definida por meio de duas expressões;

2) a variável independente deveria ter como conjunto todos os números reais (exceto, possivelmente, para pontos isolados, como f: ℝ − {0} ⟶ ℝ, definida por f(x) = 1⁄x). Por exemplo, a função f:[0,1] ⊂ ℝ ⟶ ℝ, definida por f(x) = x, também não era considerada uma função.

O significado desses pressupostos foi o fato de que os algoritmos do cálculo diferencial e integral empregados naquele tempo aplicavam-se somente para aquelas funções e se restringiam aos casos citados acima.

Muitos dos conceitos formulados sobre funções, no século XVIII, foram desmantelados pela pesquisa Théorie de la propagation de la chaleur dans les solides, submetido à Academia de Ciências de Paris em 1807 e 1811, por Jean Baptiste Joseph Fourier (1768 – 1830). Finalmente, sua importante obra Théorie analytique de chaleur, em 1822, estabelece a teoria matemática das leis de propagação do calor, que compreende as ideias fundamentais de Fourier sobre as séries que levam seu nome. Como resultado desse trabalho, Fourier afirmava que qualquer função definida em algum intervalo pode ser representada como uma série infinita de senos e cossenos. Por exemplo, seja uma função periódica f : [ π , π ] ⊂ ℝ ⟶ ℝ, de período 2 π , definida do modo seguinte f(x) = x2. Por causa disso, a série trigonométrica de Fourier dessa função tem a forma f ( x ) = π 2 3 4 ( cos x 1 cos 2x 2 2 + cos 3x 3 2 . . . ) . Posto que a função é monótona por intervalo, limitada e contínua, essa igualdade se cumpre em todos os pontos.

Primeiro, tornou-se legítimo e importante considerar funções cujo domínio é um intervalo da reta ao invés de toda reta; segundo, duas funções poderiam concordar em um intervalo, mas diferem fora desse intervalo; e, terceiro, a função dada por duas ou mais expressões distintas poderia igualar uma função dada por uma única expressão. (KLEINER; MOVSHOVITZ-HADAR, 1994, p. 967)

Em 1829, Peter Gustav Lejeune Dirichlet, no artigo – Sur la convergence des séries trigonométriques que servente a représenter une fonction arbitrarie entre des limites données – científico sobre séries de Fourier, introduz a denominada função de Dirichlet D: ℝ ⟶ ℝ, definida deste modo: D ( x ) = { 1 , se x 0 , se x ∈ ℚ 0.

Esta função não era nem uma fórmula nem uma curva. Ela era um novo tipo de função, descrita por uma correspondência. (...) No final do século XIX, Baire estendeu (de novo) a noção de fórmula. Para ele, a fórmula significava uma expressão obtida tomando-se por base as variáveis e constantes (possivelmente enumerável) por uma iteração de adições, multiplicações e o passo ao limite. Ele chamou tal função analiticamente representável (...). Desta forma, há incontáveis funções que não são analiticamente representáveis. Mas ninguém deu um exemplo construtivo desse fato. (Kleiner e Movshovitz-Hadar, 1994, p. 967-968)

Por fim, atualmente, conforme Lima (2000), uma função f: A ⟶ B consta de três partes: um conjunto A, denominado o domínio da função (ou o conjunto em que a função é definida), um conjunto B, denominado o contradomínio da função, ou o conjunto no qual a função toma valores, e uma regra que permite associar, de modo bem determinado, a cada x ∈ A, um único elemento f(x) ∈ B, denominado o valor que a função assume em x (ou no ponto x). Além disso, não se deve confundir f com f(x): f é a função, ao passo que f(x) é o valor que a função assume num ponto x do seu domínio.

A natureza da regra que ensina como obter o valor f(x) ∈ B quando é dado x ∈ A é inteiramente arbitrária, sendo sujeita apenas a duas condições: 1ª) Não deve haver exceções: a fim de que f tenha o conjunto A como domínio, a regra deve fornecer f(x) para todo x ∈ A; 2ª) Não deve haver ambiguidades: a cada x ∈ A, a regra deve fazer corresponder um único f(x) em B.

CONTRIBUIÇÕES DOS PARADOXOS PARA A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA – POSSIBILIDADES DE UM NOVO OLHAR PARA OS ERROS DOS ALUNOS

É ampla a literatura que discute o papel dos erros cometidos pelos alunos no processo de aprendizagem da Matemática, explorando várias abordagens de investigação em diferentes níveis de ensino, ainda que o maior número de estudos discuta os erros de Matemática nos níveis da Educação Básica.

Radatz (1980), ao realizar uma revisão sobre as pesquisas de análises dos erros dos alunos publicadas na Alemanha e nos Estados Unidos até o final da década de 1970, discute que as visões sobre o papel dos erros na aprendizagem de Matemática “são caracterizadas por diferentes abordagens e interesses, influenciadas pelas correntes contemporâneas da Pedagogia e da Psicologia, bem como pelos objetivos e formas de organização determinados pelas políticas educacionais” (RADATZ, 1980, p.16). Ainda que, inicialmente, os erros tenham sido tomados como uma forma de classificar e avaliar os alunos, posteriormente, outras visões foram surgindo. Por exemplo:

a visão de que os erros contribuem com a prática docente no diagnóstico das dificuldades de aprendizagem e para criar condições para que o professor possa desenvolver um trabalho de apoio ao desenvolvimento de cada aluno; a visão de que os erros são um ponto de partida para a pesquisa sobre o processo de ensino-aprendizagem matemático e como promissora estratégia de pesquisa para esclarecer algumas questões fundamentais da aprendizagem matemática. (RADATZ, 1980, p.16).

Concluindo seu estudo, Radatz adverte para a necessidade do desenvolvimento de subsídios didáticos para o tratamento de dificuldades específicas de aprendizagem e dos erros. (RADATZ, 1980, p.19)

Conforme Borasi (1996), os matemáticos têm sido capazes de tirar proveito dos erros de forma a contribuir de forma significativa para o crescimento do conhecimento matemático. A autora apresenta quatro casos históricos[4] com o intuito de ilustrar o potencial dos erros matemáticos como ponto de partida para desafiar a visão comum que se tem da Matemática como um corpo de conhecimento absoluto, determinado e objetivo, e propor uma reflexão sobre a natureza do conhecimento matemático, o processo mediante o qual ele é construído e a noção de erro matemático.

Como resultado da análise dos casos históricos, Borasi aponta que “a imagem da Matemática que surge é de uma disciplina muito mais experimental e falível, criada como o resultado de esforços individuais bem como negociações sociais e passível de aperfeiçoamentos contínuos e até “revoluções” radicais.” (BORASI, 1996, p.66). Considerando essa visão da Matemática, não se pode esperar que os erros sejam evitados, mas sim que sejam considerados como uma parte integrante da criação de novos conhecimentos.

Certamente, muitos dos professores que lecionam disciplinas de Cálculo Diferencial e Integral em diferentes cursos e, especialmente, no curso de Matemática, já se depararam com resoluções de exercícios nas quais algum aluno escreve: lim x 0 1 / x = 1 0 = .

Diante desse erro, que muitas vezes consideramos grave, enfatizamos em nossas aulas que a divisão por zero é indeterminada e que ao escrevermos que quando x se aproxima de zero, então lim 1⁄x = ∞, estamos descrevendo o comportamento da função quando os valores de x se aproximam de zero e, nesse caso, o limite não existe. Mas antes de abordar esse limite particular, os livros didáticos abordam os limites de funções elementares. Ainda que a definição de limite seja abordada, logo em seguida, os limites de funções elementares definidas para todo x real, passam a ser calculados por intermédio de “substituições”. Por essa razão, quando o aluno se depara com o limite da função f: (0, +∞) ⊂ ℝ ⟶ ℝ, definida por f(x) = 1⁄x, quando os valores de x se aproximam de zero pela direita, não é tão estranho que o aluno o resolva da forma apresentada no parágrafo anterior.

Situação semelhante ocorre com a definição de função. A maioria dos livros didáticos adota a definição de função contemporânea e apresenta uma lista extensa de exemplos de funções elementares, em que o conjunto imagem (subconjunto do contradomínio), formado pelos valores f(x) que f assume nos pontos x de um subconjunto do domínio, podem ser obtidas por meio de uma regra que depende somente da variável x. Entretanto, pouca atenção é dada às funções que, por exemplo, não podem ser descritas mediante uma regra e isso faz que muitos alunos não compreendam, realmente, o conceito de função (CINTRA, 2018).

Além das situações descritas acima, quando trabalhamos com a definição de número racional e de continuidade, vemos erros iguais de interpretação e compreensão cometidos por diferentes alunos.

Na maioria das teorias matemáticas a igualdade é considerada uma relação primitiva indefinida, com a seguinte acepção: a igualdade é uma relação entre declarações matemáticas, que assegura que essas sentenças representam o mesmo objeto matemático. Em virtude do conceito de igualdade, quando pensamos que: se os números de ambos os lados de uma igualdade são escritos da mesma forma, então essa igualdade deve valer. Entretanto, quando observamos esta igualdade 0,999 · · · = 1 pode surgir a seguinte questão: o número que aparece na primeira igualdade não é igual ao número que aparece na segunda igualdade, então 0,999 · · · ≠ 1. Certamente, o significado do símbolo de igualdade pode causar problemas. Assim, em alguns casos gera nos alunos de graduação certa hesitação, possivelmente eles intuem que 0,999 · · · é “muito próximo” de 1, porém não é 1. Desse modo, parece que os alunos não se sentem seguros em afirmar que é igual a 1.

Para mostrar esta igualdade 0,999 · · · = 1, podemos utilizar um argumento algébrico quando temos número racional na forma fracionária e suas representações na forma de dízimas periódicas. Com efeito, sabemos que 1 3 = 0,333 ⋯ e ao multiplicar ambos os lados dessa igualdade por 3 obtemos 3 3 = 1 = 0,999 ⋯. Além disso, podemos utilizar outro procedimento, que talvez seja mais persuasivo, a saber: x = 0,999 ⋯ e ao multiplicar ambos os lados dessa igualdade por 10 obtemos 10x = 9,999 ⋯ ou 10x = 9 + 0,999 ⋯. Em seguida, ao substituir essa igualdade por x = 0,999 ⋯, obtemos 10x = 9 + x ou 9x = 9 que dividida por 9, obtemos x = 1. Ainda podemos escrever a dízima periódica 0,999 ⋯ como uma série infinita: 0 , 9 9 9 · · · = 9 1 0 + 9 1 0 2 + 9 1 0 3 + · · · = 9 ( 1 1 0 + 1 1 0 2 + 1 1 0 3 + · · · ) cuja série geométrica entre parênteses tem quociente 1 1 0 , e cuja igualdade acima reescrevemos desta maneira: 0 , 9 9 9 · · · = 9 n = 1 ( 1 1 0 ) n . Em continuidade, utilizando o corolário do teorema da convergência para a série geométrica: se |q| < 1, então n = 1 q n = q 1 q para calcular o valor da série geométrica proposta. Logo, obtemos 0 , 9 9 9 · · · = 9 · 1 10 1 1 10 = 9 · 1 9 = 1 . Portanto, 0,999 ⋯ = 1.

Ao olharmos para os paradoxos que foram pesquisados, percebemos que até a formalização que atualmente temos desses conceitos, os matemáticos, ao longo da História da Matemática, também se depararam com dificuldades, tiveram dúvidas e propuseram abordagens que geraram controvérsias sobre tais conceitos. Consequentemente, podemos, em nossas aulas, trabalhar o desenvolvimento dessas ideias entendendo o erro do aluno de uma nova maneira. Um docente que ministra aulas de Cálculo Diferencial e Integral, por exemplo, pode utilizar os paradoxos para mostrar aos seus alunos as dificuldades e os obstáculos que foram enfrentados por diferentes matemáticos quando buscaram estabelecer uma definição formal para muitos conceitos.

Ao pensarmos, por exemplo, sobre o conceito de função, que hoje está formalizado e é compreendido por nós, sem dificuldades, passamos a considerar o erro do aluno como uma falha grave em sua formação. Entretanto, ao lançarmos nosso olhar para o desenvolvimento histórico da Matemática, percebemos que o conceito de função por mais de 400 anos foi sendo modificado e aprimorado, para somente no século XX, ser definido como o conhecemos atualmente. E, muitas vezes, o aluno tem uma noção de função que já foi utilizada e adotada como definição em algum período da História da Matemática.

Assim, esta pesquisa buscou encontrar as dificuldades que historicamente os matemáticos tiveram e, por meio do texto aqui apresentado, esperamos contribuir para uma reflexão, de professores e alunos, que possa auxiliar no processo de ensino e de aprendizagem de tais conceitos.

Não foi objetivo desta pesquisa elaborar uma sequência didática ou atividades de ensino, mas construir um texto que possa servir como um material de apoio para os professores, já que ainda são poucos os subsídios didáticos para o desenvolvimento de um trabalho que explore as potencialidades pedagógicas dos erros dos alunos em Matemática, em especial, que abordem conteúdos do Ensino Superior.

Enfim, o objetivo deste artigo é considerar os erros e as dificuldades dos alunos na aprendizagem de certos temas da Matemática e, diante disso, por meio da História da Matemática, mostrar que a geração de um conceito não se produz de maneira imediata e linear, porém, que muitas vezes, é aprimorada e modificada em diferentes épocas, por diferentes matemáticos.

Esperamos que este trabalho possa ser utilizado em sala de aula como um ponto de partida para as discussões, mas, certamente, espero que cada docente possa, ao ler o texto, vislumbrar uma nova maneira de enfrentar as dificuldades de seus alunos e buscar alternativas e soluções.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os matemáticos, em seu trabalho, se deparam com contradições que podem revelar que foram assumidas premissas falsas ou que houve falta de rigor nos métodos empregados (BORASI, 1996). Mas essas contradições levam os matemáticos a aperfeiçoar suas conjecturas e definições, levando-os a compreender melhor os conceitos com os quais trabalha.

Por sua vez, os professores de Matemática, ao preparar suas aulas, elaboram ou escolhem exemplos, problemas e exercícios que resolvem previamente. Mas, na sala de aula, o professor apresenta um produto final, em que omite os erros que possa ter cometido, as tentativas mal sucedidas de resolução, os métodos empregados que não foram adequados para a solução de um determinado problema e até os problemas para os quais não tenha encontrado solução ou tenha o conduzido a um resultado inesperado.

Os erros e as contradições fazem parte da construção do conhecimento matemático e, portanto, esse aspecto deve ser abordado em qualquer discussão sobre a natureza da Matemática.

Além disso, devemos buscar subsídios que possam nos auxiliar no desenvolvimento de um trabalho de ensino que objetive a exploração dos erros dos alunos como uma estratégia para auxiliar a sua aprendizagem.

Desse modo, neste artigo, procurou-se evidenciar que, em sua evolução, a Matemática, em diferentes períodos, colecionou uma gama de paradoxos que se originaram de debates, controvérsias, formulações, transformações, reformulações e expansões de problemas conceituais presentes nas teorias que foram elaboradas pelos matemáticos e filósofos que figuraram naqueles períodos. Por consequência, pode-se afirmar que os paradoxos tiveram um impacto significativo no desenvolvimento da Matemática por meio do refinamento e reformulação de conceitos, ampliação de teorias existentes e o surgimento de outras novas.

Em relação aos paradoxos apresentados neste artigo, procurou-se, de forma concisa, expô-los historicamente, discuti-los coerentemente e analisá-los num contexto moderno com o intuito de mostrar as inconsistências lógicas e o “rigor”, inerente à época, apresentados na gestação dos conceitos de uma teoria. Dessa forma, pretende-se que os exemplos de paradoxos apresentados possam ser utilizados no ensino e aprendizagem dos conceitos de função e números inteiros aos alunos dos cursos de Licenciatura em Matemática.

Por meio da ampliação das discussões e dos conhecimentos na linha de pesquisa em História da Matemática como recurso metodológico, espera-se contribuir para o aperfeiçoamento de metodologias utilizadas em atividades de ensino e aprendizagem da Matemática, dando aos professores a oportunidade de ampliar seus conhecimentos segundo informações históricas e filosóficas, para que tenham uma visão extensa e explícita da evolução das ideias da Matemática, bem como de seus conceitos e teorias, e fornecendo um material que possa ser utilizado em sua prática docente.

Finalmente, com as discussões apresentadas neste artigo, espera-se despertar a curiosidade e o senso crítico dos alunos e dos professores com relação ao desenvolvimento histórico de um conceito ou teoria matemática, para que desenvolvam a capacidade de gerenciar informações históricas que possam ser úteis para o processo de ensino e de aprendizagem, levando em conta que, ao abordar um assunto matemático, é fundamental promover ambientes propícios para o debate, encorajar os alunos a desenvolverem estratégias que possibilitem analisar pressupostos adjacentes à construção de um conceito ou teoria matemática, mostrar que as imperfeições da lógica e argumentos errôneos são uma característica comum na evolução da Matemática, mobilizar conhecimentos para construir de forma consistente e coerente conceitos matemáticos, estender seus conhecimentos históricos acerca dos conceitos e procedimentos matemáticos e ampliar a visão que têm dos problemas da Matemática e do mundo em geral.

REFERÊNCIAS

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Notas

[4] Os casos discutidos por Borasi (1996) são:

i. os resultados positivos da falta de rigor no desenvolvimento inicial do Cálculo;

ii. as consequências surpreendentes da não demonstração do Postulado das Paralelas;

iii. lidando com as inevitáveis contradições do conceito de infinito;

iv. refinamentos progressivos do Teorema de Euler sobre a “característica” de poliedros.

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