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O portfólio como instrumento de avaliação do aprendizado em contextos de Educação Matemática Crítica: análise da percepção de estudantes do 7º ano do Ensino Fundamental
The portfolio as a learning assessment tool in Critical Mathematics Education contexts: analysis of the perception of students in the 7th year of elementary school
El portafolio como herramienta de evaluación del aprendizaje em contextos de Educación Matemática Crítica: análisis de la percepcion de los estudiantes de 7° año de primaria
Revista de Educação Matemática, vol. 19, núm. 3, e022036, 2022
Sociedade Brasileira de Educação Matemática

PRÁTICAS AVALIATIVAS E A SALA DE AULA DE MATEMÁTICA

Revista de Educação Matemática
Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Brasil
ISSN: 2526-9062
ISSN-e: 1676-8868
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 19, núm. 3, e022036, 2022

Recepção: 27 Outubro 2021

Aprovação: 03 Dezembro 2021

Publicado: 10 Junho 2022

Copyright Revista de Educação Matemática 2022

Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Resumo: O presente artigo apresenta as percepções de estudantes do 7º ano do ensino fundamental a respeito de um instrumento de avaliação – o portfólio – utilizado para avaliar as atividades realizadas durante a execução de um projeto em contexto de Educação Matemática Crítica. Ao final do desenvolvimento do projeto, como parte da avaliação do mesmo e do uso do instrumento de avaliação, 53 estudantes de duas turmas do 7º ano do ensino fundamental responderam a um questionário, onde puderam relatar suas experiências com o projeto e o modo como foi conduzida a avaliação. As respostas foram submetidas à análise de conteúdo categorial temática e apresentaram os seguintes resultados: os estudantes relataram percepções sobre o próprio processo de aprendizado e também em relação ao tema do projeto (Meio Ambiente e Alimentação). Por meio de tais registros e consonante com a literatura, evidenciou-se o desenvolvimento de habilidades de organização, apresentação e reflexão sobre o trabalho realizado, culminando em potencial para a autoavaliação; trabalho em equipe, leitura e escrita do mundo com a matemática e mudanças de atitude – em relação à disciplina e ao tema estudado. Como pontos a serem melhorados, os estudantes advogam pelo maior uso do instrumento, em diversos momentos, maior variedade nas atividades e responsabilidade dos integrantes dos grupos. Hipóteses levantadas durante o trabalho apontam para investigações que compreendam a metacognição dos estudantes, principalmente no que diz respeito às mobilizações de critérios utilizados para a inserção ou exclusão de atividades no portfólio, bem como atenção aos feedbacks dados pelo professor.

Palavras-chave: Avaliação, Educação Matemática Crítica, Portfólio.

Abstract: This article presents the perceptions of students in the 7th year of elementary school about an assessment instrument – the portfolio – used to assess the activities performed during the execution of a project in the context of Critical Mathematics Education. At the end of the project's development, as part of its evaluation and the use of the evaluation instrument, 53 students from two classes of the 7th year of elementary school answered a questionnaire, where they were able to report their experiences with the project and how it was the assessment conducted. The answers were submitted to thematic categorical content analysis and presented the following results: students reported perceptions about their own learning process and also in relation to the project theme (Environment and Food). Through such records and in line with the literature, the development of skills of organization, presentation and reflection on the work performed was evidenced, culminating in the potential for self-assessment; teamwork, reading and writing the world with mathematics and changes in attitude – in relation to the subject and the subject studied. As points to be improved, students advocate for greater use of the instrument, at different times, greater variety in activities and responsibility of group members. Hypotheses raised during the work point to investigations that understand the metacognition of students, especially with regard to the mobilization of criteria used for the insertion or exclusion of activities in the portfolio, as well as attention to the feedback given by the teacher.

Keywords: Assessment, Critical Mathematics Education, Portfolio.

Resumen: En este artículo se presentan las percepciones de los estudiantes de 7° año de la escuela primaria sobre un instrumento de evaluación, el portafolio, utilizado para evaluar las actividades realizadas durante la ejecución de un proyecto en el contexto de la Educación Matemática Crítica. Al final del desarrollo del proyecto, como parte de su evaluación y el uso del instrumento de evaluación, 53 alumnos de dos clases del 7 ° año de primaria respondieron un cuestionario, donde pudieron relatar sus experiencias con el proyecto y cómo fue la evaluación realizada. Las respuestas fueron sometidas a análisis de contenido temático categórico y presentaron los siguientes resultados: los estudiantes reportaron percepciones sobre su propio proceso de aprendizaje y también en relación con la temática del proyecto (Medio Ambiente y Alimentación). A través de dichos registros y en línea con la literatura, se evidenció el desarrollo de habilidades de organización, presentación y reflexión sobre el trabajo realizado, culminando en el potencial de autoevaluación; trabajo en equipo, leer y escribir el mundo con matemáticas y cambios de actitud - en relación con la asignatura y la asignatura estudiada. Como puntos a mejorar, los estudiantes abogan por un mayor uso del instrumento, en diferentes momentos, mayor variedad de actividades y responsabilidad de los miembros del grupo. Las hipótesis planteadas durante el trabajo apuntan a investigaciones que comprenden la metacognición de los estudiantes, especialmente en lo que respecta a la movilización de criterios utilizados para la inserción o exclusión de actividades en el portafolio, así como la atención a la retroalimentación brindada por el docente.

Palabras clave: Evaluación, Educación Matemática Crítica, Portafolio.

INTRODUÇÃO

A avaliação, enquanto elemento estruturante da prática pedagógica dos professores, costuma ser alvo de intensos debates, sobretudo por encerrar em si, a depender da concepção adotada para sua prática, a capacidade de influenciar a trajetória de diversos estudantes. No caso da matemática, Pavanello e Nogueira (2006) afirmam que a prática avaliação costuma estar centrada na verificação de conhecimentos e contagem de erros, alinhando-se, portanto, a uma concepção somativa que tem como consequência a classificação e seleção dos estudantes em função de suas notas obtidas em provas.

Nessa perspectiva, que se distancia de uma avaliação de cunho formativo (LUCKESI, 2011; PERRENOUD, 1999), os erros são obstáculos e não fonte potencial de análise e aprendizado e, consequentemente, podem reforçar a visão de que a matemática é difícil ou inacessível para certos estudantes. Instrumento por excelência de avaliações que tenham por finalidade a seleção e classificação dos alunos, as provas ou exames, são denunciados por Luckesi (2011, p. 29) como sustentadores da “aprovação ou reprovação do educando”, distanciando-se de sua função de “subsidiar um investimento significativo no sucesso da aprendizagem, própria da avaliação”.

A avaliação de caráter formativo, por outro lado, direciona o aprendizado do aluno e o trabalho do professor – diferindo-se da primeira concepção por não colocar o aluno como mero objeto da avaliação, mas como sujeito da avaliação. Toda avaliação que se pretende formativa encerra em si uma perspectiva diagnóstica do processo de ensino e aprendizagem, diagnóstico este que serve como “um instrumento de compreensão do estágio de aprendizagem em que se encontra o aluno, tendo em vista tomar decisões suficientes e satisfatórias para que [o aluno] possa avançar no seu processo de aprendizagem” (LUCKESI, 2011, p. 115, grifos do autor). Ademais, possibilita ao educador verificar se seu trabalho está sendo eficiente, verificando continuamente se o educando avança no conhecimento e supera suas defasagens.

Desse modo, pensar em uma avaliação que seja formativa nos remete a uma estratégia pedagógica de luta contra o fracasso e as desigualdades (PERRENOUD, 1999), visto que as práticas seletivas e classificatórias – também conhecidas como práticas tradicionais de avaliação – vão de encontro a ideias democráticos para a educação (LUCKESI, 2011). A superação desse modelo tradicional de avaliação torna-se importante, visto que este modelo “empobrece as aprendizagens e induz, nos professores, didáticas conservadoras e, nos alunos, estratégias utilitaristas” (PERRENOUD, 1999, p. 18).

Uma concepção tradicional de avaliação remete, de certa forma, a uma concepção tradicional de ensino e aprendizado e, no caso do presente trabalho, a uma concepção de ensino e aprendizado de matemática que são ditos tradicionais. Mas, no que consiste exatamente o ensino tradicional de matemática?

De acordo com Skovsmose (2014), esse tipo de ensino é marcado pela prevalência de exercícios que, embora desempenhem um papel importante no ensino dessa disciplina, tendem a minar a criatividade dos estudantes, quando são a única metodologia utilizada pelos professores. De um modo geral, os alunos precisam apenas encontrar a resposta correta (uma solução única, indubitável), manejando as informações necessárias e suficientes já contidas no enunciado. Desse modo, “[...] toda informação está à disposição, e os alunos podem permanecer quietos em sias carteiras resolvendo exercícios” (SKOVSMOSE, 2014, p. 17).

Romper com esse paradigma, entretanto, não é uma tarefa fácil. Implica em novas formas de conceber o planejamento do ensino de matemática: desde a concepção de um projeto que inclua os conteúdos a serem ensinados e permita formas investigativas, passando pela organização das tarefas a serem realizadas pelos estudantes, até formas coerentes de avaliação do aprendizado durante esse percurso.

Sendo assim, guiado pela pergunta: “qual a pertinência do uso de portfólios para a avaliação da aprendizagem matemática de estudantes do ensino fundamental em contextos de EMC?”, o objetivo deste trabalho é analisar a percepção de estudantes do 7º ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede privada de ensino de uma cidade no interior do Estado de São Paulo, a respeito desse instrumento utilizado para o processo de avaliação durante o desenvolvimento de um projeto realizado em contexto de Educação Matemática Crítica (EMC). Pretende-se com isso, evidenciar as relações entre processos de avaliação diferenciados e esses contextos, dialogando com os pressupostos da EMC, de modo a expandir a compreensão da questão e do papel da avaliação dentro deste referencial teórico, bem como evidenciar alguns limites e possibilidades a partir da percepção dos próprios estudantes.

UM NOVO PARADIGMA PARA A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

A respeito da EMC e/ou Educação Matemática para a Justiça Social – ambos os termos utilizados comumente sem distinção por conterem, segundo Skovsmose (2017) abordagens sobrepostas – temos que estas se configuram como alternativas, não somente ao ensino tradicional de matemática, mas também à hegemonia dos interesses do capital internacional.

Nesse sentido, a EMC se revela como forma de contestação de currículos restritos e restritivos que tendem a limitar o escopo da Educação Matemática e da Educação como um todo (POWELL, 2012). Isso porque a EMC, conforme discutida por diversos autores (GUTSTEIN, 2006; 2009; FRANKENSTEIN, 2012; SKOVSMOSE, 2007; 2013; 2014) almeja o desenvolvimento de posturas críticas frente a problemas de ordem social, econômica e política, tornando os estudantes capazes de compreender as complexidades de tais fenômenos por meio do conhecimento matemático (leitura do mundo com a matemática), bem como atuar sobre eles (escrita do mundo com a matemática). Trata-se, como destacado por Frankenstein (2012), de incluir na educação matemática a luta por um mundo justo, expandindo a noção dos estudantes a respeito da aplicação dos conhecimentos matemáticos.

Assim, o processo de ensino e aprendizagem de conteúdos matemáticos passa a abranger a apreensão de conteúdos que leve os estudantes a obter sucesso acadêmico em seu sentido mais tradicional (como possibilitar a aprovação, domínio de conceitos e procedimentos, prosseguimento dos estudos), mas também possibilita que os estudantes modifiquem sua visão das finalidades dessa disciplina (GUTSTEIN, 2006), desenvolvendo atitudes mais positivas em relação a ela. Ser capaz de compreender os conteúdos matemáticos possibilitariam, então, a concretização de outros objetivos, como a leitura do mundo com a matemática, isto é,

[...] usar a matemática para entender relações de poder, desigualdades de recursos, diferenças de oportunidades entre diversos grupos sociais e para entender discriminações explícitas baseadas em raça, classe, gênero, língua e outras diferenças […] usar a matemática para examinar esses diversos fenômenos, tanto na realidade imediata quanto em um contexto social mais amplo e para identificar relações e fazer conexões entre eles (GUTSTEIN, 2006, p. 45, tradução minha).

Na continuidade desse raciocínio, Gutstein (2006) destaca como par da leitura do mundo com a matemática a escrita do mundo, conceito freireano que diz respeito à atuação no mundo, buscando melhorar ou modificar uma determinada situação em questão. Relaciona-se com o desenvolvimento de habilidades para uma ação positiva e transformadora da realidade.

Para que isso aconteça, é interessante que os estudantes tenham oportunidades de matematizar, isto é, “[...] formular, criticar e desenvolver maneiras de entender”, tornando a matemática mais rica em relações, sobretudo “[...] com uma realidade já vivida mais do que com uma realidade falsa, inventada com o único propósito de servir como exemplo de aplicação” (SKOVSMOSE, 2013, p. 13-14).

De fato, tal tarefa não parece ser simples de ser cumprida quando tomamos os moldes do ensino tradicional, organizado para atender, sobretudo, a um modelo conteudista e sequenciado de ensino – agora cristalizado no documento balizador da educação brasileira, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – que visa a atender interesses de empresas, fundações e instituições filantrópicas (DIAS, 2020). Vale ressaltar, embora sem surpresa, que docentes e segmentos importantes foram deixados de lado da elaboração desse documento, tendo a participação de organismos multilaterais e do setor privado impulsionado uma lógica que atende aos anseios do mercado neoliberal e que repercutem sobre a questão da avaliação: privilegia-se a mensuração de resultados, hipertrofia de uma cultura de performatividade, controle do processo de ensino por referentes externos via avaliações padronizadas, responsabilização, pagamento diferenciado e privatização (DIAS, 2020; FREITAS, 2012; 2014).

Este cenário, embora pouco animador, apresenta algumas possibilidades de ação. Na BNCC encontra-se uma grande ênfase na adoção da resolução de problemas, como forma de desenvolver o letramento matemático, alinhando-se à matriz avaliativa do PISA. Sendo assim, o letramento matemático descrito “[...] assegura aos alunos reconhecer que os conhecimentos matemáticos são fundamentais para a compreensão e a atuação no mundo”, possibilitando também aos estudantes “[...] perceber o caráter intelectual da matemática, como aspecto que favorece o desenvolvimento do raciocínio lógico e crítico”, além de estimular a investigação (BRASIL, 2017, p. 266).

Embora o processo de sua formulação e implementação esteja calcado em pressupostos de uma cultura mercadológica e que pode trazer efeitos danosos para a educação pública como um todo, no que diz respeito ao ensino de matemática, encontram-se competências específicas que podem abrir brechas importantes para o trabalho do professor, nessa situação extremamente dialética. Dentre estas competências, destaca-se: o reconhecimento da matemática enquanto ciência humana e viva, histórica e culturalmente situada; a capacidade de usar os conhecimento matemáticos para modelar problemas cotidianos, sociais e de outras áreas do conhecimento; a possibilidade de se discutir projetos de urgência social, com base em princípios éticos, democráticos; fazer observações de aspectos de diferentes naturezas (quantitativa e qualitativa) e avaliá-los criticamente, fortalecendo a habilidade argumentativa por meio da investigação, organização e sistematização de informações relevantes (BRASIL, 2017).

Longe de sinalizar para qualquer tipo de alinhamento entre a BNCC e os princípios de uma educação matemática crítica e emancipadora, apostamos na evidência de janelas de oportunidade para que um outro paradigma se configure para a educação matemática.

Skovsmose (2014) ao discorrer sobre a organização do ensino de matemática e apresentar sua proposta de cenários para investigação, enquanto terreno onde as atividades de ensino e aprendizagem matemáticas ocorrem, destaca os seis possíveis ambientes de aprendizagem, organizados da seguinte maneira:

Quadro 1
Ambientes de aprendizagem

Skovsmose (2014, p. 54)

Para o autor, o ensino tradicional centra-se majoritariamente nos centros 1 e 3, onde encontramos exercícios do tipo “resolva...” e “calcule...” ou problemas que pouco dizem a respeito da realidade dos estudantes – situações típicas com personagens e contextos fictícios. Embora sejam importantes para o ensino e aprendizagem da matemática, em geral o trabalho nesses centros mantém a organização das situações em um nível bastante previsível para o professor e para os estudantes – o primeiro já conhece as respostas esperadas de antemão, cabendo aos últimos chegarem até ela. Para que a educação matemática seja mais significativa, o autor sugere que haja, periodicamente, um passeio pelos diferentes ambientes de aprendizagem, reconhecendo a dificuldade (e mesmo impossibilidade diante de um currículo prescrito) de se trabalhar exclusivamente em ambientes com referência a vida real.

Percebemos, desse modo, a existência de espaços para conciliar as aprendizagens mais significativas com o que é prescrito para o ensino de matemática por meio dos documentos oficiais. Além disso, esse diálogo torna-se possível, também, no caso da avaliação, visto que, de acordo com a BNCC (BRASIL, 2017, p. 17), esta deve ser concebida de modo a

[...] construir e aplicar procedimentos de avaliação formativa de processo ou de resultado que levem em conta os contextos e as condições de aprendizagem, tomando tais registros como referência para melhorar o desempenho da escola, dos professores e dos alunos.

A partir desse pressuposto, e conforme sinalizado na introdução, evidencia-se o respaldo documental para a adoção de uma concepção formativa de avaliação, neste trabalho com foco na melhoria do aprendizado (e não apenas do desempenho) dos estudantes em matemática. A questão da avaliação e do instrumento escolhido para esse trabalho será discutida com mais detalhes na seção seguinte.

O PORTFÓLIO ENQUANTO INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO

De acordo com Freitas et al. (2014), a avaliação costuma estar situada ao final do processo de ensino e aprendizagem, manifestando uma visão linear da organização desse processo, que abrangeria uma sucessão de etapas que culminaria na avaliação, passando pela definição dos objetivos, conteúdos e métodos. Alternativamente, os autores propõem que a avaliação esteja “[...] justaposta aos próprios objetivos, formando um par dialético com eles” (FREITAS et al., 2014, p. 15), já que estes servem de base para a construção daquela. Por essa via, objetivos e avaliação orientam todo o processo englobando, também, objetivos associados à função social da escola.

A partir desse entendimento os autores apontam que falar em avaliações que sejam transformadoras sem questionar os objetivos da escola pode camuflar dispositivos que perpetuam desigualdades, impedem a escola de democratizar o conhecimento e criam barreiras ao planejamento de profissionais interessados em romper com essa lógica. Outrossim, esse entendimento pode ser estendido para a questão da avaliação em matemática: é necessário estar atento ao que o ensino tradicional da disciplina esconde ou propaga, conforme alerta Skovsmose (2014), como a domesticação, a execução de ordens sem questionamento – condição necessária para a ocupação de postos de trabalho subvalorizados – a apatia social e política – que atende demandas econômicas e é muito apreciada pelo mercado neoliberal.

Logo, se pretendemos uma educação matemática comprometida com outros valores e outra formação, a avaliação em sala de aula deve contemplar outros fins e desenvolver outras capacidades nos estudantes, como a “[...] reflexão, criatividade, autoavaliação, parceria, pertencimento e autonomia.” (VILLAS BOAS, 2017, p. 158). No âmbito da disciplina de matemática, Pavanello e Nogueira (2006) ainda destacam que, para que certas habilidades sejam desenvolvidas nos alunos (juntamente com o interesse para com as atividades propostas; a confiança em suas capacidades; a perseverança, apesar das dificuldades; a abertura para questionamento e formulação de hipóteses; a reflexão sobre o planejamento e organização de seu trabalho; a avaliação da adequação dos procedimentos de resolução adotados; a busca por auxílio para sanar dúvidas; e a comunicação de suas dificuldades e descobertas), então a “[...] prática pedagógica não pode mais se centrar na exposição e reprodução de conteúdos que só privilegiam a memorização e não o desenvolvimento do pensamento” (PAVANELLO; NOGUEIRA, 2006, p. 39).

Como a avaliação, a despeito do conteúdo e do método, configura-se em uma forma do professor se relacionar com o aluno, ela pode, com o decorrer do tempo e das experiências, afetar negativamente a autoestima e autopercepção dos estudantes, sobretudo no que diz respeito à sua capacidade de continuar os estudos (FREITAS et al, 2014). A adoção, nesse trabalho, do portfólio como instrumento de avaliação está ancorada na ideia de que este

Possibilita a análise das capacidades de pensamento crítico, de articular e solucionar problemas complexos, de trabalhar em colaboração, de conduzir pesquisa, de desenvolver projetos e de os estudantes formulares seus próprios objetivos para a aprendizagem (MURPHY, 1997, p. 72 apud VILLAS BOAS, 2014, p. 159).

Esse instrumento requer o constante uso de feedbacks, sendo este recurso utilizado não apenas para melhorar a nota, mas sim a aprendizagem dos estudantes. Ademais, pretende-se o desenvolvimento da capacidade de autoavaliação e automonitoramento do trabalho, essenciais para uma avaliação formativa (VILLAS BOAS, 2017). Está em jogo, a adoção de um instrumento que possibilite a construção do conhecimento por parte do aluno e não o aliene do processo de avaliação, com professor e aluno trabalhando conjuntamente (FREITAS et al., 2014; VILLAS BOAS, 2017).

Mas afinal, o que é o portfólio? Enquanto construção do aluno, o portfólio se configura como “[...] uma coleção de suas produções, as quais apresentam as evidências de sua aprendizagem. É organizado por ele próprio, para que ele e o professor, em conjunto, possam acompanhar seu progresso” (VILLAS BOAS, 2009, p. 38). Essa definição de portfólio engloba algumas ideias básicas em relação ao papel do estudante, de quem espera-se que:

a) conheça o que se espera dele (objetivos da aprendizagem); b) seja capaz de comparar seu nível atual de desempenho com o esperado; e c) se engaje na ação apropriada que leve ao fechamento da distância entre os níveis. Essas condições são satisfeitas simultaneamente; não são etapas a serem vencidas isoladamente (VILLAS BOAS, 2017, p. 161).

Essas ideias básicas vão ao encontro de pressupostos de avaliação formativa, que incluem a regulação e a autorregulação (ou autocompreensão) da aprendizagem – a primeira, exercida pelo professor e seguinte, pelo aluno. Para Perrenoud (1999) a regulação é parte da avaliação formativa, já que para ser classificada como tal, a avaliação precisa ser contínua e contribuir para a melhoria das aprendizagens. Nesse sentido, para o autor,

Ensinar é esforçar-se para orientar o processo de aprendizagem para o domínio de um currículo definido, o que não acontece sem um mínimo de regulação dos processos de aprendizagem no decorrer do ano escolar. Essa regulação passa por intervenções corretoras, baseadas em uma apreciação dos progressos e do trabalho dos alunos (PERRENOUD, 1999, p. 78).

O uso do portfólio enquanto instrumento de avaliação enquadra-se nos pressupostos de uma avaliação formativa, pois como afirma Villas Boas (2009), trata a avaliação como processo, inclui os alunos como participantes ativos desse processo e permitem a reflexão pelo aluno sobre suas aprendizagens. Para além de ser uma coleção de trabalhos dos alunos, a autora complementa a ideia, dizendo que a seleção dos trabalhos é feita por meio de uma autoavaliação crítica em consonância com um julgamento sobre a qualidade dos trabalhos e estratégias utilizadas – definidas pelos estudantes em seus processos de reflexão.

A proposta de uso do portfólio como instrumento de avaliação relaciona-se com uma perspectiva de EMC, justamente porque prevê a participação e o engajamento do estudante de maneira mais ativa e reflexiva. Jürgensen (2017, p. 32) ao tecer comentários e observações a respeito da avaliação de projetos realizados em contextos de EMC e cenários para investigação, ressalta que o diálogo tem papel central do diálogo entre professores e alunos, o fornecimento de feedbacks constantes (mesmo em se tratando de exercícios mais tradicionais), a construção de um espaço para que os alunos exerçam sua criatividade e autonomia, além de reforçar que “os estudantes devem estar cientes, durante todo o processo, dos critérios envolvidos em sua avaliação”.

Além disso, reforçando o que já foi descrito até então, Bona e Basso (2013, p. 414) atestam os benefícios do uso de portfólios em Matemática, como:

autonomia e responsabilidade do estudante quanto ao seu processo de aprendizagem; comunicação e/ou interação entre todos, contexto tecnológico facilita a compreensão, superação de dificuldades, criação de estratégias e favorecimento da comunicação; a linguagem matemática escrita ou simbólica tem significado matemático; o afetivo é essencial ao aprendizado livre e alegre; a metacognição do estudante quanto ao seu próprio aprendizado é fundamental para sua autoavaliação e crescimento, e também para o professor saber compreendê-lo; a compreensão do erro como parte do processo de aprendizagem e que este é como uma experimentação que deve ser desenvolvida até sua compreensão; a aprendizagem é sempre recíproca, assim a solidariedade é fundamental para o crescimento pessoal e do grupo; cada estudante deve ser valorizado por suas inteligências e devem-se respeitar as diferenças de cada um, inclusive quanto aos pré-requisitos da Matemática; a Matemática é necessária para a vida, logo, aprendê-la é útil e tem significado, basta saber ler e ver através da pesquisa; a alegria de quem ensina é contagiante, assim como a de quem aprende é emocionante, ambos os agentes do processo se mobilizam pelo significado do ensino-aprendizagem de Matemática possibilitada pela prática docente desse trabalho.

Desse modo, percebe-se que os benefícios na utilização desse instrumento alinham-se com a transformação na relação professor-aluno em sala de aula por meio da avaliação, bem como com os pressupostos de uma educação crítica, no que diz respeito ao respeito à criatividade, o diálogo, compreensão do próprio processo de aprendizagem, favorecendo a participação e tornando a sala de aula de matemática um espaço mais democrático.

CARACTERIZAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO

A pesquisa realizada foi de cunho qualitativo, de caráter exploratório que, segundo Gil (2008), visa modificar conceitos e ideias, proporcionando visão geral acerca de uma determinada questão, sem abrir mão de levantamento bibliográfico e documental quando necessário, assim como a recolha de depoimentos dos sujeitos envolvidos. Classificar a investigação como qualitativa é pertinente, pois neste caso, trabalhamos com “[...] o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes” (MINAYO, 2015, p. 21) de alunos do 7º em relação a um instrumento de avaliação específico utilizado em um projeto em contexto de EMC.

Optou-se também por uma abordagem qualitativa dado o anseio do pesquisador em investigar um trabalho desenvolvido na escola pública, com base nos referenciais teóricos supracitados. Tal investigação, conforme apontam Lima e Nacarato (2009, p. 243)

[...] pode contribuir para que se venha a compreender quais conhecimentos são mobilizados na ação pedagógica e como eles são (re)significados; consequentemente, pode também contribuir para a pesquisa acadêmica e para a gestão de políticas públicas, bem como pode transformar esse(a)s professor(e/as) em consumidor(es) mais crítico(s) das pesquisas acadêmicas.

Além disso, como já havia realizado uma experiência com um grupo menor (JÜRGENSEN, 2019), tornou-se necessário expandir o trabalho nesses referenciais para turmas inteiras. Esse movimento, que surge a partir da maturação do professor-pesquisador (GARNICA, 2011), que se torna capaz de articular teoria e prática, testar limites e potencialidades do que tem sido estudado e compartilhar com os pares os resultados encontrados.

Sujeitos e contexto da investigação

A partir de uma conversa levantada por alunos do 7º ano, a respeito das queimadas ocorridas na Amazônia em 2019, surgiram diversos questionamentos (o que é grilagem? O que o agronegócio tem a ver com isso? É verdade que consumir carne está relacionado com o desmatamento? Entre outros), desenvolvemos um projeto intitulado “Alimentação e Meio Ambiente”. O projeto foi idealizado por mim, levando em consideração o interesse dos alunos e, nesse sentido, contou com atividades que transitavam pelos diversos ambientes de aprendizagem proposto por Skovsmose (2014). Ele foi realizado em duas turmas de 7º ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede privada de ensino do interior de São Paulo, num total de 53 alunos participantes e trabalhando em grupos de 3 ou 4 estudantes.

Neste projeto, buscou-se atender às habilidades e competências previstas na BNCC sem abandonar os ideais para uma educação matemática mais significativa, que permitisse a leitura e escrita do mundo a partir dos questionamentos relativos à alimentação e ao meio ambiente trazidos pelos estudantes, bem como uma atuação mais crítica sobre seus padrões de consumo alimentar. As atividades e sua relação com as habilidades da BNCC encontram-se sintetizadas no quadro a seguir:

Quadro 01
Organização das atividades de acordo com habilidades e unidades temáticas da BNCC

Elaborado pelo autor

A avaliação foi realizada por meio de um portfólio, que poderia ser organizado da maneira que julgassem mais conveniente. Os alunos optaram por utilizar pastas ou cadernos sem pauta. Os feedbacks nas atividades e no próprio portfólio era realizado à lápis ou por meio de notas adesivas, caracterizando a impermanência do comentário realizado, já que ele servia como uma ponte para que os alunos superassem os erros, aprofundassem questões ou melhorassem o registro de algumas atividades.

Cabe ressaltar que, apesar de se tratarem de estudantes em posição confortável (SKOVSMOSE, 2017), a EMC não lhes deve ser negada, pois pode proporcionar novas oportunidades de leitura e escrita do mundo. Todas as atividades foram realizadas durante as aulas regulares, sendo que na escola havia cinco aulas semanais para a disciplina de matemática e os conteúdos e atividades cobriram um período de dois bimestres (de agosto a novembro de 2019). Além do portfólio, por normas da escola, foram aplicadas avaliações tradicionais, mas que não são objeto de análise desse trabalho.

Fonte e método de análise dos dados

Os dados são provenientes de duas fontes principais: as respostas a um questionário, que fazia parte da finalização do projeto, para que os estudantes pudessem avaliá-lo, incluindo avaliar a utilização do portfólio enquanto instrumento para o processo de avaliação; e minhas observações e reflexões que compuseram registros pessoais do acompanhamento do trabalho.

O questionário foi aplicado em meio digital, por meio da ferramenta Google Forms e acessado no laboratório de informática da escola. Nesse questionário, em uma seção à parte, foram feitas perguntas a respeito do portfólio que foi apelidado pelos estudantes de “caderninho” ou “pastinha”. As perguntas, de caráter aberto e fechado, abrangiam desde a experiência prévia com o portfólio, passando pela relação dos alunos com o feedback dado durante as atividades, a adequação para a disciplina e para a avaliação durante o projeto, que habilidades foram desenvolvidas com o uso desse instrumento e o que foi registrado no portfólio e porquê, numa tentativa de investigar os critérios adotados pelos alunos para o registro. A última pergunta versava sobre pontos que mereceriam atenção para serem melhorados em experiências futuras. O questionário foi escolhido justamente por permitir atingir um grande número de pessoas, garantindo o anonimato das respostas e não expõem os participantes à influência do professor pesquisador (GIL, 2008).

A partir das respostas registradas foi realizada uma análise de conteúdo (BARDIN, 2016). A análise foi do tipo categorial temática, onde o tema se caracteriza como a “[...] unidade de significado que se liberta naturalmente de um texto analisado, segundo certos critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura” (BARDIN, 2016, p. 135). A análise categorial temática foi aplicada às questões abertas, onde os estudantes tinham a oportunidade de externar melhor suas opiniões. A categorização dessas unidades de registro foi realizada a posteriori, após sucessivas leituras (que compõem a fase de pré-análise) e serão exploradas com mais detalhes na próxima seção. Os excertos das respostas dos estudantes, quando utilizados para ilustrar as categorias, serão acompanhados da sigla EXX (por exemplo: E01, E02, etc), visto que as respostas são anônimas.

Minhas reflexões, devidamente registradas e oriundas da interação com os estudantes, do diálogo e observação da participação destes no projeto, complementam a análise. Como trata-se de uma expansão de uma experiência prévia, agora realizada com duas turmas completas, novos desafios, entusiasmos, frustrações e formas de ressignificam os trabalhos emergiram.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em relação ao uso do portfólio, a maioria (37 alunos) respondeu que nunca havia utilizado esse instrumento. Outros 16 alunos responderam que já haviam utilizado esse instrumento, seja em outra escola onde estudavam (7 alunos) ou mesmo associando com as práticas avaliativas ocorridas na educação infantil (9 alunos). Estes fizeram essa associação sobretudo por utilizarem uma pasta para arquivar as atividades. Entretanto, vale ressaltar que, na educação infantil, o conjunto de atividades aproxima-se mais de um arquivo das atividades realizadas no decorrer do ano – principalmente para acompanhamento dos responsáveis – do que de um portfólio propriamente dito.

Ao serem questionados sobre os feedbacks, tivemos o seguinte resultado: 21 estudantes deram atenção a todos os feedbacks e procuraram melhorar ou corrigir o que estava inadequado; 27 estudantes deram atenção ao que julgavam mais importante, procurando melhorar ou corrigir o que julgavam pertinente; 4 estudantes assinalaram que deram atenção aos feedbacks, mas não agiram sobre eles; e apenas 1 estudante disse que não deu atenção aos comentários e nem procurou melhorar ou corrigir o que foi apontado.

Como este estudo tem um caráter exploratório, esse dado é relevante por possibilitar o levantamento de algumas hipóteses a respeito do comportamento dos estudantes: aqueles que atendem a todos os feedbacks e correções, podem fazê-lo por julgar a apreciação do professor como algo obrigatório a ser atendido. Podem fazê-lo na expectativa de obterem uma nota melhor, ou simplesmente por considerarem importante para a evolução de seu aprendizado. Já entre aqueles que apontaram dar atenção aos feedbacks que consideravam mais importante, tem-se como hipótese que podem ter desenvolvido algum nível de autonomia na hora de corrigir ou melhorar os registros da tarefa, fazendo-o de acordo com critérios não explicitados. Cabe destacar, no caso desses alunos, que o não atendimento aos feedbacks deu-se somente no quesito registro das atividades ou aprofundamento de questões. Erros que precisavam ser superados foram atendidos em sua totalidade, no que diz respeito aos alunos que deram atenção aos comentários feitos pelo professor pesquisador.

É interessante notar que, apesar de se buscar a utilização de um instrumento diferenciado para a avaliação e mesmo um contexto mais significativo para o aprendizado da matemática, alguns estudantes permanecem à margem do processo. Encontram-se nesse grupo os alunos que, apesar de validarem as sugestões e comentários, não modificaram registros, aprofundaram temas ou sequer corrigiram os erros apontados. Essa situação permite o levantamento de algumas hipóteses: o não entendimento da proposta avaliativa; a consideração de sua inadequação para a avaliação da disciplina e dos conteúdos estudados; a preferência por outros tipos de avaliação, tendo em vista que, no decorrer da vida escolar nesta instituição, os estudantes habituaram-se às tradicionais provas e testes.

Nesse sentido, ao avaliar o instrumento surgiram os seguintes dados que dão suporte a algumas das hipóteses levantadas: a grande maioria considerou o portfólio adequado para avaliar as atividades desenvolvidas durante o trabalho com o projeto (44 alunos). Dentro da categoria “adequado”, temos 42 alunos que utilizaram essa palavra para classificá-lo; 1 estudante o considerou “excelente” e outro “interessante”, comentando:

Interessante, uma coisa diferente e divertida, porém precisa ter um compromisso com o caderninho para ficar caprichado! (E27)

Há um reconhecimento de que é necessário um envolvimento e responsabilidade por parte dos alunos na manutenção e acompanhamento do portfólio, como preconizado por Villas Boas (2009). Divergindo dessa opinião, 5 estudantes consideraram o instrumento pouco adequado; 3 estudantes disseram ser indiferentes a ele; e 1 estudante o classificou como “desnecessário”, sem aprofundar suas considerações. Esses dados mostram-se alinhados aos dados relativos à atenção dada aos feedbacks.

Quanto à utilização do portfólio para avaliar na disciplina de matemática, 42 estudantes o apontaram como adequado à disciplina; 7 o consideraram pouco adequado; e 4 se declararam indiferentes ao instrumento. Esse dado sinaliza que, embora seja comum o uso de provas e testes individuais como instrumentos de avaliação na disciplina, os alunos mostram-se abertos à possibilidade de utilização de outros instrumentos para o acompanhamento de suas atividades. O portfólio mostrou-se relevante também para o desenvolvimento de outras habilidades, já citadas por Villas Boas (2009; 2017). Essa aferição foi realizada por meio de uma questão fechada que pedia para que os estudantes indicassem a percepção do desenvolvimento de tais habilidades (como a reflexão sobre o próprio trabalho, o exercício da criatividade, a autoavaliação, a autonomia, o acompanhamento e evolução do próprio trabalho; além de um espaço para indicarem outras que desejassem), podendo assinalar mais de uma opção.

Nesse sentido, a reflexão sobre o próprio trabalho e o exercício da criatividade lideraram as percepções dos estudantes (25 estudantes assinalaram essas opções), já que o portfólio é um instrumento que permite a autoria de cada estudante e grupo ao qual pertence. Esses dados estão em consonância com o aporte teórico estudado, visto que, conforme enfatiza Villas Boas (2009, p. 41), o portfólio oferece aos alunos a “[...] oportunidade de refletir sobre suas experiências e seus êxitos dentro e fora da escola e, assim, assumir maior responsabilidade por aquelas experiências e aqueles êxitos”, além de declararem “[...] sua identidade, isto é, mostram-se não apenas como alunos, mas como sujeitos dispostos a aprender”.

A habilidade de autoavaliar o trabalho desenvolvido foi apontada por 16 estudantes; o desenvolvimento da autonomia foi indicado por outros 12; 3 estudantes indicaram que o portfólio foi importante para adquirir novos conhecimentos e “gravar” os aprendizados. Um dado novo que surgiu foi que 9 estudantes disseram que, por estarem trabalhando em grupos, a estratégia de avaliação permitiu o desenvolvimento de um sentimento de pertencimento ao grupo, gerando mais responsabilidade em relação às tarefas. Esse dado é importante, pois como afirma Villas Boas (2009, p. 42), “[...] o portfólio motiva o aluno a buscar formas diferentes de aprender, suas produções revelam suas capacidades e potencialidades, as quais poderão ser apreciadas por várias pessoas”. As formas novas de aprender, nesse caso, relacionam-se à construção coletiva do trabalho e um desejo de ver suas produções validadas pelos colegas do grupo. O sentimento de pertencimento associa-se fortemente à percepção de que “[...] o trabalho escolar lhe pertence [ao estudante]; portanto cabe-lhe assumir responsabilidade por sua execução” (Idem).

Outro ponto importante é que, como tratava-se de um projeto em contexto de EMC, os alunos foram questionados sobre o registro de informações que extrapolassem as atividades obrigatórias realizadas em sala de aula. Vale notar que, por serem estudantes muito jovens (entre 11 e 12 anos), todas as atividades que aconteciam em sala de aula foram registradas pelos estudantes, não havendo seleção do que consideraram mais importante ou significativo. No entanto, houve o registro de material que aprofundava as atividades ou questões suscitadas pelo projeto. A respeito desse tópico, 22 alunos disseram ter realizados tais registros e, ao serem convidados a relatar o que registraram, obtivemos duas categorias principais de respostas: “registros relacionados ao processo de ensino e aprendizagem” e “registros relacionados ao tema do projeto”. Estas categorias se dividem em subcategorias que estão relacionadas e organizadas no quadro a seguir:

Quadro 02
Registros adicionais realizados pelos estudantes

Elaborado pelo autor

Para além do instrumento e dos conteúdos, percebe-se que foram desenvolvidas posturas de leitura e escrita do mundo em relação ao meio ambiente e hábitos alimentares. Esses dados alinham-se aos pressupostos da EMC, juntamente com o desenvolvimento de atitudes mais positivas em relação à disciplina (já que um aluno relata que foi mais divertido aprender com os métodos utilizados, inclusive de avaliação) e a obtenção de sucesso acadêmico no sentido tradicional do termo. Esse ponto foi especialmente observado por mim, durante a aplicação das provas bimestrais obrigatórias: nenhum aluno errou as questões que versavam sobre grandezas direta e inversamente proporcionais, sendo este o conteúdo que foi mais fixado por meio desse trabalho.

Em relação às potencialidades e pontos a serem aprimorados no uso do portfólio, obtivemos as seguintes categorias, também organizadas no quadro a seguir:

Quadro 03
Limites e potencialidade do uso do portfólio no aprendizado em contextos de EMC

Elaborado pelo autor

Ao analisar o quadro acima, percebe-se que o instrumento se mostra adequado para avaliar o aprendizado dos alunos em contextos de EMC, já que associado aos pressupostos da avaliação por meio de portfólios, o aprendizado da matemática é reforçado e autorregulado pelos estudantes, auxiliando na organização e fortalecendo trabalhos de caráter colaborativo e em equipe. Além disso, percebe-se a possibilidade de reflexão sobre o próprio aprendizado, por meio do envolvimento nas tarefas e sua organização. Essas reflexões estendem-se para os conteúdos, para o processo de ensino e aprendizagem deles e para o tema do projeto, possibilitando formas de leitura e escrita do mundo, conforme mencionado anteriormente.

Contudo, os estudantes apresentaram algumas limitações em relação à proposta de avaliação utilizada, as quais foram organizadas no quadro a seguir:

Quadro 04
Pontos a serem aprimorados no trabalho com portfólio em contextos de EMC

Elaborado pelo autor

De modo geral, muitos estudantes relataram não perceberem pontos a serem modificados ou aprimorados. Outros, entretanto, sinalizam pontos que eles próprios precisam aprimorar, como a apresentação e organização das atividades e a responsabilidade dos integrantes do grupo. Nesse último quesito, nota-se que nem sempre todos os integrantes contribuem com todas as atividades, oscilando o seu grau de envolvimento. Os estudantes sugerem que tal estratégia de avaliação possa ser individual, o que não foi uma opção nesse caso, pois o trabalho todo foi desenvolvido em grupos, mas pode ser considerado para referências futuras. Há a sugestão para que o seu uso seja ampliado para outros conteúdos e para outros momentos durante o decorrer do ano letivo. Desse modo, pode-se dizer que a receptividade a essa estratégia de avaliação foi boa, proporcionando aos envolvidos – e à escola, às famílias – evidências do aprendizado dos estudantes. O trabalho também foi possível de ser realizado mesmo com os entraves e a tendência de tornar o ensino mais conteudista, engendrada pela promulgação da BNCC.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Executar um projeto em um contexto de EMC, portanto um contexto que desafia o ensino tradicional de matemática, representa um desafio aos professores por si só. Esse desafio é complementado pela difícil tarefa de avaliar o desempenho dos estudantes, visto que adotar uma nova perspectiva de ensino implica em adotar novas posturas diante da avaliação das aprendizagens. Mudam-se os objetivos e altera-se a forma de organização dos conteúdos e os métodos adotados, constituindo categorias do trabalho pedagógica que formam pares dialéticos indissociáveis, conforme já assinalados por Freitas et. al (2014).

Nesse sentido, verificou-se que, de acordo com a percepção de estudantes que fizeram parte de um projeto em contexto de EMC e que foram submetidos à avaliação da aprendizagem por meio de um instrumento diferenciado, como o portfólio, que práticas dessa natureza podem contribuir para o seu aprendizado – seja de conteúdos matemáticos como de outras habilidades.

Foi possível observar que os estudantes desenvolveram autonomia, criatividade e processos de reflexão, que culminaram, inclusive, na habilidade de autoavaliar o trabalho, em consonância com o previsto por Villas Boas (2009; 2017) e trabalhos como o de Bona e Basso (2013).

Em complementação a essas constatações, encontram-se potencialidade do uso do portfólio para a avaliação de atividades matemáticas desenvolvidas em no contexto específico desse projeto, como a melhor compreensão da matéria estudada e fixação do conteúdo, organização das atividades, trabalho em equipe (que, em algumas ocasiões, configurou-se também como um ponto a ser aprimorado), reflexões sobre as atividades e o tema estudado que levaram a momentos de leitura e escrita do mundo com a matemática, tal qual proposto por Gutstein (2006). Nesse sentido, trabalhar a matemática de maneira diferenciada e balizada em outros referencial teórico-metodológico que desafia o ensino tradicional, possibilitou sucesso acadêmico no sentido tradicional e o desenvolvimento de atitudes mais positivas em relação à disciplina.

O trabalho suscitou algumas hipóteses que podem vir a ser investigadas, como por exemplo: os critérios adotados pelos alunos para atender aos feedbacks do professor, critérios de inclusão ou exclusão das atividades do portfólio, apontando para pesquisas que podem ser realizadas no âmbito do que Villas Boas (2009) classifica de metacognição.

Todo trabalho da natureza do que aqui foi descrito não passa incólume, sem pontos a serem aprimorados. Entrementes, os estudantes advogam pelo uso do instrumento em mais momentos, sugerindo a ampliação de seu uso, uma maior variedade nas atividades, atenção ao trabalho em grupo de modo a não prejudicar nenhum de seus integrantes bem como formas de organizá-lo e apresentá-lo melhor, o que exigiria maior diretividade do professor. Levando isso em consideração, percebe-se que este instrumento se mostra adequado para o acompanhamento dos estudantes em matemática, sobretudo em contextos que envolvem o trabalho com a EMC.

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