Servicios
Servicios
Buscar
Idiomas
P. Completa
ENSINAR A ENSINAR MATEMÁTICA: constituição e circulação de práticas em trajetórias profissionais de professores de estágio curricular supervisionado (UFMG, 1968-1994)
Mariana Lima Vilela; Filipe Santos Fernandes
Mariana Lima Vilela; Filipe Santos Fernandes
ENSINAR A ENSINAR MATEMÁTICA: constituição e circulação de práticas em trajetórias profissionais de professores de estágio curricular supervisionado (UFMG, 1968-1994)
TEACHING TO TEACH MATHEMATICS: constitution and circulation of practices in professional trajectories of supervised curricular stage teachers (UFMG, 1968-1994)
Revista de História da Educação Matemática, vol. 6, núm. 3, 2020
Sociedade Brasileira de História da Matemática
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado

Palavras-chave: Formação de professores de matemática, História da formação de professores de matemática, Práticas de ensinar a ensinar, Formador de professores de matemática.

Abstract: We examine, in this text, the contributions of the study of professional trajectories of university professors to the understanding of the constitution and circulation of practices of teaching to teach mathematics. For this, we briefly present the practices of teaching how to teach mathematics as a conceptual tool and, as the objective of this article, we propose to carry out an analysis exercise based on the study of the confluences between the professional trajectories of teachers of disciplines responsible for the Supervised Curricular Internship in the course in Mathematics at the Federal University of Minas Gerais (UFMG) and documents related to these disciplines, such as menus and programs, from 1968 to 1994. This analysis allows us to consider that the contents, methodologies and evaluations of these disciplines followed the modification of ideas and pedagogical discourses over time, having strong influences on the professional trajectories of their teachers, in addition to showing how the disciplines of Supervised Curricular Internship acted as a catalyst for issues related to the teaching of Mathematics, promoting an update of pedagogical ideas and discourses linked to training and the performance of Mathematics teachers in the Licenciatura course.

Keywords: Mathematics teacher training, History of mathematics teacher education, Practices to use to use, Mathematics teacher trainer, INTRODUÇÃO.

Carátula del artículo

DOSSIÊ - HISTÓRIAS DE UMA CONSTITUIÇÃO DE SABERES MATEMÁTICOS NO ENSINO

ENSINAR A ENSINAR MATEMÁTICA: constituição e circulação de práticas em trajetórias profissionais de professores de estágio curricular supervisionado (UFMG, 1968-1994)

TEACHING TO TEACH MATHEMATICS: constitution and circulation of practices in professional trajectories of supervised curricular stage teachers (UFMG, 1968-1994)

Mariana Lima Vilela
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Filipe Santos Fernandes
Universidade Federal de Minas Gerais , Brasil
Revista de História da Educação Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática, Brasil
ISSN-e: 2447-6447
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 6, núm. 3, 2020

Recepção: 23 Julho 2020

Aprovação: 26 Outubro 2020


Este texto apresenta algumas discussões presentes na dissertação de mestrado (Vilela, 2020), intitulada Compreensões históricas das disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado no curso de Licenciatura em Matemática da UFMG (1968 – 1994), defendida no Programa de Pós-graduação em Educação: conhecimento e inclusão social, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Considerando a importância do estágio na formação de professores, o trabalho teve como objetivo elaborar compreensões históricas das disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado da UFMG e seus papéis na formação de professores de Matemática, utilizando como fontes documentais grades curriculares, atas de reuniões, textos de seminários, ementas, programas, diários de classe e outros. Porém, para a elaboração deste texto, devido à grande quantidade de documentos analisados na pesquisa do mestrado, fizemos uma delimitação e utilizamos apenas as ementas e os programas das disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado.

Historicamente, as disciplinas responsáveis pelo estágio como componente curricular receberam diversas nomenclaturas – no caso da UFMG, Didática Especial de Matemática; Didática - Prática de Ensino de Matemática; Prática de Ensino de Matemática; Prática de Ensino de Matemática I e II – que foram se modificando com legislações, políticas públicas, propostas curriculares e outros condicionantes que configuram e estabelecem o processo formativo de professores. Por esse motivo, chamamos esse conjunto de disciplinas de disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado.

Neste texto, examinamos as contribuições do estudo de trajetórias profissionais de professores universitários para a compreensão da constituição e circulação de práticas de ensinar a ensinar matemática. Para isso, apresentamos brevemente as práticas de ensinar a ensinar matemática como uma ferramenta conceitual. O objetivo deste artigo consiste em realizar um exercício de análise a partir do estudo de confluência entre as trajetórias profissionais de docentes das disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado da UFMG e documentos relacionados a essas disciplinas, como ementas e programas, no período de 1968 a 1994. Nesse sentido, a relação entre esses documentos permite-nos observar modos de constituição e circulação de práticas de ensinar a ensinar matemática no curso de Licenciatura em Matemática da UFMG.

Tomamos como recorte temporal o período compreendido entre 1968, ano em que ocorreu a Reforma Universitária, e 1994, quando foi aprovado o primeiro currículo do curso noturno de Licenciatura em Matemática da UFMG, momento em que ocorreu uma importante discussão curricular, a última registrada anterior à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996. A Lei n° 5.540 (Brasil, 1968), aprovada em 28 de novembro de 1968, que “Fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências”, ficou conhecida como Reforma Universitária de 1968, responsável por uma profunda mudança organizacional para as Universidades do país. Já a LDB de 1996 foi aprovada pela Lei n° 9.394 (Brasil, 1996), em 20 de dezembro de 1996, que “Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional”.

PRÁTICAS DE ENSINAR A ENSINAR: um conceito em construção

Nas compreensões de Miguel (2003, p. 27), uma prática social de investigação ou de ação pedagógica pode ser compreendida como:

[…] toda ação ou conjunto intencional e organizado de ações físico-afetivo-intelectuais realizadas, em um tempo e espaço determinados, por um conjunto de indivíduos sobre o mundo material e/ou humano e/ou institucional e/ou cultural, ações essas que, por serem sempre, em certa medida e por um certo período de tempo, adquirem uma certa estabilidade e realizam-se com certa regularidade.

As práticas devem ser compreendidas, então, como circulantes; como um conjunto de ações que, em sua tentativa de institucionalização e legitimação por parte de um grupo de indivíduos, firmam-se como modelos, como obrigatórias, como necessárias. Essas práticas sociais de investigação ou de ação pedagógica contribuem com a tarefa de, em um dado momento histórico, perpetuar valores, superar conflitos e, no limite, introduzir e induzir modos de se relacionar com o campo educacional. No caso das práticas de investigação ou de ação pedagógica circulantes na formação de professores, há, dentre outras, a intencionalidade de ensinar a ensinar, importando organizar ações e direcionamentos em torno do que, do como, do quando, do por quem e do por que ensinar e suas implicações para a produção de sujeitos sociais pela educação, particularmente pela educação escolar.

Seguindo tal discussão, Vilela (2020) caracteriza as práticas de ensinar a ensinar matemática como um conjunto intencional e organizado de ações que, nos espaços, tempos, materialidades e regulações que configuram a formação de professores, buscam incitar, modificar e/ou normalizar modos de ensinar matemática, produzindo sentidos do ser professor. Essas práticas, em seus processos de constituição e circulação, estão imersas em propostas de reorganização do ensino de matemática; no estabelecimento de novas posições subjetivas, especialmente pela associação de sujeitos em departamentos, faculdades ou institutos dedicados à formação especializada de professores; na promoção de eventos profissionais que mobilizam esses sujeitos em torno de debates e de pesquisas e que resultam na emergência de um novo tipo de profissional da educação. Sob essa perspectiva, essas práticas se voltam para o domínio dos conhecimentos pedagógicos direcionados à formação de professores, anunciando novos sentidos éticos e políticos e propondo novas metodologias de ensino.

Os meios de constituição e circulação exemplificados acima evidenciam a necessidade de compreender uma prática a partir das relações que ela própria estabelece. Entendemos que não seria possível entender uma prática em si, desconsiderando outras práticas que se colocam em interação e que determinam caminhos.

Além disso, Miguel et al. (2004, p. 82) observam que essas práticas podem ser entendidas “como atividades sociais realizadas por um conjunto de indivíduos que produzem conhecimentos, e não apenas ao conjunto de conhecimentos produzidos por esses indivíduos em suas atividades”. Essa consideração dos autores é, neste texto, uma importante diretriz metodológica: a investigação da constituição e circulação das práticas de ensinar a ensinar matemática não se restringe ao estudo dos conhecimentos produzidos por essas práticas, mas incorpora os indivíduos que se encontram no interior dessas práticas. Assim, entendemos que é possível compreender as práticas de ensinar a ensinar matemática junto a trajetórias profissionais de professores.

A seguir, propomos um exercício de análise de práticas de ensinar a ensinar matemática na UFMG a partir do estudo das relações entre as trajetórias profissionais de docentes das disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado, no período de 1968 a 1994, e de documentos ligados a essas disciplinas, como ementas e programas.

TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS DE PROFESSORES E SUAS RELAÇÕES COM A CONSTITUIÇÃO E CIRCULAÇÃO DE PRÁTICAS

Acreditamos que os professores que lecionaram as disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado na Faculdade de Educação (FaE) da UFMG, no período de 1968 a 1994, foram fundamentais para que as disciplinas se compusessem como se apresentam. Dessa forma, apresentamos brevemente traços das trajetórias profissionais dos professores que lecionaram as disciplinas com maior frequência: Henrique Morandi, Abdala Gannam, Maria Manuela Martins Soares David e Maria da Conceição Ferreira Reis[3].

Henrique Morandi, hoje falecido, lembrado entre os colegas por seu sobrenome, foi, além de professor, autor de artigos, apostilas e livros didáticos. Ficou responsável pelas disciplinas de estágio de 1968 a 1981. Levantamos traços de sua trajetória profissional a partir do memorial de Henrique Morandi (Universidade Federal de Minas Gerais, 19--), encontrado no Centro de Documentação e Memória – FaE/UFMG, no qual o próprio professor descreve aspectos de sua vida acadêmica e profissional. Em 1943, iniciou o curso de Matemática na Faculdade de Filosofia de Minas Gerais. Após formado, em 1947, foi convidado para lecionar Mecânica Celeste e Mecânica Racional na Faculdade de Filosofia de Minas Gerais. Poucos anos depois foi admitido como professor da disciplina Didática Especial de Matemática. Em paralelo à sua atuação como professor da disciplina, lecionou em vários colégios de Belo Horizonte, demonstrando uma vasta experiência e reconhecimento profissional. Participou de vários eventos, bancas, colegiados, associações científicas e programas ligados à educação, tendo como temas de interesse: o ensino da Matemática; materiais didáticos para o ensino de Matemática; avaliação em Matemática; técnicas e procedimentos didáticos etc.

No Memorial, Morandi dedica-se a descrever as Jornadas Pedagógicas, que “transformaram-se em verdadeira e milagrosa descoberta, para a solução do complicadíssimo problema de estágio dos nossos alunos de Licenciatura” (Universidade Federal de Minas Gerais, 19--, p. 16). Essas Jornadas foram realizadas de 1972 a 1975, em escolas de Belo Horizonte e em cidades vizinhas onde os estagiários, em dupla, ficavam responsáveis por uma turma de 2° grau[4] e davam aulas de reforço de Matemática, geralmente aos sábados.

Esse processo de estagiar por Jornadas Pedagógicas foi resultado do Plano de Pesquisa Pedagógica sobre Estágios e Prática de Ensino. Os problemas apontados que sugeriram a necessidade das Jornadas foram: extemporaneidade, pois quando os estagiários, considerados alunos-mestres, tinham condições para se submeterem ao estágio, o semestre letivo das escolas já estava no final, sendo período de avaliações; desentrosamento, pois as técnicas e métodos dos estagiários eram diferentes das empregadas pelos professores das turmas, o que, às vezes, causava situações desagradáveis; desinteresse do corpo discente, das administrações e dos professores que recebiam os estagiários, não havendo atendimento espontâneo. De acordo com Morandi, o estágio era previsto no planejamento da disciplina de Prática de Ensino, e buscou-se com as Jornadas otimizar seu processo, resolvendo um dos problemas mais presentes à época: o local onde o estágio seria realizado. Essas Jornadas, presentes nas disciplinas ofertadas por Morandi, ganharam destaque na Faculdade de Educação da UFMG, tornando-se uma de suas marcas registradas na formação de professores de Matemática.

O professor Abdala Gannam, conforme Melillo (2018), estudou no Colégio Universitário[5], em 1965. Após a conclusão, ingressou no curso de Matemática da UFMG, mas não chegou a terminá-lo. No ano seguinte, fez novamente o vestibular para o curso de Matemática, diplomando-se[6]. Abdala foi aluno do professor Henrique Morandi, nos anos de 1969 e 1970, na disciplina Didática Especial de Matemática. Além de lecionar em algumas escolas da cidade de Belo Horizonte, começou, em 1970, a atuar no Colégio Técnico da UFMG (Coltec), permanecendo até 1992.

Em 1981, Abdala defendeu sua dissertação de mestrado voltada para a formação de professores no primeiro Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática da América Latina, realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), intitulada Uma Proposta Metodológica para Treinamento de Professores de Matemática do 2º grau (Gannam, 1981). Iniciou o doutorado em 1988, mas não pôde concluí-lo por motivos de saúde. Conforme o depoimento do professor, presente na pesquisa de Melillo (2018), sua formação no mestrado e a experiência no doutorado possibilitaram sua atuação na formação de professores.

Em suas aulas no Coltec, Abdala utilizava recursos audiovisuais aplicados ao ensino de Matemática, divulgando-os posteriormente em palestras, artigos e nas disciplinas de estágio na Faculdade de Educação. Ainda foi responsável pelas disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado de 1982 a 1983, ofertadas nos quatro semestres, nas quais orientou os estagiários na utilização de recursos audiovisuais, que eram testados em forma de estágio no Coltec.

De acordo com Melillo (2018), além de um grande conhecimento sobre o ensino de Matemática, Abdala produziu diversos textos, dedicou-se à pesquisa da utilização de recursos audiovisuais, produziu e incentivou a criação de materiais concretos para o ensino de matemática. Nas disciplinas de estágio, no período em que Abdala lecionou, é possível perceber a influência de sua experiência e seu interesse pelo ensino de Matemática, especialmente no que se refere aos recursos audiovisuais.

A professora Maria Manuela Martins Soares David, de acordo com o seu currículo Lattes[7], é natural de Portugal, formou-se em Licenciatura em Matemática na Universidade do Porto, em 1974. Tornou-se doutora em Educação Matemática, em 1983, na Inglaterra e concluiu o Pós-Doutorado, em 2003, nos Estados Unidos. Atualmente é professora titular aposentada da Faculdade de Educação da UFMG. Os principais temas de seus trabalhos relacionados à Educação são: caracterização da atividade matemática escolar, formação de professores que ensinam matemática, interações professor-aluno, participação e aprendizagem em salas de aula de matemática.

Em 1984, foi aprovada no concurso para professora auxiliar da FaE e, em 2012, foi aprovada para professora titular. Já no 2° semestre de 1984, Maria Manuela começou sua atuação como professora da disciplina de Prática de Ensino de Matemática (PEM), estando responsável por ela vinte vezes dentro do período analisado. O primeiro momento durou até o 1° semestre de 1986, com quatro oferecimentos. O segundo foi do 1° semestre de 1988 ao 2° semestre de 1992, com nove oferecimentos. Nesse período, fez publicações de artigos e resenhas relacionadas à Etnomatemática e ao diagnóstico e análise de erros em matemática. No terceiro momento, do 2° semestre de 1993 ao 2° semestre de 1994, ofertou a disciplina sete vezes. A professora Manuela trouxe para as disciplinas o conhecimento relacionado ao ensino de Matemática e os seus temas de interesse, contribuindo ainda com diferentes referências bibliográficas, nas quais é possível notar a influência de sua formação, que foi realizada no exterior.

A professora Maria da Conceição Ferreira Reis, de acordo com o seu currículo Lattes[8], graduou-se em Matemática pela UFMG, em 1983. Em 1991, tornou-se mestre em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Concluiu o doutorado em Educação em 2001 e, em 2012, o pós-doutorado em Educação. Atualmente é professora titular da UFMG, atuando na formação de professores. Em 1986, estabeleceu vínculo com a FaE como professora auxiliar e, em 2012, passou a professora titular.

Maria da Conceição tem atuação como coordenadora em diversos programas e projetos. Seus temas de interesse em trabalhos de ensino, pesquisa e extensão são: Educação Matemática, Letramento e Numeramento, Educação de Pessoas Jovens e Adultas e Educação do Campo. No período da graduação, foi aluna do professor Abdala Gannam na disciplina PEM, cursando-a no 2° semestre de 1983. No 2° semestre de 1986 e no 1° semestre de 1987, foi a professora responsável das disciplinas de estágio. Nesses anos, dedicou-se também à produção de sua dissertação, intitulada O evocativo na Matemática e suas possibilidades educativas (Fonseca, 1991), e a um trabalho relacionado ao assessoramento técnico-pedagógico para professores. Outro período em que esteve responsável pelas disciplinas foi do 1° semestre de 1992 ao 1° semestre de 1993, totalizando cinco vezes em que atuou como professora orientadora. Nesse último período, dedicou-se a trabalhos relacionados à Heurística e Educação Matemática e à metodologia do ensino de Matemática para o curso de Magistério. De modo geral, no período em que Maria da Conceição lecionou as disciplinas, incorporou-as de terminologias e discussões ligadas à Educação Matemática, que se constituía como campo de pesquisa nas décadas de 1980 e 1990, período de sua formação.

Após traçarmos o breve perfil desses professores que formaram outros professores e, ao analisarmos ementas e os programas, buscamos mostrar as possíveis confluências entre os documentos e as trajetórias desses docentes nas décadas de 1970 e 1980 e nos anos de 1990 a 1994. Nosso intuito não é comparar as práticas de ensinar a ensinar matemática desses professores, nem mesmo julgar quais consideramos corretas ou erradas, mas mostrar como, no período histórico em análise, as disciplinas ocorriam.

AS DISCIPLINAS DE ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO NA DÉCADA DE 1970

Na década de 1970, as disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado foram ministradas pelo professor Henrique Morandi. Nos documentos analisados, não constatamos a presença de ementas para esse período. Entre 1974 e 1977, o objetivo geral consistia em capacitar o estudante para relacionar a teoria com a prática por meio do treinamento de atividades sugeridas na disciplina, adquirir elementos de segurança profissional e avaliar as situações de ensino, considerando os recursos humanos e os equipamentos disponíveis nas escolas da comunidade.

Do 2° semestre de 1970 ao 2° semestre de 1973, os conteúdos matemáticos e o seu rigor estavam presentes, sendo propostas as seguintes temáticas para a disciplina: a Didática Especial de Matemática e sua importância; tipos de demonstrações matemáticas e suas definições, seus conceitos, métodos, formalizações, estilo, linguagem e implicações entre teoremas; Álgebra e Geometria; Trigonometria; História da Matemática e do ensino da Matemática; tipos tradicionais de aula expositiva; o emprego de apostilas, cadernos e textos; tipos de alunos; verificação da aprendizagem.

Além disso, estavam presentes: os princípios psicológicos, lógicos e pedagógicos que fundamentavam o ensino da Matemática; estruturas matemáticas e estruturas operatórias da inteligência (Piaget); objetivos do ensino de Matemática; emprego de audiovisuais, instrumentos técnicos, material manipulável, o quadro negro, o giz colorido; o livro-texto; o professor (responsabilidade social, missão, vocação, aptidões específicas, habilitação profissional); a mulher na matemática; leitura orientada, estudo em grupo e seminários. Como podemos observar, recursos tecnológicos da época e metodologias diferenciadas são introduzidos como temáticas da disciplina. Destacamos também a discussão sobre a presença da mulher na matemática e a concepção da profissão docente como missão e vocação.

Os programas apresentam questões especificamente ligadas à Matemática nos objetivos de ensino com a inclusão de programas de Matemática para 1° e 2° graus[9]; análise de livro-texto; estudo de casos – a prática docente, inter-relacionamento, disciplina na sala; ensino a distância, TV educativa, ensino por correspondência; tipos de testes e seus objetivos; análise de resultados por gráficos estatísticos.

Nos primeiros anos da década de 1970, estavam presentes nas disciplinas, basicamente, os seguintes instrumentos avaliativos: trabalhos escritos domiciliares, aulas expositivas de um determinado assunto ministradas pelo professor responsável com participação dos estudantes, pesquisas, comparações de escolas e procedimentos. Já na parte mencionada como prática, em 1971, o estágio, denominado como Jornada Pedagógica, compreendia a maior parte da carga horária das disciplinas. O estagiário, nomeado até 1970 como professor-aluno, ministrava aulas dos conteúdos matemáticos previstos, recebendo crítica imediata do professor orientador e, posteriormente, dos demais estudantes. Além disso, essa parte compreendia elaboração e execução de aulas, trabalhos de estágio, aplicação de provas e trabalhos, que eram feitos na Faculdade de Educação ou nas escolas da comunidade. Vale ressaltar que Morandi, em seu memorial, defende a Jornada Pedagógica como uma inovação no campo do estágio, permitindo a superação de vários problemas que o envolviam à época.

Nos anos de 1974 e 1975, estavam previstos nos programas, como critérios de avaliação, leituras, atividades extraclasse, entrevistas, relatórios de observação, aulas em colégios da comunidade, planejamentos, exercícios e sínteses (da teoria e da prática). Em 1977 e 1978, a metodologia orientada consistia em exposições teóricas em forma de seminários; atividades em sala de aula, em função de técnicas específicas de acordo com as unidades nos programas; atividades extraclasse; estágio supervisionado ou similares (as Jornadas Pedagógicas); trabalhos em grupo, que eram avaliados.

Nos últimos anos em que Morandi esteve responsável pelas disciplinas, foi proposto o desenvolvimento dos conteúdos previstos nos programas por seminários, exposição e painéis, além da reflexão sobre a prática docente, com emprego de estratégias, domínio de classe e conteúdo; elaboração de trabalhos, de estudos dirigidos, provas e apostilas; avaliação da disciplina e autoavaliação. Diante do exposto, percebemos que além da experiência referente ao ensino de Matemática em sala de aula, propondo diversos temas e metodologias, Morandi marcou as disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado com as Jornadas Pedagógicas elaboradas, executadas e defendidas por ele.

AS DISCIPLINAS DE ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO NA DÉCADA DE 1980

Na década de 1980, as disciplinas em análise foram ministradas pelos professores[10] Henrique Morandi (1980 e 1981), Abdala Gannam (1982 e 1983), Maria Manuela Martins Soares David (de 1984 a 1986, 1988 e 1989), Maria da Conceição Ferreira Reis (1986 e 1987). Foi um período marcado por diversas modificações e aplicações de novas tendências, ficando evidente as possíveis confluências entre os documentos e as trajetórias desses professores.

Nos documentos analisados, encontramos apenas uma ementa, sendo do período de 1983 a 1989 (Figura 1).


Figura 1
Ementa das disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado (1983 – 1989)
Fonte:Universidade Federal de Minas Gerais (1985a).

Nesse período, uma das grandes preocupações ligadas ao estágio parece ser a necessidade de relacionar a teoria com a prática, o que gerou diversas discussões nas décadas de 1970 e 1980 na Faculdade de Educação da UFMG. Nos últimos anos em que Morandi foi o professor das disciplinas, novas intencionalidades aparecem, como conhecer os objetivos gerais do ensino de Matemática para que se ensine matemática; compreender a cultura matemática na Educação contemporânea; conhecer os princípios básicos de um currículo de matemática; aplicar as técnicas de avaliação objetiva e discutir sobre avaliação. Notemos que a preocupação com o ensino de Matemática aparece de forma evidente, assim como a Matemática ligada à educação e à avaliação.

Em 1982 e 1983, o professor Abdala trouxe inovações que podemos relacionar com a sua vivência e com seus temas de interesse. O objetivo geral consistia em instrumentar os professores para a análise reflexiva da realidade do ensino de Matemática, das técnicas e de procedimentos docentes da época. Essa instrumentação visava capacitar os estudantes a encaminhar soluções para problemas da área, dentro das condições de trabalho e contexto sociocultural – perspectivas que Morandi também havia apresentado, mas se diferenciando na abertura de espaços para reflexão. Esse mesmo objetivo geral foi adotado pela professora Maria Manuela quando lecionou as disciplinas no 2° semestre de 1984, nos 1° e 2° semestres de 1985 e no 1° semestre de 1986.

Nesse sentido, os objetivos específicos nos programas de responsabilidade de Abdala consistiam em: encaminhar discussões sobre temas relacionados ao ensino de Matemática; utilizar técnicas didáticas aplicadas ao ensino de Matemática caracterizadas por discussões em grupo, exposição didática e estudo dirigido; planejar, elaborar e testar materiais para o ensino da Matemática centrados em materiais concretos, recursos audiovisuais e microcomputador. Essas características condiziam com a formação e com a docência do professor Abdala.

Já Maria Manuela optou, de 1984 a 1986, pelos seguintes objetivos específicos: sensibilizar os alunos para temas da atualidade no âmbito da Didática da Matemática, sendo esses temas sugeridos pelos alunos; possibilitar algumas experiências de ordem didática, como o estágio supervisionado e a apresentação de alguma unidade de ensino sobre o tema de 1° e 2° graus. Essa é a primeira vez que aparecem nos objetivos dos programas os termos 1° e 2° graus e estágio supervisionado.

De 1986 a 1989, duas professoras ficaram responsáveis pelas disciplinas, mas um único modelo foi adotado. Esse modelo, apresentado inicialmente por Maria da Conceição e, posteriormente, adotado pela professora Maria Manuela, manteve alguns dos objetivos já mencionados, mas reformulados na incorporação de novos termos. A professora Maria da Conceição não apenas sugeriu a abertura de espaço para reflexão, mas também a observação e a discussão não somente do ensino, mas do ensino-aprendizagem da Matemática daquela atualidade. Esse espaço também estava aberto para a observação, discussão e reflexão do papel do professor, do aluno e das relações professor-matemática, professor-aluno, aluno-aluno, aluno-matemática no processo. Outro destaque é que aparece, pela primeira vez, uma menção à Educação Matemática, como consta na Figura 2:


Figura 2
Objetivos da disciplina de Prática de Ensino de Matemática (1986 – 1989).
Fonte: Universidade Federal de Minas Gerais (1987)

Segundo Valente (2014), nos anos de 1980, a institucionalização da Educação Matemática ganhou força no Brasil como campo de pesquisa. Por isso, era de se esperar que essa temática aparecesse somente a partir da década de 1980. Nessa direção, Fernandes (2017) destaca que as décadas de 1980 e 1990 constituem um período em que diversos acontecimentos permitem instaurar um solo para a emergência da Educação Matemática no espaço científico-acadêmico brasileiro, participando das propostas curriculares de cursos de Licenciatura em Matemática. Nas palavras do autor:

Mesmo sendo evidente a crescente organização de núcleos de pesquisa em Educação Matemática em programas de pós-graduação em Educação ou Matemática em períodos anteriores à década de 1980, a criação de programas de pós-graduação específicos em Educação Matemática promove a formação e circulação de mestres e doutores em Educação Matemática, contribuindo, assim, com a composição da posição subjetiva do educador matemático. Essa posição vem associada à criação da SBEM, resultado de esforços de pesquisadores do período para a construção da Educação Matemática por meio da organização profissional vinculada a uma sociedade. Ainda que não se configure como campo profissional autônomo, a fundação de uma sociedade organizada e politicamente ativa parece atuar como um importante agente no reconhecimento da Educação Matemática como saber institucionalizado (Fernandes, 2017, p. 234).

Esse movimento descrito acima pelo autor é perceptível na UFMG, visto que os professores Abdala Gannam, Maria Manuela Martins Soares David e Maria da Conceição Ferreira Reis possuem trajetórias acadêmicas em Programas de Pós-graduação vinculados ao Ensino ou à Educação Matemática.

Quanto aos conteúdos abordados nas disciplinas na década de 1980, Abdala traz uma proposta diferenciada, na qual os conteúdos matemáticos não estão em evidência, mas, sim, o ensino de Matemática, os aspectos profissionais do professor, os procedimentos de ensino, os recursos e modelos concretos. Sob essa perspectiva, inicialmente, são propostos discussões e debates de textos referentes à importância do ensino da estrutura no ensino de Ciências e Matemática, o estar em condições de aprender, a Matemática para o aluno fraco e as modificações no programa de Matemática, visando ao para quem e com que objetivo. Assim como mencionado nos objetivos, são discutidos recursos audiovisuais aplicados no ensino da Matemática, sendo propostas referências que contemplam a importância de recursos auxiliares no ensino, enfatizando temas como o retroprojetor, computadores, material didático e calculadora. A preocupação com a educação, o ensino, o tipo de aluno e a adaptação do conteúdo a ser trabalhado ganham destaque nessa proposta.

De acordo com Subtil e Belloni (2002), a implementação de recursos audiovisuais – que envolvem som e imagem, como retroprojetores, projetores e filmes educativos – nas relações pedagógicas, deu-se a partir de reformas do ensino básico da década de 1970, prevalecendo o modelo tecnicista, no qual a eficiência do ensino consistia no planejamento e uso de métodos e técnicas instrucionais. Conforme as autoras, nas décadas de 1970 e 1980, surgem várias denominações para o termo: recursos audiovisuais, recursos de ensino, técnicas audiovisuais, material audiovisual, meios de comunicação, técnicas pedagógicas, recursos plurissensoriais, recursos intuitivos etc. A partir da segunda metade da década de 1980 e na década de 1990, as denominações aparecem de formas mais amplas, relacionadas ao avanço técnico: mídias, multimídias, tecnologias educacionais, tecnologias de informação e comunicação, entre outras. Como podemos observar, o professor Abdala compartilhava ideários e discursos educacionais de seu período, aplicando-os na formação de professores de matemática. Dessa forma, seu interesse em pesquisar recursos audiovisuais estava presente nas disciplinas no período em que lecionou.

Nos programas dos anos em que a professora Maria Manuela lecionou, são propostas discussões referentes ao ensino de Matemática, especialmente no 1° e 2° graus. Destacamos alguns autores presentes nas bibliografias: Cooney (1975), Fremont (1969), Freudenthal (1973), Hart (1981),Krutetskii (1976), Kuntzmann (1967) e Qualding (1982), com as obras descritas na Figura 3.


Figura 3
Bibliografia referente ao Ensino da Matemática (1984 – 1985).
Fonte:Universidade Federal de Minas Gerais (1985b).

Notemos que são propostas bibliografias internacionais com mais frequência em relação aos programas anteriores, o que relacionamos ao fato de a professora Maria Manuela ser estrangeira e ter realizado parte de sua formação fora do Brasil, trazendo suas experiências para a disciplina.

Também era proposto a análise crítica do programa de ensino de 1° e 2° graus, considerando as questões gerais, e a análise detalhada de tópicos como: Teoria dos conjuntos, Geometria, Trigonometria, Logaritmos, Equações de 1° e 2° graus, Análise Combinatória e outros; planificação de aulas; Matemática, uma matéria cercada por falsos mitos; o problema do simbolismo em Matemática; demonstração e o problema do rigor; avaliação em Matemática.

No 2° semestre de 1986 e no 1° semestre de 1987, semestres em que a professora Maria da Conceição ofertou as disciplinas, destacamos dos programas a pergunta “o que é ‘Matemática’?”. Entendemos que a inclusão das aspas na palavra Matemática reafirma o questionamento da concepção de Matemática presente na formação de professores da Universidade até aquele momento, uma vez que era considerada como única e inquestionável, baseando-se principalmente na demonstração e no rigor. Questões já propostas anteriormente, como procedimentos didáticos (agora incluindo-se a dramatização, recursos didáticos, demonstrações e problemas de rigor e o problema do simbolismo), são englobadas em Aprender e Ensinar Matemática. Além desse, temos um tópico para avaliação em Matemática e outros que a seguir tratamos com maior atenção.

Um tópico que aborda algumas questões já mencionadas, mas trazendo uma nova linguagem, é O “Mundo da Matemática”, no qual eram tratados os temas: Personagens; Normas, hábitos, convenções; Linguagem; História e Tradição; Produção e Transmissão.

A Educação Matemática, que passou a figurar nos objetivos, ganhou um tópico exclusivo, consta na Figura 4:


Figura 4
Educação Matemática como conteúdo da Prática de Ensino de Matemática (1986/2° e 1987/1°).
Fonte:Universidade Federal de Minas Gerais (1986).

Ao olharmos para os itens propostos no tópico Educação Matemática, percebemos que questões como a matemática e o professor de matemática na escola de 1° e 2° graus, a relação aluno-professor, a educação e ensino da Matemática já faziam parte dos conteúdos previstos para outros anos. Entretanto, a inclusão dessas questões sobre um mesmo tópico nos sugere duas direções complementares: a primeira, uma possível modificação no modo de se entender a Matemática e seu ensino, já que essas questões pareciam ser tratadas de um modo diferenciado, pautando-se em outras referências; a segunda, a afirmação de um campo emergente no espaço científico-acadêmico, a Educação Matemática, que abrigaria as discussões desdobradas de tais questões. Notemos que, no período em que Maria da Conceição lecionou as disciplinas, é possível perceber a presença de novos pensamentos sobre o ensino de Matemática; o que, possivelmente, deve-se ao fato de que o processo formativo da professora se deu no momento em que as discussões sobre a Educação Matemática estavam se intensificando no Brasil.

No 2° semestre de 1987, a disciplina, ainda sob responsabilidade da professora Maria da Conceição, ganhou outro programa, com pequenas diferenças: a pergunta passou a ser “Quem é a Matemática?”. O tópico Educação Matemática foi desmembrado e a nomenclatura não apareceu. O mundo da Matemática também sofreu alterações, passando a compreender também os seguintes conteúdos matemáticos: os Conceitos de Números e os Sistemas de Numeração; os Números Naturais, Inteiros, Racionais, Reais e Complexos; as medidas; conjuntos e frações; Geometria; Trigonometria; Análise Combinatória; Limite e Derivadas.

Nos anos de 1982 e 1983, a metodologia das disciplinas ministradas pelo professor Abdala estava voltada para atividades desenvolvidas e conduzidas de forma a favorecer o estudante na sua base teórica. Ademais estavam relacionadas aos problemas do ensino de Matemática, permitindo que os graduandos tivessem contato com diversos recursos didáticos. As tarefas eram realizadas em grupo ou individualmente. Os estudantes eram encaminhados aos estágios nas escolas da Universidade, como o Coltec, ou em outras da comunidade. Também era proposta a elaboração de materiais de ensino, sob a supervisão do professor orientador, que deveriam ser aplicados nas aulas em que o estudante estivesse desenvolvendo o estágio. A avaliação se dava no desenvolvimento da metodologia. Além de propor que os estágios ocorressem no Coltec, colégio em que o professor Abdala ministrava aulas de Matemática, era incentivado que os estagiários desenvolvessem e aplicassem materiais concretos. Conforme Melillo (2018), Abdala acreditava que por meio dos materiais concretos os estudantes se envolviam e aprendiam o conteúdo.

Sobre a avaliação, em 1984, consta apenas que os alunos seriam avaliados cumulativamente, seguindo padrões previamente elaborados. De 1984 ao 1° semestre de 1986, de acordo com os programas determinados, a metodologia procurava estabelecer relação íntima entre a teoria e a prática. Do 2° semestre de 1986 a 1989, eram propostas discussões de textos, trabalhos em grupo, ações de estágio supervisionado, análises de programas de Matemática, planificações de aulas, seminários, aulas práticas dos estudantes nas aulas da disciplina, análises de livros didáticos e exposições de recursos didáticos.

AS DISCIPLINAS DE ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO DE 1990 A 1994

As disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado, de 1990 a 1994, foram ministradas pelas professoras Maria Manuela e Maria da Conceição. A partir de 1990, as disciplinas passaram a ser lecionadas em dois semestres, subdivididas em Prática de Ensino de Matemática I (PEM I) e Prática de Ensino de Matemática II (PEM II). Desse momento em diante, percebe-se um direcionamento das disciplinas para a preparação de professores de Matemática para o ensino de 1° e 2° graus.

As ementas da PEM I, de 1990 e 1991, consistiam nos seguintes tópicos: a análise de livros didáticos de Matemática e propostas metodológicas de ensino de Matemática no 1° e 2° graus – elaboração e planejamento da unidade de ensino. A ementa de PEM II consistia na experiência docente em escolas do 1° e 2° graus com o intuito de desenvolver propostas metodológicas. A impressão que temos é que a PEM I era mais voltada para a dimensão teórica, ao passo que a PEM II se voltava para a prática.

Em PEM I, os objetivos eram a análise e elaboração de propostas metodológicas alternativas para o ensino de Matemática no 1° e 2° graus e o planejamento de unidades de ensino para operacionalização das alternativas propostas. A PEM II consistia em operacionalizar propostas de ensino de Matemática para o ensino de 1° e 2° graus, ou seja, colocar em prática o que era planejado na PEM I.

Quanto aos conteúdos das disciplinas PEM I, temáticas que foram abordadas anteriormente são mencionadas: “O que é Matemática?”; importância e significado da Matemática no ensino de 1° e 2° graus; análise de algumas propostas metodológicas para o ensino de Matemática. No tópico Planificação de uma unidade de ensino, temos: seleção e revisão do conteúdo; evolução histórica do conteúdo, seu significado para o aluno e para a Matemática; os conteúdos selecionados e os livros didáticos; detalhamento da metodologia e dos recursos didáticos a serem utilizados; proposta de avaliação para a unidade de ensino. Para a PEM I, o estágio estava pautado na observação de sala de aula nas escolas onde os futuros professores realizavam o estágio. Já as disciplinas PEM II, entre 1990 e 1994, apresentaram adaptações do conteúdo, mas a realização de estágio supervisionado em escolas de 1° e 2° graus da comunidade, sua avaliação e a experiência como docentes foram os quesitos em comum.

Já em 1993 e 1994, foram acrescidas a elaboração e discussão de propostas metodológicas para o ensino de alguns conteúdos de matemática do 1° e 2° graus e a revisão das possibilidades e limitações das propostas elaboradas e aplicadas no estágio. Apesar de estar voltada para a prática, a PEM II mostrou ser também um espaço dedicado à teoria, porém mais diretamente ligado a questões da docência em Matemática.

No que se refere à metodologia para a PEM, temos descrita nos programas uma discussão sempre atualizada com diferentes propostas inovadoras para o ensino da Matemática. Para a PEM I, era proposto o contato com as escolas para a realização do estágio, incialmente voltado para observação, deixando a prática para a PEM II, assim como a elaboração de um plano de aula de uma unidade de ensino que também seria colocado em prática na PEM II. Nos programas analisados das disciplinas PEM II, não foram encontradas as metodologias. Em 1994, duas temáticas de trabalho se destacaram, o Laboratório de Ensino e a Etnomatemática. Lembramos que, em 1991, a professora Maria Manuela fez uma resenha de uma obra sobre Etnomatemática (David, 1991), o que incita considerar possíveis confluências entre a experiência da professora e o programa das disciplinas.

De modo geral, as disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado de 1990 a 1994 se apresentaram com algumas alterações sutis quando comparadas com as disciplinas dos anos finais da década de 1980, apesar da PEM se separar em PEM I e PEM II. Acreditamos que esse fato se deu, especialmente por continuarem sendo ministradas pelas professoras Maria Manuela e Maria da Conceição, que permaneceram contribuindo com as disciplinas com algumas de suas experiências e temas de interesse, sendo possível notar que várias inserções já tinham sido feitas nas disciplinas na década de 1980.

APONTAMENTOS SOBRE A CONSTITUIÇÃO E CIRCULAÇÃO DE PRÁTICAS JUNTO A TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS DE PROFESSORES – A TÍTULO DE CONCLUSÃO

Ao percorremos as ementas e programas de disciplinas, compreendemos o desenvolvimento das disciplinas responsáveis pelo estágio curricular supervisionado. Ao discutirmos objetivos, conteúdos, referências bibliográficas, metodologias e avaliações, traçamos um panorama do funcionamento das disciplinas, como ocorriam, por quem e como eram ministradas, sua forma de organização, temas principais e outros quesitos mencionados que nos levam à reflexão sobre a formação de professores de Matemática da UFMG.

De um modo geral, podemos dizer que os conteúdos, as metodologias e as avaliações acompanharam a modificação dos ideários e discursos pedagógicos no tempo. Nos documentos, podemos perceber a inclusão de discussões sobre materiais de ensino (recursos audiovisuais, livros-texto ou livros didáticos, materiais manipuláveis etc.), Matemática Moderna, Educação Matemática, Etnomatemática e outros discursos pedagógicos que, ao longo dos anos, foram se desenvolvendo e sendo incorporados à prática docente. Podemos considerar, assim, que as disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado atuavam como um catalisador de questões ligadas ao ensino de Matemática, promovendo uma atualização dos ideários e discursos pedagógicos ligados à formação e à atuação de professores de Matemática.

Além desses fatores, conhecer um pouco sobre os professores que ministraram as disciplinas nos permitiu verificar que:

[…] o professor que leciona é que vai dando as características à disciplina. Não existe uma ementa rigorosa que deve ser cumprida, ou seja, uma diretiva dos conteúdos. Os conteúdos vão incorporando às aulas de acordo com o que o professor considera importante para a prática pedagógica do professor de matemática (Valente, 2014, p. 186).

Ao longo da descrição das fontes, a participação dos docentes no funcionamento, desenvolvimento e organização da disciplina foi notável. A título de exemplo, podemos citar a presença e permanência das Jornadas Pedagógicas, proposta metodológica defendida pelo professor Morandi; as discussões em torno dos recursos audiovisuais, tema de interesse do professor Abdala; a inclusão de referências internacionais a partir do trabalho da professora Maria Manuela; ou a incorporação de terminologias e discussões mais ligadas à Educação Matemática, que se constituía como campo de pesquisa nas décadas de 1980 e 1990, com a atuação da professora Maria da Conceição.

Por fim, podemos dizer que as confluências entre as trajetórias profissionais dos professores e os documentos relacionados às disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado mostram-nos como as atividades educativas envolvidas nas práticas de ensinar a ensinar matemática variam conforme se modificam os cenários históricos, a depender dos meios de constituição e circulação de propostas, antigas ou emergentes, para o ensino de matemática na escola, como disciplinas específicas em processos de formação de professores; os encontros, cursos e oficinas realizados por diferentes entidades ou instituições educacionais; as políticas governamentais curriculares, de formação docente, entre outras; as materialidades que orientam o trabalho pedagógico de professores, como textos de referência, livros, manuais, cartilhas, revistas pedagógicas e tecnologias; ou mesmo, a informalidade dos encontros que acontecem no espaço escolar. Estudar essas confluências pode ser um interessante caminho para a compreensão das atividades sociais de indivíduos na configuração de certos saberes na formação de professores de matemática.

Material suplementar
REFERÊNCIAS
Cooney, T. J., Davis, E. J., & Henderson, K. D. (1975). Dynamics of Teaching Secondary School Mathematics. 1 ed. Nova Iorque: Houghton Mifflin.
David, M. M. M. S. (1991). Etnomatemática. Educação em Revista, (13), 89-90.
Fernandes, F. S. (2017). Histórias da posição científico-acadêmica da Educação Matemática no Brasil: sistematização e perspectivas. Zetetiké, v.25(2), 222-239.
Fonseca, M. C. F. R. (1991). O evocativo na matemática: uma possibilidade educativa. (Dissertação em Educação Matemática). Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista. Rio Claro.
Fremont, H. (1969). How to Teach Mathematics in Secondary Schools. 1 ed. Filadélfia: Sounders Company.
Freudenthal, H. (1973). Mathematics as an educational task. 1 ed. Dordrecht: D. Reidel Publishing Company.
Gannam, A. (1981). Uma Proposta Metodológica para Treinamento de Professores de Matemática do 2º grau. (Mestrado em Ensino de Ciência e Matemática). Instituto de Matemática, Estatística e Ciência da Computação, Universidade Estadual de Campinas. Campinas.
Hart, K. M. (1981). Children’s understanding of mathematics: 11-16. 1 ed. Londres: CSMS Mathematics Team.
Kuntzmann, J. (1967). Où Vont les mathématiques?. Paris: Herman.
Krutetskii, V. A. (1976). The psychology of mathematical abilities in school children. Chicago: Universidade de Chicago Press.
Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. (1968). Fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências. Brasília, DF. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5540.htm
Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (1996). Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
Melillo, K. M. C. F. A. L. (2018). História de Práticas de Ensinar-Aprender Matemática no Colégio Técnico da UFMG. (Tese em Educação). Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte.
Miguel, A. (2003). Formas de ver e conceber o campo de interações entre Filosofia e Educação Matemática. In Bicudo, M. A. V. (Org.). Filosofia da Educação Matemática: concepções & Movimento (pp. 24-44). Brasília: Editora Plano.
Miguel, A., Garnica, A. V. M., Igliori, S. B. C., & D’Ambrosio, U. (2004). A educação matemática: breve histórico, ações implementadas e questões sobre sua disciplinarização. Revista Brasileira de Educação, v.27, 70-93.
Qualding, D. A. (1982). La importância de las matemáticas em la enseñanza. Perspectivas, v. XXI (4), 443-452.
Subtil, M. J., & Belloni, M. L. (2002). Dos audiovisuais à multimídia: análise histórica das diferentes dimensões de uso dos audiovisuais na escola. In Maria L. B. (Org.). A formação na sociedade do espetáculo (pp. 47-72). São Paulo: Loyola.
Universidade Federal de Minas Gerais. (1985a). Ementas e Programas das disciplinas Prática de Ensino de Matemática. Arquivo permanente da FaE/UFMG, Colegiado do Curso de Pedagogia, Caixa 05, Livro: 34, pp.110. Belo Horizonte: UFMG.
Universidade Federal de Minas Gerais. (1985b). Ementas e Programas das disciplinas Prática de Ensino de Matemática. Arquivo permanente da FaE/UFMG, Colegiado do Curso de Pedagogia, Caixa 04, Livro: 30, pp. 123-124. Belo Horizonte: UFMG.
Universidade Federal de Minas Gerais. (1986). Ementas e Programas das disciplinas Prática de Ensino de Matemática. Arquivo permanente da FaE/UFMG, Colegiado do Curso de Pedagogia, Caixa 05, Livro: 34. pp.117. Belo Horizonte: UFMG.
Universidade Federal de Minas Gerais. (1987). Ementas e Programas das disciplinas Prática de Ensino de Matemática. Arquivo permanente da FaE/UFMG, Colegiado do Curso de Pedagogia, Caixa 05, Livro: 35. pp.90. Belo Horizonte: UFMG.
Universidade Federal de Minas Gerais. (19--). Memorial de Henrique Morandi. Belo Horizonte: Centro de Documentação e Memória – FaE/UFMG, Fundo: FAE, Caixa 17.
Valente, W. R. (2014). A Prática de Ensino de Matemática e o Impacto de um novo campo de pesquisas: a Educação Matemática. Alexandria, 7, 179-196.
Vilela, M. L. (2020). Compreensões históricas das disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado no curso de Licenciatura em Matemática da UFMG (1968 – 1994). (Dissertação em Educação). Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte.
Notas
Notas
[1] Mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora da Educação Básica. Endereço para correspondência: Rua Amazonas, 2891, São Sebastião, Divinópolis, Minas Gerais, Brasil, CEP: 35.500-065. E-mail: marianalimadiv@hotmail.com
[2] Doutor em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Endereço para correspondência: Av. Antônio Carlos, 6627, Pampulha, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, CEP: 31270-901. E-mail: fernandes.fjf@gmail.com
[3] Atualmente, Maria da Conceição Ferreira Reis Fonseca.
[4] O ensino de 2° grau mencionado faz referência atualmente ao Ensino Médio.
[5] O Colégio Universitário da Universidade de Minas Gerais (UMG), criado em 1936, teve o intuito de dar um acesso prévio aos estudantes que desejassem prestar o vestibular. O colégio funcionou até 1946, retomando suas atividades em 1965, objetivando uma atividade docente repensada. Disponível em: http://www.ufmg.br/90anos/historia-da-ufmg/. Acesso em: 25 nov. 2019.
[6] O motivo que levou o professor Abdala a não terminar o curso, e posteriormente prestar, novamente, o vestibular para o curso de Matemática, não foi mencionado no trabalho de Melillo (2018).
[7] Consideramos o currículo com última atualização em 30/09/2019. Disponível em: http://lattes.cnpq.br/8922123967798236. Acesso em: 25 nov. 2019.
[8] Consideramos o currículo com última atualização em 22/11/2019. Disponível em: http://lattes.cnpq.br/2605895454297792. Acesso em: 25 nov. 2019.
[9] Atualmente utilizamos uma nomenclatura diferente para nos referirmos ao ensino de 1º e 2° graus, estando o 1° grau relacionado ao ensino do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, e o 2° grau, ao atual Ensino Médio.
[10] Além desses professores, Renato Srbek Araújo (1° semestre de 1984) e Heitor Mafre (1° semestre de 1989) também ministraram essas disciplinas, ambos por um pequeno período, apenas um semestre.

Figura 1
Ementa das disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado (1983 – 1989)
Fonte:Universidade Federal de Minas Gerais (1985a).

Figura 2
Objetivos da disciplina de Prática de Ensino de Matemática (1986 – 1989).
Fonte: Universidade Federal de Minas Gerais (1987)

Figura 3
Bibliografia referente ao Ensino da Matemática (1984 – 1985).
Fonte:Universidade Federal de Minas Gerais (1985b).

Figura 4
Educação Matemática como conteúdo da Prática de Ensino de Matemática (1986/2° e 1987/1°).
Fonte:Universidade Federal de Minas Gerais (1986).
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
Visor móvel gerado a partir de XML JATS4R