DOSSIÊ - HISTÓRIAS DE UMA CONSTITUIÇÃO DE SABERES MATEMÁTICOS NO ENSINO

A CONSTITUIÇÃO DAS MATEMÁTICAS SOB O OLHAR DOS REGISTROS DE DIÁRIO DE CLASSE – DÉCADA DE 1970

THE CONSTITUTION OF MATHEMATICS UNDER THE LOOK OF CLASS DIARY RECORDS – 1970’S

Ivanise Gomes Arcanjo Diniz
Universidade Federal da Bahia , Brasil
Joubert Lima Ferreira
Universidade Federal da Bahia, Brasil

Revista de História da Educação Matemática

Sociedade Brasileira de História da Matemática, Brasil

ISSN-e: 2447-6447

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 6, núm. 3, 2020

revista.histemat.sbhmat@gmail.com

Recepção: 15 Julho 2020

Aprovação: 11 Agosto 2020



Resumo: Este texto busca caracterizar a matemática a ensinar e a matemática para ensinar através dos registros dos diários de classe dos professores de matemática em um curso secundário (hoje Ensino Médio) no período da década de 1970. A análise histórica sobre como ocorreu a constituição desses saberes presentes na matemática para ensinar dos professores do 1º ano do 2º grau de uma escola no interior baiano foi respaldada nos estudos sobre saberes a ensinar e para ensinar desenvolvidos por pesquisadores da Equipe de Pesquisa Suíço na História Social da Educação (ERHISE) da Universidade de Genebra, na Suíça, e em recentes estudos sobre a matemática a ensinar e matemática para ensinar do grupo de estudos no Brasil, Grupo de Pesquisa de História da Educação Matemática (GHEMAT), coordenado pelo Professor Doutor Wagner Rodrigues Valente. Nos aspectos teóricos-metodológicos, pretendemos, através dos registros dos diários de classe, compreender os diferentes modos de tratar os saberes para ensinar matemática, tendo como respaldo os saberes objetivados na legislação vigente e nos livros didáticos. Do ponto de vista epistemológico, ao buscar caracterizar os saberes para ensinar, agrega-se a este entendimento reflexões e interrogações sobre as disciplinas escolares no que tange os conteúdos cognitivos e pedagógicos a serem ensinados, em particular os saberes da matemática a ensinar.

Palavras-chave: Matemática a ensinar, Matemática para ensinar, Diário de classe, Centro Integrado de Educação, Bahia.

Abstract: This text seeks to characterize the mathematics to be taught and the mathematics to teach through the records of the class diaries of mathematics teachers in a secondary course (today Secondary Education) in the 1970s period. The historical analysis of how the constitution of this knowledge occurred present in mathematics to teach the teachers of the 1st year of the 2nd grade of a school in the interior of Bahia was supported by studies on knowledge to taught and to teach developed by researchers from the Swiss Research Team in the Social History of Education (ERHISE) of the University of Geneva , in Switzerland, and in recent studies on mathematics to taught and mathematics to teach by the study group in Brazil, Research Group on the History of Mathematics Education (GHEMAT), coordinated by Professor Wagner Rodrigues Valente. In the theoretical-methodological aspects, we intend, through the registers of the class daily, to understand the different ways of treating the knowledge to teach mathematics, having as support the knowledge objectified in the current legislation and in the textbooks. From an epistemological point of view, when searching to characterize the knowledge to teach, reflections and questions about school subjects are added to this understanding regarding the cognitive and pedagogical contents to be taught, in particular the knowledge of mathematics to be taught.

Keywords: Mathematics to be taught, Mathematics to teach, Class diary, Integrated Education Center, Bahia.

INTRODUÇÃO

Este texto busca caracterizar a matemática a ensinar e a matemática para ensinar através dos registros dos diários de classe de 05 (cinco) professores de matemática em um curso secundário (hoje Ensino Médio), constituindo-se em um recorte da pesquisa de doutorado em desenvolvimento por parte da primeira autora, a qual investiga sobre a profissionalização docente dos professores de escolas públicas estaduais baianas. Para este artigo, o recorte temporal utilizado é de 10 (dez) anos, compreendidos entre 1970 a 1980, haja vista que no acervo do local de pesquisa foram encontrados as pastas de professores que lecionaram matemática e seus respectivos diários de classe no período supracitado.

A caracterização da matemática para ensinar no Centro Integrado de Educação Luís Navarro de Britto (CIELNB), que aqui chamaremos de Centro Integrado de Educação de Alagoinhas-BA (CIE-ALA), localizado em Alagoinhas-BA, foi realizada a partir das análises dos diários de classe. Análises, estas, que possibilitaram uma discussão epistemológica sobre a formação de professores de matemática no âmbito escolar. Coadunamos com as ideias de Cusset (2013) quando defende que o ensino de epistemologia na formação de professores não pode estar restrito à filosofia, pois, com isso, perde-se a oportunidade de trazer reflexões sobre a interação entre as formas de transmissão e constituição de um saber instituído como disciplinas (Cusset, 2013 apud Valente, 2019). Nesse sentido, Valente (2019) acrescenta que a epistemologia assume uma função e posição importante no que se refere à formação dos professores, sendo relevante no sentido de questionar os alicerces dos saberes profissionais constituídos. Saberes estes com os quais os professores irão lidar ao longo da profissão.

Ao tratarmos sobre a profissionalização docente, a discussão sobre saberes se torna fundamental, de modo que há na literatura discussões sobre os saberes a ensinar e para ensinar desenvolvidos em estudos sócio históricos por pesquisadores da Equipe de Pesquisa Suíço na História Social da Educação (ERHISE). Esse grupo vem discutindo “o conceito de saberes objetivados, que consiste em caracterizar como são configurados historicamente os saberes presentes na formação de professores” (Valente, 2019, p. 1). O estudo desse tema tem sido ampliado por pesquisadores brasileiros, havendo destaque para o Grupo de Pesquisa de História da Educação Matemática (GHEMAT), coordenado pelo Professor Doutor Wagner Rodrigues Valente, cujo objetivo é caracterizar o processo e a dinâmica de constituição do saber profissional do professor que ensina matemática nos primeiros anos escolares, no período compreendido entre 1890-1990 (Pinto & Novaes, 2018). Este grupo amplia as discussões sobre os saberes objetivados, constituindo novos conceitos sobre a matemática a ensinar e a matemática para ensinar.

A partir daí, grupos de outros estados brasileiros, como a Bahia, aproximam-se da pauta proposta pelo GHEMAT, a exemplo do grupo de pesquisa Laboratório de Integração e Articulação entre Pesquisas em Educação Matemática e Escola (LIAPEME), coordenado pela Professora Doutora Eliene Barbosa Lima. Atualmente, esse grupo possui projeto financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que tem como proposta analisar o processo histórico de profissionalização docente no âmbito da matemática, nos seus diferentes níveis de formação na Bahia, de 1925 até a década de 1980. Nesse projeto, desenvolvido na Bahia, é que a autora e seus colaboradores dão os seus primeiros passos na investigação sobre os tensionamentos históricos acerca da profissionalização do professor que ensina matemática, considerando aspectos conceituais e metodológicos no que tange à dimensão cultural e social em diferentes tempos e formação de professores (Lima, 2016).

Os saberes matemáticos a serem tratados nesta pesquisa têm como ponto de partida seu caráter epistemológico, levando-se em consideração a interação entre os conteúdos cognitivos e formas pedagógicas. A compreensão sobre essa interação consiste no entendimento da matemática a ensinar articulada com a matemática para ensinar. Neste caso, interessa a esta pesquisa a matemática para ensinar. Sobre isso, Pinto e Novaes (2018) salientam que “não basta, somente, que o profissional do ensino se consolide pelo domínio dos conteúdos a serem ensinados, havendo a necessidade de integração com outros saberes, como saberes acerca do aluno que aprende, da instituição que o acolhe, dos métodos para ensinar, ou seja, saberes do campo pedagógico”. (Pinto & Novaes, 2018, p. 142).

Desse modo, para caracterizar historicamente a objetivação de um saber para ensinar, os autores Berini, Morais e Valente (2017) alertam para a importância de que os saberes para ensinar sejam legítimos do ponto de vista histórico, considerando o conhecimento do professor, a sistematização e, se possível, a institucionalização desses saberes (Berini, Morais & Valente, 2017). O significado sobre o que se ensina, quando se ensina e porque se ensinar perpassa por toda uma conjuntura social e histórica que necessita ser discutida e tensionada no âmbito da história da educação, em particular da educação matemática.

Análise da profissionalização docente através dos diários de classe do CIE-ALA

Tendo em vista as ações pensadas para uma proposta de análise sobre o ponto de vista epistemológico da formação dos professores do CIE, iniciamos esta seção trazendo aspectos pedagógicos sobre essa instituição, considerando as tensões existentes entre a formação dos professores de matemática, o registro dos conteúdos e metodologias traçadas pelos mesmos nos diários de classe e os saberes objetivados nos livros didáticos e legislações da época.

O CIE foi constituído a partir de uma proposta de ensino público integrado advinda do Plano Integrado de Educação e Cultura (PIEC) da Bahia, elaborado entre os anos de 1968 e 1971, o qual ofertava educação do ensino primário ao secundário (1º e 2º graus, hoje fundamental e médio). O funcionamento da escola se inicia a partir da transição da Lei 4.024/61, com característica de ensino liberal (priorizando-se a cultura geral, com ênfase dos fins, isto é, nas ideias e na autonomia dos alunos) para a Lei 5.692/71, com a formação de um ensino técnico profissionalizante, valorizando-se a cultura profissional, com foco no meio, ou seja, máquinas para ensinar e adaptação à sociedade (França, 2012). Era uma instituição que se destacava em sua estrutura física, pois tinha como diferencial salas de teatro, laboratórios, quadra poliesportiva e consultório médico. Por ser uma escola de ampla extensão física, recebia um expressivo quantitativo de alunos, necessitando, portanto, de um extenso corpo docente, que era destaque no CIE-ALA pela diversificação de profissionais.

No acervo desta escola foram encontradas as pastas dos professores que lecionaram matemática entre as décadas de 1970 e 1980. A formação dos professores que compuseram o quadro docente era diversificada: leigos, licenciados em Matemática pela Faculdade de Filosofia (FF) e pelo Instituto de Matemática da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e de curso de licenciatura curta em Ciências pelo Programa de Expansão e Melhoria do Ensino (PREMEN). Ainda no acervo escolar do CIE-ALA, foram encontrados diários de classe de 1968, ano de sua criação, até o último ano de funcionamento dos cursos técnicos, em 1996. No momento, nos remeteremos aos anos da década de 1970. Para tanto, foram selecionados 05 (cinco) professores, dos quais encontramos diários de classe desde seus primeiros anos lecionando nas turmas do 2º grau, considerando o período de mudanças de diferentes matrizes curriculares, legislação e sistema de avaliação.

Assim, nos quadros a seguir (de 01 a 05), apresentamos registros de práticas docentes de alguns professores do CIE-ALA, sendo identificadas nos diários de classe informações como: ano, cursos de formação do professor, conteúdos, metodologias e identificação da turma. Consideramos como saberes da profissionalização docente a matemática a ensinar, sendo que os saberes relacionados à formação de professores sobre a matemática a ensinar estão articulados a sua expertise profissional, isto é, a posse dos saberes para ensinar (Hofstetter & Schneuwly, 2009). Contudo, ao fazer uso das análises dos diários de classe, percebemos que os saberes a ensinar nem sempre estão atrelados aos saberes para ensinar, embora Nóvoa (1999) reforce que os conhecimentos e técnicas adotadas pelos professores devem ser essenciais para a sua atuação docente. É neste processo de análise de um período histórico que se tem a possibilidade de compreender que nem sempre as articulações entre saber a ensinar e saber para ensinar se dão, a priori, no contexto escolar.

Este professor, chamado de A[3], lecionou matemática entre os anos de 1972 e 1975 e não era licenciado.

Quadro 01
Professor A – turma de 1º ano ou 1º ano Básico.
AnoFormaçãoO que ensinar Como ensinar Para quem ensinar
1972 Estudante de medicina Revisão ginasial; Conjuntos; Proporção; Juros Simples. Aplicação de exercício de fixação; Exercício em grupo; Verificação geral; Testes; Correções extraclasse; Revisão; Aula prática; Recuperação. Alunos do 1º ano do curso técnico em administração, turno noturno. Sala composta por 44 alunos.
1973 Estudante de medicina Conjuntos; Lógica; Intervalo; Relações; Domínio e imagem; Funções Trigonométricas. Sondagem; Aula prática; Atividade extraclasse; Exercício; Módulo; Atividade em grupo; Revisão de matemática do 1º grau; Resolução de exercício; Atividade programada; Recuperação. Alunos do 1º ano do curso técnico em administração, turno noturno. Sala composta por 42 alunos.
1974 Estudante de medicina Noções preliminares de Conjuntos; Operações com conjunto; Lógica; Estudo comparativo entre conjunto e lógica; Relação; Domínio e imagem; Gráficos de relação; Função; Função linear e gráficos; Função quadrática; Geometria plana; Recuperação. Planejamento; Revisão; Exercício proposto; Resolução de exercício; Alunos do 1º ano Básico, turno noturno. Sala composta por 45 alunos.
1975 Estudante de medicina Noções de conjuntos; Conjuntos numéricos; Lógica; Relação. Seminário de planejamento; Aula inaugural; Exercício. Alunos do 1º ano Básico, turno vespertino. Sala composta por 36 alunos.
Fonte: Acervo escolar do CIE-ALA.

O professor em análise era estudante de medicina e atuou nos anos de 1972 a 1975. Em 1972, seu primeiro ano, seus conteúdos se aproximavam daqueles oficialmente instituídos no curso ginasial na Bahia no referido ano, havendo maior relevância para os conteúdos ginasiais da 5ª e 6º série, conforme documentos curriculares oficiais da Bahia (Bahia, 1972), apresentados na pesquisa de Ferreira (2013). Os conteúdos registrados, embora fossem compatíveis com o curso ginasial, também foram encontrados no programa oficial da matemática colegial do 1º ano do curso normal em estados do nordeste, como Rio Grande do Norte. O curso normal, assim como o curso técnico em administração, era ofertado nas escolas secundárias do ensino de 2º grau[4] no ano de 1971, o que denota que, em outras localidades do Brasil, o processo de inserção de uma linguagem moderna já ocorria antes mesmo da implantação da Lei 5.692/71. Entre os anos de 1961 e 1971, é possível afirmar que houve a busca por uma nova configuração para o ensino de matemática com o advento da Matemática Moderna (Oliveira Filho, 2013). Na composição dos conteúdos alinhados pelo professor A, por exemplo, constatamos a preocupação em ensinar uma matemática nova (conjuntos), apesar de a ênfase dos assuntos ainda estar no âmbito da matemática antiga (proporção e juros simples). Contudo, as suas escolhas podem revelar elementos de uma atenção sobre a matemática para ensinar diante do contexto escolar. De certo, a escolha do conteúdo não estava sistematizada e normatizada em consonância com o que estava prescrito pela lei 5.692/71, que defendia a compreensão sobre a estrutura da realidade e suas relações, mas deixava-se revelar elementos de um conteúdo voltado para a compreensão de assuntos utilitários para problemas práticos (Brasil, 1971. Parecer 853/71). Apresentando poucos registros sobre as formas de avaliação e diagnóstico do aluno, as atividades eram centradas na resolução e correção de exercícios.

A partir do ano de 1973 havia registros de estratégias, como sondagem e seminário de planejamento, procedimentos didáticos encontrados também em saberes objetivados comparados a outros estados, como o Rio Grande Norte, no que tange à formação do curso normal do seu programa oficial (RN, 1971) – o que mostra que essas estratégias de ensino também eram normatizadas em outras localidades do Brasil. Outra questão a ser analisada é quanto aos conteúdos que já se aproximavam daqueles sistematizados e normatizados para as escolas através de livros didáticos, como Matemática da 1ª série (2º grau), 1973, de autoria de Benedito Castrucci. Contudo, lógica e geometria, que não compunham os sumários deste livro didático e nem faziam parte do programa oficial, estavam presentes nos registros dos diários de classe deste professor.

Os saberes para ensinar do professor A não foram constituídos a partir de um saber a ensinar da formação docente, mas as suas escolhas concebem a ideia de que a matemática para ensinar possuía conhecimentos advindos de suas experiências dentro e fora da escola. Fato constatado quando observamos o registro da palavra “planejamento”, registrada apenas a partir do ano de 1974. Considerando que este foi o ano de implantação dos cursos de 1º ano básico (2º grau) no CIE, traços dos resultados dos conteúdos da disciplina matemática foram observados nos diários, a exemplo, outros elementos do conjunto e estudos de função, com uma certa uniformização sobre sua sequência. A recuperação já era uma ação implantada no CIE quando ainda não era uma determinação oficial para as escolas do estado da Bahia. Este termo surgiu após a LDB 5692/71 (Caldas, 2010) e só começou a vigorar em 1974, no entanto, já era possível observá-lo nos diários de classe deste professor não licenciado nos anos de 1972 e 1973, o que mostra que no CIE já havia uma preocupação com a recuperação, a organização e o planejamento na proposta curricular dos cursos. Outra questão analisada foi a presença de práticas pedagógicas registradas nos diários, como sondagem e planejamento, trabalho em grupo, atividade programada e recuperação.

Comparando os registros dos diários de classe com suas provas, evidenciamos que havia em suas práticas uma preocupação com a observação, comparação e justificativas que sobrepunham a execução dos verbos calcular e efetuar. Nos registros da atuação desse mesmo professor, em uma prova de matemática aplicada em 1979 e encontrada na caderneta no acervo escolar do CIE-ALA, verificamos sinais de que o professor apresentava questões diversificadas com múltiplas alternativas, com o foco na interpretação, análise e construção de gráfico e múltipla escolha.

Prova de recuperação – 1979
Figura 01
Prova de recuperação – 1979
Fonte: Acervo escolar do CIE-ALA.

Desta forma, é possível analisar que os conteúdos abordados pelo professor A poderiam estar atrelados ao que regia a legislação, contudo, suas formas de ensinar revelam experiências oriundas de outros contextos educacionais em que o cálculo e a aplicação de fórmula dava espaço a interpretação, análise e construção de gráficos de função.

Em relação à professora B, os diários avaliados foram dos anos de 1974 a 1976.

Quadro 02
Professora B
Ano Curso de formação O que ensinar Como ensinar Para quem ensinar
1974 Estudante do curso de licenciatura no IM-UFBA Sequência; Progressão aritmética; Progressão geométrica; Função trigonométrica; Função quadrática; Função exponencial; Geometria plana. Apresentação da disciplina; Bibliografia; Resolução de problemas; Trabalho em equipe; Discussão do exercício; Exercício; Avaliação. Alunos do 1º ano Básico, turno noturno. Sala composta por 39 alunos.
1975 Finalizou as disciplinas de matemática do IM Conjuntos; Produto cartesiano; Razões Trigonométricas; Função; Função logarítmica; Função exponencial; Posição relativa entre duas retas; Geometria plana. Seminário de Planejamento; Reconhecimento da turma; Apresentação da disciplina e da bibliografia; Resolução de exercícios; Exercício em equipe; Discussões dos trabalhos; Discussão do conceito; Construção de gráficos; Cálculo de áreas; Recuperação. Alunos do 1º ano Básico, turno noturno. Sala composta por 45 alunos.
1976 Finalizou as disciplinas de matemática do IM Conjuntos; Funções e gráficos; Função exponencial. Atividade de localização; Sondagem; Grupo de estudos; Exercício de fixação; Recuperação. Alunos do 1º ano Básico, turno noturno. Sala composta por 45 alunos.
Fonte: Acervo escolar do CIE-ALA.

No ano de 1974 havia registros de conteúdos mais próximos da aritmética, geometria e álgebra com pouca relação com a teoria dos conjuntos, diferentemente do que aconteceu com o professor A, mencionado no quadro 01, que desde 1972 já lecionava os conteúdos relacionados à teoria dos conjuntos. A inserção de conteúdos como progressão aritmética e geométrica era parte dos programas curriculares da matemática tradicional anteriores à década de 1960, estando presentes em livros didáticos para o colegial, como o livro de Ari Quintella (1965).

A escolha da professora traz evidências de que a inserção de conteúdos sobre a matemática tradicional seguia a mesma orientação do índice do livro didático do autor Ari Quintella, que em 1965 publicou o livro de matemática para o colegial com conteúdos matemáticos sem uma abordagem da teoria dos conjuntos. Considerando que a professora já possuía um conhecimento sobre a matemática moderna, isto traz indícios de que as escolhas dependiam do professor e do seu contexto educacional; essas escolhas perpassam sobre a matemática para ensinar. A professora estudava no Instituto de Matemática (IM), mas não chegou a concluir o curso, portanto, tinha conhecimento das abordagens da linguagem de conjuntos para os conteúdos de matemática. No que diz respeito às escolhas dos conteúdos a lecionar, em termos, mostrava a resistência de não seguir um programa normatizado, conforme registrado no livro didático de Guelli, Iezzi e Dulce (1973), que apresentam a sequência dos conteúdos conjuntos, relação, função do primeiro grau, função quadrática, função modular, função exponencial e função logarítmica e funções circulares.

Os conteúdos do 1º ano se tornam semelhantes ao mostrado no quadro 01 a partir do ano de 1975, seguindo uma sequência de assuntos de conjuntos e função mais próxima das sequências de livros didáticos com abordagem mais moderna, em que autores como Castrucci e Pierro Neto já eram autores de livros didáticos e faziam parte do Grupo de Estudos do Ensino da Matemática (GEEM)[5]. “Conjuntos e função foram considerados conteúdos mínimos apresentados para o curso colegial de matemática pelo grupo GEEM, liderado por Osvaldo Sangiorge, no IV Congresso Brasileiro de Ensino de Matemática em Belém-PA”. (Oliveira Filho, 2009, p. 131).

O procedimento didático “Seminário de Planejamento”, apresentado em 1975, destaca-se no registro dos diários de classe no quadro 01 e 02, de diferentes professores. Esse fato pode indicar que havia uma discussão alinhada sobre as disciplinas ou pelo menos uma cultura escolar em que os professores registravam em diário de classe situações comuns a todos eles.

Um dos pontos observados no registro dos conteúdos era o lugar em que se registrava o conteúdo de geometria nos diários de classe, tanto no quadro 01 quanto no quadro 02. Nos livros didáticos da época, a geometria sempre era colocada depois dos outros conteúdos matemáticos. Isto porque, com a advento da matemática moderna, esse conteúdo se tornou menos nítido no currículo escolar, levantando-se questionamentos sobre a geometria fazer parte ou não dessa matemática. Nos livros didáticos) encontrados nos acervos pessoais de alguns dos professores (Schor & -Tizziotti, 1976; Castrucci et al., 1977; Iezzi & Murakami, 1977)[6] entre os anos de 1970 e 1980, o lugar da geometria era evidenciado, apresentando-se sempre ao final do sumário dos conteúdos e fazendo parte da trigonometria. No quadro 02 a geometria plana apareceu uma vez, em 1975, nos dois primeiros anos analisados, ao final dos demais conteúdos. Da mesma forma no quadro 01, em que aparece uma vez no ano de 1974.

Portanto, a postura da professora B e do professor A revelam a preferência pelos conteúdos algébricos e um suposto seguimento ao que estava na sequência dos livros didáticos. É possível avaliar o quanto a cultura escolar pode influenciar e intervir no desenvolvimento e nas práticas pedagógicas dos professores, uma vez que era comum, também, identificar nos diários de classe desses professores propostas metodológicas relacionadas à resolução de problemas, à construção de gráficos e ao trabalho em grupo. Essas práticas escolares cotidianas, conforme Chervel (1990), podem estar atreladas à formação continuada e ao diálogo entre professores e a coordenação pedagógica.

Quanto à professora C, foi feita a análise do seu diário de classe durante 02 (dois) anos seguidos. Ela concluiu o curso de Licenciatura em Matemática na Faculdade de Filosofia antes de começar a lecionar no CIE-ALA. Comparando os seus registros nos diários de classe com os registros dos documentos oficiais do programa de matemática para o ensino normal de 1971, podemos perceber algumas semelhanças em relação às sugestões de procedimentos didáticos. Em seus diários de classe, palavras como trabalho de grupo, sondagem, pesquisa e resolução de problemas têm igual similaridade com este programa. É importante ressaltar que este programa, já mencionado nos quadros 01 e 02, possui em suas referências para a construção da disciplina de matemática autores como Zoltan Dienes (1973)[7](Braga, 2012), um matemático que veio da França para atuar nos cursos de formação de professores das universidades do Brasil e contribuiu com grupos de estudos em alguns estados brasileiros, a exemplo da Bahia, que teve em sua liderança a Professora Martha Dantas. A professora C cursou Licenciatura em Matemática pela FF e teve em sua formação profissional a disciplina Didática com a professora catedrática Martha Dantas.

Quadro 03
Professora C
Ano Curso de formaçãoO que ensinar Como ensinar Para quem ensinar
1970 Formada em matemática pela FF Estudos de conjuntos; Operação com conjuntos; Lógica matemática; Relações e funções trigonométricas; Aula inicial: contato com grupo; Trabalho de grupo; Exercício de fixação; Aplicação de psicoteste; Revisão dos assuntos; Recuperação; Teste individual; Representação gráfica. Alunos do 1º ano científico, turno matutino. Sala composta por 30 alunos.
1972 Formada em matemática pela FF Equação do 1º e 2º graus; Regra de três e porcentagem; Pesquisa de juros; Geometria; Sondagem; Revisão de conteúdos anteriores: Teste individual; Trabalho em grupo; Exercício; Pesquisa; Exercício de fixação; Resolução de problemas; Entrevistas; Atividade extraclasse; Recuperação. Alunos do 1º ano, curso técnico em administração. Sala composta por (?) alunos.
Fonte: Acervo escolar do CIE-ALA (adaptação nossa).

Nos registros dos diários de classe da professora C nos anos de 1970 e 1972, a sondagem, a revisão de conteúdo, o trabalho de grupo, as representações gráficas, a recuperação e a resolução de problemas já eram práticas advindas de um contexto de uma matemática dedutiva e algébrica, em que não era comum a representação gráfica e a resolução de problemas. No quadro 01, sondagem apareceu também no diário de classe do professor A, no ano de 1972, o que traz fortes indícios do diálogo entre os professores, influenciando e contribuindo em suas respectivas formações. A professora C, além de professora de matemática do CIE-ALA, também assumiu outros cargos no CIE-ALA, como vice-diretora e coordenadora da área de matemática nesse mesmo período.

No registro da professora C no ano de 1970, por se tratar de um curso científico, a matemática a ensinar estava mais voltada ao ensino preparatório para o vestibular com enfoque na teoria dos conjuntos. Em 1972, referente ao curso técnico, era trazida uma matemática mais direcionada a aplicabilidade e especificidades desses cursos, no entanto, também se pensava em um ensino normatizado a partir do que estava determinado na legislação. Contudo, a sua forma didática não deixava dúvidas sobre as escolhas de como ensinar, a exemplo de atividades como entrevistas, resolução de problemas, pesquisa, trabalho em grupo e representação gráfica. O que chama a atenção é que a sequência do conteúdo, ano após ano, não era seguida por uma sequência de conteúdos matemáticos inseridos em uma determinada época. Como pode ser visto nos quadros 01 e 02, houve uma modificação cíclica de conteúdos da matemática tradicional para uma abordagem mais moderna, embora no quadro 03 isso não tenha ocorrido – o que reforça a ideia de que, no contexto escolar, a matemática para ensinar pode ser acíclica, dependendo de fatores como as escolhas e abordagens que o professor pode fazer para uma determinada turma ou contexto escolar.

Outro ponto observado é o conteúdo de lógica. No quadro 02 esse assunto não é abordado pela professora B, diferentemente do quadro 01 e do quadro 03. Para algumas coleções de livros, como a do Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas (IBFP) – “Matemática - o Curso Colegial Moderno” (1967-1970), dos autores Scipione de Pierro Neto, Luiz Mauro Rocha e Ruy Madsen Barbosa, lógica era um dos conteúdos considerados relevantes, de modo que o Volume I da matemática colegial contemplava os assuntos de conjuntos e lógica, diferente da School Mathematics Study Group (SMSG, 1964), que possuía intenções mais experimentais e constituía o Volume I com a abordagem de conjuntos e função (Oliveira Filho, 2009). Isso denota a diversidade de materiais a serem utilizados pelos professores e as possibilidades de escolhas sobre o que ensinar a partir dos saberes objetivados no processo de profissionalização docente.Outra professora (D) que teve os seus diários analisados cursou a licenciatura curta em Ciências pelo PREMEN no período entre 1976 e 1977.

Quadro 04
Professora D
Ano Curso de formação O que ensinar Como ensinarPara quem ensinar
1976 Estudante do Curso de Licenciatura Curta - PREMEN Conjuntos; Operação com conjuntos; Intervalo; Plano cartesiano; Função; Função exponencial. Aula inaugural; Atividade de socialização e Localização; Atividade extraclasse; Sondagem geral e específica; Exercício de verificação de aprendizagem; Avaliação de atividades; Revisão dos assuntos; Prova; Recuperação. Alunos do 1º ano Básico, turno noturno. Sala composta por 48 alunos.
1977 Estudante do Curso de Licenciatura Curta – PREMEN Mês de março à disposição do curso da FACED – PREMEN Noções e operações com Conjuntos; Conjunto numérico; Produto cartesiano; Relações; Funções; Função quadrática. Atividade extraclasse; Exercício; Verificação de aprendizagem; Avaliação final. Alunos do 1º ano Básico, turno vespertino. Sala composta por 38 alunos.
1978 Licenciatura Curta - PREMEN Noções e operações com conjunto; Relação; Domínio e imagem; Função linear; Função quadrática; Função exponencial. Planejamento; Aula inaugural; Sondagem; Verificação de aprendizagem; Exercício de fixação; Revisão; Representação gráfica; Resolução de equações; Recuperação. Alunos do 1º ano, turno vespertino. Sala composta por 38 alunos.
1979 Licenciatura Curta - PREMEN Introdução e operação com conjuntos; Produto Cartesiano; Relação; Função linear; Função quadrática. Planejamento; Aula inaugural; Sondagem; Exercício, Avaliação; Verificação de aprendizagem; Revisão; Recuperação. Alunos do 1º básico, turno noturno. Sala composta por 38 alunos.
Fonte: acervo escolar do CIE-ALA (adaptação nossa).

Além dos registros similares nos diários de classe sobre a matemática para ensinar, a exemplo do conteúdo relacionado à matemática moderna, com conteúdo de conjuntos, as mudanças ocorridas antes e depois desta professora iniciar o curso superior chamam a atenção, mesmo esse curso não habilitando-a para o magistério do 2º grau. Algumas particularidades puderam ser percebidas quando a professora D se referiu ao registro da representação gráfica, que é apresentado no ano de 1976, justamente ano que estava estudando no PREMEN. Neste mesmo ano, foi encontrada uma prova de recuperação elaborada e aplicada por esta professora e, embora tenha registrado alguns conteúdos com foco em conjuntos, na prova encontrada na caderneta da professora no ano de 1976 foram evidenciados aspectos de assuntos relacionados à aritmética.

Prova de recuperação de matemática – 1976.
Figura 02
Prova de recuperação de matemática – 1976.
Fonte: Acervo escolar do CIE-ALA.

Duas hipóteses podem ser consideradas: ou professora realizou uma prova para revisão dos conteúdos do 1º grau ou o que estava sendo registrado no diário de classe não condiz com o conteúdo abordado em sala de aula. Outro ponto a ser observado é a forma como eram avaliados os alunos, haja vista a conotação de um ensino de matemática que ainda privilegiava os verbos resolver e calcular. Entre os anos de 1976 e 1977, os registros dos diários mencionam como estratégias utilizadas a resolução de exercício, a revisão e a verificação da aprendizagem. A partir dos anos de 1978 e 1979 outros termos passaram a ser utilizados, como planejamento de aulas e representação gráfica. Além disso, os conteúdos sobre conjuntos e funções foram mais bem aprofundados, mostrando que a formação no curso de Licenciatura curta em Ciências pode ter incorporado às suas práticas pedagógicas conhecimentos que a professora D não conhecia ou não havia desenvolvido.

A professora E iniciou sua trajetória como professora normalista, realizando entre 1976 e 1978 a Licenciatura curta em Ciências pelo PREMEN.

Quadro 05
Professora E
Ano Curso de formação O que ensinar Como ensinarPara quem ensinar
1974 Normalista Matemática financeira: Razão e proporção; Juros simples e compostos; Polígonos; Geometria plana; Regra de Sociedade. Planejamento; Apresentação da matéria; Exercício exploratório sobre o assunto; Exercício de fixação; Resolução de problemas; Cálculo; Revisão; Explicação participativa; Trabalho de grupo; Recuperação. Alunos do 2º ano do curso técnico em administração, turno noturno. Sala composta por 40 alunos.
1976 Estudante do Curso de Licenciatura Curta - PREMEN Noção e operação de conjuntos; Intervalo; Plano cartesiano; Relação; Função linear; Representação gráfica; Função quadrática; Introdução à Função exponencial. Conversa informal e apresentação da matéria Técnica de aprendizagem nominal; Teste de sondagem; Exercício de fixação; Revisão de conteúdo; Trabalho em grupo. Exercício exploratório; Atividade extraclasse; Recuperação. Alunos do 1º ano Básico, turno noturno. Sala composta por 32 alunos.
1977 Estudante do Curso de Licenciatura Curta – PREMEN Noção e operação de conjuntos; Plano cartesiano; Relação; Função linear; Representação gráfica; Função quadrática. Exercício exploratório; Exercício de fixação; Revisão; OBS: a partir de 1977 os conceitos foram substituídos por notas. Alunos do 1º ano Básico, turno vespertino. Sala composta por 32 alunos.
1978 Licenciatura Curta – PREMEN e Pedagogia pela Faculdade de Educação – UFBA Noção de conjuntos; Intervalo; Produto cartesiano; Relação; Correspondência biunívoca de uma função; Função linear; Estudo de gráficos; Função quadrática; Função exponencial. Planejamento; Exercício exploratório; Exercício de fixação; Revisão; Resolução de problemas; Recuperação. Alunos do 1º ano Básico, turno vespertino. Sala composta por 38 alunos.
Fonte: Acervo escolar do CIE-ALA.

Nos anos de 1974 e 1976 foi identificada na trajetória profissional da professora E mudanças sobre a organização da escolha dos conteúdos de matemática. No ano de 1974 a professora trabalhava com os seguintes conteúdos: aritmética, álgebra e geometria. Contudo, a sua forma de ensinar já revelava uma preocupação com o aprendizado do aluno, pois se utilizava de estratégias como a conversa informal, apresentação da matéria, técnica de aprendizagem nominal, teste de sondagem, explicação participativa e trabalho de grupo, evidenciando saberes docentes de uma professora que poderia ter experiências de vivências escolares.

A partir do ano de 1976 mudanças nas escolhas dos conteúdos a ensinar passam a ocorrer, como a inclusão de conjuntos e funções. A primeira hipótese para essa mudança foi a sua inserção no curso de Licenciatura curta em Ciências pelo PREMEN. A outra hipótese pode estar atrelada ao processo de normatização do ensino e a inserção da matemática moderna nos currículos escolares, conforme identificado nos livros didáticos de Guelli, Iezzi e Dolce (1973), Iezzi e Murakami (1977) e Castrucci et. al (1977). No tocante ao modo como se ensina os novos conteúdos, percebemos que, em seu repertório de práticas metodológicas e didáticas, havia outros registros nos diários de classe, como verificação de aprendizagem e teste de sondagem – termos comuns se comparados aos demais professores dos quadros anteriores.

Os conteúdos e as metodologias de ensino abordados pela professora E têm similaridades com as registradas pela professora D, do quadro 04. Porém, na prova de recuperação encontrada no diário de classe da professora E, no ano de 1977, percebemos que, de fato, o conteúdo sobre conjuntos e a forma de apropriação dos conteúdos foram evidenciados nas questões elaboradas pela professora.

Prova de recuperação – 1977
Figura 03
Prova de recuperação – 1977
Fonte: Acervo escolar do CIE-ALA.

Expressões como calcule e efetue não foram identificadas nesta prova, mas uma linguagem matemática de símbolos e representações gráficas de conjuntos. Além disso, a resolução de problemas e o uso de termos como complete, localize e escreva, comuns em disciplinas da área de linguagens ou de humanas, estão presentes na escrita da prova, revelando que esta professora, para além dos saberes sistematizados, teve sua construção histórica no que tange às diferentes formas de trabalhar com cada conteúdo.

OUTRAS ANÁLISES

Os quadros em análise apresentam peculiaridades de professores com formação e trajetória profissional e acadêmica diversificadas (estudante de medicina - professor A; estudante do curso de Matemática do IM - professora B; Licenciatura em Matemática da FF - professora C; Licenciatura Curta em Ciências pelo PREMEN - professoras D e E), o que revela que há diferenças e semelhanças sobre a escolha do que ensinar, mas, também, sobre como ensinar. A prática docente de uma cultura escolar se identifica como própria de escolhas a serem seguidas pelos professores, mas também de comunicação de planejamento, uso de material didático estabelecido. Neste sentido, é possível inferir que a prática docente de uma cultura escolar se faz tanto pelas escolhas a serem seguidas pelos professores como, também, pela comunicação em relação ao planejamento e uso de material didático estabelecido.

Sobre o conhecimento do professor a respeito de modo como ensinava o conteúdo de conjuntos, selecionamos os primeiros anos de experiência no CIE de cada professor em turmas do 1º ano dos cursos técnicos. Nos diários de classe foram encontrados registros de estratégias usadas pelos docentes, tais como: trabalho de grupo, sondagem e exercício. Por outro lado, técnicas de aprendizagem, revisão dos assuntos, apresentação da disciplina e discussão de conceitos foram outros termos pontuados pelos professores. Esse fato pode ser consequência das experiências vivenciadas nos cursos de treinamento, tal como o “I Treinamento de professores da série básica”, em 1974, realizado pela Secretaria de Educação e Cultura (SEC) da Bahia para professores do 1º ano básico.

Mesmo com a diversificação em relação à formação, o conteúdo perpassa por todos os professores seguindo uma sequência similar do assunto. Contudo, fazemos menção ao pensamento de Burke (2017) para legitimar que, apesar de as práticas de sistematização parecerem inalteradas ao longo do tempo, na realidade, elas dependem “da conjuntura, ocorrem de acordo com diferentes regras e diferentes tipos de apoio em diferentes épocas e meios” (Burke, 2017, p. 69). Tais experiências docentes foram sendo analisadas historicamente a partir dos registros nos diários de classe, o que apenas possibilita hipotetizar sobre o modo como ocorriam as aulas.

O conteúdo de conjuntos e funções passa a ser evidenciado nos registros dos diários de classe desses professores, que possuem diferentes formações, experiências acadêmicas e profissionais. Isso mostra que em meados da década de 1970 a matemática a ensinar no CIE-ALA estava pautada nos conjuntos e funções para o 1º ano do 2º grau.

Há, na análise dos diários de classe, aspectos de continuidade e descontinuidade do conteúdo de conjuntos, principalmente por parte da professora C. No quadro 03, percebemos que no ano de 1970 ela leciona o conteúdo de conjuntos e lógica na turma de 1º ano, do curso científico, e no ano de 1972, em uma mesma série, curso técnico, os conteúdos eram relacionados à matemática tradicional sem nenhum entrelaço com a abordagem da teoria dos conjuntos. Para Dienes (1977), esse entrelaço exigia do professor a mudança da prática de ensino de uma matemática antiga, adestrada e mecânica para uma matemática cognitiva, de linguagem e interpretações, adotando-se uma nova forma de ensinar a partir da teoria dos conjuntos.

Para alguns professores do CIE-ALA, a partir dos registros dos diários de classe, em seu primeiro ano lecionando matemática nos cursos técnicos, como visto no quadro 01, 02 e 05, a compreensão de ensinar matemática pode ter surgido de saberes objetivados de autores de livros didáticos (matemática tradicional) ou conhecimentos adquiridos de outras experiências escolares. Entretanto, não podemos desconsiderar que outros saberes objetivados, como a legislação vigente e os livros didáticos, tragam outros olhares e compreensões sobre a matemática para ensinar. Sobre isso, as escolhas dos conteúdos de matemática abordados pela professora C, do quadro 02, apresentam aspectos de um ensino de matemática pautado na turma, quando voltado para o científico (matemática entrelaçada a abordagem de conjuntos).

Ainda sob o aspecto do ensino de matemática para o colegial científico, Valente (2016) reforça que o ensino secundário se constituiu até a década de 1980 como curso preparatório para o ensino superior, interligado a uma cultura geral e distanciado de finalidades prático-utilitárias. Com a inserção da Lei 5.692/71, esse entendimento passa a ser contraditório quando comparada à finalidade da lei, que primava pela formação técnica profissionalizante. No contexto do CIE-ALA, a professora C, em suas as escolhas acerca dos conteúdos, trazia em sua marca um ensino prático-utilitário para os alunos do curso técnico e outro preparatório para o ensino superior, quando se tratava do curso científico.

Porém, o pensamento de Valente (2016) se torna convergente com a escolha dos conteúdos do professor A, quadro 01, quando, mesmo com a legislação apontada para um ensino técnico, esse professor ia na contramão da legislação trazendo conteúdos preparatórios para o vestibular, mantendo uma continuidade sobre o que ensinar em anos seguintes. Contudo, ao longo dos diários de classe, nem sempre os conteúdos se mantiveram de forma contínua para todos os professores nos registros de todas as cadernetas analisadas. Isso aconteceu com a professora E, quadro 05. À medida que assumiu o ensino do 2º grau e não tinha, ainda, formação em nível superior, os conhecimentos sobre a matemática para ensinar foram sendo construídos pelas orientações que lhe foram passadas no contexto escolar, ou seja, legalmente instituídos para os diferentes níveis escolares, considerados como saberes objetivados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse contexto, temos a diversificação de saberes a e para ensinar, os quais não podem ser analisados de maneira separada, uma vez que estão amalgamados, em especial no que tange especificamente à matemática a ensinar e a matemática para ensinar na 1ª série do 2º grau no período da década de 1970. A partir da legitimação dos conteúdos registrados nos diários de classe e nas provas, foi possível analisar como a matemática para ensinar era compreendida pelos professores.

Em particular, o confronto entre os registros dos diários de classe e os livros didáticos encontrados nos acervos desta escola e nos acervos particulares de alguns desses professores, ajudou, em grande medida, a trazer algumas questões sobre os saberes para ensinar, entre elas, a metodologia de ensino. Além disso, o tipo de conteúdo abordado antes e após a institucionalização da lei 5.692/71 no CIE-ALA tinha relação com a matemática tradicional. Após a institucionalização da Lei passou a ter proximidades com uma linguagem mais moderna e a reverberar instruções auto programadas ou orientações de estudos sob o formato de estudo dirigido (Fontoura, 1967), principalmente na década de 1970, quando uma vulgata (Chervel, 1990) de livros didáticos passaram aderir a linguagem simbólica da teoria dos conjuntos. Tendo em vista ser o livro didático um importante objeto sobre a trajetória de disciplinas escolares dentro de um contexto histórico. Além disso, ocorreram mudanças no tipo de conteúdo abordado antes e após a institucionalização da lei 5.692/71 no CIE-ALA. Antes, havia maior relação com a matemática tradicional, de modo que, após a institucionalização da Lei, passou-se a adotar uma linguagem mais moderna e a reverberar instruções auto programadas ou orientações de estudos sob o formato de estudo dirigido (Fontoura, 1967), principalmente na década de 1970, quando uma vulgata (Chervel, 1990) de livros didáticos passaram aderir à linguagem simbólica da teoria dos conjuntos, gerando grande influência sobre a docência (em especial considerando que o livro didático se constitui em importante objeto sobre a trajetória de disciplinas escolares dentro de um contexto histórico).

Além disso, outros fatores também foram considerados para a compreensão dessa matemática para ensinar a partir dos registros dos diários de classe, como o contexto da legislação vigente de ensino, a formação dos professores e as provas desenvolvidas por eles. Sobre isso, Chervel (1990) acrescenta que uma disciplina escolar não se reconhece apenas pelas práticas docentes, mas em todo um processo histórico educacional e cultural não linear, sendo consideradas as finalidades que a escola vivencia em um dado tempo histórico.

Diante dessas particularidades e diferentes trajetórias e dificuldades na formação superior dos professores, em particular da Matemática a ensinar, faz-se importante escrever a historiografia pessoal e profissional docente, constituindo o entendimento de como foi a profissionalização docente desses professores nos cursos técnicos do CIE, sobre a matemática para ensinar. Nesta matemática para ensinar, a investigação perpassa sobre a origem da formação dos professores, as suas compreensões pedagógicas de ensino e as suas motivações para o ensino da matemática, a legislação, as formas de apropriação, o contexto escolar e a circulação dos livros didáticos.

Como hipótese sobre o desenvolvimento dessa discussão, institui-se importante refletir e analisar novas compreensões, esclarecimentos e projeções sobre a relação da formação de professores de matemática e o ensino secundário no que se refere à matemática a ensinar e a matemática para ensinar. Como não pretendemos esgotar neste artigo essas discussões, a intenção é estendê-las em outra oportunidade, com foco em novas perspectivas da profissionalização docente, privilegiando o cruzamento entre entrevistas dos professores do CIE e analisando os cursos de formação continuada por eles realizados e sua contribuição no processo de profissionalização docente. Assim, buscamos encontrar neste cruzamento de informações novos saberes para ensinar, advindos dos professores que divergiram de saberes objetivados em determinadas épocas em que se estuda a matemática a ensinar e a matemática para ensinar.

REFERÊNCIAS

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Notas

[1] Mestrado em Ensino, Filosofia e História das Ciências pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Professora da Rede Pública Estadual da Educação Básica da Bahia. Secretaria de Educação do Estado da Bahia (SEC/BA), Salvador, Bahia, Brasil. Endereço para correspondência: Loteamento Pôr do Sol, 40, Casa, Centro, Amargosa, Bahia, Brasil, CEP: 45300-000. E-mail: ivanisegomesster1@gmail.com
2 Doutor em Ensino, Filosofia e História das Ciências pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Professor do Programa de Pós-Graduação em Ensino (PPGEns) e do Mestrado Profissional em Matemática (PROFMAT) da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB). Endereço para correspondência: Rua da Prainha, 1326 — Pavilhão 01, ala C, gabinete 21 - Morada Nobre — Barreiras / BA — CEP: 47810-059. E-mail: joubert.ferreira@ufob.edu.br
[3] Nesse artigo iremos preservar os nomes dos professores visto que, como alguns deles não foram entrevistados, não temos a autorização para citá-los.
[4] No curso do estado do Rio Grande do Norte, a matemática até então não era oferecida nas séries seguintes, mas, até o ano de 1973 nos cursos técnicos do CIE, esta era ofertada nos três anos.
[5] Criado em 31 de outubro de 1961 pelo Professor Osvaldo Sangirorgi, constituá-se em “uma proposta inspirada na existência do SMSG americano (School Mathematics Study Group)” (Burigo, 1989, p. 105).
[6] Autores de livros didáticos de matemática do 1º ano do 2º grau.
[7] Em 1973, a professora Martha Dantas trouxe para a Bahia o professor Zoltan Dienes com o intuito de colaborar com o acompanhamento de mudanças no ensino de Matemática e na busca de atualização na formação dos professores de matemática no ensino secundário na Bahia.
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